TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ARGUIDO
LEITURA DA SENTENÇA
PODERES
JUIZ PRESIDENTE
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
PROVA PROIBIDA
ERRO DE JULGAMENTO
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
MEDIDA DA PENA
Sumário

I- Os arguidos estiveram presentes em todas as sessões da audiência de julgamento em que houve lugar a produção de prova (e alegações finais), foram ouvidos pelo Tribunal, puderam apresentar a sua versão dos factos e exercer em pleno o contraditório relativamente a todas as provas apresentadas perante o Tribunal.
II- Neste contexto, não pode, por um lado, dizer-se que aos arguidos não foi permitido comparecer na audiência de julgamento – como se viu, estiveram presentes em todas as sessões em que se procedeu à discussão da causa – não se verificando, em consequência, a nulidade insanável que vieram arguir, como, por outro lado, não resulta, por via desta decisão, minimamente comprimido o seu direito de defesa, relevando-se a este respeito que, contrabalançando o direito de se deslocarem ao Tribunal para assistir a uma diligência em que a lei não prevê que prestem declarações, e o direito que têm a um processo célere e a que seja proferida uma decisão em prazo razoável, é manifesto que o due processo of law se mostra devidamente assegurado.
III- A M ma Juiz Presidente a quo, não só podia ter tomado, sozinha, a decisão de prosseguir com a leitura agendada, como também lhe cabia decidir os incidentes levantados nessa diligência, relevando-se que é absolutamente claro que não tomou qualquer decisão sobre o objeto do processo ou a produção de prova, que carecesse de deliberação do coletivo.
IV- Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
V- Em cumprimento dos respetivos deveres funcionais, e sendo manifesta a urgência da sua atuação, cabia, efetivamente, aos elementos da Polícia Judiciária que identificaram e detiveram o arguido – que transportava consigo cerca de 15 kg de cocaína – proceder a todas as averiguações possíveis, no sentido de determinar, não só a proveniência do estupefaciente em causa, mas também o seu projetado destino, e os demais sujeitos envolvidos nessa operação. Não lhes está legalmente vedado obter a colaboração do arguido já identificado para esse efeito, desde que essa colaboração seja voluntária.
VI- Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição». É função do julgador interprete todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas.
VII- Punir os crimes, mas tolerar a manutenção das vantagens obtidas no património dos agentes dos crimes, não decretando a sua perda a favor do Estado, configura uma resposta incongruente e incompreensível para a comunidade. A remoção dos meios económicos subjacentes à prática dos crimes de tráfico, através da perda das respetivas vantagens, é o meio verdadeiramente eficaz de combater a atividade ilícita que visou o lucro.
VIII- A efetiva execução da pena de prisão, num caso, como o dos autos, de tráfico internacional, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias.

Texto Integral

Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório
No processo comum coletivo nº 606/23.0JELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 5), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foram julgados os arguidos AA, solteiro, ..., filho de BB e de CC, natural de ..., de nacionalidade ..., nascido a ........1994, residente na ..., DD, solteiro, empresário de ..., filho de EE e de FF, natural de ..., de nacionalidade ..., nascido a ........1979, residente em ..., e GG, casado, ..., filho de HH e de II, natural de ..., de nacionalidade ...e ..., nascido a ........1980, residente em ..., tendo sido condenados, por acórdão datado de 02.12.2024:
- o arguido AA “pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão”;
- o arguido DD “pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão”;
- o arguido GG “pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão”.
Os arguidos AA e DD foram ainda condenados “na pena acessória de expulsão do território nacional, prevista nos artigos 151.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho e 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, pelo período de 5 (cinco) anos” e o arguido GG, “na pena acessória de afastamento do território nacional, prevista nos artigos 22º, 23º e 27º da Lei nº 37/2006, de 9 de Agosto, e no artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, pelo período de 5 (cinco) anos”.
Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido DD, formulando as seguintes conclusões:
“I - Nos termos e para os efeitos do artigo 412º, n.º 5 do C.P.P., o Recorrente declara, desde já que mantém interesse na apreciação do recurso apresentado em 16/12/2024, com a referência 50785088.
A)
II - O Arguido não prescindiu do direito de estar presente na audiência de discussão e julgamento para leitura do Acórdão.
III - O Arguido tem o direito de estar presente em todas as audiências que lhe digam respeito. A leitura do Acórdão é, evidentemente, um dos atos, senão o mais importante, que diretamente lhe diz respeito.
IV - O Arguido encontra-se em prisão preventiva á ordem do Estado Português, pelo que, é ao Estado Português que competia assegurar a presença do Recorrente na audiência de discussão e julgamento.
V - No caso sub judice não se verificava nenhuma das condições dos artigos 333º, n.º 1 e 2 ou n.º 1 e 2 do artigo 334º do C.P.P.
VI - Assim, ao proceder a audiência de discussão e julgamento de leitura de Acórdão sem a presença do Arguido, o Tribunal a quo praticou uma NULIDADE INSANÁVEL, ou caso assim não se entendesse uma Irregularidade, a qual foi arguida em tempo.
B)
VII - O Acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" padece de Nulidade por Falta Fundamentação, nos termos do artigo 379º do C.P.P.;
VIII - O Tribunal a quo limitou-se a tecer generalidades que podem ser utilizadas para qualquer processo, não se debruçando nem fundamentando os factos, em concreto, que no caso sub judice deu como provados.
IX - O tribunal a quo permite-se vir alegar, alegadas, incongruências nas declarações dos Arguidos DD e GG sem que se permita identificar uma única incongruência em concreto!!!!
X - O Tribunal não procede a qualquer exame crítico da prova por referência á concreta matéria de facto dada como provada, invocando as regras da “experiência comum” como se isso, em si mesmo, fosse algo palpável que não é.
XI - O Tribunal alega que se socorreu, nomeadamente, “… dos documentos relativos ao veículo alugado, de fls. 5253, dos cartões e etiquetas de embarque de fls. 13 e 19, das fotografias de fls. 7.10 e 12 e da extracção da mensagem existente nos equipamentos telefónicos dos arguidos AA e DD, de fls. 28 a 33.”, contudo, não esclarece quais os elementos que retirou dessa concreta prova.
XII - Atente-se, por exemplo, como à frente melhor analisaremos, que o Tribunal a quo, e os próprios inspetores da Polícia Judiciária reconheceram na audiência de julgamento que um alegado elemento decisivo para associar o Recorrente DD aos factos ilícitos teria sido uma mensagem apreendida no seu telemóvel e que teria sido enviada do telemóvel do arguido AA, analisando a “extracção da mensagem existente nos equipamentos telefónicos dos arguidos AA e DD, de fls. 28 a 33.” não se retira essa conclusão.
XIII - Assim, desde logo, não identificamos na motivaçao da decisão de facto a indicação das provas que alicerçam os pontos de facto provados 1, nomeadamente, na parte em que se afirma que o produto estupefaciente seria transportado para ... e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias, 3, 6, 7, 9, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 30.
XIV - Nas menções à prova testemunhal e documental não identificamos minimamente quais as concretas provas – nem, como é óbvio, a que “análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica”
foram sujeitas - que alicerçaram a convicção do tribunal em relação àqueles mencionados pontos de facto.
XV - Em face do exposto não restam dúvidas que a Sentença proferida viola o n.º 2 do Artigo 374º do C.P.P., pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 379º, encontra-se ferida de nulidade.
C)
XVI - O Tribunal a quo deu como provado, nomeadamente:
13. Depois, o arguido AA enviou uma mensagem áudio, através de WhatsApp, para o número telefónico ... ..., informando que já tinha transposto o controlo alfandegário;

20. O arguido DD tinha no seu telemóvel a referida mensagem áudio gravada pelo arguido AA, reencaminhada por um contacto identificado como "Peña", através de um número telefónico dos ...;
XVII - Acontece, porém, que a fls. 28 a 33 não existe qualquer extração de mensagens e muito menos dos “equipamentos telefónicos dos arguidos AA e DD.”
XVIII - No caso sub judice o Ministério Público na sua Acusação não indicou como meio de prova qualquer comunicação, por mensagem ou outra.
XIX - Com efeito, o Ministério Público na sua acusação, fls. 350, indicou, unicamente a seguinte prova:
Testemunhal:
5. PP, Inspetor da PJ – id. A fls. 2 e 209;
6. JJ, Inspetor da PJ – id. A fls. 3 e 208
Pericial:
2. Exame LPC – fls. 307.
Documental:
9. Fotografias – fls. 7-10 e 12;
10. Cartões de embarque e etiqueta de bagagem – fls. 13 e 19;
11. Documentos de aluguer – fls. 52-53;
12. Imagens de CCTV – fls. 54-57.”
XX - Assim, não tendo o Ministério Público ordenado a transcrição para os autos de qualquer mensagem, ou conversação, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído que existem mensagens, que não existem.
XXI - O Tribunal a quo violou os artigos 187º e seguintes do C.P.P., em particular o seu artigo 188º, n.º 9.
XXII - Por outro lado, de fls. 28 a 33 não existe uma única mensagem que tenha sido extraída, pelo que, estamos, claramente perante um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º 2, alínea c) do C.P.P.
D)
XXIII - No caso sub judice, ficou claramente demonstrado que a detenção do Recorrente ocorreu após alegada colaboração obtida através de violência física sobre o arguido AA.
XXIV - Após ter sido detetado os Inspetores da Polícia Judiciária através de ofensas à integridade física e coação levaram a que o AA saísse da zona de chegadas, procedendo, posteriormente, erroneamente, como á frente melhor analisaremos, à detenção do Recorrente.
XXV - No dia 23/10/2024, pelas 14:51:38, prestou declarações o AA cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Ficheiro de origem: Diligencia_606-23.0JELSB_2024-10-23_14-51-38, e que o Tribunal a quo considerou que prestou um depoimento “de forma espontânea”, que foi agredido e coagido a colaborar, passagens 00:00:00 a 00:02:15:
- O AA de forma totalmente “espontânea” e credível, tão espontâneo e credível que permitiu que o Tribunal a quo o condenasse numa pena inferior ao Recorrente, na sua página 26, afirmou que foi agredido com uns “tapas” e pressionado a falar.
XXVI - Mais referiu o AA, passagens 00:07:35 a 00:08:05, que foi empurrado e obrigado a sair da zona das chegadas pelos inspetores.
XXVII - A colaboração do AA foi prestada claramente sob coação e ofensa à integridade física “eles me empurraram até à descida.”
XXVIII - Mas se dúvidas existissem sobre a forma como o Arguido foi agredido e pressionado pelos inspetores da Polícia Judiciária, vejam-se, passagens 00:33:39 a 00:33:52, onde o AA assume que acabou até por se urinar, contudo, esta “espontaneidade” para o Tribunal a quo já não teve interesse.
XXIX - O Tribunal a quo não deu qualquer relevância a estes factos, aliás, e se calhar com razão, o que são uns “tapas” comparados com outras situações que recentemente ocorreram no Aeroporto de Lisboa, também levados a cabo por Orgão de Polícia Criminal, referimo-nos, evidentemente, ao caso do cidadão … KK.
XXX - Considera o Tribunal a quo que se um Órgão de Polícia Criminal, para obter a colaboração de um qualquer cidadão, o agredir á bofetada não existe qualquer inconveniente nisso, porquanto, naquele mesmo Aeroporto, chegaram já a morrer pessoas em consequência dos maus tratos levados a cabo por Órgão de Polícia Criminal, pelo que, existe claramente uma evolução no Estado de Direito Português, avançámos de situações de homicídio para simples ofensas à Integridade física.
XXXI - Assim, toda a prova obtida após a interceção do AA está inquinada pelo vício de violação de prova, nos termos do artigo 126º do C.P.P., com as legais consequências.
E)
XXXII - O Recorrente impugna a seguinte matéria de facto dada como PROVADA, pontos 1, 3, 4, onde se refere “na prossecução daquele plano”, 6, onde se refere “no qual transportariam a cocaína para ...”, 8, onde se refere “ficando a esperar pelo arguido AA”, 14, 15, 18, 25, 26, 30 e 31, a qual, em relação ao Recorrente deveria ter sido dada como NÃO PROVADA:
1. Em data não apurada, anterior a 19.12.2023, os arguidos e terceiros, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Portugal, por via aérea, no seu subsequente transporte para ..., por via terrestre e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias;

3. Os arguidos DD e GG tinham a missão de recolher o produto estupefaciente em Lisboa e proceder ao seu transporte para ..., por via terrestre;
4. Na prossecução daquele plano, os arguidos DD e GG viajaram juntos de ... para Lisboa no voo …;
6. Depois, os arguidos DD e GG deslocaram-se à ... no Aeroporto de Lisboa, onde alugaram um veículo automóvel, no qual transportariam a cocaína para ...;
8. Depois, o arguido DD deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA;

14. Pelas 14h50m, o arguido DD estava na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa, com o fito de recolher o arguido AA;
15. Depois de ter avistado o arguido AA sentado na cadeira de rodas, na zona da rampa das chegadas, o arguido DD realizou uma chamada telefónica;

18. O arguido DD aproximou-se do arguido AA e começou a gesticular na sua direcção, dizendo-lhe "venga, venga!"

20. O arguido DD tinha no seu telemóvel a referida mensagem áudio gravada pelo arguido AA, reencaminhada por um contacto identificado como "…", através de um número telefónico dos …;

25. As aludidas quantias monetárias destinavam-se a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos acima descritas;
26. Os telemóveis destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue, em ...;

31. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado, com o propósito concretizado de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do ... para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias;
32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
XXXIII - Quanto aos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 31 e 32, os quais deveriam ter sido julgados como NÃO PROVADOS:
1. Em data não apurada, anterior a 19.12.2023, os arguidos e terceiros, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Portugal, por via aérea, no seu subsequente transporte para ..., por via terrestre e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias
monetárias;

3. Os arguidos DD e GG tinham a missão de recolher o produto estupefaciente em Lisboa e proceder ao seu transporte para ..., por via terrestre;
4. Na prossecução daquele plano, os arguidos DD e GG viajaram juntos de ... para Lisboa no voo ...;

6. Depois, os arguidos DD e GG deslocaram-se à ... no Aeroporto de Lisboa, onde alugaram um veículo automóvel, no qual transportariam a cocaína para ...;

8. Depois, o arguido DD deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA;

31. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado, com o propósito concretizado de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do ... para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias;
32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;”
- Ouvido na audiência de discussão e julgamento de 06/11/2024, pelas 10:31:43, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Ficheiro de origem: Diligencia_606-23.0JELSB_2024-11-06_10-31-43, o Recorrente esclareceu o motivo pelo qual estava no Aeroporto no momento em que foi detido, passagens 00:00:21 a 00:03:58.
- O Recorrente explicou, exaustivamente, o que estava a fazer naquele local, àquela hora, inclusive, identificou o voo e a pessoa que se encontrava a aguardar, passagens 00:07:00 a 00:09:43;
- O DD cidadão da ... que vivia em ..., deslocou-se a Lisboa em Turismo, encontrava-se no Aeroporto de Lisboa a aguardar um compatriota que chegava da ..., vindo de um voo de escala em ... da ..., que chegava pelas 14:54.
- Assim, na perspectiva dessa viagem o Arguido reservou, duas noites no ..., de 3 estrelas, para os dias ... a ... de ... de 2023, vide doc. 1 junto com a contestação:
- Ora, se a intenção do Arguido fosse receber produto estupefaciente e deslocar-se para ..., como defende a Acusação, não faria qualquer sentido ter reservado um hotel para dois dias em Lisboa, sendo uma das noites precisamente o dia em que chegou a Lisboa, .../.../2024.
- Chegados a Lisboa, os Arguidos alugaram um veículo automóvel por três dias, ou seja, de .../.../2023 a .../.../2023, conforme o documento junto pela Acusação fls. 53 dos autos:
- O Tribunal a quo não dispunha apenas das declarações do Recorrente, mas também de prova documental que confere total credibilidade ás mesmas, não só o facto de existir uma reserva de um hotel por dois dias, o que não é consentâneo com alguém que vinha a Lisboa apenas receber produto estupefaciente, como o facto de o veículo automóvel estar alugado por três dias.
- O Recorrente quando foi detido encontrava-se a mais de 5 (cinco) metros de distância do AA e de costas para este, vide fotograma extraído pela defesa e junto aos autos do vídeo Video 1388 – Porta Principal, n.º 4.
- Acresce ainda, que se o interesse do Recorrente e do GG fosse, como refere a Acusação, recolher o produto estupefaciente que se encontrava escondido/ acondicionado na cadeira de rodas que o AA transportava então teriam que ter, pelo menos, o cuidado de escolher um veículo que permitisse transportar tal objeto.
- Conforme foi relatado pelos Senhores Inspetores da Polícia Judiciária, para a retirada do produto estupefaciente da cadeira foi necessário a utilização de diversas ferramentas, ou seja, era necessário transportar a cadeira e depois desmontá-la para a recolha do produto estupefaciente.
- Sobre esta matéria prestou declarações a testemunha JJ, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 13/11/2024, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Diligencia_606-23.0JELSB_2024-11-13_10-31-47, ouvido pelas 10:31:47, passagens 00:43:25 a 00:44:11;
- O inspetor JJ afirmou que a cadeira de rodas pesava “bem mais do que duzentos quilos, à vontade, aquilo é muito pesado…”, o inspetor PP por seu lado disse que pesava cerca de 60 (sessenta) quilos… numa coisa foram unanimes a cadeira teve que ser transportada numa carrinha, passagens 00:40:53 a 00:42:12;
- Sobre esta matéria referiu a testemunha: PP, ouvido em 13/11/2024, pelas 11:50:19, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal Ficheiro de origem: Diligencia_606-23.0JELSB_2024-11-13_11-50-19, passagens 00:20:49 a 00:22:30;
- Resulta de fls. 52 dos autos que o veículo automóvel alugado pelos arguidos seria um veículo ligeiro de passageiros, matrícula AS-..-XD, da marca ..., modelo .... Atentas as características do veículo alugado pelos arguidos, conforme resulta do documento 3, junto com a contestação, era impossível transportar a referida cadeira.
- Assim, o facto de os Arguidos terem alugado um veículo ligeiro de passageiros, sem capacidade para transportar a cadeira de rodas onde se encontrava dissimulado o produto estupefaciente, salvo o devido respeito é claramente mais um indício de que o Recorrente nada tinha que ver com o referido produto estupefaciente.
XXXIV - Quanto ao Ponto 14, o qual deveria ter sido julgado NÃO PROVADO:
14. Pelas 14h50m, o arguido DD estava na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa, com o fito de recolher o arguido AA;
- Conforme resulta das imagens de CCTV juntas aos autos, as quais têm data e hora, o Arguido foi abordado e detido por elementos da Polícia Judiciária pelas 14h21, veja-se o vídeo 1388 – Chegadas – Porta Principal n.º 4, onde se visualiza o momento da detenção. Assim, tendo o Arguido sido detido ás 14h21 minutos nunca poderia estar à espera do arguido AA às 14h50.
- Mas mais, foram recolhidos vídeos obtidos através de várias câmaras de CCTV existentes na zona de chegadas do Aeroporto, em nenhuma delas se observa o Arguido em ato de espera seja de quem for.
- Com o devido respeito, tendo o Recorrente chegado ao Aeroporto de Lisboa pelas 11 horas não seria normal existir pelo menos um vídeo onde se demonstrasse que o Arguido estava à espera de alguém antes das 14 horas?
- Atente-se, aliás, que foi junto aos atos o vídeo com a referência n.º “1368 – Chegadas – Inversa Saída Passageiros – Sul”, que corresponde precisamente á câmara de CCTV instalada na zona de saída de passageiros e que permite visualizar as pessoas que aguardam.
