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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
MEIOS DE PROVA
Sumário
(da responsabilidade do relator): I - A impugnação ampla da matéria de facto em sede de recurso não corresponde a um segundo julgamento, pelo que o recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP, os factos que considera incorretamente julgados, os específicos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida, e, se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda. II – Não procede a impugnação quando a recorrente se limita a apontar a oposição entre a versão da arguida e do assistente, a qual é corroborada por prova testemunhal, procurando descredibilizá-la com base na afirmação de factos que não logrou provar.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal de Lisboa foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «1. Pelo exposto, julgo a acusação pública e a acusação particular parcialmente procedentes por parcialmente provadas e, consequentemente: a) Condeno a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa; b) Condeno a arguida AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 70 dias de multa; c) Em cúmulo jurídico, condeno a arguida AA, na pena única de 200 dias de multa, à razão diária de € 6,00, o que perfaz o montante global de € 1.200,00; d)(…) 2. Julgo os pedidos de indemnização cível deduzidos pelo Demandante BB, procedentes por provados e em consequência condeno a demandada AA nos pedidos contra si formulados, ou seja, no pagamento ao Demandante, da importância de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora á taxa legal de 4€ desde a presente data até integral pagamento».
Inconformada, recorreu a arguida, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância, o qual julgou e decidiu condenar a Arguida ora Recorrente AA (…). 2. E, por dela a Recorrente, não concordar, com o devido respeito, por opinião contrária, mas considera a ora Recorrente, que o Tribunal da 1.ª Instância, incorreu assim em erro na apreciação e interpretação da matéria de facto, suas motivações, bem como nem procedeu á correta interpretação e aplicação dos preceitos e valores legais pertinentes, 3. Omitindo ou abstendo-se de outras, desconsiderando mesmo a questão essencial, que é a correta, e justa se análise, se os factos alegados pelo Ofendido ora Recorrido, se verdadeiramente, se os factos ocorreram, a ... de ... de 2024, data referida pelo Recorrido e quem os praticou, ou seja, quais os seus Autores e demais circunstâncias, 4. Que constam na Queixa, apresentada pelo Recorrido, junto da P.S.P. de …, se é esta a data que correspondendo à versão dos factos alegados e pretendidos apresentar pelo do Ofendido. 5. Ou, se pelo contrário ocorreram no do mês de ... de 2020, do ano de 2020, data também admitida pelo Ofendido. 6. Ou ainda os factos apresentados pela Recorrente, ocorridos em ... de 2020, á versão dos factos também alegados pela Arguida, ou qualquer outra data, 7. De onde resulta assim claramente que o Tribunal da 1.ª Instância, não respondeu de forma correta e equilibrada, coerente, ás questões que permanecem ainda latentes nos Autos, nomeadamente, quanto: 8. À interpretação que o Tribunal da 1.ª Instância faz, da matéria de facto “Dada por Provada” e “Não Provada” da análise da Sentença, pese embora o respeito que lhe merece tal decisão, não pode a ora Recorrente, com ela se conformar, quer com: d) A interpretação que o Tribunal de “1.ª Instância” faz da matéria de facto por si apurada, com incidência nos Pontos 1, 4, 6, 7, 8, 9, 16 e 17. e) Da matéria dada por não provada. f) Da matéria dada por provada. g) Motivação da Decisão de Facto. h) Fundamentação Jurídico-Penal e aplicação do direito a essa mesma matéria, 9. E por dela a Recorrente, não concordar na íntegra e, com o devido respeito por opinião contrária, 10. E, há agora que tentar, a apreciação por este Tribunal Superior da matéria da prova, atendendo, que também não é proibido – a falibilidade da apreciação do rigor probatório, em matéria, circunstâncias, tempo, lugar e a dinâmica da ocorrência dos factos, 11. Como a transcrição da prova realizada gravada em Audiência e Julgamento e a prova documental junto aos Autos, não deixará de corroborar, 12. Quando dos factos da Acusação, da prova documental junto aos Autos, da análise da prova realizada através dos depoimentos gravados em Audiência e Julgamento, são por si elementos necessários e suficientes de onde: Consta 13. Na prova recolhida durante: – A fase do Inquérito, - que o Recorrido, a .../.../2021, apresentou “Queixa” contra a Recorrente, por esta, no dia .../.../2021, na ..., junto ao n.