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GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
RECOLHA DE RESÍDUOS
Sumário
Traduzindo-se a recolha de resíduos, em geral, numa necessidade social impreterível, o mesmo não se pode dizer da recolha selectiva multimaterial de recicláveis, pelo que não se justifica a imposição de serviços mínimos que a abranja durante uma greve decretada para o período entre as 00h00 e as 24h00 nos dias 26 e 27 de Dezembro de 2024. (Sumário elaborado pela CIJ)
Texto Integral
Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - Relatório.
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional (STAL) recorreu do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral que, por unanimidade, definiu os serviços mínimos a prestar durante o período de greve que decretou para o período entre as 00h00 e as 24h00 nos dias 26 e 27 de Dezembro de 2024, pedindo que seja parcialmente revogado na parte em que decretou serviços mínimos para a recolha selectiva multimaterial de recicláveis, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
"1. O objecto do presente recurso de apelação é o de saber se a recolha selectiva de resíduos recicláveis (vidro, cartão e embalagens), só por assim ser qualificada, deve ou não ser automaticamente considerada matéria sujeita obrigatoriamente a decretamento de serviços mínimos por ocorrência de greve.
2. A decisão arbitrai foi ipsis verbis e integralmente coincidente com a posição da empresa recorrida, pois o tribunal arbitral copiou e deu como provada a proposta integral da empresa sem sequer discutir os argumentos aduzidos pela Recorrente na sua proposta alternativa.
3. O tribunal arbitral não despendeu um único argumento que fosse para fundamentar a sua decisão de recusa limitar e absoluta da proposta do sindicato relativamente à específica matéria da recolha selectiva multimaterial de recicláveis.
4. A decisão arbitral neste segmento foi manifesta e grosseiramente uma decisão anti greve, desproporcionada, injustificada e erradamente fundamentada (enviesada).
5. O presente recurso não tem por objecto a matéria decisória relativa à recolha de resíduos indiferenciados, nem tão pouco os pontos da decisão arbitral sobre 'aterros sanitários', 'TMB de Riba de Ave', 'estações de transferência', 'transportes' e 'ETAL e CVEB'.
6. A questão jurídico-constitucional que importa chamar ao conhecimento do tribunal ad quem é a de que a recolha selectiva multimaterial de recicláveis não é, de per si, uma 'necessidade social impreterível', precisamente na esteira do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Outubro de 2024, proferido no processo n.º 1921/24.0YRLSB.
7. O acórdão arbitral recorrido discorre apenas teoricamente acerca das balizas legais para fixação de serviços mínimos, mas sem fazer qualquer distinção entre a recolha selectiva de recicláveis e a demais recolha indiferenciada de resíduos, e sem se ater à circunstância concreta e ao contexto relacional do caso, incorrendo em desvio de fundamentação.
8. Com erro jurídico, o Acórdão arbitral invoca a alínea h) do n.º 2 do artigo 537° do Código do Trabalho (CT) não aplicável ao caso concreto, para aí concluir que toda a actividade da empresa, seja qual for, desde que de recolha de resíduos, é qualificável como necessidade social impreterível.
9. O Acórdão arbitral não distingue o diferente, amalgama tudo o que é resíduos urbanos, trata tudo do mesmo modo e intensidade, qualifica tudo indiferenciadamente de necessidade social impreterível, numa abordagem manifestamente ilegal e inconstitucional, com fundamentação enviesada.
10. Segundo o acórdão arbitral, só porque a empresa levará a cabo uma actividade de relevância social, que é juridicamente coisa bem diversa de qualificar toda a sua actividade por satisfação de 'necessidade social impreterível' e 'indispensável', tal justificaria, abarcar também a recolha selectiva multimaterial de recicláveis, que nem sequer está assegurada em todo o território coberto pela empresa nem tão pouco em todo o País.
11. No sector específico da recolha de resíduos em Portugal já se realizaram greves sem o decretamento de serviços mínimos, e por maioria de razão, mais vezes até sem o decretamento de serviços mínimos para a recolha selectiva multimaterial, como de resto aconteceu em greve anterior realizada na mesma empresa aqui recorrida.