- Acresce que ouvido sobre esta matéria a testemunha JJ foi clara ao esclarecer que não se apercebeu se o Recorrente estava, ou não parado, à espera do AA, era uma pessoa como outra qualquer.
- Como esclareceu esta testemunha nem sequer o Recorrente foi o único a deslocar-se no sentido do AA, aquilo que chamou a atenção ao Inspetor que acompanhava o visualmente o AA foi o facto do Recorrente ter olhado mais intensamente para a pessoa que seguia na cadeira de rodas e aparentemente, ter feito um gesto que o mesmo não consegue descrever, passagens 00:27:24 a 00:30:02.
- O gesto que o Inspetor JJ observou o Recorrente a fazer foi o gesto normal de quem está a andar e movimento os braços, ou seja, quando avança a perna esquerda o braço direito vai á frente, quando movimenta a perna direita é o braço esquerdo que avança…
- Chamaria a atenção de qualquer pessoa visualizar uma pessoa, aparentemente, com deficiência, sozinha, numa cadeira de rodas, a arrastar uma mala e uma moleta.
XXXV - Quanto ao ponto 15, o qual deveria ter sido julgado NÃO PROVADO:
15. Depois de ter avistado o arguido AA sentado na cadeira de rodas, na zona da rampa das chegadas, o arguido DD realizou uma chamada telefónica;
- Quanto a este ponto nenhuma prova foi produzida.
- A instâncias da defesa do Recorrente a testemunha JJ não conseguiu esclarecer se o Recorrente, como refere a Acusação efetuou ou não alguma chamada telefónica, passagens 00:37:41 a 00:38:45;
- Não existe qualquer relatório ao telemóvel do Recorrente que ateste a realização ou receção de qualquer chamada telefónica.
XXXVI - Quanto ao Ponto 18, o qual deveria ter sido julgado NÃO PROVADO:
18. O arguido DD aproximou-se do arguido AA e começou a gesticular na sua direcção, dizendo-lhe "venga, venga!"
- Venerandos Desembargadores como passaremos a demonstrar o Inspetor PP mentiu ao Tribunal, o mesmo nunca poderia ter ouvido seja o que for do local onde se encontrava.
- A Testemunha PP, ouvido na audiência de discussão e julgamento de 13/11/2024, pelas 11:50:19, cujo depoimento se encontra Ficheiro de origem: Diligencia_606-23.0JELSB_2024-11-13_11-50-19, começou por afirmar que estava muito próximo da rampa de saída das zonas de chegadas, passagens 00:05:07 a 00:06:24;
- O Senhor Inspetor PP, refere: “Eu sei isto, porque eu estava mais próximo da rampa, e consegui ouvi-lo a dizer.”
- Acontece, porém que o Senhor Inspetor, como ficou demonstrado em julgamento pelas imagens recolhidas, e pedidas pela defesa para serem juntas aos autos, não estava próximo da rampa, era, aliás, o inspetor que mais longe estava da rampa, encontrando-se junto a uma das saídas do Aeroporto, a vários metros de distância
- O Inspetor JJ que se encontrava muito próximo do AA diz que vê, apenas, um pequeno gesto com o braço, não conseguindo perceber se o Recorrente DD disse alguma coisa, o Inspetor PP vê gestos e mais gestos até sinais com a cabeça, os quais não são visíveis nas imagens que passaram no Tribunal…
- Foi notória, aliás, a perplexidade que as declarações do Inspetor PP causaram, inclusive, na Digníssima Senhora Procuradora da República, ao ponto de ter que confrontar a testemunha com as imagens juntas aos autos para confirmar o local onde o mesmo se encontrava, passagens 00:08:46 a 00:11:46, acabando por assumir que: 00:09:25 Eu sou o inspetor que está aqui, tem a banca da ...… [impercetível]
- Local que nada tem que ver com a rampa de saída de passageiros…
- “O senhor ouviu, a esta distância, o Sr. DD a falar?”, foi esta a pergunta de incredibilidade que a Digníssima Magistrada do Ministério Público efetuou ao à testemunha.
- De facto, do local onde se encontrava o Inspetor era impossível, por duas ordens de razões, ouvir o que quer que fosse, em primeiro lugar porque os Arguidos referiram que nunca trocaram qualquer palavra, em segundo lugar porque àquela distância era impossível, num aeroporto ouvir o que quer que seja.
- Acresce que, através da visualização dos vídeos juntos aos autos percebemos claramente, que o Inspetor em causa apenas se apercebe do DD e dirige o seu olhar na sua direção quando o colega já vai no seu encalço.
- Como decorre da imagem a seguir o Inspetor PP encontrava-se junto à ... (Circulo amarelo), o Recorrente (circulo preto) passa e olha lateralmente para o local onde estaria o AA, como se pode verificar da imagem abaixo o mesmo tem a perna esquerda à frente e faz o balanço normal do Braço direito para a frente.
- Aliás se dúvidas existissem sobre o movimento que o Recorrente faz veja-se o inspetor que procede à sua detenção (círculo vermelho) enquanto anda no sentido do Recorrente, perna esquerda à frente e braço direito adiantado.
- se procedermos a um zoom da imagem do Inspetor PP constatamos que quando o Recorrente se vira para o local onde estaria o AA, o mesmo não tem a cabeça virada na direção onde se encontra o Recorrente.
- Acresce que se se admitisse que do local onde se encontra o Senhor Inspetor PP se conseguia ouvir alguma coisa que o Recorrente tivesse dito, seria o mesmo que se admitir que onde se encontrava o Recorrente o mesmo conseguia ouvir aquilo que os clientes que se encontravam a pedir junto ao quiosque aí existente.
- Se o Inspetor JJ, que estaria próximo do Recorrente não se consegue aperceber de nada que o mesmo tenha dito como seria possível ao Inspetor PP ouvir o que quer que seja, o mesmo mentiu ao Tribunal.
- Sobre esta matéria o AA que o Tribunal a quo declarou que contribuiu para a descoberta da verdade, e que prestou um depoimento espontâneo, apesar da defesa do Recorrente considerar que as declarações que o mesmo prestou são tudo menos claras, ouvido na audiência de discussão e julgamento de 23/10/2024, pelas 14:51:38, questionado diretamente sobre se o Recorrente DD lhe dirigiu alguma palavra começou, desde logo por afirmar perentoriamente que não, passagens 00:07:52 a 00:08:40.
- Igualmente, a testemunha JJ, questionado sobre qual foi a distância mais próxima que o Recorrente DD esteve do AA, afirmou cerca de três metros, não tendo percebido qualquer comunicação, passagens 00:06:18 a 00:07:50 e 00:32:26 a 00:33:12.
- O Recorrente esclareceu esta matéria de forma clara, ouvido na audiência de julgamento de 06/11/2024, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, ficheiro de origem: Diligencia_606-23.0JELSB_2024-11-06_10-31-43, pelas 10:31:43, o Arguido a instâncias do Tribunal esclareceu que não dirigiu qualquer palavra ao referido AA, causando-lhe estranheza um deficiente sozinho, numa cadeira de rodas, arrastando uma mala e uma muleta, passagens 00:33:26 a 00:36:23.
- Acresce que o Recorrente foi detido quando se encontrava à procura de casa de banho, passagens 01:28:04 a 01:28:44;
XXXVII - Quanto ao ponto 20:
20. O arguido DD tinha no seu telemóvel a referida mensagem áudio gravada pelo arguido AA, reencaminhada por um contacto identificado como "Peña", através de um número telefónico dos EUA;
- Ora com o devido respeito não existe qualquer prova deste facto.
- Em primeiro lugar não existe qualquer auto de extração de mensagens do telemóvel apreendido quer ao AA, quer ao Recorrente DD.
- O Tribunal a quo na sua fundamentação refere que teria sido junto aos autos “extrcção da mensagem existente nos equipamentos telefónicos dos arguidos AA e DD, de fls. 28 a 33.
- Analisado os documentos de fls. 28 a 33 não temos qualquer extração de mensagens.
- Analisando as folhas 29 a 32 dos autos não se retira qualquer mensagem, sendo apenas apresentado a existência de um alegado vídeo cujos códigos MD5 e hash são completamente diferentes.
- Duas fotografias aparentemente de dois telemóveis, com MD5 e SHA 256 diferentes, criadas no dia .../.../2023 pelas 18:29 uma e a outra .../.../2023 as 18:12!!!
- Resulta das imagens de CCTV juntas aos autos que o Recorrente foi detido pelas 14h21 minutos.
- Não existe, portanto, qualquer elemento de prova junto aos autos que ateste que o AA LUCAS enviou uma mensagem, segundo, que essa mensagem alguma vez tivesse sido recebida no telemóvel do Recorrente.
- Estando em causa alegadas comunicações, aplica-se o disposto no artigo 187º e seguintes do C.P.P. No caso sub judice não foi cumprida qualquer formalidade prevista nos referidos preceitos legais.
- O artigo 188º, n.º 9 do C.P.P. é claro ao determinar que:
“Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que:
c) O Ministério Público mandar transcrever ao órgão de Polícia Criminal que tiver efectuado a interceção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação.”
- Ora, no caso sub judice o Ministério Público na sua Acusação não indicou como meio de prova qualquer comunicação, por mensagem ou outra.
- Assim, não tendo o Ministério Público ordenado a transcrição para os autos de qualquer mensagem, ou conversação, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído que existem mensagens, que não existem.
- Pelo que, o Tribunal a quo violou os artigos 187º e seguintes do C.P.P., em particular o seu artigo 188º, n.º 9.
XXXVIII - Quanto aos pontos 25 e 26
25. As aludidas quantias monetárias destinavam-se a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos acima descritas;
26. Os telemóveis destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue, em ...;
- Para que não restassem quaisquer dúvidas sobre essa matéria, a defesa do Recorrente, teve o cuidado de questionar os senhores inspetores sobre se apuraram a proveniência do referido montante ou tiveram a possibilidade de apurar a que se destinava, referiram que não.
- O valor aprendido ao Recorrente é claramente compatível com quem se desloca a Lisboa para passar dois dias de turismo.
- O montante que foi apreendido ao Recorrente é mais um elemento que afastava qualquer presunção de que o Recorrente tivesse alguma coisa a ver com o produto estupefaciente apreendido ao Senhor AA.
- O referido AA afirmou que quando chegasse a Portugal, com o produto estupefaciente iria receber uma boa quantia em dinheiro, passagens 00:04:23 a 00:04:32;
- Tendo o Recorrente DD, na sua posse, unicamente o montante global de 1200€ (Mil e Duzentos euros) seguramente que não poderia ser o Recorrente o destinatário do referido produto estupefaciente.
XXXIX - Sopesando toda a prova constante dos autos e respetivos indícios temos que o principio In Dubio Pro Reo obrigava a que o Recorrente fosse absolvido da prática do crime de que foi Acusado.
Indícios da Acusação:
Deslocação do Recorrente de ... para Lisboa;
Ao avistar o AA o Recorrente acompanhou-o com o olhar e quando estava a dois ou três metros de distância dirigiu-lhe um movimento com o braço.
Indícios que, no entendimento da Defesa, afastam a Acusação:
O Recorrente tinha uma reserva efetuada por dois dias para Lisboa (o que não é consentâneo com alguém que espera uma pessoa para a seguir regressar a ...);
O Recorrente e o seu compadre tinham um veículo alugado pelo período de 3 dias (O percurso de Lisboa a ... faz-se em pouco mais de 5 horas, nunca seria necessário alugar um veículo automóvel por mais de um dia);
O Recorrente tinha consigo o montante de 1.200€ (Mil e Duzentos Euros), o que é claramente compatível com alguém que se desloca a Lisboa por um período curto de tempo e incompatível com alguém que teria que pagar um transporte de droga.
O Veículo alugado pelo Recorrente e seu compadre, não permitia o transporte da cadeira de rodas onde se encontrava dissimulado o produto estupefaciente;
O Recorrente nunca contactou ou se aproximou do AA, tendo o mesmo passado pela zona de Alfândega, se a sua intenção fosse efetivamente esperá-lo, não o ajudava a carregar, pelo menos a mala?
O Recorrente quando é detido vai precisamente na direção onde se encontram as casas de banho.
Uma pessoa com deficiência, a transportar-se numa cadeira de rodas arrastando uma mala e uma canadiana, é para o comum dos cidadãos, pelo menos, foco de surpresa e pena.
O Recorrente apresentou uma justificação sólida para estar naquele local àquela hora.
XL - Com o devido respeito, o Recorrente não pode ser condenado por, alegadamente, ter dirigido ao AA um gesto, de interpretação totalmente subjetiva, sem qualquer outra prova.
XLI - Os indícios que decorreram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento são muito mais fortes no sentido de criar a dúvida do que a certeza sobre qualquer tipo de culpabilidade do Recorrente na prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
XLII - Os indícios existentes são muito mais fortes no sentido de conferir credibilidade ás declarações do Recorrente do que da Acusação. Assim, deveria o Tribunal a quo ter absolvido o Arguido do crime pelo qual foi condenado.
XLIII - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 14º e 26º do Código penal, 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
F)
XLIV - O Tribunal a quo decidiu:
“Declaram-se perdidos a favor do Estado os telemóveis e quantias monetárias apreendidos aos arguidos.”
A referida decisão é ilegal e violadora dos artigos 35º e 36º do Decreto – lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
XLV - Não foi produzida qualquer prova de que o dinheiro apreendido ao Recorrente ou os telemóveis tivessem qualquer relação com qualquer atividade ilícita.
XLVI - Acresce que, em momento algum dos factos provados estabelece o Acórdão, e antes dele a acusação, a relação entre o montante apreendido e a prática do crime, com o que resulta comprometido o indispensável nexo de causalidade que ligue os mesmos ao ilícito típico em questão.
XLVII - Nenhuma relação no acervo factual provado vem estabelecida – o que já acontecia em sede de acusação - entre a quantia em dinheiro apreendida e a prática do crime. Ou seja, falha a conexão/relação causal entre a primeira e o segundo, sem a qual não pode subsistir a declaração de perda da quantia em dinheiro apreendida ao arguido. Veja-se, a este propósito, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo: 13/17.3GAFND.C1, de 20-03-2019, disponível em www.dgsi.pt.
XLVIII - Assim, nunca o Tribunal a quo poderia ter declarados perdidos a favor do Estado os referidos montantes e telemóveis.
XLIX - Sendo certo que sempre serão inconstitucionais os artigos 35º e 26º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, quando interpretados no sentido que: Podem ser declarados perdidos a favor do Estado objetos e quantias monetárias apreendidas a suspeitos da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, quando os mesmos sejam condenados pelo referido crime, mesmo que nenhuma relação no acervo factual provado venha estabelecido entre os objetos e quantias pecuniárias e a prática do crime.”
Tal interpretação é claramente violada dos artigos 2º, 18º, 20º, n.º 1, 32º, 62º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
G)
L - Exatamente pela prática do mesmo crime o Tribunal a quo condenou o AA, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, ou seja, menos um ano de prisão.
LI - Caso se pudesse concluir, que no modesto entendimento da defesa não se pode, que o Recorrente cometeu o crime que lhe é imputado, nunca a pena que lhe foi aplicada poderia ser, na pior das hipóteses, superior à pena aplicada ao AA.
LII - As penas aplicadas são manifestamente desproporcionais e desadequadas.
LIII - O Arguido é primário não tendo averbado no seu registo criminal qualquer condenação, encontrava-se social e familiarmente inserido.
LIV - Estamos perante uma alegada situação de meros correios de droga, numa única situação, onde o produto estupefaciente não chegou sequer a entrar no mercado.
LV - Assim, mesmo que se considerasse que a conduta do Arguido era susceptível de enquadrar o crime previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, não deveria o mesmo ter sido condenado em pena superior a 5 (cinco) anos de prisão.
LVI - O tribunal a quo violou, por isso, os artigos 70º e 71º do Código penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento.
Assim decidindo farão V. Exas. a almejada JUSTIÇA”
Antes ainda, o arguido DD interpôs recurso do despacho proferido em 13.11.2024, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
“I -Em 07/11/2024, após as declarações prestadas pelo Arguido, o Recorrente apresentou um Requerimento de fls., referência citius 40972556, requerendo:
DD, arguido nos autos acima melhor identificados vem, muito respeitosamente, nos termos do artigo 340º do C.P.P., no seguimento das declarações prestadas pelo Arguido, e por se mostrar essencial para aferir da credibilidade das declarações do mesmo, e para a descoberta da verdade material, requerer a V. Exa. que se digne ordenar a notificação da ..., com sede em ..., para vir informar os presentes autos, por referência ao dia .../.../2023, quais os voos que aterraram no Aeroporto de Lisboa entre as 13 horas e as 15 horas, com informação da origem.
II - Com a referida diligência de prova o Arguido pretendia comprovar a existência do referido voo da sua proveniência e bem assim a viagem nesse voo do seu amigo e o motivo pelo qual apesar de chegar a Lisboa pelas 11:00, pelas 14:3 ainda se encontrava no Aeroporto na zona das chegadas.
III - Era imperioso para demonstrar a veracidade das declarações do Arguido demonstrar que efetivamente, pelas 14:50 estava prevista a chegada de um voo da ..., proveniente da ..., onde viajava o seu amigo LL.
IV - O Tribunal a quo por despacho de 13/11/2024 indeferiu o requerimento, impedindo o Arguido de se defender e de demonstrar que aquilo que alegou, inclusive na sua contestação era verdadeiro!!!
V - O arguido não podia obter as informações que solicitou sem ser através do Tribunal. A informação solicitada não é de acesso livre ou irrestrito.
VI - O direito a contraditar as provas e demonstrar a veracidade dos factos por si invocados é um Direito de Natureza Constitucional, consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
VII - Pelo que, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 327º e 340º do C.P.P. bem como os artigos 32º da Constituição da República Portuguesa e bem assim o artigo 6º da C.E.D.H.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente Recurso obter provimento.
Assim, decidindo farão V.Exas. a esperada JUSTIÇA!”
Igualmente inconformado, também o arguido GG interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª Arestos recorridos:
. Aresto ref.ª 440724525, que determina a realização da leitura do Acórdão na ausência do Arguido, por motivo que não lhe é imputável, não tendo prescindido do direito a estar presente.
. Aresto ref.ª 440724525, que julga improcedente o vício suscitado por realização da leitura do Acórdão na ausência do Arguido, por motivo que não lhe é imputável, não tendo prescindido do direito a estar presente.
. Aresto condenatório final notificado ao Arguido em 26DEZ2024 (fls. ...) (vd. of. ref.ª 441292343).
2.ª Da compulsão dos autos e face à prova produzida em julgamento, impõe-se flagrantemente decisão diversa porquanto se constata:
A) – Vício (nulidade) por violação dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP;
B) – Vício (nulidade) por violação do princípio do caso julgado e dos art.ºs 14º, 119º a) e 120º n.º 2, todos do CPP, conjugados com as normas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP;
C) – Vício de erro notório ex vi art.º 410º n.º 2 c) CPP;
D) – Vício por falta de fundamentação ex vi art.º 374º n.º 2, 379º nº 1 a) e 97º n.º 5, todos do CPP;
E) – Foram incorrectamente julgados os factos que o Tribunal a quo julgou como provados, impondo-se decisão diversa quanto à matéria de facto, através da reapreciação da prova, nos termos do art.º 412ºº n.ºs 2 e 3 CPP;
F) – Vício na determinação da medida concreta da pena, por violação 40º, 50º, 70º, 71º e 72º, do CPenal.
A)
– Vício (nulidade) por violação dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP –
3.ª Na sessão de julgamento de 20NOV2024, acta ref.ª 440350049, o Tribunal a quo declarou encerrada a produção de prova, prosseguindo para as alegações finais,a agendou o dia 02DEZ2024 para leitura e o ARGUIDO/RECORRENTE não prescindiu do seu direito a estar presente na sessão agendada para a leitura do Acórdão.