º ..., ..., por volta das 18h00, o ter ofendido e agredido, Arguida dirigindo-se ao ofendido proferiu as seguintes expressões: “paneleiro”, “ladrão” e “filho da puta” e “roubaste o antigo senhorio” e “seu filho da puta, queres cona mas não é a minha, seu filho da puta, cabrão”. A Arguida, após se travar de razões com BB, dirigiu-se a este e deu-lhe um pontapé na zona genital, causando-lhe dor. 14. Mas tendo, posteriormente, o Recorrido, a .../.../2022, isto é passado cerca de nove (9) meses no “Auto de Inquirição de Testemunha n.º 2”, vir declarar porém, que admite, que os factos tenham ocorrido “... de 2020 e não a .../.../2021, veio assim por em crise a data definitiva, concreta da ocorrência dos factos, “Pensa que terá sido em ..., teve uma desavença com a denunciada, pelo facto desta se ter intrometido num assunto relacionado com outro inquilino,”. 15. Ora, resultando também, da leitura do texto da Decisão do Tribunal da 1.ª Instância, inequivocamente uma enorme contradição, com a matéria gravada, dada por prova em Audiência de Julgamento, obtida, através das declarações prestadas pelo Ofendido/Assistente ora Recorrido, e do depoimento das suas Testemunhas por si arroladas, CC e DD e pela Arguida ora Requerente, e pela sua incongruência e contradição nos seus depoimentos entre si, 16. E, com a prova documental (documentos 1, 2 e 3) apresentados pela Arguida, junto aos Autos, 17. Que são elementos necessários e suficientes, determinantes, para conseguir uma sempre e almejada, mas não conseguida, transparência do enquadramento da prova á aplicação ás normas do direito Penal, pelo Tribunal da 1.º Instância, 18. Em momento nenhum do julgamento (declarações do Ofendido Assistente ora Recorrido, depoimento da Arguida e das testemunhas) ou mesmo das diligências efetuadas na fase do Inquérito, resulta que os factos alegados pelo Ofendido tivessem ocorrido no dia ... de ... de 2021, como alega o Ofendido ora Recorrido, 19. Bem pelo contrário, também se percorrermos toda a prova recolhida durante: – A fase do Inquérito, consta que a data de .../.../2021 da ocorrência dos factos, inicialmente alegada, pelo Ofendido, veio a ser posta e crise, posteriormente, ao alegar de que suspeita que os factos teriam ocorrido sim em ... e não na data anterior alegada, onde consta. 20. Pelo que não se poderá deixar de reconhecer que aquela Sentença apresenta erros e omissões judiciários a vários níveis, 21. Conclusão: Constitui uma asserção confidencial deste Tribunal, uma vez que, em momento nenhum, foi possível pela via da produção da prova extrair tal conclusão. 22. Assim, a Recorrente pugna, desde já, pela procedência do presente recurso, modificando-se a decisão ora recorrida e: i) Absolver a Ré AA, ora Recorrente de todos os crimes de que vem acusada; Ofensas à Integridade Física Simples e do Crime de Injúrias. j) Julgar totalmente improcedente por não provado o pedido de Indemnização Cível deduzido pelo Assistente BB ora Recorrido conta a Arguida ora Recorrente: k) E dos juros legais. 23. O Tribunal da 1.ª Instância, errou ao ter dado por provado os factos, nos Pontos 1,4,6,7,8,9,16 e 17, bem como, toda a sua fundamentação, 24. Porque o Recorrido, ás 18h00 do dia .../.../2021, não se encontrava no local onde os factos ocorreram, á data dos factos, como consta da Prova Testemunhal gravada, produzida em Audiência de Julgamento, através dos depoimentos: Recorrido, da Testemunha CC e DD I - Como consta do depoimento do Ofendido: Instância da Mma. Senhora Juiz: (Ficheiro 20240612110225) BB. 00.50 a 0205., em síntese.00.50 a 02.05. Pergunta: Relativamente aos factos, o que é que aconteceu de acordo com a sua versão? Quando e onde? Resposta: Numa data muito infeliz, que eu marquei, dia ... de ... de 2021, na ..., no ..., desloquei-me para lá ir ver uns familiares e falar com eles, que moram lá, sou proprietário das casas A dona AA, estava lá á porta e começou-me a insultar, que eu: “Era um ladrão” - “Roubei o antigo senhorio” – com palavras muito obscenas, “Que eu sou um Paneleiro”, não tinha mulher, “Que gosta de pichotas, mas não é da minha”. Eu sem saber o que se passava, abri a porta do portão, cheguei lá dentro e queixei-me, de que a vizinha só poderia estar embriagada, para falar desta maneira, sem que nada o fizesse prever. pronto tudo bem não faças caso, deixa ficar. À saída de regresso a casa na rua ela continuava lá á porta, mas aí já lá tinha umas amigas e continuou com o mesmo palavreado a insultar-me, E uma das amigas dela disse-me para não fazer muito caso, que ela vai ser operada amanhã, vai dar baixa ao hospital, está um pouco alterada. E nesse momento ela sai disparada da porta dela e dá-me um pontapé, nos testículos, sem que nada o fizesse prever. II – Da testemunha CC – Instância da Dig.