12. A propósito de uma greve na mesma empresa o Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou sobre esta matéria tendo declarado, Que a recolha é um serviço essencial, concordamos. Mas o conceito de necessidade social impreterível vai, como bem explicita o Recrd.º, invocando Doutrina avalizada, para além disso. Trata-se de necessidades urgentes e inadiáveis, serviços que asseguram prestações vitais e indispensáveis para a vida em comunidade.
13. A recolha selectiva de recicláveis, em regra não contaminados e por isso mesmo recicláveis, não é automaticamente elegível para ser abrangida no conceito jurídico de necessidade social impreterível, logo não carecendo, sem mais, de inclusão no bloco sujeito a serviços mínimos em tempo de greve.
14. A decisão arbitral violou o disposto no n.º 3 do artigo 57.º da Constituição que determina uma autorização legal exclusivamente para regular a disciplina dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer apenas e só à satisfação de necessidades sociais impreteríveis em períodos de greve.
15. Ora, não se podendo considerar a recolha selectiva de recicláveis de per si e automaticamente, matéria que envolva a satisfação de necessidades impreteríveis, isso tem como necessária consequência a violação daquele comando constitucional.
16. Esse preceito constitucional é ainda violado por se não ter comprovado, nem o acórdão arbitral o indica, que haja sido ponderada a regra da proporcionalidade e adequação ínsita na dimensão da indispensabilidade desses serviços mínimos decretados; aliás o acórdão arbitral adere acriticamente à proposta máxima da empresa, sem sequer a discutir em concreto e no contexto relacional do caso que mal apreciou.
17. A decisão arbitral violou ainda a alínea c), do n.º 2, do artigo 537.º do CT, na medida em que fez abranger indistintamente na estatuição dessa alínea todas as actividades empresariais como sendo socialmente impreteríveis, dispensado, erradamente, o labor interpretativo da situação em concreto e da norma aplicável, conforme ao artigo 57.º da Constituição, o que teria implicado o apuramento de entre as necessidades sociais satisfeitas pela empresa quais seriam aquelas que têm a intensidade de serem impreteríveis, logo se a recolha selectiva multimaterial de recicláveis naquelas condições também corresponderia ou não à satisfação de uma necessidade social impreterível e indispensável.
18. A recolha selectiva de materiais recicláveis, em regra não contaminados e por isso mesmo recicláveis, não é elegível para ser abrangida no conceito jurídico de necessidade social impreterível, logo não carecendo, sem mais, de inclusão no bloco sujeito a serviços mínimos em tempo de greve".
A recorrida RESINORTE - Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, S.A., contra-alegou, concluindo que o acórdão recorrido deve ser confirmado.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que deverá se concedido provimento ao recurso e revogado o acórdão quanto ao segmento recorrido
As partes responderam ao parecer do Ministério Público, no essencial para reafirmar o que antes já haviam dito na alegação e na contra-alegação do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa apurar se:
• a recolha selectiva multimaterial de recicláveis não é uma necessidade social impreterível, não tendo que ser fixados serviços mínimos para a greve decretada pelo apelante.
*** II - Fundamentos. 1. Os factos julgados provados:
"1. O STAL subscreveu aviso prévio para as trabalhadoras e trabalhadores seus representados na Resinorte, S. A. para execução de greve prevista para o período entre as 00h00 e as 24h00 nos dias 26 e 27 de Dezembro de 2024.
2. A greve abrange o âmbito geográfico delineado pela actividade da Resinorte, a qual trata os resíduos de 35 municípios: Alijó, Amarante, Armamar, Baião, Boticas, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Chaves, Cinfães, Fafe, Guimarães, Lamego, Marco de Canaveses, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Mondim de Basto, Montalegre, Murça, Penedono, Peso da Régua, Resende, Ribeira de Pena, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, Santo Tirso, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Trofa, Valpaços, Vila Nova de Famalicão, Vila Pouca de Aguiar, Vila Real e Vizela.
3. A RESINORTE cobre uma área geográfica com mais de 8 mil km2, com cerca de 913 mil habitantes, que produzem diariamente mais de mil toneladas de resíduos.