4.ª Em 28NOV2024, o Tribunal a quo proferiu o Despacho ref.ª 440381375 que determina que:
“Por conseguinte, ponderados os interesses em confronto, nomeadamente o carácter urgente dos autos, o direito inalienável dos arguidos a exercerem cabal e pessoalmente o seu direito de defesa em audiência, e o direito à greve que naturalmente se reconhece aos Exmos. Senhores Guardas Prisionais, mas que não pode obliterar os direitos fundamentais dos cidadãos privados da liberdade, sob pena de denegação de justiça e de violação infundada e gratuita dos direitos e garantias fundamentais supra identificados, e inexistindo, de forma manifesta, possibilidade ilimitada de agendamento da audiência de modo compatível com a referida greve e com o direito de defesa efectiva dos arguidos em audiência, impõe-se que seja assegurada a sua condução a este tribunal, a fim de lhes ser permitido o pleno e efectivo exercício do seu direito de defesa.”
5.ª Para a sessão de 02DEZ2024 pelas 13h30, os serviços prisionais atrasaram-se no transporte do ARGUIDO/RECORRENTE e o Tribunal a quo proferiu Despacho de acta de 02DEZ2024 (ref.ª 440724252), que em súmula diz que:
“[…] determinou o início da presente diligência, porquanto os arguidos ausentes encontram-se devidamente representados, para todos os efeitos legais, pelos seus I. mandatários, tendo de seguida proferido o acórdão, anunciando, ao abrigo do disposto no art.º 372º do C. P. Penal, que o mesmo se encontra elaborado por unanimidade e em conformidade com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Coletivo, composto por ela, Meritíssima Juiz Presidente e pelos seus colegas, Dra. MM e Dr. NN, e assinado pelos mesmos.”
6.ª O ARGUIDO/RECORRENTE suscitou “a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) ou, ainda, a irregularidade prevista no artigo 123.º, ambos do C.P.Penal, porquanto os arguidos têm direito a estar presentes em todas as sessões de audiência de julgamento e o arguido DD (e GG) não prestou consentimento para que a mesma ocorresse na sua ausência.”
7.ª O Tribunal a quo, composto apenas e exclusivamente pela Mm.ª Juíza Presidente do Colectivo, proferiu Despacho da mesma acta de 02DEZ2024 (ref.ª 440724252), que em súmula diz que:
“determinou a não existência de qualquer vício ou nulidade na presente sessão, porquanto a leitura do acórdão pode ser efectuada na ausência dos arguidos, ainda que tal ausência não lhes seja imputada, uma vez que os mesmos se encontram devidamente representados pelos seus I. Mandatários, tendo ainda determinado a tradução para língua … do douto acórdão preferido, no prazo de dez dias, a fim de ser cabalmente assegurada a garantia de defesa dos arguidos, tendo a Sra. Intérprete declarado ficar ciente - art.º 92.º, n.º 3 e 113º, n.º 10, do Código do Processo Penal – mais lhe fixando, a título de honorários devidos pela presente sessão, quantia equivalente a 2 UC’s – artigo art.º 17.º, n.º 4, do RCP e Tabela IV anexa.”
8.ª Atenta a composição singular do Tribunal que deveria legalmente de ser Colectivo, o ARGUIDO/RECORRENTE suscitou competente vício, a saber (vd. acta de 02DEZ2024 (ref.ª 440724252)), “o despacho ora proferido é ferido de nulidade, porquanto padece de vícios, nomeadamente de incompetência do Tribunal e violação do princípio do caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 14.º, 119.º, alínea a) e 120.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.Penal.”
9.ª O Tribunal a quo, mais uma vez composto única e exclusivamente pela Mm.ª Juíza Presidente, e à revelia dos demais Mm.ºs Juízes que integram o Colectivo, proferiu o seguinte Despacho (ora também recorrido), constante da mesma acta de 02DEZ2024 (ref.ª 440724252), que em súmula diz que:
“reiterou o já determinado, indeferindo, no mais, a arguição dos vícios invocados pela defesa do arguido GG e mais determinou que a ausência dos arguidos DD e GG, motivada pelo seu não atempado transporte pelos serviços prisionais, fosse comunicada, com urgência, aos Exmos. Srs. Directores do E.P ... e da DGRSP, à DGAJ, ao Exmo. Sr. Vice Presidente do CSM e ao Exmo. Sr. Juiz Presidente da Comarca de Lisboa.”
10.ª Ínterim, os serviços prisionais acabaram por transportar e chegaram com o ARGUIDO/RECORRENTE às instalações do Tribunal, mas não foi encaminhado para a sala de julgamento.
11.ª O Tribunal a quo errou manifestamente quando decidiu prosseguir com os trabalhos e com a leitura do Acórdão, quando o ARGUIDO/RECORRENTE ainda não se encontrava na sala de audiência para o efeito e nem sequer foi levado para a sala, não obstante já se encontrar nas instalações do Tribunal.
12.ª Erro que se torna ainda mais evidente e manifesto atento o teor do Despacho do próprio Tribunal a quo de 28NOV2024 (ref.ª 440381375).
13.ª Nos termos dos art.ºs 61º n.º 1 a) e 332º n.º 1 do CPP, fica estatuído o direito do Arguido de estar presente em todos os actos processuais que lhe digam respeito e, ainda, a obrigatoriedade da presença do Arguido na audiência, exceptuadas as situações do art.º 331 n.ºs 1 e 2 CPP e art.º 334º n.ºs 1 e 2 do CPP, que não têm aplicação no caso em apreço.
14.ª Resulta, por conseguinte, que o ARGUIDO/RECORRENTE tinha o seu direito, inalienável, de estar presente na audiência que lhe dizia directa e imediatamente respeito. E, por lei, o ARGUIDO/RECORRENTE tinha a obrigação de estar na audiência.
15.ª O atraso dos serviços prisionais no transporte no ARGUIDO/RECORRENTE para a audiência não é imputável à vontade do ARGUIDO/RECORRENTE e não configura qualquer fundamento, mínimo que seja, para que a audiência tenha lugar na sua ausência.
16.ª O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro na determinação e aplicação do Direito, obliterando um direito constitucional do ARGUIDO/RECORRENTE em estar presente na audiência que lhe diz directa e imediatamente respeito.
17.ª Ficou suscitado nos autos (vd. acta de 02DEZ2024 ref.ª 440724252) o respectivo vício, que é de nulidade insanável.
18.ª O Tribunal a quo não reparou o vício. Assim, o Despacho em questão incorre em vício, que é de nulidade insanável, ex vi as normas conjugadas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP.
B)
– Vício (nulidade) por violação do princípio do caso julgado e dos art.ºs 14º, 119º a) e 120º n.º 2, todos do CPP, conjugados com as normas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP –
19.ª O Tribunal a quo, ao arrepio da lei, sem fundamento válido e à revelia da vontade do ARGUIDO/RECORRENTE em estar presente, prosseguiu a audiência na ausência do ARGUIDO/RECORRENTE, incorrendo em nulidade insanável, conforme resulta das normas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP.
20.ª Em Requerimento para acta ficou de imediato suscitado o competente vício, que é nulidade insanável.
21.ª À revelia da lei, o Tribunal a quo incorreu em nova nulidade insanável por preterição da composição legal do Tribunal.
22.ª Aos vícios suscitados pelas Defesas, a Mm.ª Juíza Presidente permitiu-se decidir em audiência, preterindo a composição legal colectiva do Tribunal.
23.ª Pelo que, ficou também suscitado o competente vício (vd. acta de 02DEZ2024 ref.ª 440724252): “o despacho ora proferido é ferido de nulidade, porquanto padece de vícios, nomeadamente de incompetência do Tribunal e violação do princípio do caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 14.º, 119.º, alínea a) e 120.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.Penal.”
24.ª Sem embargo, e continuando a preterir a composição colectiva do Tribunal, a Mm.ª Juíza Presidente prosseguiu na condução dos trabalhos, permitindo-se decidir singularmente, em plena audiência, sobre questões que nessa mesma audiência ficaram suscitadas.
25.ª Bem se verifica que a Mm.ª Juíza Presidente ficou a navegar fora de pé, confundindo a possibilidade de, singularmente, proceder à leitura de um Acórdão, com uma outra realidade processual totalmente distinta, a saber, em plena audiência, sem a composição legal do Tribunal Colectivo, conduzir a mesma como se de um Tribunal singular se tratasse, e proferir decisões singulares (sem qualquer intervenção do Tribunal Colectivo) sobre requerimentos e questões suscitadas em plena audiência pelas Defesas.
26.ª O Tribunal a quo incorreu em vício, que é de nulidade insanável, por violação das normas dos art.ºs 14º, 119º a) e 120º n.º 2, todos do CPP, conjugadas com as normas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1 do CPP.
C)
– Vício de erro notório ex vi art.º 410º n.º 2 c) CPP –
27.ª Determina o art.º 410º n.º 2 c) do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do Tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, o erro notório da apreciação da prova.
28.ª Os meios de prova avançados pelo Tribunal a quo para fundamentar os factos provados respeitantes ao ARGUIDO/RECORRENTE GG são entre si manifestamente incompatíveis.
29.ª O AA declarou em audiência de julgamento que não conhecia o ARGUIDO/RECORRENTE GG e nunca o viu, sendo certo que lhe haviam dito na ... que seria um, e apenas um indivíduo que o esperaria… Ora, o ARGUIDO/RECORRENTE e o seu compadre (DD) são dois… (vd. transcrições com indicação exacta das passagens por referência à acta 23OUT2024 ref.ª 439548004, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-10-23_14-51-38, com particular destaque aos 00:05:03 a 00:05:14, 00:09:17 a 00:9:31, 00:09:41 a 00:09:51, 00:11:18 a 00:11:35, 00:11:53 a 00:12:10, 00:20:18 a 00:20:21, 00:27:58 a 00:28:30).
30.ª E do próprio texto do Acórdão recorrido, com a explicitação que faz, não resulta que o arguido AA tivesse conhecimento, sequer, da existência do ARGUIDO/RECORRENTE GG ou que lhe conhecesse o nome, como também do texto do Acórdão recorrido não resulta explicitado que o arguido AA tenha atribuído qualquer tipo de actuação, conduta ou omissão ao ARGUIDO/RECORRENTE GG.
31.ª O erro é notório. E as declarações do arguido AA são manifestamente incompatíveis com os factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
32.ª Quanto ao depoimento do inspector da PJ JJ, em julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_10-31-17, com particular destaque aos 00:10:29 a 00:10:34, disse que nada sabe nem fala acerca do ARGUIDO/RECORRENTE!
33.ª E do próprio texto do Acórdão recorrido, na sua parca fundamentação, da explicitação que faz do depoimento, também fica evidente, pelo que fica exarado no texto, que esta testemunha nada sabe ou diz sobre o ARGUIDO/RECORRENTE.
34.ª O erro é notório. E as declarações do inspector da PJ JJ são manifestamente incompatíveis com os factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
35.ª Quanto ao depoimento do inspector da PJ PP, em julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_11-50-19, com particular destaque aos 00:00:40 a 00:00:57, nada sabe nem fala acerca do ARGUIDO/RECORRENTE!
36.ª E do próprio texto do Acórdão recorrido, na sua parca fundamentação, da explicitação que faz do depoimento, também fica evidente, pelo que fica exarado no texto, que esta testemunha nada sabe ou diz sobre o ARGUIDO/RECORRENTE. É o que decorre dos termos usados na fundamentação.
37.ª O erro é notório. E as declarações do inspector da PJ PP são manifestamente incompatíveis com os factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
38.ª Dos fotogramas extraídos das imagens CCTV de fls. 54 a 57 resulta unicamente a chegada do ARGUIDO/RECORRENTE ao aeroporto de Lisboa. E nada mais. Deles nenhuma conexão resulta entre o ARGUIDO/RECORRENTE e a prática de qualquer facto que dê guarida aos factos dados como provados, designadamente, os respeitantes ao elemento objectivo e subjectivo do tipo de crime (tráfico de estupefacientes do art.º 21º) pelo qual o ARGUIDO/RECORRENTE foi condenado.
39.ª Sendo certo que das mesmas não resulta infirmado o que o ARGUIDO/RECORRENTE declarou em audiência de julgamento.
40.ª O Tribunal a quo é omisso e não esclarece quais são as incoerências existentes nas declarações do ARGUIDO/RECORRENTE nem tampouco em que medida é que as mesmas declarações são desconformes às regras de experiência.
41.ª Das imagens de vídeo extraídas das câmaras do aeroporto de Lisboa (fls. 508) não resulta, seja de que modo for, que o ARGUIDO/RECORRENTE era o destinatário do produto estupefaciente transportado pelo arguido AA.
42.ª E do texto do Acórdão recorrido resulta bem patente que a prova invocada pelo Tribunal a quo não versa sobre o ARGUIDO/RECORRENTE, como aliás fica manifesto nos próprios termos da fundamentação exarada, mais se verificando que o Tribunal a introduz inusitadamente o nome do ARGUIDO/RECORRENTE (fazendo-o tomar parte num todo) quando aborda singelamente alguns meios de prova, de cujos termos bem se vê que tais meios de prova não versam sobre o ARGUIDO/RECORRENTE!
43.ª O erro é notório. E resulta do próprio texto do Aresto recorrido. Tais meios de prova são também eles manifestamente incompatíveis com os factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
44.ª Fica evidente o vício de erro notório na apreciação da prova que resulta do texto do próprio Acórdão, que o enferma indelevelmente, nos termos do art.º 410º n.º 2 c) do CPP, atenta a incompatibilidade da prova invocada na fundamentação com os factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
D)
– Vício por falta de fundamentação ex vi art.º 374º n.º 2, 379º nº 1 a) e 97º n.º 5, todos do CPP –
45.ª A matéria de facto dada como provada não tem respaldo na fundamentação que o Tribunal a quo exara no Aresto condenatório recorrido.
46.ª Resulta manifesta a incompatibilidade entre os meios de prova enunciados na fundamentação exarada pelo Tribunal a quo e os factos que o mesmo Tribunal a quo deu como provados.
47.ª O Acórdão recorrido padece de vício por falta de fundamentação, com referência aos factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32, o Tribunal a quo limita-se a singelas afirmações genéricas e de perincípio, mas não enuncia quais são as concretas razões para que as declarações do ARGUIDO/RECORRENTE não merecem credibilidade.
48.ª O Tribunal a quo não concretiza quais são as regras de experiência comum que abalam as declarações do ARGUIDO/RECORRENTE prestadas em julgamento, acta 06NOV2024 ref.ª 439904205, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-06_12-00-51, com particular destaque aos 00:02:27 a 00:04:03, 00:04:26 a 00:05:55, 00:08:45 a 00:09:53, 00:13:58 a 00:14:50, 00:25:01 a 00:25:37, 00:25:48 a 00:27:38, 00:31:39 a 00:33:36, 00:33:39 a 00:34:58, 00:38:57 a 00:39:50, 00:40:15 a 00:41:51, 00:47:35 a 00:48:09, designadamente, que sempre trabalhou na sua vida; que esteve de baixa médica, que aliás, ficou documentada nos autos (Requerimentos de 09NOV2024, ref.ªs 40997005 e 40997010). Que a baixa médica terminou. Mas que não voltou para a empresa de imediato porque a mesma estava encerrada em razão do período das festas natalícias. Que foi quando a baixa médica já tinha terminado que o seu compadre DD (co-Arguido) o convidou para viajar a Lisboa, sendo que viria buscar uma pessoa que vinha de ... (LL) a qual era conhecida de infância do ARGUIDO/RECORRENTE, que apenas não ficou logo a saber quem seria essa pessoa, porque o seu compadre lhe disse que seria uma surpresa.
E por esse motivo, por já estar recuperado, a empresa onde trabalha encontrar-se encerrada pelas festas de Natal, e poder conhecer, em turismo por poucos dias, e sem grandes despesas, um pouco de Portugal e Lisboa, aproveitou.
Sendo que a sua família, mais concretamente, a sua esposa, achou normal e aliás, até o incentivou, não o podendo, todavia, acompanhar (a esposa ainda estava e trabalhar e a filha estava ainda na escola e a enteada a trabalhar).
Que viriam de avião por terem encontrado passagens baratas e que regressariam de automóvel, fazendo paragens por diferentes terras para conhecerem.
49.ª Também se encontra documentado nos autos (DOC 1 junto com a Contestação do DD) a reserva no Hotel até 22DEZ2023, em ..., e a fls. 51 a 53, consta o alugar do dito veículo ligeiro económico e confortável, de marca ... modelo ..., de cor cinzenta.
50.ª Em face das declarações do ARGUIDO/RECORRENTE, o Tribunal a quo não esclareceu em que medida ou de que modo as declarações do ARGUIDO/RECORRENTE estão repletas de incoerências e são desconformes às regras de experiência comum.
51.ª Em suma, o Tribunal a quo omite a fundamentação e a decisão revela-se arbitrária, nos termos do disposto no art.º 379º n.º 1 a), conjugado com os art.ºs 374º n.º 2 e 97º n.º 5 do CPP.
E)
– Foram incorrectamente julgados os factos que o Tribunal a quo julgou como provados, impondo-se decisão diversa quanto à matéria de facto, através da reapreciação da prova, nos termos do art.º 412ºº n.ºs 2 e 3 CPP –
52.ª Impõe-se a reapreciação da matéria de facto e, de acordo com os concretos meios de prova que se enunciam, dever-se-á dar como NÃO PROVADO que (factos que foram dados como provados):
“1. Em data não apurada, anterior a 19.12.2023, os arguidos e terceiros, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Portugal, por via aérea, no seu subsequente transporte para ..., por via terrestre e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias;
3. Os arguidos DD e GG tinham a missão de recolher o produto estupefaciente em Lisboa e proceder ao seu transporte para ... por via terrestre;
4. Na prossecução daquele plano, os arguidos DD e GG viajaram juntos de ... para Lisboa no voo …;
5. Aqueles arguidos desembarcaram no Aeroporto de Lisboa no dia ........2023 cerca das 10h45m;
6. Depois, os arguidos DD e GG deslocaram-se à ... no Aeroporto de Lisboa, onde alugaram um veículo automóvel, no qual transportariam a cocaína para …;
7. O aluguer, no valor de €550, foi pago pelo arguido GG, que forneceu os seus dados de identificação à sobredita empresa;
8. Depois, o arguido DD deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA;
9. O arguido GG, por sua vez, permaneceu junto à viatura alugada, esperando instruções do arguido DD;
14. Pelas 14h50m, o arguido DD estava na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa, com o fito de recolher o arguido AA;
15. Depois de ter avistado o arguido AA sentado na cadeira de rodas, na zona da rampa das chegadas, o arguido DD realizou uma chamada telefónica;
16. Depois, o arguido AA desceu a referida rampa, sentado na cadeira de rodas;
17. O trajecto do arguido AA foi observado pelo arguido DD;
18. O arguido DD aproximou-se do arguido AA e começou a gesticular na sua direcção, dizendo-lhe "venga, venga!"
19. Imediatamente após o arguido DD foi interceptado por Inspectores da PJ;
20. O arguido DD tinha no seu telemóvel a referida mensagem áudio gravada pelo arguido AA, reencaminhada por um contacto identificado como "…", através de um número telefónico dos EUA;
21. O arguido GG foi interceptado por elementos da PJ junto à ..., no aeroporto;
22. O arguido AA tinha consigo um telemóvel e a quantia de €1100;
23. O arguido DD tinha consigo dois telemóveis e a quantia de €1200;
24. O arguido GG tinha consigo um telemóvel;
25. As aludidas quantias monetárias destinavam-se a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos acima descritas;
26. Os telemóveis destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue, em ...;
30. Os arguidos não têm quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocaram para praticar a factualidade acima descrita;
31. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado, com o propósito concretizado de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do ... para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias;
32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”
53.ª Reapreciando a matéria de facto, não podia ser dado como provado o acervo factual que o Tribunal a quo consignou nos pontos 1, 3, 4, 5, 6, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32, atendendo aos seguintes meios de prova:
a) O AA declarou em julgamento que não conhecia o ARGUIDO/RECORRENTE GG e nunca o viu, sendo certo que lhe haviam dito na ... que seria um, e apenas um indivíduo que o esperaria…
Ora, o ARGUIDO/RECORRENTE e o seu compadre (DD) são dois. (vd. transcrições com indicação exacta das passagens por referência à acta 23OUT2024 ref.ª 439548004, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-10-23_14-51-38, com particular destaque aos 00:05:03 a 00:05:14, 00:09:17 a 00:9:31, 00:09:41 a 00:09:51, 00:11:18 a 00:11:35, 00:11:53 a 00:12:10, 00:20:18 a 00:20:21, 00:27:58 a 00:28:30).
b) Depoimento do inspector da PJ JJ, que prestou declarações em julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_10-31-17, com particular destaque aos 00:10:29 a 00:10:34, referindo eu nada sabe nem fala acerca do ARGUIDO/RECORRENTE!
c) Depoimento do inspector da PJ PP, prestou declarações em julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_11-50-19, com particular destaque aos 00:00:40 a 00:00:57, referindo que nada sabe nem fala acerca do ARGUIDO/RECORRENTE.