ª Procuradora, (Ficheiro 20240619094313) 12:35: a 014:00: e síntese: Pergunta: E não presenciou depois ao final do dia a agressão? Resposta: Não, porque ele foi embora, disse que ia embora, ele esteve comigo até ás 6h00 ou 6h30 da tarde. Pergunta: E, não ouviu também qualquer discussão? Resposta: Quero dizer, eu ouvi um zunzum, tipo desconversar assim, mas não eram assuntos meus, não vim cá fora, é como digo moro num patiozinho, não liguei. No dia seguinte é que o Sr. BB me veio contar o que é que tinha acontecido. III. Instância do Mandatário da Arguida: (Ficheiro 20240619094313) CC 16:00: a 16:28: Pergunta: O Sr. também disse ao Tribunal que houve um período, que a deixou de ver, em que período é que a deixou de ver? Resposta: Data exata eu não lha sei dizer, mas quando o Sr. BB se queixou no dia seguinte á agressão, segundo ele, porque eu não vi a agressão. 18:14 a 18:50: Pergunta: O Sr. esteve no local, no dia dos factos? Viu a Sra., AA no dia anterior? Resposta: Vejo-a todos os dias, praticamente todos os dias, Pergunta: Então nesse dia, não se apercebeu de nada? Resposta: Ouvi uns zunzuns, Pergunta: O que é que lhe contou o Ofendido? Resposta: O Sr., BB passou ali o dia onde eu resido, como lhe digo aquilo é dele, as propriedades são dele. IV. Como consta do depoimento da Testemunha DD, Instância do Mandatário da Arguida (Ficheiro:20240912113525) 15:50 a 17:45: Pergunta: Sabe, que a Sra. foi operada, sabe em que data foi ou mês? Resposta: Não sei, não faço ideia, Pergunta: A Sra., ainda lá estava quando a Sra. AA foi operada á barriga? Resposta: Sim ainda lá estava? Pergunta: Não sabe em que dia, a Sra. AA foi operada, mês ou ano? Resposta: Talvez em Fevereiro, Março ou Abril, não sei, só que ela esteve muito tempo no Hospital, e eu só estive quatro dias Ela disse que tinha estado em casa da filha, antes de ir para o hospital, depois da operação também voltou para casa da filha. 25. Quando, também á data dos factos .../.../2021, a Recorrente, não estava no local alegado pelo Recorrido, desde o dia .../.../2021, data em que foi de Urgência para o hospital devido a crise de dores fortes no estomago, que já vinha a sofrer desde a algum tempo atrás, como consta (no documento 2) “ Doente recorre ao Serviço de Urgência a .../.../2021, por quadro de dor abdominal) 26. De onde veio a ser transportada diretamente para casa da sua filha em ..., por ordem médica, recomendada para permanecer em repouso acompanhada, medicada em cuidados preparatórios para intervenção cirúrgica, no Hospital de ..., 27. Para onde foi transportada e deu entrada no dia ... de ... de 2021, pela sua filha, onde permaneceu por cerca de quinze dias, até receber alta, voltando para casa da sua filha, onde ficou até se restabelecer, como consta no (documento 3) “esteve internada no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de ..., ... entre as 09h13 do dia .../.../2021 e às 12h15 do dia .../.../2021” 28. E, através das contradições do depoimento da Testemunha DD, em relação á matéria e as outras Testemunhas quanto aos mesmos factos, através dos seguintes depoimentos em Tribunal: Instância da Dig.ª Magistrada do M.P. (Ficheiro 20240612102613) 03:47 a 08:45: Pergunta: Sabe porque razão é que está cá hoje e Tribunal para prestar o seu depoimento? Resposta: Não sei se foi por uma briga discussão que tive com a Sra., AA ou se foi uma briga dela com o Sr., BB, Pergunta: O que o Tribunal pretende saber é se a Sra., presenciou alguma coisa e em caso afirmativo, o que é que a Sra., viu? Resposta: Aquilo era uma casa que tinha um grande pátio, eu estava a fazer a minha lide de casa, Pergunta: A Sra. aria recorda-se qual foi o ano? Resposta: Eu acho que foi há dois anos, não me recordo, Pergunta: O que é que a Sra., ouviu e viu? Resposta: Eu ouvi muitos palavrões por parte da Sra., AA dirigidos ao Sr., BB. Pergunta: Que palavrões foram esses, Sra., DD, tem esmo que os reproduzir. Resposta: São muito feios, seu filho da puta, o que tu queres sei eu, mas não te dou, seu paneleiro, és u grande porco, queres mandar nos inquilinos, as casas são tuas, mas não os inquilinos, na minha casa ando eu, (…) Eu fui ao portão e fui ver então e vi ela a chegar-se a ele para o agredir, entretanto veio a Sobrinha dela de carro, parou o carro ao pé dele e saiu muito rápido e disse para ele: não bates na minha tia, para o Sr., BB, Pergunta: E, a seguir o que é que a Sra., viu? Resposta: Então ela apanhou-o distraído e deu-lhe um pontapé nas partes e ele ficou muito aflito. Pergunta: Dona DD isso é muito importante, a Sra., tem a certeza que viu a Sra., AA a dar um pontapé na zona genital? Resposta: Sim ela levantou bem a perna e deu-lhe e disse assim: Bem feita já levas-te um pontapé, nos—ponto. Pergunta: Mas tem a certeza que viu isso, após o Sr., BB