4. O STAL reiterou a proposta de serviços mínimos por si apresentada na DGERT, e que aqui se dá por integralmente reproduzida e que consistem no seguinte:
'I. Um trabalhador em cada um dos quatro aterros sanitários em exploração (Celorico, Boticas, Bigorne e Vila Real), para a satisfação das necessidades mínimas requeridas pela recepção de resíduos urbanos (total – quatro trabalhadores); II. Uma equipa de prevenção, constituída por um electricista e um técnico de biogás, para monitorizar e controlar permanentemente o bom funcionamento das quatro estações de tratamento de lixiviado (ETAL), da ETAR e de 3 dos 4 centros electroprodutores de energia a partir do biogás (Celorico, Boticas e Bigorne). Não se inclui um electromecânico na equipa porque a empresa actualmente não tem qualquer trabalhador com essa categoria e não se inclui o centro electroprodutor de energia a partir do biogás de Santo Tirso, porque esse serviço é prestado por uma empresa privada contratada pela RESINORTE para o efeito, que não está abrangida pelo presente aviso prévio de greve (total 2 trabalhadores); III. Um operador para a recepção dos resíduos em cada estação de transferência, salvo a existência de operador externo à empresa. Não se propõe um motorista, no caso das estações de transferência em que a deslocação dos resíduos seja efectuada por motoristas da RESINORTE, devido à duração da greve (48 horas), tendo além disso as estações de transferência capacidade para manter os resíduos correspondentes a esse período nos contentores existentes nas mesmas. Os efeitos da greve que se pretende acautelar com serviços mínimos são os que potencialmente possam atingir necessidades sociais impreteríveis da população (efeitos externos) e não necessidades de conveniência na laboração da empresa (efeitos internos) (total entre 1 e sete trabalhadores). IV. Também se não propõem serviços mínimos para a recolha selectiva multimaterial, na esteira do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Outubro de 2024 douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Outubro de 2024, que no âmbito do processo n.º 1921/24.0YRLSB, veio a decidir, sem votos vencidos, que 'traduzindo-se a recolha de resíduos em geral, numa necessidade social impreterível, o mesmo não se pode dizer da recolha selectiva ou lixo reciclável'. O mesmo Acórdão estabeleceu ainda que 'a necessidade social impreterível é a que se reporta a serviços que asseguram prestações vitais ou à realização de direitos básicos', com isso estabelecendo que a recolha selectiva de resíduos não visa assegurar uma prestação vital nem realizar um direito básico oponível a outros. Esta doutrina veio já a ser sufragada pelo recente Acórdão arbitral com Processo n.º AO/38/2024-SM, do Conselho Económico e Social, relativamente à determinação de serviços mínimos neste domínio não fixados para uma greve realizada pelos trabalhadores da RESINORTE, SA.'
5. A RESINORTE reiterou a proposta de serviços mínimos por si apresentada, ou seja, os serviços mínimos a manter e os trabalhadores necessários para os assegurar deverão ser os seguintes:
'Aterros Sanitários em exploração (4) – Um trabalhador para satisfação das necessidades mínimas requeridas pela recepção de RU em cada aterro – 4 operadores (Celorico, Boticas, Bigorne e Vila Real); - conforme proposta de SM do STAL e Acórdãos (Proc. AO-10_2024, de 04/06/2024; Proc. AO-38_2024, de 26/11/2024) TMB de Riba de Ave (4) – Dois trabalhadores por cada dois turnos para satisfação das necessidades mínimas requeridas pela recepção de RU e carregamento de refugo – 3 manobradores + 2 operadores de garra.; - conforme Acórdãos (Proc. AO-19_2024, de 23/07/2024);
Estações de Transferência (7) - um trabalhador para satisfação das necessidades mínimas requeridas pela recepção de RU em cada estação de transferência e pela respectiva vigilância (7 ET - MoimB, CHV, CinF, CabBasto, Baião, SJPesq e Fafe), - 7 operadores de pesagem; - conforme Acórdão_Proc. AO-10_2024, de 04/06/2024 e proposta de SM do STAL;
Transportes (4) – Um motorista para satisfação das necessidades mínimas requeridas pela pouca capacidade de armazenagem dos contentores da ET – 4 motoristas (4 UP – Boticas, Riba Ave, Celorico, Bigorne – conforme Acórdão_Proc. AO-10_2024, de 04/06/2024 e proposta de SM do STAL
Recolha Selectiva Multimaterial (16) – oito equipas de Recolha Selectiva para satisfação das necessidades mínimas requeridas, nas zonas de maior população da RESINORTE (Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso, Fafe, Vila Real, Amarante, Marco de Canaveses e Chaves) para efectuar a recolha selectiva - 8 motoristas + 8 operadores;
ETAL e CVEB (2) - Dois trabalhadores com conhecimentos e preparação/experiência técnica para satisfação das necessidades mínimas requeridas pelo funcionamento e vigilância da ETAL e da Central de Valorização Energética do Biogás existentes nos aterros da RESINORTE; - conforme Acórdão_Proc. AO-10_2024, de 04/06/2024 e proposta de SM do STAL.'