54.ª É pelas palavras dos inspectores da PJ que resulta manifesto que o veículo que o ARGUIDO/RECORRENTE alugou não era nem adequado nem servia para o transporte da cadeira de rodas eléctrica em que se fazia transportar o arguido AA, o qual o ARGUIDO/RECORRENTE não conhecia nem nunca tinha tido notícias de ser mais gordo ou magro:
a) inspector da PJ JJ, declarações de julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_10-31-17, com particular destaque aos 00:02:38, 00:38:41 a 00:40:34, 00:40:53 a 00:42:09, 00:43:32 a 00:45:07, 01:07:17 a 01:07:51, referindo que a cadeira de rodas eléctrica utilizada pelo arguido AA (para transportar o estupefaciente) não era normal, era bastante volumosa e muito pesada, pesando bem mais do que 200 quilos, “à vontade”, tendo sido necessário que a PJ disponibilizasse uma carrinha maior para o transporte tal como ela se apresentava, pois não foi possível desmontar a dita cadeira de rodas, sendo que apenas nas instalações da PJ se logrou desmontar a cadeira com recurso a diversas ferramentas. Material que, de resto não foi apreendido na posse do ARGUIDO/RECORRENTE.
b) Inpector da PJ PP, em julgamento, acta de 13NOV2024 ref.ª 440132386, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-13_11-50-19, com particular destaque aos 00:13:23 a 00:15:04, 00:20:40 a 00:21:44, 00:28:11 a 00:29:03, refeindo que a cadeira eléctrica era muito pesada e não seria dobrável, era muito rígida na estrutura, tendo sido necessário uma pick-up do sector dos transportes da PJ, pois nem sequer caberia na bagageira dum carro, tendo disso mesmo dado conhecimento à sua hierarquia, designadamente, que “não tinham condições para levar a cadeira do carro”.
55.ª Dos autos, a fls. 51 a 53, consta o comprovativo do veículo efectivamente alugado pelo ARGUIDO/RECORRENTE, veículo ligeiro económico e confortável (palavras do ARGUIDO/RECORRENTE), de marca ... modelo Cougar, de cor cinzenta, de onde resulta manifesto que o dito veículo nunca seria adequado, como não é adequado, para nele meter a dita cadeira de rodas eléctica, de grandes dimensões, e muito pesada, que para ser transportada para as instalações da PJ careceu de um pedido dos inspectores ao sector dos transportes de uma carrinha pick-up (palavras do inspector PPP) ou mercedes sprinter (palavras do inspector JJ), pois o veículo em que se faziam transportar (os inspectores da PJ) era uma carrinha Fiat tipo (palavras do inspector PP, ao minuto 28 e 40 segundos do seu depoimento em julgamento).
56.ª Assim, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado, além do mais, que o veículo com as características constantes dos autos (veículo ligeiro marca ford cougar) e que foi alugado seria para transporte da cadeira de rodas de rodas eléctrica contendo o produto estupefaciente trazido pelo AA a partir da ....
57.ª Sendo certo que, não resulta dos autos e muito menos do depoimento das testemunhas que o ARGUIDO/RECORRENTE tivesse ou detivesse a ferramentaria adequada ou necessária para desmontar a cadeira à imagem do que fez a PJ nas instalações desta Polícia, tarefa que se mostrou difícil, atento o que ficou dito pelos inspectores da PJ em audiência de julgamento.
58.ª Merecem credibilidade as declarações do ARGUIDO/RECORRENTE em julgamento, acta 06NOV2024 ref.ª 439904205, ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-06_12-00-51, com particular destaque aos ficheiro de origem Diligência_606-23.0JELSB_2024-11-06_12-00-51, com particular destaque aos 00:02:27 a 00:04:03, 00:04:26 a 00:05:55, 00:08:45 a 00:09:53, 00:13:58 a 00:14:50, 00:25:01 a 00:25:37, 00:25:48 a 00:27:38, 00:31:39 a 00:33:36, 00:33:39 a 00:34:58, 00:38:57 a 00:39:50, 00:40:15 a 00:41:51, 00:47:35 a 00:48:09, designadamente, que sempre trabalhou na sua vida; que esteve de baixa médica, que aliás, ficou documentada nos autos (Requerimentos de 09NOV2024, ref.ªs 40997005 e 40997010). Que a baixa médica terminou. Mas que não voltou para a empresa de imediato porque a mesma estava encerrada em razão do período das festas natalícias. Que foi quando a baixa médica já tinha terminado que o seu compadre DD (co-Arguido) o convidou para viajar a Lisboa, sendo que viria buscar uma pessoa que vinha de ... (LL) a qual era conhecida de infância do ARGUIDO/RECORRENTE, que apenas não ficou logo a saber quem seria essa pessoa, porque o seu compadre lhe disse que seria uma surpresa.
E por esse motivo, por já estar recuperado, a empresa onde trabalha encontrar-se encerrada pelas festas de Natal, e poder conhecer, em turismo por poucos dias, e sem grandes despesas, um pouco de Portugal e Lisboa, aproveitou.
Sendo que a sua família, mais concretamente, a sua esposa, achou normal e aliás, até o incentivou, não o podendo, todavia, acompanhar (a esposa ainda estava e trabalhar e a filha estava ainda na escola e a enteada a trabalhar).
Que viriam de avião por terem encontrado passagens baratas e que regressariam de automóvel, fazendo paragens por diferentes terras para conhecerem.
59.ª Ainda em conformidade com o que declarou, encontra-se documentado nos autos (junto com a Contestação do DD – Documento 1) a reserva no Hotel até ..., em ..., e a fls. 51 a 53, consta o alugar do dito veículo ligeiro económico e confortável (palavras do ARGUIDO/RECORRENTE), de marca ... modelo Cougar, de cor cinzenta.
60.ª Atentos os meios de prova supra destacados, reapreciando a matéria de facto, devem ser dados como NÃO provados os pontos descritos no Acórdão sob os números nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32.
F)
– Vício na determinação da medida concreta da pena, por violação 40º, 50º, 70º, 71º do CPenal –
61.ª O Tribunal a quo condenou o ARGUIDO/RECORRENTE pela prática, como autor material na forma consumada, de 01 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º n.º 1 do DL 15/93_22JAN, por referência à Tabela I-B anexa, na pena de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de prisão.
62.ª Os vícios que inquinam o Acórdão recorrido demandam a absolvição do ARGUIDO/RECORRENTE do crime que lhe foi imputado.
63.ª Ademais, as circunstâncias aduzidas pelo Tribunal a quo para fixar a pena única em 06 anos e 08 (oito) meses de prisão, não são bastantes nem suficientes para dar estribo à pena aplicada.
64.ª O ARGUIDO/RECORRENTE nunca teve qualquer conexão ou ligação com estupefacientes, sendo-lhe totalmente alheio.
65.ª Alheio também, completamente, quanto ao que sucedeu no aeroporto de Lisboa, e quanto à intervenção da PJ implicando-o num alegado plano de tráfico de estupefacientes, proveniente do ..., por um indivíduo que se fazia transportar numa enorme e pesada cadeira de rodas eléctrica (cuja estrutura tinha dissimulado estupefaciente) a quem não tem qualquer ligação ou contacto, totalmente desconhecido.
66.ª O ARGUIDO/RECORRENTE desconhecia a existência do dito indivíduo proveniente do ... (arguido AA).
67.ª O ARGUIDO/RECORRENTE nunca soube que viria para Portugal um indivíduo que transportaria estupefaciente consigo.
68.ª O ARGUIDO/RECORRENTE nunca esperou por ninguém no aeroporto de Lisboa na expectativa de que esse alguém transportasse estupefaciente para encaminhar por transporte terrestre para ....
69.ª O ARGUIDO/RECORRENTE nunca alugou carros para neles transportar produto estupefaciente.
70.ª O ARGUIDO/RECORRENTE nunca teve qualquer ligação ao mundo dos estupefacientes e recusa terminantemente a sua conexão a tal realidade, pois a sua vida sempre foi honrada e de trabalho.
71.ª O ARGUIDO/RECORRENTE apenas aproveitou o convite do seu compadre (DD) para vir a Portugal, em turismo, por dias, enquanto vinha buscar uma pessoa que lhe era conhecida de infância, mas cuja identidade o DD não revelou na intenção de fazer uma surpresa ao ARGUIDO/RECORRENTE num encontro com o seu amigo de infância, LL, que viria de ..., e que não via há bastantes anos.
72.ª O ARGUIDO/RECORRENTE não é dono do produto estupefaciente apreendido nos autos.
73.ª O ARGUIDO/RECORRENTE não era o destinatário do produto estupefaciente apreendido nos autos.
74.ª O ARGUIDO/RECORRENTE é totalmente alheio e desconhecia completamente que viria do ... um indivíduo numa cadeira de rodas eléctrica que, além do mais transportava produto estupefaciente dissimulado na estrutura da dita cadeira.
75.ª Nunca poderia o ARGUIDO/RECORRENTE ser condenado como co-autor material do crime de tráfico de estupefacientes do art.º 21º do DL 15/93, e neste sentido, a pena aplicada não tem qualquer respaldo legal.
76.ª Dir-se-á também que as circunstâncias aduzidas pelo Tribunal a quo para fixar a pena em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de prisão, não são bastantes nem suficientes para dar estribo à pena aplicada.
77.ª Resultou, desde logo, provado que o ARGUIDO/RECORRENTE é primário, o mesmo é dizer, trata-se do primeiro contacto com o sistema de justiça.
78.º Resultou ainda do Acórdão recorrido que a delimitação temporal resultante da acusação e que foi dada como provada se cinge à data concreta apurada.
79.ª Ficou provado para o Tribunal a quo que:
“59. O arguido GG é natural da ..., tendo dupla nacionalidade …e …;
60. à data dos factos descritos residia em ... com o seu agregado familiar, constituído pela companheira, de 38 anos de idade, uma filha de 8 anos de idade resultante desta união, e a enteada de 19 anos;
61. A sua dinâmica familiar era positiva e harmoniosa, destacando-se o relacionamento de entreajuda e cumplicidade com a companheira e a filha; o arguido tem ainda uma filha de 22 anos de idade, autónoma, também residente em ..., resultante de um anterior casamento que perdurou cerca de 14 anos, iniciado no seu país de origem;
62. Há cerca de 20 anos que o arguido reside em ..., tendo emigrado de ... por motivos laborais e no sentido de alcançar melhores condições de vida;
63. O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido decorreu no seio de uma família constituída pelos progenitores, sendo o filho mais velho de uma fratria de três irmãos, numa dinâmica familiar positiva e de entreajuda;
64. Já no decurso da residência em ..., os progenitores do arguido separaram-se encontrando-se actualmente a sua progenitora e os seus dois irmãos com uma vida estruturada quer social quer económica em ..., permanecendo o progenitor na ...;
65. Ao nível profissional, à data dos factos supra descritos, GG encontrava-se a trabalhar há cerca de um ano, com contrato de trabalho sem termo, em empresa na área da …, exercendo funções de condução de …;
66. O arguido apresenta um percurso laboral com hábitos e rotinas de trabalho, tendo aos 20 anos de idade iniciado o seu ingresso no mercado de trabalho, após abandono escolar e face às responsabilidades decorrentes do casamento que contraiu na cidade natal;
67. Ao nível escolar, GG apresenta um percurso escolar normativo iniciado em idade própria, tendo ingressado na universidade, que abandonou após 6 meses de frequência, em virtude de ter contraído matrimónio e ter tido necessidade de fazer face às responsabilidades económicas familiares, ingressando no mercado de trabalho;
68. O arguido projecta, em liberdade, regressar a ..., atendendo a que tem nacionalidade …, retomar a sua vida conjugal e familiar e reintegrar-se na empresa onde se encontra a trabalhar;
69. O arguido GG e o arguido DD são amigos, relação iniciada no país de origem de ambos, sendo este padrinho da filha mais velha do primeiro;
70. O arguido vem mantendo, no estabelecimento prisional, um comportamento de acordo com as regras institucionais, não tendo registo de infracções disciplinares;
71. O arguido tem vindo a demonstrar investimento no seu percurso institucional, tendo entre ...-...-2024 e ...-...-2024 ingressado na ... durante a permanência no Estabelecimento Prisional junto à ..., encontrando-se actualmente e desde ...-...-2024 integrado laboralmente como ... no ...;
72. Tem recebido visitas por parte de alguns elementos familiares, nomeadamente de um irmão, da progenitora e da filha mais velha, sendo apoiado regularmente ao nível económico por parte destes;
73. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.”
80.ª Não parece resultar, portanto, uma propensão do Arguido para a delinquência. E menos ainda para a reincidência.
81.ª Aliás, o Arguido dá evidentes mostras do constrangimento e vergonha, em audiência de julgamento, pelo facto de estar a ser julgado e associado ao crime pelo qual está a ser julgado, quando na sua vida apenas conheceu o trabalho e tudo o que obteve foi a custo do seu suor.
82.ª Não há conhecimento de que o Arguido seja ou estivesse, por alguma forma, ligado, associado ou conectado ao tráfico de estupefacientes.
83.ª A prisão preventiva a que se encontra sujeito desde ... foi já factor bastante e suficiente, como ficou evidente das duas declarações em julgamento, para inculcar no Arguido um forte dissuasor para reincidir em conduta criminosa de natureza idêntica ou qualquer outra.
84.ª Trata-se de um indivíduo educado, integrado familiar e profissionalmente, que vive para o trabalho, e que denota capacidade crítica e entendimento do bem jurídico em causa.
85.ª Atenta a matéria supra mencionada e apreciada, constata-se que a pena que o Tribunal a quo decidiu aplicar ao Arguido extravasa a medida da culpa e, como tal, viola além do mais, o disposto no art.º 40º, 70º e 71º, todos do CPenal.
86.ª In caso, e levando em linha de conta a moldura penal, nunca seria de aplicar pena superior a 5 anos, a qual sempre haveria de ficar suspensa na sua execução, admitindo-se a sujeição a regime de prova.
87.ª O percurso de vida do Arguido facilmente permite concluir que é um indivíduo pautado pelo respeito das regras e normas, comportamento conforme ao direito, que vive para o trabalho e para a família.
88.ª A pena que o Tribunal a quo deliberou aplicar ao Arguido, além de ultrapassar a medida da pena, acaba por trazer consigo uma dimensão criminógena, por não ter qualquer correspondente paralelo nas exigências de prevenção especial.
89.ª Sendo certo que a aplicação ao Arguido de uma pena inferior a 5 anos de prisão suspensa na execução não transgride não ofende o mínimo das exigências de prevenção geral e de transmissão da validade da norma no seio da comunidade.
90.ª Neste sentido e com similares pressupostos, vd Ac. TRL de 09MAR2023, proc. 244/21.1PQLSB.L1-9, Relatora Desembargadora Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
91.ª Assim, incorreu o Tribunal a quo em vício, por violação dos art.ºs 40º, 50º, 70º, 71º do CPenal.
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Assim, por tudo quanto se elaborou, que são as Motivações, os fundamentos e as Conclusões do presente Recurso,
E sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,
Deve ser concedido provimento ao Recurso interposto pelos ora Arguido/Recorrente GG, nos exactos termos apresentados na Motivação e Conclusões de Recurso e, em consequência,
A) Proceder-se à reparação dos vícios indicados na Motivação e Conclusões, revogando-se, consequentemente, o Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo.
Ao assim decidir, fará este Venerando Tribunal a devida e tão esperada JUSTIÇA!”
Os recursos foram admitidos, por legais e tempestivos, com subida imediata, nos autos, e efeito suspensivo.
O Ministério Público apresentou resposta aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência. Extraiu as seguintes conclusões:
- Quanto ao arguido DD:
“1 - O presente recurso vem interposto do despacho proferido aquando da sessão de leitura do acórdão, no dia 02.12.2024 que determina a leitura do acórdão na ausência do arguido (cfr. ata respectiva) e ainda do acórdão condenatório.
2 - As questões colocadas são as seguintes:
Quanto ao despacho proferido na sessão de 02.12.2024, considera este arguido recorrente que o mesmo padece de nulidade insanável.
Quanto ao acórdão condenatório, considera que o mesmo padece de falta de fundamentação nos termos do art. 379º, nº1/a e 374º do CPPenal; de erro notório na apreciação da prova (art.º 410º n.º 2 c) CPPenal); considera ainda que há nulidade de toda a prova (art. 126º do CPPenal), porque obtida de forma ilegal; impugna igualmente os pontos 1,3, 4, 6, 8, 14, 15, 18, 25, 26 e 30 a 32 da matéria de facto provada; aponta também a ilegalidade da decisão de perdimento das quantias monetárias e dos telemóveis apreendidos nomeadamente a este arguido; alega a inconstitucionalidade do art.º 35º e 26º do DL 15/93 de 22 de Janeiro e por último impugna a medida concreta da pena aplicada.
3 – A decisão de leitura do acórdão ainda que na ausência do arguido recorrente, tratando-se de acto de leitura de acórdão e não já da produção de qualquer prova, não implica qualquer invalidade do acto ou do despacho que assim determinou uma vez que a presença do arguido não era obrigatória (art.º 61º, nº1/a do CPPenal), pois que não era indispensável à descoberta da verdade material (art.º 333º, nº1 do CPPenal); o arguido estava devidamente
representado por defensor que exerce todos os direitos daquele (art.º 63º, nº 1 do CPPenal).
4 – Quanto ao erro notório na apreciação da prova art.º 410º, nº2/c do CPPenal), o arguido não evidenciou qualquer desarmonia no texto da sentença, por si só ou conjugado com as regras da experiência, antes se limitando a confrontar o texto do acórdão com a prova que foi produzida e a sua própria interpretação/ apreciação da mesma.
5 - Inexiste falta de fundamentação do acórdão respeita (arts. 374º n.º 2, 379º nº 1 a) e 97º n.º 5, todos do CPPenal), pois que a fundamentação do acórdão é adequada, suficiente e completa, escrutinando todos os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.
6 – Quanto à impugnação da matéria de facto feita, há que atender a que a apreciação da prova é feita de acordo com as regras da experiência e com a livre convicção do julgador (artigo 127º do C.P.Penal), não do arguido. Julgador esse que em face da prova produzida em audiência de julgamento logrou convencer-se dos factos para além da dúvida razoável, conforme aliás explanou claramente na sua fundamentação da matéria de facto, sendo que nenhuma incorrecção ali se vislumbra.
7 – Não existe qualquer nulidade da prova, porquanto não se apurou nem foi dado como provado que as declarações do arguido AA foram obtidas mediante ofensa à integridade física daquele arguido, tendo os senhores inspectores da PJ ouvidos, negado perentoriamente tal facto.