queixou-se? Era o que estava a dizer? Resposta: O Sr., BB queixou-se, depois estavam a juntar as Sobrinhas dele, depois eu disse Sr. BB venha para dentro, deixe isso porque ela não sabe estar, olhe que isso é mau muito mau, e então ele veio para dentro comigo e a coisa estancou por ai, não me apercebi de mais nada, 29. E, através do depoimento e Tribunal da Recorrente; Instância da Mma. Senhora Doutora Juiz Ficheiro: 20240612102613 Pergunta: Foi em Novembro? Resposta: Foi em Novembro ele vai fazer queixa de mim, não sei passando quanto tempo. porque nessa data eu estava em casa da minha filha, 04:48: a 05:30 Pergunta: Não foi no dia ... de ... de 2021? Resposta: Não porque eu estava em casa da minha filha, eu estava muito doente, eu estava tão doente, estava na minha filha, eu tinha muitas crises, eu tinha um tumor na barriga com 9,800/Kg, por isso eu passava a maior parte do tempo com a minha filha. E quando tive a última crise em que tive de ir de urgência para o hospital no dia .../.../2021, no período da pandeia, no hospital a médica depois de fazer os exames, perguntou-me se eu tinha alguém para toma conta de mim, e a minha filha como estava em casa devido á pandemia, a minha filha disse, a minha mãe vai para minha casa, 05: 53:a 09:25: Pergunta: Sra. AA, vamos lá por partes, no dia .../.../2021, não aconteceu nada? Resposta: Nada, nada, Doutora foi tudo em Novembro, Pergunta: Este, n.º 9 é o quê? Resposta: É o pátio, onde eu nasci e fui criada, ele comprou aquelas casas todas, eu moro no n.º 5, que pertence também a ele. Pergunta: Então a Sra. não lhe deu um pontapé na zona dos genitais? Resposta: Não Senhora Doutora, eu estava tão doente, no dia 24 de eu estava tão doente e casa da minha filha, em ..., eu estava e ..., E, que a Testemunha DD, do Ofendido/Assistente ora Recorrido, quanto aos mesmos factos, veio prestar o seguinte depoimento em Tribunal: Instância da Mma. Senhora Juiz: 01:10: a 01:20: Pergunta: A Sra., conhece a pessoa que está a ser julgada Dona AA? Resposta: Sim foi minha vizinha Instância da Dig.ª Magistrada do M.P. 03:47 a 08:45: Pergunta: Sabe porque razão é que está cá hoje e Tribunal para prestar o seu depoimento? Resposta: Não sei se foi por uma briga discussão que tive com a Sra., AA ou se foi uma briga dela com o Sr., BB, Pergunta: O que o Tribunal pretende saber é se a Sra., presenciou alguma coisa e em caso afirmativo, o que é que a Sra., viu? Resposta: Aquilo era uma casa que tinha um grande pátio, eu estava a fazer a minha lide de casa, Pergunta: A Sra. DD recorda-se qual foi o ano? Resposta: Eu acho que foi há dois anos, não me recordo, Pergunta: O que é que a Sra., ouviu e viu? Resposta: Eu ouvi muitos palavrões por parte da Sra., AA dirigidos ao Sr. BB. Pergunta: Que palavrões foram esses, Sra., DD, tem mesmo que os reproduzir. Resposta: São muito feios, seu filho da puta, o que tu queres sei eu, mas não te dou, seu paneleiro, és u grande porco, queres mandar nos inquilinos, as casas são tuas, mas não os inquilinos, na minha casa ando eu, (…), Eu fui ao portão e fui ver então e vi ela a chegar-se a ele para o agredir, entretanto veio a Sobrinha dela de carro, parou o carro ao pé dele e saiu muito rápido e disse para ele: não bates na minha tia, para o Sr. BB, Pergunta: E, a seguir o que é que a Sra., viu? Resposta: Então ela apanhou-o distraído e deu-lhe um pontapé nas partes e ele ficou muito aflito. Pergunta: Dona DD isso é muito importante, a Sra., tem a certeza que viu a Sra. AA a dar um pontapé na zona genital? Resposta: Sim ela levantou bem a perna e deu-lhe e disse assim: Bem feita já levas-te um pontapé, nos—ponto. Pergunta: Mas tem a certeza que viu isso, após o Sr. BB queixou-se? Era o que estava a dizer? Resposta: O Sr. BB queixou-se, depois estavam a juntar as Sobrinhas dele, depois eu disse Sr. BB venha para dentro, deixe isso porque ela não sabe estar, olhe que pelo isso é mau muito mau, e então ele veio para dentro comigo e a coisa estancou por ai, não me apercebi de mais nada, 30. Por fim, quanto á outra versão dos factos, também suscitada pelo Recorrido, ao ter admitido que os factos tenham ocorrido em ... de 2020, há que referir, tendendo sido a Queixa apresentada pelos a .../.../2021 referidos factos, tinha sido a .../.../2021, salvo melhor opinião, há muito que já tinha decorrido o prazo para produzir efeitos jurídico Penais, 31. Mas, mesmo assim, pretende a Recorrida esclarecer ainda, que desde que o Recorrido, comprou a casa onde tem fixa a sua residência e passou a ser Senhorio, há cerca de nove (9) anos, altura em que também ficou viúva. 