6. À greve antecede um fim-de-semana (sábado (dia 28/12) e domingo (29/12) e procede a época natalícia, com todo um acréscimo de um volume de resíduos produzidos, derivados de um aumento de consumos.
7. A RESINORTE e o STAL informaram que está ainda a decorrer uma greve ao trabalho suplementar.
8. A greve verifica-se num domínio onde está em causa a protecção da saúde e da segurança e salubridade públicas, atendendo às características do período abrangido (de 24 a 29/12/2024).
9. As partes não chegaram a acordo quanto ao estabelecimento de serviços mínimos e aos meios para os assegurar". 2. As questões do recurso.
2.1. Antes de entrar na análise da questão suscitada no recurso cabe dizer que o facto julgado provado sob o n.º 8 não pode assim manter-se uma vez que não é um facto propriamente dito, mas uma conclusão de direito versando sobre o núcleo central da questão controvertida e, por conseguinte, definidora do thema decidendum dos autos pois que têm precisamente em vista saber se a recolha selectiva multimaterial de recicláveis se insere num domínio onde está em causa a protecção da saúde e da segurança e salubridade públicas, atendendo às características do período abrangido (de 24 a 29/12/2024) e, por conseguinte, se era ou não passível de fixação de serviços mínimos para a greve decretada para esse período pelos trabalhadores da apelada, como é de resto entendimento doutrinal1 e jurisprudencial há muito pacificado.2
Assim sendo, elimina-se o n.º 8 dos factos julgado provados.
2.2 A questão central colocada na apelação prende-se com a pretendida consideração de que a recolha selectiva multimaterial de recicláveis não é uma necessidade social impreterível, não tendo que ser fixados serviços mínimos para a greve decretada pelo apelante.
O n.º 1 do art.º 57.º da Constituição da República estabelece no seu n.º 1 que "é garantido o direito à greve" e o n.º 3 que "a lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis".
Por seu turno, o art.º 537.º Trabalho estabelece no n.º 1 que "em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades" e no n.º 2 que "considera-se, nomeadamente, empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o que se integra em algum dos seguintes sectores: (…) c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais"; e o art.º 538.º, também desse diploma, prevê no n.º 1 que "os serviços previstos nos n.os 1 e 3 do artigo anterior e os meios necessários para os assegurar devem ser definidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respectiva associação de empregadores" e no n.º 5 que "a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade".
É apodíctico, pois, concluir que a actividade desenvolvida pela requerente é vital para o normal devir da vida na sociedade, como em qualquer uma sociedade contemporânea, como também não colhe nenhum obstáculo dizer-se que o direito exercido pelo recorrido tende para ser visto como essencial para a defesa e desenvolvimento dos direitos do colectivo dos trabalhadores que representa, ao cabo e ao resto sempre a parte menos protegida nas relações laborais e que amiúde pouco ou nada mais pode fazer para tal vincar perante os empregadores.
Estamos, assim, no conhecido limbo a que conduz o conflito de direitos (sempre associados a deveres, e isso é bom não esquecer) e que comummente se tende a resolver num ponto de equilíbrio maximizando um sem postergar irremediavelmente o outro, sempre difícil mas em todo o caso necessário para a harmonia social possível; nada a que a lei geral não tenha há muito prevenido no n.º 1 do art.º 335.º do Código Civil afirmando que "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes".