8 – Quanto à decisão de perdimento dos bens apreendidos a favor do Estado, nos pontos 22 a 26 dos factos provados, foram elencados os objectos (telemóveis) e as quantias monetárias de que os arguidos eram portadores, dando como provado que uns destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue em ... e outras, ao custeamento das despesas inerentes ás viagens dos arguidos, concluindo, que tendo uns e outros servido à prática do crime, eram os mesmos declarados perdidos a favor do Estado nos termos do artigo 35º do DL15/93 de 22 Janeiro.
9 – A apreciação dos factos relativo ao perdimento dos objectos ligados à prática do crime, à luz da interpretação dada pelo arguido recorrente do artigo 35º DL15/93 de 22 Janeiro, não se verifica, pelo que não há que apreciar a alegada inconstitucionalidade.
10 - No que à medida da pena respeita, o tribunal valorou adequadamente as exigências de prevenção geral e especial, o grau da culpa e a ilicitude dos crimes cometidos (modo e circunstâncias do crime, natureza e quantidade do produto estupefaciente transportado) pelo, que na consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, situada entre o limite mínimo de 4 anos e o máximo de 12 anos de prisão, entendemos como adequada e justa a condenação na pena de 6 anos e 8 meses, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
Tudo visto, cremos que julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida in totum, V. Ex.as farão, como sempre, a costumada e habitual Justiça.”
- Quanto ao arguido GG:
“1 – O presente recurso vem interposto dos dois despachos proferidos aquando da sessão de leitura do acórdão, no dia 02.12.2024 (cfr. ata respectiva) – um que determina a leitura do acórdão na ausência do arguido GG e outro que julgou a inexistência de qualquer vício atinente a essa ausência do arguido da diligência de leitura do acórdão – e ainda do acórdão condenatório.
2 - As questões colocadas são as seguintes:
Quanto aos despachos proferidos na sessão de 02-12-2024:
A) – Vício (nulidade) por violação dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP;
B) – Vício (nulidade) por violação do princípio do caso julgado e dos art.ºs 14º, 119º a) e 120º n.º 2, todos do CPP, conjugados com as normas dos art.ºs 61º n.º 1 c), 119º c) e 332º n.º 1, todos do CPP;
Quanto ao acórdão condenatório:
C) – Vício de erro notório ex vi art.º 410º n.º 2 c) CPP;
D) – Vício por falta de fundamentação ex vi art.º 374º n.º 2, 379º nº 1 a) e 97º n.º 5, todos do CPP;
E) – Foram incorrectamente julgados os factos que o Tribunal a quo julgou como provados, impondo-se decisão diversa quanto à matéria de facto, através da reapreciação da prova, nos termos do art.º 412ºº n.ºs 2 e 3 CPP;
F) – Vício na determinação da medida concreta da pena, por violação 40º, 50º, 70º, 71º e 72º, do CPenal.
3 – A decisão de leitura do acórdão ainda que na ausência do arguido recorrente foi tomada pelo juiz presidente como deveria ter sido (arts. 135º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e 323º, nº 1 do CPPenal); a ausência do arguido recorrente, tratando-se de acto de leitura de acórdão e não já da produção de qualquer prova, não implica qualquer invalidade do acto ou do despacho que assim determinou uma vez que a presença do arguido não era obrigatória (art. 61º, nº1/a do CPPenal), pois que não era indispensável à descoberta da verdade material (art. 333º, nº1 do CPPenal); o arguido estava devidamente representado por defensor que exerce todos os direitos daquele (art. 63º, nº 1 do CPPenal).
4 – Quanto ao erro notório na apreciação da prova art.º 410º, nº2/c do CPPenal), o arguido não evidenciou qualquer desarmonia no texto da sentença, por si só ou conjugado com as regras da experiência, antes se limitando a confrontar o texto do acórdão com a prova que foi produzida e a sua própria interpretação/ apreciação da mesma.
5 - Inexiste falta de fundamentação do acórdão respeita (arts. 374º n.º 2, 379º nº 1 a) e 97º n.º 5, todos do CPPenal), pois que o Tribunal foi muito claro na forma como explicou e evidenciou porque é que as declarações deste arguido estavam “repletas de incongruências” e eram “desconformes ás regras da experiência” – cfr. fls. 17 do seu acórdão.
6 – Quanto à impugnação da matéria de facto feita, há que atender a que a apreciação da prova é feita de acordo com as regras da experiência e com a livre convicção do julgador (artigo 127º do C.P.Penal), não do arguido. Julgador esse que em face da prova produzida em audiência de julgamento logrou convencer-se dos factos para além da dúvida razoável, conforme aliás explanou claramente na sua fundamentação da matéria de facto, sendo que nenhuma incorrecção ali se vislumbra
7 – No que à medida da pena respeita, o tribunal valorou adequadamente as exigências de prevenção geral e especial, o grau da culpa e a ilicitude dos crimes cometidos (modo e circunstâncias do crime, natureza e quantidade do produto estupefaciente transportado) pelo, que na consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na ponderação de todos os factores relevantes da culpa e da prevenção, tendo presente a moldura penal, situada entre o limite mínimo de 4 anos e o máximo de 12 anos de prisão, entendemos como adequada e justa a condenação na pena de 6 anos e 8 meses, assim não se excedendo a medida da culpa e, satisfazendo-se as exigências preventivas que a sua conduta impõem.
Tudo visto, cremos que julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida in totum, V. Ex.as farão, como sempre, a costumada e habitual Justiça.”
E apresentou também resposta ao recurso interposto pelo arguido DD do despacho proferido em 13.11.2024, concluindo nos seguintes termos;
“1 – O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido nos autos, na sessão de julgamento de 13.11.2024, que indeferiu – por não se mostrar útil à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa - uma diligência de prova requerida por este arguido, mediante requerimento junto em 07.11.2024.
2 - Pretendia o recorrente que fosse oficiada a ... aeroportos a fim de verificar a presença de um indivíduo com o nome de LL provindo da ..., com destino a Lisboa, via ..., a fim de, com tal informação, corroborar o arguido recorrente as suas declarações em julgamento e consequentemente a razão de estar no aeroporto naquele dia e hora – aqui esperá-lo, para com ele passear em Lisboa e em ....
3 - Para o arguido recorrente DD, tal indeferimento resultou na violação das suas garantias de defesa.
4 – No que tange às diligências probatórias a ter lugar, no decurso da audiência de julgamento, pode o Tribunal determinar quais são aquelas que se mostram necessárias para apurar a verdade material, apenas devendo ser produzidos os meios de prova pertinentes à boa decisão da causa, mas que se coadunam com um eficaz exercício da acção penal, que não pode resultar comprometido, designadamente, com a irrestrita admissão de todos os meios de prova indicados, mormente, daqueles que se revelam inúteis e entorpecedores do processo e no limite, à frustração da justiça penal.
5 – No caso concreto, em face da solidez de toda a prova produzida relativamente ao arguido DD, admitir a realização daquela diligência, lançaria o Tribunal numa perda de tempo inútil, sem resultados que se pudessem afirmar favoráveis aquele.
6 - Ao abrigo do art.º 340º do CPPenal, impõe-se o indeferimento de requerimentos probatórios cujos meios de prova sejam irrelevantes ou supérfluos, em que o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidoso, e em que o requerimento tenha uma finalidade meramente dilatória (n.º4), como era o caso, sendo que, os meios de prova devem mostrar-se necessários à descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.º1).
7 – Permitindo o artigo 340º o CPPenal ao juiz apreciar da adequação do requerido e a sua conformidade ao objeto do processo, entendemos que bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a requerida diligência probatória, sem que isso implicasse, todavia, a violação de quaisquer garantias constitucionais de defesa do arguido DD a quem, aliás, foram deferidas outras diligências por si requeridas.
Tudo visto, cremos que julgando totalmente improcedente o recurso interposto e mantendo a decisão recorrida in totum, V. Ex.as farão, como sempre, a costumada e habitual Justiça.”
Neste Tribunal, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, apresentou parecer, nos seguintes termos:
“Quanto ao recurso do despacho de 02/12/2024 – nulidade por leitura do acórdão na ausência dos arguidos/recorrentes:
Afigura-se-nos assistir razão aos arguidos/recorrentes nesta parte.
Com efeito, embora regularmente notificados da data para a realização da audiência para leitura do acórdão, os arguidos/recorrentes não compareceram nessa audiência, à hora designada, por motivo a que foram totalmente alheios: contingências dos serviços provisionais no atraso para fazer comparecer os arguidos/recorrentes em Tribunal, atendendo à greve dos guardas prisionais.
Por seu lado, o Tribunal a quo, não obstante anteriormente, no despacho de 28/11/2024, perante tal greve, ter decidido manter a data designada para a leitura do acórdão por ter entendido que a presença dos arguidos/recorrentes nesse ato era obrigatória e indispensável ao exercício do seu direito de defesa, decidiu desta feita proceder à leitura do acórdão sem a presença daqueles, por estarem devidamente representados por mandatários.
Os mandatários dos arguidos/recorrentes arguiram, então, em ata, a nulidade/irregularidade deste despacho, que não foi deferida, entendendo o Tribunal a quo ser admissível a leitura do acórdão na ausência daqueles, “ainda que a ausência não lhes seja imputável, uma vez que os mesmos se encontram devidamente representados pelos seus I. Mandatários”.
De acordo com o disposto no art.º 333.º, n.º 1, do CPP, a realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido por iniciativa do Tribunal tem lugar quando o arguido não comparece voluntariamente na audiência porque falta justificadamente, por estar impossibilitado de comparecer, ou injustificadamente.
No caso, os arguidos/recorrentes não faltaram por sua iniciativa à audiência pois, estando privados da liberdade, careciam de ser conduzidos pelos serviços prisionais e até compareceram em Tribunal, mas já depois de lido o acórdão.
Os arguidos/recorrentes não foram livres de se determinar a comparecer, dependiam de um serviço.
Não lhes é, por isso, imputável qualquer falta de diligência na não comparência na data/hora designadas como, aliás, o Tribunal a quo reconheceu.
Mais, o citado dispositivo prevê que o Tribunal, em face da ausência do arguido regularmente notificado, tome as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
Os arguidos/recorrentes, quando foi designada a data para a leitura do acórdão, não foram avisados da possibilidade de a leitura ser efetuada na ausência deles [ata de 20/11/2024], e não consentiram na sua realização sem a sua presença.
Assim, o Tribunal a quo, em face da posição que assumiu no anterior despacho perante a greve dos serviços prisionais, conhecedor das contingências dos serviços prisionais e do disposto nos arts. 61.º, n.º 1, al. c), 332.º, n.º 1, e 333.º, n.º 1, todos do CPP, deveria ter diligenciado por apurar se o transporte dos arguidos/recorrentes se efetuaria ainda nesse dia e da hora a que chegariam ao Tribunal, a fim de estabelecer nova hora para a leitura ou nova data/hora, se fosse o caso.
Nesta parte, s.m.o., incorreu o despacho na nulidade insanável contemplada na al. c) do art.º 119.º, do CPP, o que determina a invalidade do ato praticado e na sua decorrência a reabertura da audiência para a leitura do acórdão – arts. 119.º, al. c), e 122.º do CPP.
Desta forma, merece provimento o recurso do despacho de 02/12/2024.
Se assim não se entender, consigamos desde já que, com exceção do acima assinalado, acompanhamos integralmente o teor das respostas apresentadas pela nossa Colega na 1.ª instância, por se apresentarem claras, críticas, fundamentadas e rigorosas de facto e de direito, nela nos revendo, não merecendo os recursos provimento.”
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente GG apresentado resposta, na qual retomou todos os argumentos já apresentados no seu recurso.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.
*
II. Questões a decidir
Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência dos recursos com as decisões impugnadas – os despachos e acórdão proferidos nos autos – as questões a examinar e decidir prendem-se com o seguinte:
Recurso do despacho de 13.11.2024
- relevância da prova requerida pelo arguido DD, ao abrigo do artigo 340º do Código de Processo Penal, e indeferida pelo Tribunal a quo.
Recursos dos despachos proferidos em 02.12.2024
- da decisão de proceder à leitura do acórdão sem a presença dos arguidos, que ambos reputam constituir nulidade insanável, convocando para o efeito os artigos 61º, nº 1, alínea c), 119º, alínea c) e 332º, nº 1, todos do Código de Processo Penal;
- do indeferimento da arguição de nulidade pela Mma Juiz Presidente, sem intervenção dos restantes membros do coletivo, também reputada nulidade insanável pelo recorrente GG, convocando para o efeito os artigos 14º, 119º, alínea a) e 120º, nº 2, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Recursos da decisão final
Recurso interposto pelo arguido DD:
A.1. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação/exame crítico da prova, nos termos do artigo 379º do Código de Processo Penal;
A.2. Erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal;
A.3. Nulidade da prova por ter sido obtida com recurso a coação e violência física (artigo 126º do Código de Processo Penal);
A.4. Erro de julgamento quanto aos factos 1, 3, 4, 6, 8, 14, 15, 18, 25, 26, 30 e 31, que deveriam ter sido dados como “não provados”;
A.5. Inconstitucionalidade dos artigos 35º e 36º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, quando interpretados no sentido de que podem ser declarados perdidos a favor do Estado objetos e quantias monetárias apreendidas a suspeitos da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, quando os mesmos sejam condenados pelo referido crime, mesmo que nenhuma relação no acervo factual provado venha estabelecido entre os objetos e quantias pecuniárias e a prática do crime;
A.6. Medida da pena, reputada manifestamente desproporcionada e desadequada, não devendo exceder os 5 anos de prisão.
Recurso interposto pelo arguido GG:
B.1. Erro notório, quanto aos factos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal;
B.2. Nulidade por falta de fundamentação, com referência aos factos dados como provados nos pontos 1, 3, 4, 6, 8, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32;
B.3. Erro de julgamento quanto aos factos provados nos pontos 1, 3, 4, 5, 6, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32;
B.4. Medida da pena, reputada excessiva, não devendo ultrapassar os 5 anos de prisão, mais devendo ser suspensa na sua execução.
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III. Das decisões recorridas
iii.1. Despacho de 13.11.2024
Na sequência de requerimento formulado pelo arguido DD em 07.11.2024 (refª Citius 40972556), no qual este “(…) nos termos do artigo 340º do C.P.P., no seguimento das declarações prestadas pelo Arguido, e por se mostrar essencial para aferir da credibilidade das declarações do mesmo, e para a descoberta da verdade material, requerer a V. Exa. que se digne ordenar a notificação da ..., com sede em ..., para vir informar os presentes autos, por referência ao dia .../.../2023, quais os voos que aterraram no Aeroporto de Lisboa entre as 13 horas e as 15 horas, com informação da origem”, na audiência de julgamento realizada em 13.11.2024 (refª Citius 440132386), “foi proferido despacho que, em súmula, indeferiu o requerido pelo arguido DD por o mesmo não revelar utilidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e admitiu a junção aos autos dos documentos apresentados pelo arguido GG, ao abrigo do disposto nos artigos 340.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) e 165.º do C.P.Penal.”
iii.2. Despacho de 02.12.2024 (1)
Da ata da audiência realizada em 02.12.2024 (refª Citius 440724252), consta:
“Quando eram 14 horas e 18 minutos, por o Tribunal se encontrar a aguardar pela chegada dos arguidos detidos, do que os presentes tiveram conhecimento, o que não veio a ocorrer, pela Mmª Juiz Presidente foi declarada reaberta a presente audiência, tendo de seguida proferido DESPACHO que, em súmula, determinou o início da presente diligência, porquanto os arguidos ausentes encontram-se devidamente representados, para todos os efeitos legais, pelos seus I. mandatários, tendo de seguida proferido o acórdão, anunciando, ao abrigo do disposto no art.º 372º do C. P. Penal, que o mesmo se encontra elaborado por unanimidade e em conformidade com a deliberação tomada por todos os elementos do Tribunal Coletivo, composto por ela, Meritíssima Juiz Presidente e pelos seus colegas, Dra. MM e Dr. NN, e assinado pelos mesmos.”
iii.3. Despacho de 02.12.2024 (2)
Da mesma ata, após arguição de “nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d) ou, ainda, irregularidade prevista no artigo 123º, ambos do C.P.Penal”, consta:
“Seguidamente, pela Mm.ª Juiz Presidente foi proferido DESPACHO que, em súmula, determinou a não existência de qualquer vício ou nulidade na presente sessão, porquanto a leitura do acórdão pode ser efectuada na ausência dos arguidos, ainda que tal ausência não lhes seja imputada, uma vez que os mesmos se encontram devidamente representados pelos seus I. Mandatários, tendo ainda determinado a tradução para língua … do douto acórdão preferido, no prazo de dez dias, a fim de ser cabalmente assegurada a garantia de defesa dos arguidos, tendo a Sra. Intérprete declarado ficar ciente - art.º 92.º, n.º 3 e 113º, n.º 10, do Código do Processo Penal – mais lhe fixando, a título de honorários devidos pela presente sessão, quantia equivalente a 2 UC’s – artigo art.º 17.º, n.º 4, do RCP e Tabela IV anexa.”
iii.4. despacho de 02.12.2024 (3)
Ainda na mesma ata, após invocação de nulidade do despacho reproduzido em iii.3., por “incompetência do Tribunal e violação do princípio do caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 14.º, 119.º, alínea a) e 120.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.Penal.”, consta:
“Seguidamente, pela Mmª Juiz Presidente foi proferido DESPACHO que, em súmula, reiterou o já determinado, indeferindo, no mais, a arguição dos vícios invocados pela defesa do arguido GG e mais determinou que a ausência dos arguidos DD e GG, motivada pelo seu não atempado transporte pelos serviços prisionais, fosse comunicada, com urgência, aos Exmos. Srs. Directores do ... e da DGRSP, à DGAJ, ao Exmo. Sr. Vice Presidente do CSM e ao Exmo. Sr. Juiz Presidente da Comarca de Lisboa.”
iii.5. Acórdão de 02.12.2024
Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:
“Com relevo para a decisão da causa, resultaram da audiência de discussão e julgamento os seguintes
FACTOS PROVADOS:
1. Em data não apurada, anterior a 19.12.2023, os arguidos e terceiros, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Portugal, por via aérea, no seu subsequente transporte para ..., por via terrestre e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias;
2. De acordo com o referido projecto, cabia ao arguido AA transportar o estupefaciente consigo, do ... para Portugal, a bordo de um voo comercial;
3. Os arguidos DD e GG tinham amissão de recolher o produto estupefaciente em Lisboa e proceder ao seu transporte para ... por via terrestre;
4. Na prossecução daquele plano, os arguidos DD e GG viajaram juntos de ... para Lisboa no voo ...;
5. Aqueles arguidos desembarcaram no Aeroporto de Lisboa no dia ........2023, cerca das 10h45m;
6. Depois, os arguidos DD e GG deslocaram-se à ... no Aeroporto de Lisboa, onde alugaram um veículo automóvel, no qual transportariam a cocaína para ...;
7. O aluguer, no valor de €550, foi pago pelo arguido GG, que forneceu os seus dados de identificação à sobredita empresa;
8. Depois, o arguido DD deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA;
9. O arguido GG, por sua vez, permaneceu junto à viatura alugada, esperando instruções do arguido DD;
10. Cerca das 11h50m, o arguido AA desembarcou no Aeroporto de Lisboa do voo LA8148, procedente de ..., no ...;
11. O arguido AA, depois de transpor a linha de fronteira, foi abordado por elementos da PJ;
12. O arguido AA tinha consigo 17 embalagens que continham cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 15.077g, escondidas no interior de uma cadeira de rodas eléctrica, na qual se deslocava;
13. Depois, o arguido AA enviou uma mensagem áudio, através de WhatsApp, para o número telefónico..., informando que já tinha transposto o controlo alfandegário;
14. Pelas 14h50m, o arguido DD estava na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa, com o fito de recolher o arguido AA;
15. Depois de ter avistado o arguido AA sentado na cadeira de rodas, na zona da rampa das chegadas, o arguido DD realizou uma chamada telefónica;
16. Depois, o arguido AA desceu a referida rampa, sentado na cadeira de rodas;
17. O trajecto do arguido AA foi observado pelo arguido DD;
18. O arguido DD aproximou-se do arguido AA e começou a gesticular na sua direcção, dizendo-lhe "venga, venga!"
19. Imediatamente após o arguido DD foi interceptado por Inspectores da PJ;
20. O arguido DD tinha no seu telemóvel a referida mensagem áudio gravada pelo arguido AA, reencaminhada por um contacto identificado como "Peña", através de um número telefónico dos EUA;
21. O arguido GG foi interceptado por elementos da PJ junto à ..., no aeroporto;
22. O arguido AA tinha consigo um telemóvel e a quantia de €1100;
23. O arguido DD tinha consigo dois telemóveis e a quantia de €1200;
24. O arguido GG tinha consigo um telemóvel;
25. As aludidas quantias monetárias destinavam-se a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos acima descritas;
26. Os telemóveis destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue, em …;
27. O arguido AA nasceu no ... e é cidadão desse Estado;
28. O arguido DD nasceu na ... e é cidadão desse Estado;
29. O arguido GG nasceu na ... e é cidadão desse Estado, bem como do ...
30. Os arguidos não têm quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocaram para praticar a factualidade acima descrita;
31. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado, com o propósito concretizado de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do ... para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias.