32. Desde essa data, o Recorrido passou a desencadear, uma perseguição constante, com provocações ameaças, contra a Recorrente, mas também ás pessoas familiares e amigas, que aí se deslocam de tal modo que têm criado uma enorme tensão, desconforto, que corresponde ao bullying imobiliário, 33. Como sucedeu, no mês de ... de 2020, entre os dias ... ou ... de 2020, depois da Recorrente ter sido sujeita o dia 23 de ... de uma cirurgia ao braço, 34. Ao receber na sua residência a sua Sobrinha e outras pessoas conhecidas, que ali se tinham deslocado para a visitar, e como a casa é pequena, permaneceram no exterior a conversar, 35. Vieram a ser surpreendidos pelas expressões “LÁ ESTÃO AS PUTAS E OS SOBREIROS” “SÓ METES E TUA CASA PANELEIROS E PUTAS” que lhes foram dirigidas proferidas pelo Recorrido, ao passar no local dentro da sua viatura, 36. E, depois de estacionar a viatura nas imediações, ao seguir em direção ao pátio, n.º ...da ... muito perto do local onde se encontrava a Arguida e as sua visitas, frente da porta n.º ..., 37. Voltou a repetir e a dirigir as mesmas expressões ofensivas à Arguida ora Recorrente e ás sua visitas, tendo a Recorrente respondido, “BÊBADO PORCO O QUE TU QUERES ESTÁ MURCHO” foi então que o Senhorio ora Recorrido, alterou a sua direção dirigiu-se á Arguida, agarrou-a pelo braço, 38. Quando neste preciso momento veio a ser chamado a atenção, quando a Sobrinha da Recorrente, a ver a sua Tia com o braço ainda fragilizado da cirurgia, interveio verbalmente contra o agressor “O SENHOR NÃO BATE NA MINHA TIA”, 39. Foi então que o Ofendido, abandonou o local e continuado o seu trajeto em direção ao Pátio, 40. Resulta assim, de forma perentória, segura e inequívoca, que a Recorrente, não se encontrava, ás 18h00, nem no dia ... de ... de 2024, no local dos factos na ..., 41. Não tendo ocorrido nem verificado a realização dos factos alegado pelo Ofendido/Assistente ora Recorrido, não integram os elementos subjetivos e Objetivos do tipo de Crimes de que vem condenada, 42. Nem, qualquer outro ilícito, tudo isto, tendo presente o Principio da inocência da Recorrente que se carateriza “in dúbio pro réu”, 43. Ao contrário, da Decisão e da prova recolhida, produzida e examinada pelo Tribunal da 1.º Instância».
Concluiu pela sua absolvição.
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Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
«1 – Da prova produzida em Audiência de Julgamento e dos factos dados como provados na Douta Sentença ora recorrida, verifica-se que os mesmos permitiram - e bem em nosso entender - a condenação da arguida pelos crimes de que vinha acusada. 2 – Assim, bem decidiu a Mma. Juiz a quo ao condenar a arguida pelos crimes que lhe eram imputados nas acusações. 3 – A Douta Sentença recorrida mostra-se bem elaborada na apreciação da prova produzida em sede de Julgamento e, para além de se mostrar bem fundamentada no que à matéria de facto diz respeito, sempre se dirá que, segundo o princípio da livre apreciação (art. 127º do Cód. Proc. Penal), as provas, em particular as que são prestadas por declarações (arguidos e assistente) e a prova testemunhal, devem e têm de ser apreciadas segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. 4 – Ora, segundo o princípio da imediação e da livre apreciação da prova, o Tribunal a quo aprecia e valora as provas – designadamente a prova por declarações e testemunhal – segundo as regras da experiência e da livre convicção do Julgador (cfr. art.º 127º do Cód. Proc. Penal). 5 – Essas regras traduzem-se como pressupostos valorativos e “de obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve colocar o julgador ao apreciar livremente a prova.” (cfr. Manuel Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal – anotado e comentado 13ª edição, pág. 341). 6 – A Douta Sentença encontra-se bem elaborada e fundamentada no que concerne à motivação da matéria de facto, tendo aí o Julgador explanado o porquê da valoração de determinada prova testemunhal e/ou documental em relação a outra, sempre segundo os critérios legais a que supra se fez menção. 7 – Em face dos factos provados, bem decidiu o Mmo. Juiz a quo ao condenar a arguida pelos crimes de que vinha acusada, pelo que também em sede de imputação jurídica nada de errado há a apontar à Douta Sentença recorrida. 8 – Não se verifica na qualquer dos vícios a que se reporta o disposto no art.º 410º nº 2 do Cód. Proc. Penal. 9 – Não existiu qualquer violação do princípio in dúbio pro reo. 10 – As penas aplicadas à arguida – parcelares e única – mostram-se adequadas à culpa demonstrada nos factos praticados e acautelam suficientemente as necessidades de prevenção. 11 – A Douta Sentença recorrida não violou quaisquer disposições legais, designadamente as indicadas pela recorrente ou outras. 12 – Antes faz a correcta apreciação dos factos e aplica o direito em conformidade. 13 – Deve manter-se o julgado».