E é isto que a jurisprudência tem enfatizado, como foi no caso no acórdão desta Relação de Lisboa, de 24-02-2021, no processo n.º 1566/18.4T8FNC.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, lendo-se no seu sumário que considerou que "I − O direito à greve constitui um direito fundamental dos trabalhadores, previsto no art.º 57.º da Constituição da República Portuguesa, por via do qual podem os mesmos recusar a prestação laboral contratualmente devida, sem que tal acarrete qualquer consequência jurídica desfavorável nas suas esferas jurídicas; II – Não sendo, contudo, o direito à greve um direito absoluto, sofre o mesmo os limites resultantes da necessária conciliação com outros direitos constitucionalmente protegidos". E não é a circunstância conhecida de que quase sempre daí resultarem danos de diversa natureza para as empresas prestadoras dos serviços afectados e para os demais cidadãos que invalidará o exercício desse direito pelos trabalhadores; condicionará, certamente, como é próprio da situação conflitual descrita, mas não poderá de modo algum eliminar o seu exercício (neste sentido, vd. o acórdão da Relação de Lisboa, de 03-12-2014, no processo n.º 2028/11.6TTLSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt).
Todavia, se isso vale para os resíduos sólidos urbanos em geral, já o mesmo se não pode dizer relativamente aos que são objecto de recolha selectiva multilateral recicláveis (os conhecidos vidro, papel e plástico / metal), pois que em regra a sua recolha fora de escala nenhum risco sério acrescido acarreta para o regular funcionamento da sociedade − é certo que, como refere a apelada, quando não recolhidos em tempo podem provocar acidentes ou obstruir as vias públicas, mas isso será em casos extremos e, seguramente, muito para além do período de tempo previsto para a greve decretada pelo apelante, mesmo considerando o período festivo em que esta se inseria; nos termos em que se equaciona a greve, seguramente que causará alguns transtornos sociais, mas não qualquer dano irreparável à segurança, saúde ou salubridade públicas nem tampouco impedirá o exercício de qualquer direito fundamental dos cidadãos. De resto, nesta ordem de ideias decidiu já esta Relação de Lisboa, em acórdão de 09-10-2024, no processo n.º 1921/24.0YRLSB-4, publicado em http://www.dgsi.pt (com data venia ao apelante e à Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta), assim sumariado: "1 - Traduzindo-se a recolha de resíduos, em geral, numa necessidade social impreterível, o mesmo não se pode dizer da recolha selectiva ou lixo reciclável. 2 - A necessidade social impreterível é a que se reporta a serviços que asseguram prestações vitais ou à realização de direitos básicos. 3 - Mesmo em presença de uma necessidade social impreterível a imposição de serviços mínimos importa que se pondere a respetiva indispensabilidade".
Daí que se imponha conceder a apelação e revogar, parcialmente, o acórdão na parte em que decretou serviços mínimos para a recolha selectiva multimaterial de recicláveis.
*** III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder a apelação e revogar, parcialmente, o acórdão na parte em que decretou serviços mínimos para a recolha selectiva multimaterial de recicláveis.
Custas pela apelada (art.os 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 4.º, n.º 1, alínea f) e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
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Lisboa, 26-03-2025.
Alves Duarte
Paula Pott
Alexandra
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1. Neste sentido refere Rui Pinto Código de Processo Civil, Anotado, volume II, Almedina, Coimbra, 2018, página 163: "Por isso e ao contrário do despacho do art.º 596.º, a decisão da matéria de facto não pode conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas".
2. Nesta ordem de ideias decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 17-12-2019, no processo n.º 756/13.0TVPRT.P2.S1, publicado em http://www.dgsi.pt: "Saber se determinado enunciado linguístico é adequado a descrever uma factualidade juridicamente relevante reconduz-se a uma questão de direito, pelo que, não obstante o preceituado no n.º 2 do art.º 682.º do CPC, cabe ao tribunal de revista ajuizar sobre tal adequação"; o que, como decidiu o acórdão da Relação do Porto, de 23-06-2021, no processo n.º 2837/19.8T8MTS.P1, publicado em http://www.dgsi.pt, deve ser feito "…por iniciativa desta Relação, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispomos (art.º 662.º, n.º 1, CPC)".