32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Mais se apurou que:
33. À data dos factos supra descritos o arguido AA vivia no ..., residindo com a namorada e a filha desta numa habitação arrendada;
34. O arguido trabalhava por conta própria na área da ... gerindo a sua própria ...; apesar de estar organizado, auferia um vencimento capaz de suportar as despesas do seu negócio, bem como garantir as suas necessidades básicas, não sobrando muito para extras;
35. O arguido nasceu no ..., na zona de ..., onde viveu com os pais e o irmão mais novo e onde decorreu o seu processo evolutivo; vivenciou um crescimento afectivamente gratificante e normativo, de acordo com as regras e padrões da cultura e religião do seu país de origem;
36. A mãe, doméstica, era a figura mais interveniente no decurso do seu crescimento, cabendo ao pai colmatar as necessidades de subsistência da família; o quotidiano familiar era economicamente equilibrado, assente nos rendimentos auferidos pelo progenitor, que trabalhava como ..., revelando, assim, uma situação social modesta;
37. Aos 10/11 anos de idade do arguido ocorreu a separação dos progenitores, na sequência de muitas discussões entre o casal, tendo aquele e o irmão ido viver com a mãe;
38. Aos 21 anos o arguido autonomizou-se do agregado de origem e com 25 anos foi pai pela primeira vez, de um filho que tem actualmente quatro anos de idade e que reside com a mãe e a avó materna;
39. Concluiu o 3º ano do ensino médio no seu país de origem e posteriormente tirou um curso de ... e eletrónica;
40. O seu trajecto laboral foi essencialmente caracterizado pelo exercício da profissão de ..., tendo integrado o mercado de trabalho aos 14 anos como ajudante numa oficina; mais tarde cumpriu o serviço militar, onde serviu a base aérea na parte da aeronáutica, durante um ano e meio; posteriormente trabalhou em três oficinas até abrir o seu próprio negócio, aos 22/23 anos, ocupação que mantinha à data dos factos;
41. Das suas relações sociais, estas surgem associadas ao contacto e convívio com outros indivíduos essencialmente do contexto laboral e do tempo de escola, pessoas com comportamentos tendencialmente normativos e organizadas pessoal e profissionalmente;
42. Quando lhe for concedida a liberdade o arguido pretende regressar ao seu país de origem, voltar para junto da namorada, retomar o negício e reorganizar a sua vida de forma normativa;
43. No Estabelecimento Prisional anexo à ..., onde se mantém em prisão preventiva desde .../.../2023, tem apresentado um comportamento de acordo com as regras institucionais, encontrando-se integrado em atividade laboral nas funções de … desde .../.../2024;
44. O arguido não recebe visitas, uma vez que não tem familiares nem amigos no país;
45. Confessou os factos de que vem acusado, demonstrando arrependimento;
46. Não lhe são comecidos antecedentes criminais;
47. O arguido DD é natural da ... e, à data dos factos supra desvritos, residia sozinho nos arredores de ...), num quarto arrendado pelo qual pagava o valor de 350 euros mensais;
48. A sua emigração para ... ocorreu há cerca de 1 ano e 2 meses, com o intuito de compreender o mercado de negócios de importação e exportação de veículos europeus a fim de expandir o negócio que detém em ...;
49. O arguido mantém desde os 18 anos de idade um relacionamento afectivo análogo ao marital, tendo do mesmo quatros filhos, com 26, 24, 21 e 15 anos de idade, que permanecem a residir na ...;
50. O seu processo de desenvolvimento psicossocial decorreu em ... no seio de um agregado familiar constituído pelos progenitores, sendo o terceiro filho de uma fratria de seis irmãos, dispondo de uma dinâmica familiar harmoniosa e afectiva e sem dificuldades económicas, sendo o progenitor empresário, titular de uma empresa de exportação de produtos agrícolas;
51. Ao nível profissional, à data dos factos, DD encontrava-se a trabalhar, em part-time e sem contrato de trabalho, numa empresa operadora de câmbios com funções de envio de divisas para o estrangeiro, auferindo cerca de 700 euros mensais;
52. Apresenta um percurso profissional com hábitos e rotinas de trabalho, colaborando na empresa do progenitor desde os 12 anos de idade, tendo desempenhado funções como …;
53. Posteriormente, e desde há 8 anos, é sócio de uma …;
54. Ao nível escolar registou um percurso normativo iniciado em idade própria, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade aos 22 anos de idade, dedicando-se depois ao exercício profissional;
55. O arguido tem em vista regressar para … quando for restituído à liberdade;
56. O arguido encontra-se preso preventivamente no ..., mantendo um comportamento de acordo com as regras institucionais, não tendo registo de infrações disciplinares e demonstrando investimento no seu percurso institucional, encontrando-se integrado laboralmente como …:
57. No contexto prisional não recebe visitas, sendo apoiado economicamente por parte dos seus elementos familiares que permanecem na ..., através do envio de valores monetários na ordem dos 50 a 100 euros mensais;
58. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais;
59. O arguido GG é natural da República …, tendo dupla nacionalidade … e …;
60. À data dos factos supra descritos residia em ... com o seu agregado familiar, constituído pela companheira, de 38 anos de idade, uma filha de 8 anos de idade resultante desta união, e a enteada de 19 anos;
61. A sua dinâmica familiar era positiva e harmoniosa, destacando-se o relacionamento de entreajuda e cumplicidade com a companheira e a filha; o arguido tem ainda uma filha de 22 anos de idade, autónoma, também residente em ..., resultante de um anterior casamento que perdurou cerca de 14 anos, iniciado no seu país de origem;
62. Há cerca de 20 anos que o arguido reside em ..., tendo emigrado de ... por motivos laborais e no sentido de alcançar melhores condições de vida;
63. O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido decorreu no seio de uma família constituída pelos progenitores, sendo o filho mais velho de uma fratria de três irmãos, numa dinâmica familiar positiva e de entreajuda;
64. Já no decurso da residência em ..., os progenitores do arguido separaram-se encontrando-se atualmente a sua progenitora e os seus dois irmãos com uma vida estruturada quer social quer económica em ..., permanecendo o progenitor na ...;
65. Ao nível profissional, à data dos factos supra descritos, GG encontrava-se a trabalhar há cerca de um ano, com contrato de trabalho sem termo, em empresa na área da …, exercendo funções de …;
66. O arguido apresenta um percurso laboral com hábitos e rotinas de trabalho, tendo aos 20 anos de idade iniciado o seu ingresso no mercado de trabalho, após abandono escolar e face às responsabilidades decorrentes do casamento que contraiu na cidade natal;
67. Ao nível escolar, GG apresenta um percurso escolar normativo iniciado em idade própria, tendo ingressado na universidade, que abandonou após 6 meses de frequência, em virtude de ter contraído matrimonio e ter tido necessidade de fazer face às responsabilidades económicas familiares, ingressando no mercado de trabalho;
68. O arguido projecta, em liberdade, regressar para ..., atendendo a que tem nacionalidade …, retomar a sua vida conjugal e familiar e reintegrar-se na empresa onde se encontrava a trabalhar;
69. O arguido GG e o arguido DD são amigos, relação iniciada no país de origem de ambos, sendo este padrinho da filha mais velha do primeiro;
70. O arguido vem mantendo, no estabelecimento prisional, um comportamento de acordo com as regras institucionais, não tendo registo de infrações disciplinares;
71. O arguido tem vindo a demonstrar investimento no seu percurso institucional, tendo entre ...-...-2024 e ...-...-2024 ingressado na faxina durante a permanência no Estabelecimento Prisional junto da ..., encontrando-se actualmente e desde ...-...-2024 integrado laboralmente como faxina no ...;
72. Tem recebido visitas por parte de alguns elementos familiares, nomeadamente de um irmão, da progenitora e da filha mais velha, sendo apoiado regularmente ao nível económico por parte destes;
73. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais;
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não resultou provado, com interesse para a decisão da causa, que:
Da contestação apresentada pelo arguido DD:
- Os arguidos DD e GG se tivessem deslocado a Lisboa em turismo e se encontrassem, no aeroporto, à espera da namorada do primeiro ou de um amigo de ambos.
Para fixar a matéria de facto provada e não provada, nos termos supra elencados, não se atendeu aos factos conclusivos ou destituídos de interesse para a decisão da causa.
MOTIVACÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A apreciação da prova é feita, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal (CPP), segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente - excepto quando a lei dispuser diferentemente -, e atendendo à admissibilidade dos meios de prova que não forem legalmente proibidos - art.º 125º do mesmo código.
A obrigação imposta pelo art.º 97º, no 4, do CPP, de fundamentar a sentença, com a especificação dos motivos, de facto e de direito, que sustentam a decisão, complementada pela indicação e exame crítico das provas que serviram para determinar a convicção do tribunal, a que alude o art.º 374º, nº 2, do diploma referido, decorre da exigência constitucional de fundamentação dos actos jurisdicionais decisórios, vertida no art.º 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
Tal dever constitui, simultaneamente, uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (art.º 2º da C.R.P.), e um instrumento de legitimação da decisão judicial, impondo-se, por conseguinte, que a motivação fáctica se encontre estruturada de modo preciso e completo, de forma a convencer os seus destinatários de que a operação subsuntiva à norma jurídica foi a única possível, em face da factualidade apurada (neste sentido, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 798 e 799).
Na verdade, a motivação da decisão, ao possibilitar o controlo da racionalidade e coerência da argumentação expendida pelo Tribunal, há-de permitir, ao mesmo tempo, o reconhecimento, por parte da generalidade dos cidadãos, da independência e imparcialidade daquele órgão perante os factos submetidos a julgamento, dissipando eventuais dúvidas quanto a um possível subjectivismo ou discricionariedade na aplicação do direito, apresentado-se particularmente exigível, em matéria penal, a vertente do «controlo público da justiça» - assim, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 251/00, de 12 de Abril de 2000, proc. nº 867/98, disponível na internet, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000251.html.
Ora, para formar a sua convicção, o Tribunal baseou-se no conjunto da prova constante dos autos e na produzida em audiência de discussão e julgamento, depois de sujeita à respectiva e prudente análise crítica.
Concretamente, a convicção do Tribunal formou-se, em primeiro lugar, com base nas declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelos arguidos, salientando-se que o arguido AA confessou os factos que, na acusação, lhe dizem respeito, e que os demais arguidos negaram o seu envolvimento na descrita factualidade.
Na verdade, de forma espontânea, o arguido AA assumiu que, por se encontrar a passar dificuldades económicas, aceitou deslocar-se, desde o ..., ao ..., a fim de recolher cocaína para, a troco de dinheiro, a transportar para a Europa. Referiu que no ... o estupefaciente lhe foi entregue por indivíduos nacionais da ..., falantes de …, que o informaram que, no aeroporto de Lisboa, estaria um homem à sua espera que recolheria o estupefaciente que transportava na cadeira de rodas eléctrica apreendida nos autos. Mais afirmou que o telemóvel que transportava consigo serviu para a troca de comunicações relativas à viagem relacionada com o transporte de estupefaciente e que o dinheiro que lhe foi apreendido lhe foi entregue por quem lhe entregou o estupefaciente, a fim de custear a viagem que empreendeu.
Por sua vez, as declarações dos arguidos DD e GG, negando qualquer conhecimento e envolvimento nos factos em apreço, nenhuma credibilidade mereceram, para além de que se mostraram totalmente contrárias às regras da experiência comum. Com efeito, o arguido DD sustentou que convidou o arguido GG, seu amigo desde a infância, para fazer turismo em Lisboa e, simultaneamente, pretendia presenteá-lo com a surpresa de reencontrar, nesta cidade, um amigo comum e de há longa data de ambos, de nome LL, que chegaria de ... nessa tarde. Referiu o arguido DD que, ao ter visto o arguido AA a deslocar-se em cadeira de rodas, sozinho, sentiu pena, e que não esboçou qualquer gesto na sua direcção nem lhe dirigiu qualquer palavra. Quanto ao arguido GG, referiu que aceitou o convite do arguido DD para fazer turismo em Lisboa, tendo viajado de avião de ... na manhã em que foram detidos, e tendo ainda procedido ao aluguer de uma viatura, no aeroporto, a fim de, depois da projectada estadia turística em Lisboa, regressarem a ....
Sucede que estas declarações não são compatíveis com as regras da normalidade social, pois não é aceitável, do ponto de vista do homem médio, que um pai de família, como era o caso do arguido GG, aceite inopinadamente um convite para fazer turismo em Lisboa, viajando de avião para esta cidade e pretendendo fazer a viagem de regresso ao volante de um automóvel, incorrendo nos respectivos custos de forma gratuita e desinteressada. Para além do mais, este arguido referiu que, antes da viagem a Lisboa, tinha estado de baixa médica por sofrer de fortes dores lombares, devido a uma discal de que padece, o que, do ponto de vista do conhecimento do homem comum, é totalmente incompatível com a viagem de avião que efectuara e com a viagem de automóvel que tencionava realizar de regresso a .... De resto, o sustentado pelo arguido DD, de que pretendia surpreender o seu co-arguido com a chegada do amigo LL, com quem os três passeariam em Lisboa e se deslocariam para ..., nenhum sentido faz perante as regras da normalidade social de pessoas adultas e profissionalmente integradas, a menos que pretendessem, como era o caso, auferir proventos ilegítimos, relacionados com o estupefaciente transportado pelo arguido AA.
Na verdade, dos depoimentos isentos, coerentes e consistentes prestados pelas testemunhas JJ e PP, inspectores da Polícia Judiciária que procederam à detenção dos arguidos, resultou firmada a convicção do tribunal de que, na verdade, eram os arguidos DD e GG quem deveria receber do arguido AA o estupefaciente por este transportado do ... e levá-lo para .... Com efeito, a testemunha JJ visualizou o arguido DD junto à rampa das chegadas, no aeroporto, e o seu comportamento foi totalmente consentâneo com o facto de ser quem aguardava a chegada do arguido AA: acompanhou todo o percurso que este efectuou pela rampa e, no fim desta, dirigiu-lhe um gesto no sentido de o mesmo o seguir. Por sua vez, a testemunha PP, para além de igualmente ter visto o arguido DD a acompanhar visualmente o percurso do arguido AA entre o início e o fim da rampa, ouviu-o nitidamente dizer-lhe "venga, venga" (significando "venha, venha"), ao mesmo tempo que, com um aceno de mão e outro de cabeça, lhe dizia para o acompanhar.
Ora, tais depoimentos encontram a sua inteira corroboração no teor dos fotogramas extraídos das imagens de CCTV de fls. 54 a 57, bem como nas imagens de vídeo extraídos das câmaras do aeroporto de Lisboa cujo suporte se encontra a fls. 508, e a sua conjugação permite, indiscutivelmente, contrariar a versão dos arguidos DD e GG, não permitindo que subsistam dúvidas de que eram estes, na verdade, os destinatários do estupefaciente transportado pelo arguido AA.
Assim, as declarações dos arguidos DD e GG, repletas de incongruências e desconformes às regras da experiência, não possuem virtualidade capaz de conferir credibilidade à versão que apresentaram, concretamente, ao facto de se encontrarem em Lisboa em turismo, nada tendo a ver com qualquer transporte de estupefaciente.
De facto, a estratégia defensiva que os arguidos delinearam caiu por terra, na tentativa de se distanciarem dos factos, sendo certo que as contradições e incoerências que se detectaram nas respectivas declarações permitiram ao Tribunal, de modo decisivo, concluir que, em troca de proveito pecuniário, eram os destinatários do estupefaciente transportado pelo arguido AA desde o .... Na verdade, apenas esta conclusão é compatível quer com as regras da experiência comum, quer com o contexto sócio-económico dos arguidos, e não deixa margem para dúvidas em face da demais prova produzida e examinada em julgamento. De facto, não teve o Tribunal dúvidas de que ocorreram realmente, tal como descritos na acusação, os factos supra elencados como provados, tendo-se ainda atendido, conjugadamente, à análise do teor do exame pericial de fls. 307, dos documentos relativos ao veículo alugado, de fls. 5253, dos cartões e etiquetas de embarque de fls. 13 e 19, das fotografias de fls. 7, 10 e 12 e da extracção da mensagem existente nos equipamentos telefónicos dos arguidos AA e DD, de fls. 28 a 33.
Para dar como provado que todos os telemóveis apreendidos aos arguidos se destinavam aos contactos necessários ao transporte do estupefaciente, e que o dinheiro apreendido ao arguido DD o se destinava a custear as despesas do transporte de tal produto, atendeu o tribunal às normais regras da experiência, segundo as quais, na logística das organizações internacionais de tráfico de estupefacientes, é essa a forma de actuar dos respectivos operacionais.
Baseou-se o Tribunal nas declarações dos arguidos para dar como provados os factos relativos à situação pessoal, familiar e profissional de cada um, devidamente conjugadas, de forma preponderante, com o teor dos relatórios sociais elaborados pelos competentes serviços. No concernente à ausência de antecedentes criminais conhecidos aos arguidos teve-se em conta o teor dos certificados de registo criminal constantes dos autos.
Os factos que resultaram não provados resultaram da circunstância contradição que entre os mesmos se verifica e os que, correspondentemente, se julgaram assentes.”
*
IV. Fundamentação
recurso do despacho de 13.11.2024
Recorre o arguido DD do indeferimento do requerimento que formulou em 07.11.2024, no sentido de se determinar “a notificação da ..., com sede em ..., para vir informar os presentes autos, por referência ao dia .../.../2023, quais os voos que aterraram no Aeroporto de Lisboa entre as 13 horas e as 15 horas, com informação da origem”.
Alega que, com a referida diligência, pretendia “comprovar a existência do referido voo da sua proveniência e bem assim a viagem nesse voo do seu amigo e o motivo pelo qual apesar de chegar a Lisboa pelas 11:00, pelas 14:3 ainda se encontrava no Aeroporto na zona das chegadas”, mais sustentando que “era imperioso para demonstrar a veracidade das declarações do Arguido demonstrar que efetivamente, pelas 14:50 estava prevista a chegada de um voo da ..., proveniente da ..., onde viajava o seu amigo LL”.
Vejamos.