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Respondeu também o assistente BB, concluindo da seguinte forma:
«1. A Douta Sentença recorrida encontra-se bem fundamentada e com uma correcta valoração das provas produzidas em julgamento, inexistindo qualquer violação de normas, regras penais ou Princípios aplicáveis 2. A Recorrente invoca contradições mas não demonstra minimamente o alegado, sendo certo que a prova produzida e constante nestes autos, bem como as testemunhas ouvidas em julgamento em nada contradizem os factos dados como provados na Douta Sentença. 3. Ao que acresce o facto de a Recorrida não ter apresentado qualquer prova ou testemunha que corroborasse o por si alegado. 4. Limitando-se a tentar descredibilizar os testemunhos que atestam os factos ocorridos e que demonstram uma total compatibilidade com a experiência comum e o com o relatado pelo Recorrido. 5. Mais entendemos que a Recorrida, incorre em acusações manifestamente falsas e injuriosas para com o bom o nome e reputação do Recorrido, que nada têm a ver com o objecto e alcance do presente recurso penal. 6. Pelo que, face à precariedade e insuficiência da fundamentação apresentada, deverá o presente recurso não ter provimento. 7. Não merecendo a Douta Sentença qualquer censura ou reparo devendo, pois, ser mantida na íntegra».
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Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer.
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir. OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de ........1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a questão a apreciar consiste na impugnação da matéria de facto, por forma a verificar se a arguida deve ser absolvida, por não ter praticado os factos considerados provados sob os números 1, 4, 6 a 9, 16 e 17. DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada: «Da Acusação Pública: 1. No dia ... de ... de 2021, na ..., junto ao n.º ..., em ..., a arguida, após se travar de razões com BB, dirigiu-se a este e deu-lhe um pontapé na zona genital, causando-lhe dor. 2. A arguida agiu com o firme propósito de ofender o corpo e o bem-estar físico de BB, o que efetivamente conseguiu. 3. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punível por lei. Da Acusação Particular: 4. No dia ... de ... de 2021, o Assistente deslocou-se pelas 18:00h à ... junto ao n.º 9, sita em …, com o intuito de aí visitar familiares seus, residentes nessa artéria. 5. O Assistente por ser proprietário de vários imóveis, é também senhorio de várias pessoas aí residentes, entre elas a Arguida que é sua locatária. 6. No dia em causa, estando o Assistente nessa artéria foi interpelado pela Arguida que se encontrava a alguns metros de distância. 7. A Arguida dirigindo-se ao ofendido proferiu as seguintes expressões: “paneleiro”, “ladrão” e “filho da puta” e “roubaste o antigo senhorio” e “seu filho da puta, queres cona mas não é a minha, seu filho da puta, cabrão”. 8. A Arguida agiu de forma consciente, livre e deliberada, com o intuito de ofender o Assistente, na sua imagem, honra e bom nome. 9. O Assistente BB, sentiu-se vexado por toda esta situação. Mais se provou que: 10. A arguida é …. 11. Está …, recebendo mensalmente o valor de € 1.100,00 de pensão. 12. Vive em casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de € 90,00. 13. É viúva. 14. De habilitações literárias tem o 4º ano de escolaridade. 15. A arguida tem os seguintes antecedentes criminais registados: – por acórdão transitado em julgado em ........2014, foi condenada pela prática em ........2008, de um crime de burla tributária, na pena de 10 meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho. Do Pedido de Indemnização Cível deduzido pelo Assistente: 16. Em virtude da actuação da demandada, o demandante sentiu-se humilhado. 17. O demandante sofreu dores. B) Factos Não Provados Não resultaram por provar quaisquer factos». FUNDAMENTAÇÃO
Como acima se aludiu, o recurso versa sobre a impugnação da matéria de facto, pretendendo a arguida ser absolvida por não ter praticado os factos, ou não os ter praticado na data constante da sentença, mas numa data anterior, tendo o direito de queixa sido exercido extemporaneamente.
A impugnação da matéria de facto pode ocorrer por duas vias: a invocação dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2 do CPP (revista ampliada) e a impugnação ampla a que alude o art.º 412.º, n.º 3 e 4 do CCP.
No primeiro caso, estão em causa vícios patentes no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
Já quando o recurso tenha por objeto a impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação do Tribunal de recurso versará a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, pois o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição de todas as gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio corretivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida.
Tais erros emergirão como resultado de uma deficiente apreciação da prova e terão sempre de corresponder aos concretos pontos de facto identificados no recurso.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2021 (P. 510.19.6S5LSB.L1-5 em www.dgsi.pt), «o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado. As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanas e nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade pelo que só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século. Tudo para concluir ser de primordial importância saber-se que na concreta fixação da verdade do caso influem elementos determinantes que escapam por natureza a apreciação posterior».
É necessário que o recorrente identifique os pontos de facto que considera mal julgados e relativamente a cada um deve ofereça uma proposta de correção para que o tribunal “ad quem” a possa avaliar, procedendo à correção da decisão se as provas indicadas pelo recorrente, relativamente a cada um desses factos impugnados, impuserem decisão diversa da proferida.
Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 21/03/2023 (P. 324/21.3PCSNT.L1-5 em www.dgsi.pt), «o princípio da livre apreciação da prova impõe um exercício que não pode deixar de ser subjetivo, que resulta da imediação e da oralidade, cujo resultado só seria afastado se a recorrente demonstrasse que a apreciação do Tribunal a quo não teve o mínimo de consistência. «A reapreciação da prova em sede de recurso só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão».