Quanto à necessidade da referida diligência, considerando que a mesma não foi requerida no momento processualmente previsto para a formulação dos requerimentos de prova (no caso do arguido, com a apresentação da contestação – cf. artigo 311º-B, nº 3 do Código de Processo Penal), importa ter em consideração o disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, que fixa os princípios gerais em matéria de produção de prova, no qual se estabelece que:
“1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da ata.
3 - Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 328º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) (revogado);
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.” (redação dada pela Lei nº 94/2021, de 21 de dezembro).
Em conjugação com o preceito citado, deve ter-se ainda em conta que, nos termos do artigo 125º do Código de Processo Penal, são admissíveis os meios de prova que não forem proibidos por lei, e que, em conformidade com a previsão constante do artigo 127º, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. E, de acordo com o disposto no artigo 323º do Código de Processo Penal, cabe ao presidente do tribunal, entre o mais, proceder a (…) quaisquer outros atos de produção da prova, mesmo que com prejuízo da ordem legalmente fixada para eles, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade [alínea a)]; dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios [alínea g)].
Das disposições legais que se deixam transcritas resulta clara a preocupação do legislador processual penal em estabelecer regras que permitam o desenrolar célere da audiência de julgamento, com vista a que uma decisão final possa ser alcançada em prazo razoável, mas, ao mesmo tempo, flexíveis o suficiente para permitir acomodar todos os imprevistos no que respeita a assegurar o regular funcionamento da audiência, tendo sempre como finalidade que toda a prova relevante para a decisão possa efetivamente ser tomada em conta pelo tribunal.
Como anota Oliveira Mendes2, “A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal. O processo penal não é um processo de partes, não existindo o ónus da prova. Por isso, a lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.”
E, escreve ainda o mesmo autor, “O juízo de necessidade ou desnecessidade de produção de prova cabe ao tribunal, ou seja, aos juízes que o compõem, isto é, ao juiz ou aos juízes e jurados, consoante o tribunal que julga a causa. A decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da prova, sobre a admissibilidade da prova, pertence naturalmente àqueles que têm de apreciar a prova e julgar a causa.
A decisão do tribunal de produção ou não produção de prova, obviamente que é recorrível, designadamente com o fundamento de que foi proferida fora das condições legais, posto que a sua irrecorribilidade não está prevista – artigo 399º.”
Neste mesmo sentido, ponderou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.02.20103: “Uma vez que o fim do processo penal, contido no seu objecto, é a busca da verdade material, não está submetido ao princípio dispositivo ou da iniciativa das partes próprio do processo civil.
Como se refere em Direito Processual Penal – Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p.21 e seg, “A realização da justiça e a descoberta da verdade material (ou mesmo só da primeira, já que também perante ela surge a descoberta da verdade como mero pressuposto) constituem, por consenso praticamente unânime, finalidade do processo penal. E assim é, por certo, logo no sentido de que o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade (…) Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas.”
Daí que possa haver actuação oficiosa do tribunal na produção de meios de prova, desde que o seu conhecimento se afigure “necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, mesmo “não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação” –v. nº2 do artº 340º do CPP
Mas, a produção de meios de prova em audiência, nos termos do artº 340º do CPP, pode resultar também de requerimento dos sujeitos processuais.
Decorre da própria teleologia do princípio da audiência, como um direito de natureza pública à concessão de justiça, alicerçado na ideia de Baur (Justizgewährungsanspruch) e integrante da Teoria do Estado, e que J. Goldschmidt já aflorara no seu tempo. (v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1974, p. 155.)
Como refere este Insigne Professor, nesta mesma obra, “a administração da justiça pelos tribunais não se relaciona apenas (como durante muito tempo se pensou) com a protecção de situações jurídicas substantivas, mas também e directamente com a da posição processual daqueles que sejam afectados pela decisão, e disto mesmo é expressão o direito de audiência.”
E, acrescenta mais adiante: “(…) o esclarecimento da situação jurídica material em caso de conflito supõe, não só a garantia formal da preservação do direito de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação objectiva de todas as circunstâncias, de facto e de direito, do caso concreto – comprovação inalcançável sem uma audiência esgotante de todos os participantes processuais. Isto significa que a actual compreensão do processo penal, à luz das concepções do Homem, do Direito e do Estado que nos regem, implica que a declaração do direito do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção «carismática» do processo) e se encontrem em situação de influir naquela declaração do direito, de acordo com a posição e função processuais que cada um assuma.(…) O direito de audiência é a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado-de-direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do Processo como «com-participação» de todos os interessados na criação da decisão.””
Como se vê, o princípio da investigação pelo Tribunal, condicionado, é certo, pelo princípio da necessidade, impõe que os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar o julgador a uma decisão justa devam ser produzidos por determinação do tribunal na fase de julgamento, oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, mesmo quando não constantes da prova indicada com a acusação, a pronúncia ou a contestação.
Porque o cerne da questão reside no princípio da necessidade (critério justificativo enquanto delimitador da ação do juiz no apuramento da verdade material), o preceituado nos nos 3 e 4 do artigo 340º do Código de Processo Penal prevê o indeferimento de pedido de produção de prova, para além dos casos de inadmissibilidade, quando o meio de prova (i) for irrelevante ou supérfluo, (ii), for inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, e enfim, (iii) se o requerimento tiver finalidade meramente dilatória.
O princípio da investigação ou da verdade material sofre, assim, as limitações impostas não só pelo princípio da necessidade – só são admissíveis os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade – como da legalidade – só são admissíveis os meios de prova não proibidos por lei – e da adequação – não são admissíveis os meios de prova notoriamente irrelevantes, inadequados ou dilatórios.
É, pois, neste quadro que deve avaliar-se a pretensão do arguido.
Ora, a diligência requerida – solicitação à empresa que explora o aeroporto de Lisboa de informação sobre os voos que ali aterraram entre as 13h00 e as 15h00 do dia ........2023, com indicação da respetiva proveniência – não pode qualificar-se como outra coisa que não manifestamente dilatória e totalmente irrelevante perante o objeto do processo.
Não se duvida que a ... ou a ... (para referir só as companhias de aviação mais óbvias) têm voos diários de ... para Lisboa: basta consultar qualquer site de reservas (ou motor de busca de viagens) para obter tal informação.
Daqui, porém, nada se retira que possa confirmar (ou infirmar) a versão do arguido DD quanto ao motivo pelo qual se encontrava na zona das «Chegadas» do aeroporto Humberto Delgado no dia ........2023, pelas 14h20. Seguramente que nesse período pode ter chegado um avião (ou mais) proveniente de ... (e de tantos outros sítios no mundo), mas dessa circunstância não é possível extrair, por mais que se tente, que «LL» existia e que o arguido ia encontrar-se com ele.
A realização da pretendida diligência teria, pois, como único efeito o retardamento do julgamento.
Em suma, nenhuma censura merece a decisão proferida pelo Tribunal recorrido ao indeferir a diligência de prova requerida pelo arguido DD, já que a mesma não pode considerar-se relevante ou necessária (ou sequer adequada), tendo em consideração o objeto do processo – e, por assim ser, não é possível afirmar que a decisão recorrida tenha importado a compressão de qualquer direito de defesa (nomeadamente, o direito a contraditar as provas oferecidas pela acusação).
Conclui-se, pois, pela improcedência deste recurso interlocutório.
recursos dos despachos de 02.12.2024
Alegam ambos os recorrentes que o Tribunal a quo não podia ter procedido à leitura do acórdão sem a sua presença, uma vez que, estando privados da liberdade, a sua ausência não resultou de um ato voluntário, antes tendo sido impedidos de participar na mencionada diligência, o que corresponde a uma violação do direito consagrado no artigo 61º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, e constitui a nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal.
O recorrente GG argumenta, ainda, que a Mma Juiz presidente do coletivo não podia ter decidido indeferir aquela nulidade, oportunamente invocada pelos arguidos, sem consultar os demais membros do coletivo, incorrendo assim na nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea a) do Código de Processo Penal. Mais sustenta ter ocorrido violação do caso julgado, presume-se que por se ter procedido à mencionada leitura, quando antes (em 28.11.2023) fora proferido despacho que exortava os Serviços Prisionais a fazerem comparecer os arguidos, atento o direito que lhes assiste de estarem presentes na audiência de julgamento (o recurso, verdadeiramente, não elabora sobre a questão).
Vamos por partes.
É verdade que o artigo 61º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, prevê, entre o mais, que “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, dos direitos de: a) Estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito; (…)”.
Este, como os demais direitos elencados no nº 1 do citado artigo 61º, “são instrumentais do direito de defesa (no mesmo sentido António Henriques Gaspar et al., 2016, p.182)”4, e constituem emanação do princípio constitucional de que a todos deve ser assegurado o acesso a um processo equitativo5 (cf. artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa) e, sobretudo, das garantias de processo criminal, estabelecidas no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, destacando-se, porém, que o texto constitucional prevê expressamente, por um lado, que “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório” (nº 5), e que, não obstante, cabe à lei definir “os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento” (nº 6).
Adita, a propósito, Paulo Dá Mesquita6 que: “A compreensão do enunciado de direitos de participação ativa exige a análise da regulação de fases e atos processuais, em particular relativos à obtenção e produção de prova. Por exemplo, a eventual comunicação prévia sobre agendamento (e os respetivos termos) dos atos em que o arguido tem a prerrogativa de estar presente, embora possa constituir, quanto a certos atos, um instrumento fundamental do direito reconhecido no art.º 61.º/1/a) deve ser articulada com a dinâmica própria da fase ou incidente processual em que se realiza o ato, sendo inconfundíveis nesse plano a inquisitória fase de inquérito (ainda que com incidentes judiciais contraditórios) e a dialética fase do julgamento, bem como aspetos particulares do ato – a comunicação de atos que diretamente disserem respeito ao arguido não é contemplada no art.º 61.º, mas compreende regras específicas em várias normas do código (v.g. arts. 111.º a 113.º, 175.º/1, 176.º/1).”
Isto dito, é também verdade que o artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, comina com nulidade insanável (a conhecer oficiosamente, em qualquer fase do procedimento), “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência”.
Pronunciando-se especificamente sobre a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento, sustentou o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 394/19897, que “O processo penal de um Estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: assegurar ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi e oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta.
O Estado está, naturalmente, interessado em punir os culpados de factos criminosos, pois estão em causa violações de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário. Mas tem interesse em punir apenas os verdadeiros culpados.
Por isso, para dizer com Eduardo Correia: «se, em nome de interesses sociais, procura que o ius puniendi obtenha realização, não deve menos procurar garantir aos indivíduos a sua liberdade contra o perigo de injustiças» [cf. «Les preuves en droit pénal portugais» (Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XIV (1967), pp. l e segs.)].
Preocupação dominante do processo penal de um Estado de direito – de um Estado organizado em torno de uma preocupação fundamental, que é o respeito pela dignidade humana – há-de ser, pois, a busca da verdade material, mas sempre com inteiro respeito pelas garantias de defesa do arguido, pois que só desse modo se conjurará o risco de erros judiciários. Preocupação há-de ser também tornar possível ao juiz um conhecimento da personalidade do arguido tão completo quanto possível, já que só assim ele poderá escolher a pena a aplicar e graduá-las em termos de «promover a recuperação social do delinquente» e «satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime» (cf. artigo 71.° do Código Penal), decidindo-se, pois, «em função do grau de culpa do agente» e tendo «em conta as exigências de prevenção de futuros crimes» (cf. artigo 72.º, n.º l, do Código Penal).
Ora – salvo excepções sempre possíveis em casos a que correspondem sanções leves ou tenham fraca ressonância ética –, tudo isto exige que o julgamento se não faça sem que o arguido esteja presente. A menos, naturalmente, que ele tenha conveniência em não comparecer (cf. artigo 394.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) ou a sua presença se torne impossível (cf. artigos 332.º, n.ºs 5 e 6, e 334.º, n.º l, do mesmo Código) ou seja factor de perturbação (cf. artigo 325.º, n.º 4, do citado Código).
Na verdade, só a presença do arguido na audiência de discussão e julgamento lhe permite organizar a sua defesa com eficácia. Mesmo representado por advogado ou defensor oficioso, o arguido não pode ser bem defendido sem a sua presença pessoal, pois, num tal caso, e antes de mais, ele não poderá exercer o seu direito a ser ouvido, ou seja, o direito de se defender pessoalmente.
O arguido tem, assim, direito a que o julgamento se não faça sem a sua presença.
Este direito de presença decorre, antes de mais, do direito de defesa, (pois – como escreve Jorge Figueiredo Dias – trata-se de «dar ao arguido a mais ampla possibilidade de tomar posição a todo o momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si, ao mesmo tempo que garantir-lhe uma relação de imediação com o juiz e com as provas» (cf. Direito Processual Penal, I, Coimbra 1981, p. 142).
Mas, a presença do arguido na audiência é também essencial para a averiguação da verdade material e para que o juiz possa conhecer o arguido:
Só através da imediação da prova, o juiz pode olhar o arguido, fazer dele o seu retrato, ter a percepção directa do seu modo de ser, a verdadeira imagem do sujeito, da pessoa que de facto vai julgar como agente de um facto criminoso.
escreve Eduardo Correia, in «Breves reflexões sobre a necessidade de reforma do Código de Processo Penal, relativamente a réus presentes, ausentes e contumazes», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110.° (pp. 99-101; 131-132; 162-163; 178-179; 195; e 210-211), ano 114.° (pp. 104-105 e 364-367), e ano 115.°, p. 293-294.”
Porém, não deixou o Tribunal Constitucional de reconhecer, no mesmo aresto, que “casos há que, nem o direito de defesa, nem a verdade material sofrerão dano de maior dispensando-se a presença do arguido na audiência.
Ao abrir excepções à regra da presença do arguido na audiência, o legislador há-de, no entanto, observar sempre um princípio de necessidade, proporcionalidade e adequação, por forma a não limitar, desnecessária ou desproporcionadamente, o direito-dever do arguido a ser ouvido e a assistir ao julgamento [sobre casos em que a presença do arguido pode dispensar-se, na doutrina, Eduardo Correia, Revista citada, ano 115.°, p. 294, e no plano legislativo, artigos 334.º e 397.º do Código de Processo Penal, artigo 1.°, n.° l, alínea e), do Decreto-Lei n.° 387-E/87, de 29 de Dezembro (processo de transgressão ou contravenções) e artigo 66.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (no caso das contra-ordenações)]”
Por seu turno, dispõe o artigo 332º, nº 1 do Código de Processo Penal que “É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nos 1 e 2 do artigo 333º e nos nos 1 e 2 do artigo 334º”, mais estabelecendo os nos 4 e 5 do mesmo preceito que “O arguido que tiver comparecido à audiência não pode afastar-se dela até ao seu termo. O presidente toma as medidas necessárias e adequadas para evitar o afastamento, incluída a detenção durante as interrupções da audiência, se isso parecer indispensável”, sendo que “Se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.
Em anotação ao artigo em causa, escreve Tiago Caiado Milheiro8, que a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência “[e]ncerra, em si, um direito e um dever. Por um lado, estamos perante uma garantia de defesa do arguido, com respaldo no art.º 32.º/1 CRP e, também, art.º 20.º, enquanto direito de acesso à justiça e tribunais e salvaguarda do processo equitativo. A presença física é encarada como um ponto estrutural no exercício do contraditório do arguido. Não só para permitir prestar declarações perante o Tribunal, mas para ver, ouvir, sentir, percecionar, avaliar tudo o que se passa em audiência (o que lhe permitirá o exercício efetivo dos seus direitos, ir retirando notas, conferenciar com o seu advogado, etc). Tratando-se do julgamento o capítulo essencial do processo, onde se decide da condenação e absolvição, é crucial que o arguido tenha o direito de assistir à produção de prova, argumentação, vicissitudes que ali se desenrolam, para que possa intervir sempre que o entenda necessário (…). A presença física enquanto tutela do exercício efetivo do direito de defesa consiste, no fundo, na potencial aptidão de tal permitir uma melhor possibilidade de influenciar positivamente a posição processual do arguido, não apenas no que se reporta à condenação/absolvição, mas, também, no que concerne às consequências jurídicas, nomeadamente, carreando elementos pessoalmente, para a escolha e medida da pena.”
Porém, previne o mesmo autor, “[a] regra é a presença física do arguido no decurso da audiência. Essa presença por vezes é parcial quando, por exemplo, não assiste a partes da audiência, ou falta a determinadas sessões de julgamento. Mas, nessas situações, não se pode falar em julgamento na ausência que corresponde a uma audiência realizada integralmente sem a presença física do arguido.”9
Finalmente, dispõe o artigo 373º, nº 3 do Código de Processo Penal, a propósito do ato de leitura pública da sentença/acórdão, que “O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.
Anota, a este respeito, José Mouraz Lopes10: “O arguido pode não estar presente no ato da leitura da sentença, devendo, nessa circunstância ser representado pelo mandatário constituído ou eventualmente um defensor nomeado. Conforme se refere no ac. TC 498/2008 o que fundamentalmente está em causa, para assegurar as garantias de defesa, «é ponderar a disponibilidade ou não, pelo interessado de uma oportunidade real de tomar conhecimento, em tempo oportuno, da sentença condenatória contra si proferida».”
Sobre a matéria já se pronunciou o nosso Tribunal Constitucional em várias ocasiões, designadamente, no Acórdão nº 378/200311, no qual se refere, citando o Acórdão nº 109/99 (publicado no Diário da República, II série, de ... de ... de 1999), “numa situação que, como nota o Ministério Público, apresenta manifesta analogia com a dos presentes autos, apreciou-se a constitucionalidade da “norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411º n.º 1 e 113º n.º 5 do Código de Processo Penal interpretados por forma a entender que com o depósito da sentença na secretaria do tribunal o arguido que justificadamente não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma deve considerar-se notificado do seu teor para o efeito de a partir desse momento se contar o prazo para recorrer da sentença se nessa audiência esteve presente o seu mandatário.”
E, à pergunta sobre se esta norma violaria “aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º n.º 1 da Constituição”, deu-se resposta negativa, com as seguintes considerações:
“De facto estando o defensor do arguido presente na audiência em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode nos dias que se seguirem relê-la repensá-la reflectir ponderar e decidir juntamente com o arguido sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso em regra depende mais do conselho do defensor do que propriamente de uma ponderação pessoal do arguido há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se interpondo se quiser em prazo contado da leitura da sentença que o condene o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência.
O processo continua, pois, a ser a due process of law a fair process.”
Vejamos então, no quadro legal traçado, se a concreta situação verificada nos autos representa, ou não, a denegação de um processo justo e equitativo.
Ora, o que se vê do modo como decorreu o julgamento é que os arguidos estiveram presentes em todas as sessões da audiência de julgamento em que houve lugar a produção de prova (e alegações finais), foram ouvidos pelo Tribunal, puderam apresentar a sua versão dos factos e exercer em pleno o contraditório relativamente a todas as provas apresentadas perante o Tribunal.
Estando privados da liberdade, o Tribunal a quo esforçou-se sempre, mau grado a greve decretada pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, por assegurar a respetiva comparência, sendo certo que, em todas as sessões de julgamento, foi necessário aguardar pela chegada dos arguidos detidos12, e, no dia designado para a leitura do acórdão, a informação que foi prestada ao Tribunal, quando estava quase decorrida uma hora sobre aquela que fora a hora marcada para o início da diligência, foi a de que os arguidos ainda se encontravam no estabelecimento prisional, a aguardar o respetivo transporte (como se pode constatar da gravação dessa audiência). E foi neste contexto – ciente que estava de que os arguidos tinham podido exercer amplamente o seu direito de defesa no decurso do julgamento – que a Mma Juiz Presidente decidiu proceder à leitura do acórdão, nos termos previamente agendados, sendo os arguidos representados pelos respetivos mandatários.