O recorrente tem o ónus de expressamente indicar, de acordo com o disposto no artigo 412.º/3, do CPP:
i) Os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que considera incorretamente julgados;
ii) O conteúdo específico do meio de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida; e
iii) Se for caso disso, os meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, no âmbito dos vícios previstos no artigo 410.º/2, do CPP, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. o artigo 430.º/1, do CPP).
Acresce ainda a exigência de que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida, pois a procedência da impugnação, com a consequente modificação da decisão sobre a matéria de facto, não se satisfaz com a circunstância de as provas produzidas possibilitarem uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal.
Tendo presentes estas noções, importa apreciar o caso dos autos.
A recorrente cita o art.º 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP no final das suas conclusões, mas verdadeiramente não identifica na fundamentação da sentença nenhum dos vícios aí previstos: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; erro notório na apreciação da prova.
Lida a fundamentação da decisão da matéria de facto, também não se deteta qualquer situação patente reconduzível a qualquer desses vícios.
Conforme consta da fundamentação da sentença recorrida, «para prova dos factos constantes dos pontos 1, 4 a 9, 16 e 17, o Tribunal contou com o depoimento do ofendido, BB, da testemunha CC e DD, que quanto a estes factos foram coincidentes. Com efeito, a arguida advertida do direito ao silêncio optou por prestar declarações, tendo negado os factos, relatando que em ... de 2020 discutiu com o ofendido, não o tendo agredido e que lhe chamou apenas “bêbado” e “porco” e não as demais expressões, mas naquele dia e não no dia... de Fevereiro que, segundo disse estava em casa da filha porque iria ser operada. A versão da arguida foi, contudo totalmente infirmada pelas declarações do ofendido, as quais foram corroboradas pelos depoimentos das referidas testemunhas, inclusive as datas em que ocorreram as cirurgias e os períodos em que a arguida esteve ausente. Com efeito, a primeira testemunha apesar de não ter presenciado os factos referiu que no dia seguinte o ofendido se queixou. Relevante foi o depoimento da segunda testemunha que foi vizinha da arguida e que declarou ter presenciado a “briga” ouvido a arguida dirigindo-se ao ofendido proferindo as expressões “paneleiro” e “filho da puta”. Mais referiu que viu a arguida dar um pontapé na zona genital do ofendido e que este se encolheu, queixou-se e virou costas. Acrescentou que a arguida “se gabou” no Bairro do que tinha feito. Esclareceu ainda que a arguida foi operada depois dos factos. (…)».
Esta fundamentação esclarece a ponderação feita pelo Tribunal sobre os elementos de prova perante si produzidos, não sofrendo a mesma de vício notório, violação das regras da lógica ou da experiência comum, nem ofende regras de direito probatório material. Por outras palavras, a fundamentação revela um exercício de livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, que não é possível infirmar por via dos vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 do CPP.
A arguida verdadeiramente pretende proceder à impugnação ampla da matéria de facto, quanto aos pontos 1, 4 6 a 9, 16 e 17 da matéria provada.
Para tanto, a arguida começa por apontar que na queixa apresentada pelo assistente, em .../.../2021, consta que os factos teriam ocorrido em .../.../2021, mas que ao ser inquirido durante o inquérito, em .../.../2022, admite que os factos tenham ocorrido em ....
Compulsados os autos, verifica-se que o assistente apresentou queixa na PSP, em .../.../2021, por «no passado dia ...-...-2021 pelas 18H00, encontrava-se a chegar do seu trabalho e foi visitar os seus parentes residentes na artéria tida como local de ocorrência, no nº 9, quando sem que nada o fizesse prever o suspeito feminino, começou a injuriá-lo vociferando "SEU PANELEIRO, LADRÃO, FILHO DA PUTA!", "ROUBASTE O ANTIGO SENHORIO!", altura em que o lesado desabafou "ELA DEVE ESTAR BÊBEDA!" e em acto contínuo, o suspeito, avançou agressivamente sobre o lesado, desferindo-lhe um pontapé que lhe acertou na zona dos seus genitais, situação esta presenciada, por duas sobrinhas do suspeito, sendo que somente graças à intervenção daquelas é que o lesado conseguiu evadir-se seguindo destino até sua residência».
Consta igualmente de “auto de inquirição de testemunha” que o assistente foi novamente ouvido em inquérito perante a PSP, em .../.../2022, no qual consta que «Confirma na íntegra todo o teor por tudo corresponder à verdade, deseja continuar com procedimento criminal contra a denunciada (…). «Pensa que terá sido em ..., teve uma desavença com a denunciada pelos fatos desta se ter intrometido num assunto relacionado com outro inquilino (…)».
Por conseguinte, logo no início da inquirição de .../.../2022, o assistente confirmou o teor da queixa, na qual se refere a data dos acontecimentos (.../.../2021).
Não se compreende o motivo pelo qual é mencionado no auto de inquirição de .../.../2022 a existência de uma desavença com a arguida em ..., mas é inequívoco que esta menção não retifica, nem corrige a data constante da queixa de .../.../2021, pois esta ali é confirmada na íntegra, sendo certo que decorre da gravação da prova – a cuja audição se procedeu – que o arguido confirmou a data da agressão e das injúrias a que se reporta a sentença.
Mais resultou das declarações do assistente e dos depoimentos das testemunhas CC e DD, que era frequente haver discussões e a arguida dirigir palavras ofensivas ao primeiro (“coisas do povo” no dizer de CC; que sucediam “dia sim, dia não” no dizer de DD), pelo que a menção a uma desavença em ... é compatível com esta pluralidade de comportamentos atribuídos à arguida, não permitindo concluir que não se passaram os factos vertidos na sentença, em .../.../2021.
De resto, o assistente prestou declarações em audiência, sem que tenha sido confrontado com a queixa e o auto de inquirição de .../.../2022 ou questionado sobre os mesmos, o que revela que os ditos elementos não suscitaram à arguida qualquer dúvida que pretendesse esclarecer.
Alega de seguida a arguida que existe enorme contradição entre as declarações prestadas pelo assistente em julgamento e os depoimentos das testemunhas por si arroladas, CC e DD, e as declarações prestadas pela arguida.
É verdade que não existe coincidência entre estes elementos, pois a arguida negou a prática dos factos, enquanto que o assistente os confirmou, tendo sido corroborado pela testemunha DD, que os presenciou. Já a testemunha CC não presenciou a agressão, tendo apenas ouvido uma troca de palavras, à qual não deu relevância, tendo ainda assim fornecido informações importantes, como o facto de o assistente e a arguida se encontrarem no local naquele dia, assim como o facto de o assistente lhe ter feito queixa do sucedido no dia seguinte.
Por conseguinte, não existe aqui contradição, mas apenas o confronto de duas versões opostas, a da arguida e a do assistente, tendo o Tribunal considerado provada esta última, com base nas declarações do assistente e das citadas testemunhas, como aliás fez constar da fundamentação da sentença.
A arguida não apresenta quaisquer elementos de prova que imponham decisão diversa. Na verdade, a arguida refere que recorreu a uma urgência hospitalar em .../.../2021, por dor abdominal, na sequência da qual lhe foi agendada uma cirurgia para .../.../2021, tendo permanecido em casa da filha entre essas duas datas, pelo que não teria estado em sua casa na data referida na sentença (.../.../2021).
A arguida apresentou três documentos do Centro Hospitalar de..., dos quais se retira que recorreu ao serviço de urgência em .../.../2021, e bem assim que esteve internada desde o dia .../.../2021 a .../.../2021 no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de ..., onde foi submetida a intervenção cirúrgica.
Não existe, no entanto, nenhum elemento de prova que ateste que a arguida esteve ausente de sua casa entre .../.../2021 e .../.../2021. Esse facto não resulta dos documentos apresentados pela arguida, sendo contrariado pelas testemunhas CC e DD, que confirmaram que a arguida se encontrava em sua casa, só tendo deixado de a ver por uns dias, após o dia da agressão. De referir que o assistente mencionou nas suas declarações que alguém lhe terá afirmado que não ligasse à arguida, porque ela estava nervosa porque ia ser operada no dia seguinte.
Importa, pois, concluir que a ocorrência dos factos na data constante da sentença se encontra sustentada nos elementos de prova descritos na fundamentação, não podendo acompanhar-se a conclusão da arguida de que não foi produzida prova da sua verificação. Aliás, os excertos das declarações do assistente e dos depoimentos testemunhais transcritos pela arguida contrariam a sua própria versão, a qual não resiste à reprodução integral dos mesmos.
A arguida invoca ainda, em sede de recurso, que é o recorrido que a persegue como senhorio, desde há nove anos (conclusões 31 a 39), descrevendo uma suposta altercação ocorrida em ... de 2020.
Trata-se de matéria irrelevante, que não foi alegada em sede de contestação, nem resultou provada da discussão da causa. Discussões e trocas de palavras entre a arguida e o assistente ocorreram em várias ocasiões, como coincidiram este e as supra identificadas testemunhas, mas os factos descritos na sentença apenas se provaram na data nela referida.
Improcede, face ao exposto, a impugnação da matéria de facto feita pela arguida, não cabendo aqui invocar o princípio “in dubio pro reo”, porquanto não existe qualquer situação de dúvida que deva ser resolvida em benefício da arguida: o Tribunal, no exercício da sua livre apreciação da prova, apreciou criticamente as provas produzidas e decidiu em conformidade, fundamentando a sua decisão.
A arguida não pode ser absolvida, pois ficou demonstrada a prática dos factos que integram a prática dos ilícitos pelos quais foi condenada, sendo certo que não ocorre a extinção do direito de queixa, pois este foi tempestivamente exercido (art. 115.º do CP).
O recurso improcede na íntegra.
DECISÃO
Nestes termos, julga-se o recurso totalmente improcedente.
Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça.
Lisboa, 08 de Abril de 2025
Rui Poças
Paulo Barreto
Ana Lúcia Gordinho