Releva-se, ainda, que foi subsequentemente determinada a tradução do acórdão para a língua materna dos arguidos, e estes foram do mesmo notificados13, dispondo na íntegra do prazo para recorrer, após essa notificação, ocorrida em 26.12.2024. Ou seja, na prática, muito embora tenham sido representados na diligência pelos respetivos mandatários – que estavam presentes – e tendo o acórdão sido depositado de imediato, os arguidos e os respetivos mandatários dispuseram de um prazo acrescido para a elaboração dos respetivos recursos (prazo que escolheram não utilizar, mas essa é uma opção sua).
Toma-se boa nota de que a Mma Juiz Presidente, no despacho de 28.11.2024, em que manteve a data agendada para a leitura do acórdão (refª Citius 440381375), ponderou que “a hipotética inviabilização da condução dos arguidos a fim de lhes ser permitido acompanhar a leitura do acórdão, na data designada, é susceptível de, por um lado, não permitir o respeito pelo prazo máximo de duração da medida de coacção a que se encontram sujeitos, em conformidade com o disposto no art.º 215º do Código de Processo Penal (CPP) e, por outro, de conflituar flagrantemente com a garantia de que dispõem de, por se encontrarem privados da liberdade, o carácter urgente dos autos não ter execução prática”, e, com inteiro acerto, fez notar que “são de realização prioritária os actos processuais relativos a arguidos presos (art.º 103º, nº 2, al. a), do CPP), como se verifica no caso em apreço, sobrepondo-se, por estar em causa a privação da liberdade dos cidadãos, ao demais serviço do tribunal e de todas as entidades públicas que tenham sob sua tutela os cidadãos que se encontrem nessa situação.
Acresce que o protelar da leitura do acórdão, sem que o tribunal disponha de possibilidades de agendamento ilimitadas e compatíveis com a realização da greve do Corpo da Guarda Prisional, é susceptível de comprometer, de forma indefinida e, por conseguinte, intolerável, quer a pretensão punitiva do Estado, plasmada na acusação deduzida pelo Ministério Público, quer o direito dos arguidos obterem, em tempo útil e razoável, e com urgência, uma decisão de mérito quanto aos factos que lhes são imputados, tanto mais que as possibilidades de agendamento do tribunal não permitem compatibilizar o caráter urgente do processo com a greve em curso, não podendo os arguidos manter-se indefinidamente à espera do julgamento e da decisão final.”
E foi ponderando todas as apontadas circunstâncias que sustentou que “o direito à greve que naturalmente se reconhece aos Exmos. Senhores Guardas Prisionais, mas que não pode obliterar os direitos fundamentais dos cidadãos privados da liberdade, sob pena de denegação de justiça e de violação infundada e gratuita dos direitos e garantias fundamentais supra identificados, e inexistindo, de forma manifesta, possibilidade ilimitada de agendamento da audiência de modo compatível com a referida greve e com o direito de defesa efectiva dos arguidos em audiência, impõe-se que seja assegurada a sua condução a este tribunal”.
Como se viu, porém, a condução dos dois recorrentes ao Tribunal não foi assegurada em tempo útil.
Por assim ser, a Mma Juiz Presidente, relevando todas as apontadas circunstâncias, ciente de que havia encerrado a discussão, nos termos previstos no artigo 361º, nº 2 do Código de Processo Penal, no dia 20.11.2024, e que, depois disso, tivera lugar a deliberação do coletivo e votação da decisão, decidiu proceder à leitura pública do acórdão, perante os Ilustres mandatários constituídos pelos arguidos, disponibilizando de imediato o texto do acórdão, sem prejuízo da posterior notificação pessoal dos arguidos (como veio a acontecer).
Neste contexto, não pode, por um lado, dizer-se que aos arguidos não foi permitido comparecer na audiência de julgamento – como se viu, estiveram presentes em todas as sessões em que se procedeu à discussão da causa – não se verificando, em consequência, a nulidade insanável que vieram arguir, como, por outro lado, não resulta, por via desta decisão, minimamente comprimido o seu direito de defesa, relevando-se a este respeito que, contrabalançando o direito de se deslocarem ao Tribunal para assistir a uma diligência em que a lei não prevê que prestem declarações, e o direito que têm a um processo célere e a que seja proferida uma decisão em prazo razoável, é manifesto que o due processo of law se mostra devidamente assegurado.
Assim, em substância, a decisão tomada pela Mma Juiz Presidente foi correta, não merecendo censura por parte deste Tribunal ad quem.
E isto nos leva à questão suscitada pelo recorrente GG, quanto a não poder a Mma Juiz Presidente tomar tal decisão sem prévia deliberação do coletivo.
Não tem razão.
O artigo 322º, nº 1 do Código de Processo Penal estabelece que “A disciplina da audiência e a direção dos trabalhos competem ao presidente. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 85.º”, sendo que, nos termos do artigo 323º do mesmo diploma legal “Para disciplina e direção dos trabalhos cabe ao presidente, sem prejuízo de outros poderes e deveres que por lei lhe forem atribuídos: (…) g) Dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios.14
E, de acordo com o artigo 135º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, “2 - Compete ao presidente do tribunal coletivo: a) Dirigir as audiências de discussão e julgamento; b) Elaborar os acórdãos nos julgamentos penais; c) Proferir a sentença final nas ações cíveis; d) Suprir as deficiências das sentenças e dos acórdãos referidos nas alíneas anteriores, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los nos termos das leis de processo; e) Organizar o programa das sessões do tribunal coletivo; f) Exercer as demais funções atribuídas por lei.
O que resulta destas normas é que tais poderes de direção e disciplina são atribuídos ao juiz presidente “com o propósito de prosseguir os fins do processo penal. Proporcionando mecanismos para que seja levado a bom porto o julgamento, no mais curto espaço de tempo possível, respeitando os direitos dos intervenientes, procurando, muitas vezes, “desbravar” no meio de um conjunto de entraves a luz que guia o processo. Administrar a justiça penal, ditar uma decisão justa no caso concreto, respeitar os direitos do arguido e também da vítima, bem como de todas as pessoas que participam no processo. É, pois, mais do que um poder, um dever.”15
Não existe, hoje, dúvida de que os últimos atos do julgamento em que a lei exige a presença de todos os juízes do tribunal coletivo são os da deliberação, votação e assinatura do acórdão16. Por isso, é atualmente pacífico que o ato de leitura pública do acórdão pode ser executado apenas pelo presidente ou por outro dos juízes, como aliás decorre do disposto no artigo 372º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Nesta conformidade, é também evidente que a Mma Juiz Presidente a quo, não só podia ter tomado, sozinha, a decisão de prosseguir com a leitura agendada, como também lhe cabia decidir os incidentes levantados nessa diligência, relevando-se que é absolutamente claro que não tomou qualquer decisão sobre o objeto do processo ou a produção de prova, que carecesse de deliberação do coletivo.
Como decorre de forma absolutamente cristalina do processo, não houve qualquer violação das regras relativas à composição do tribunal, estando documentado que os juízes que subscrevem o acórdão assistiram a toda a produção de prova, tendo posteriormente deliberado sobre os factos, incluindo a questão da culpabilidade, e sobre a sanção.
Não se verifica, por isso, a nulidade prevista no artigo 119º, alínea a) do Código de Processo Penal.
Já quanto à violação do caso julgado, convocada pelo recorrente GG, deve dizer-se que não é sequer claro a que é que pretende referir-se, nem que consequências pretende extrair dessa invocação.
Admitindo-se que possa querer referir-se ao despacho proferido em 28.11.2024, há a dizer que tal despacho tem natureza disciplinadora e ordenadora, destinando-se a prover ao regular andamento do processo, inexistindo qualquer direito subjetivo dos sujeitos processuais que pudesse alicerçar-se no mesmo.
Faz-se notar, que ambos os despachos – o proferido em 28.11.2024 e o proferido em 02.12.2024 – visaram um mesmo propósito: prover ao célere andamento do processo, de modo a que uma decisão final pudesse ser proferida no mais curto espaço de tempo, sendo contingentes das circunstâncias que em cada momento se apresentaram. Ambos emergem do exercício dos poderes de direção e ordenação conferidos por lei ao juiz presidente – que, no caso, foram usados com critério e inteira correção – não coartando, como também já se disse, qualquer direito de defesa dos arguidos.
São, pois, improcedentes os recursos opostos aos despachos proferidos em 02.12.2024.
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recursos da decisão final
iv.1. da nulidade por falta de fundamentação
Alegam ambos os recorrentes que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação, vício gerador de nulidade da decisão em conformidade com o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal17.
Ora, de acordo com a previsão do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença “consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas (nos termos definidos por lei).
A fundamentação da sentença consiste, assim, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que, conjugadamente, determinaram o sentido da decisão (ou seja, que, de um modo lógico e racional, conduziram a que o tribunal chegasse a uma decisão e não outra).
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.12.201918.
Como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais.
Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.»
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
A integração das noções de «exame crítico» e de «fundamentação» de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.201619.
Face ao que fica dito, resulta evidente que nos recursos dos arguidos DD e GG não vêm identificadas circunstâncias suscetíveis de preencher a apontada nulidade, antes expressam discordância quanto à apreciação que o Tribunal a quo fez da prova disponível, afirmando que se limitou “a tecer generalidades que podem ser utilizadas para qualquer processo, não se debruçando nem fundamentando os factos, em concreto, que no caso sub judice deu como provados” e que das provas indicadas na decisão não resultam os factos dados como provados, mais aditando (o recorrente GG), que “resulta manifesta a incompatibilidade entre os meios de prova enunciados na fundamentação exarada pelo Tribunal a quo e os factos que o mesmo Tribunal a quo deu como provados” e que “o Tribunal a quo não concretiza quais são as regras de experiência comum que abalam as declarações do arguido/recorrente prestadas em julgamento”.
É patente a confusão de conceitos.
Como cremos ter deixado claro, a causa de nulidade da sentença que vimos analisando, prende-se com a respetiva estrutura formal. Não está, aqui, em causa a apreciação da prova produzida, ou sequer a suficiência da prova para a decisão. Só a total ausência de fundamentação, mas já não a fundamentação deficiente ou incompleta, é suscetível de preencher a nulidade aqui em causa.
Acresce que, lida a decisão recorrida, é manifesto que a mesma não padece de falta de fundamentação: foram elencados os factos provados e não provados, e foi exposta a motivação da decisão de facto, com referência às provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, quer as de natureza documental, quer testemunhal e pericial, revelando em que medida umas e outras contribuíram para a mesma, esclarecendo de forma clara a credibilidade atribuída aos meios de prova disponíveis.
Pode discordar-se da decisão (e os recorrentes claramente discordam), mas não pode dizer-se que a fundamentação está ausente; a circunstância de os recorrentes afirmarem que não identificam as concretas provas de que se serviu o Tribunal para dar os factos como provados, releva apenas da sua própria interpretação (do texto e da prova), não sendo verdade que tal indicação tenha sido omitida, como se constata pela simples leitura da decisão.
Não se mostra, pois, verificada a referida nulidade.
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iv.2. da proibição de prova
Alega o recorrente DD que a colaboração prestada pelo coaguido AA, que levou à sua detenção, foi obtida mediante coação e ofensa à integridade física e que, por isso, “está inquinada pelo vício de violação de prova, nos termos do artigo 126º do C.P.P., com as legais consequências”.
Em apoio da sua afirmação, alegou o recorrente que o arguido AA manifestou no seu depoimento que “foi agredido com uns “tapas” e pressionado a falar”, “que foi empurrado e obrigado a sair da zona das chegadas pelos inspetores”, que “o AA assume que acabou até por se urinar”, e conclui que o Tribunal a quo não deu qualquer relevância a estes factos, tendo considerado o depoimento daquele arguido espontâneo e credível.
Perante a retórica escolhida pelo recorrente, importa desde já deixar claro que, conforme resulta abundantemente dos autos (e da gravação da audiência), o arguido AA depôs em julgamento, por sua iniciativa, no exercício de um direito, encontrando-se livre na sua pessoa, tendo prestado as declarações que bem entendeu, contribuindo de forma relevante para o esclarecimento dos factos.
Não existe o mínimo indício de que o Tribunal tenha exercido qualquer espécie de coação sobre o arguido, devendo relevar-se que, em sede de primeiro interrogatório, nem sequer prestou declarações, pelo que é manifestamente forçado pretender que lhe foi extorquida «confissão» alguma. Nada impedia aquele arguido, de resto, de em audiência de julgamento ter dito que fora obrigado pelo OPC a identificar o coarguido e/ou negar que fosse ele quem o esperava, se porventura tivesse sido forçado a identificá-lo anteriormente. Mas não foi o que fez.
A questão suscitada pelo recorrente só pode enquadrar-se, assim, num momento anterior, reportado à atuação dos órgãos de polícia criminal (OPC), mormente dos elementos da Polícia Judiciária que procederam à detenção dos arguidos (ocorrida em flagrante delito – cf. artigos 255º e 256º do Código de Processo Penal).
É verdade que, nos termos previstos no artigo 126º, nº 1 do Código de Processo Penal, “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”, esclarecendo o nº 2 do mesmo preceito, designadamente, que “São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: (…) c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;. (…)”.
Esta proibição, nas palavras de Pedro Soares Albergaria20, “rege para todo o arco temporal do processo, projetando a sua força em todas as fases respetivas, não havendo distinções a fazer. Isto deduz-se desde logo da circunstância de o legislador a ter consagrado como “disposição geral” (Livro III) “da prova” (Título I), mas mais fundo do que neste argumento sistemático, radica no seu próprio fundamento material: a tutela de direitos fundamentais – que não são mais ou menos lesados pelos métodos proscritos segundo a fase em que sejam empregues.”
Esclarece, ainda, o mesmo autor que “A norma em anotação, proscrevendo o uso da força fora dos casos e limites previstos na lei [al. c)], logicamente pressupõe que ela, a lei, não afasta sempre o uso da força. Da proteção contra o uso ilegal da força beneficiam quaisquer pessoas que possam ser “objeto” de diligências probatórias. Só que enquanto as ditas pessoas, desde o arguido, testemunhas não suspeitas e até às vítimas, aproveita indistintamente a proteção decorrente dos princípios da reserva de lei e da proporcionalidade, apenas o primeiro ou o suspeito terão por si, ainda, a proteção contra a autoincriminação. Com efeito, em tratando-se de arguido ou suspeito, o uso da força convoca de imediato a prerrogativa por último citada, que a nosso ver, radicada na proteção da sua integridade pessoal e na presunção de inocência, tem vigência insuscetível de entrar em concordância com outros valores. (…) Acompanhamos, pois, Sandra Oliveira e Silva (2018, p. 696 e s.), quando restringe aquele âmbito à “salvaguarda da autonomia e liberdade do arguido na revelação do seu conhecimento sobre os factos” (ob. cit., p. 699 e passim). Assim, sempre que a produção de prova dependa de uma “elaboração espiritual” (ob. e p. cit.) do arguido, não lhe pode ser exigido que contribua, mediante essa elaboração, para a própria incriminação – nesse plano nunca poderá ser obrigado a «sujeitar-se a diligências de prova» [art. 61.º/3d)] e, a fortiori, está vedada a utilização da força contra o renitente.”21
Por outro lado, importa ter em conta que, nos termos previstos nos artigos 55º, nº 2, 242º, nº 1, alínea a), 243º, nº 1, em especial a respetiva alínea c), e 249º, todos do Código de Processo Penal, a constatação da existência de um crime – público, como é o caso do tráfico de estupefacientes22 - importa, para os OPC, o dever de proceder às diligências necessárias ao apuramento das circunstâncias em que o crime foi cometido e de quem foram os seus autores23.
Como expressamente consta do artigo 249º do Código de Processo Penal, com a epígrafe «providências cautelares quanto aos meios de prova», “1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171.º, e no artigo 173.º, assegurando a integridade dos animais e a manutenção do estado das coisas, dos objetos e dos lugares;
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adotar as medidas cautelares necessárias à conservação da integridade dos animais e à conservação ou manutenção das coisas e dos objetos apreendidos.
3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade.
A iniciativa própria dos OPC, na prática de tais atos, “obedece a dois vetores principais: (1) os atos cautelares e de polícia integram-se nas finalidades do processo penal, agindo as entidades policiais em substituição precária da autoridade judiciária; (2) os atos cautelares e de polícia dependem dos pressupostos de necessidade e de urgência, isto é, de um circunstancialismo que exige uma intervenção pronta da entidade policial, sendo globalmente norteados por um princípio de eficácia que justifica que atuem sem prévia solicitação da autoridade judiciária, o que apenas pode ocorrer dentro de rigorosos pressupostos legais.”24
Assim, em cumprimento dos respetivos deveres funcionais, e sendo manifesta a urgência da sua atuação, cabia, efetivamente, aos elementos da Polícia Judiciária que identificaram e detiveram o arguido AA – que transportava consigo cerca de 15 kg de cocaína – proceder a todas as averiguações possíveis, no sentido de determinar, não só a proveniência do estupefaciente em causa, mas também o seu projetado destino, e os demais sujeitos envolvidos nessa operação. Não lhes está legalmente vedado obter a colaboração do arguido já identificado para esse efeito, desde que essa colaboração seja voluntária.
Ao contrário do sugerido pelo recorrente, inexiste qualquer evidência nos autos de que essa colaboração não tenha sido voluntária, ainda que se conceda que ocorre no contexto da descoberta pelos agentes da autoridade do flagrante delito de tráfico de estupefacientes, o que, pelas graves consequências penais associadas à prática de tal crime, é suscetível de gerar compreensível nervosismo nos respetivos suspeitos.
Ora, especificamente quanto à atuação dos elementos da Polícia Judiciária que intervieram nesta detenção, há que dizer que inexiste nos autos qualquer demonstração de que tenha sido feito um uso injustificado da força física – não exibindo o arguido AA quaisquer sinais de ter sido agredido, e sendo certo que, como resulta das suas declarações em julgamento, a lesão que apresentava num dos membros inferiores lhe terá sido causada pelos indivíduos que o incumbiram do transporte da droga, de modo a justificar a utilização de uma cadeira de rodas25.
De resto, o que decorre das declarações prestadas por este arguido é que, por um lado, nas circunstâncias em que os factos se sucederam o mesmo se encontrava nervoso (o que, já o dissemos, é compreensível) e, sobretudo, tinha (e, arriscamos dizer, tem) medo das pessoas que o «contrataram» para este transporte26. E quanto a ter sido «empurrado», o que resulta do que disse é que, encontrando-se a fazer uso de uma cadeira de rodas, esta foi empurrada para a saída, seguindo depois pela rampa existente na zona das Chegadas do aeroporto de Lisboa (como, aliás, é visível nas imagens de videovigilância que constam dos autos e que foram visualizadas em audiência).
Assim, sem embargo de se admitir que os elementos da Polícia Judiciária possam ter adotado uma atitude ríspida no decurso da investigação, não se vê que a colaboração do arguido AA tenha sido obtida mediante uso injustificado da força ou que de algum modo tenha sido posta em causa a sua dignidade ou integridade física, não havendo qualquer razão para considerar as circunstâncias apuradas por via dessa colaboração, maxime, a identificação do aguido DD, afetadas por qualquer proibição de prova.
A prova obtida é, por isso, plenamente válida, podendo ser tomada em conta na decisão.
Improcede, em consequência, este fundamento de recurso.
*
iv.3. do recurso em matéria de facto
Como resulta do disposto no artigo 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, do que decorre que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respetivos poderes de cognição.
As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias:
i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal;
ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do mesmo código.
Trataremos separadamente de cada um destes aspetos.
iv.3.1. Dos alegados vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal
Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido incorreu no vício de «erro notório na apreciação da prova» - que, sendo a expressão usada no respetivo rigor terminológico, se acha previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal.
Na alegação do arguido DD, tal erro notório decorreria de a fls. 28 a 33 dos autos não existir qualquer mensagem que pudesse constituir prova de que o arguido AA tivesse enviado uma mensagem assinalando a sua presença e de que ao arguido DD tivesse sido enviada tal mensagem, em contrário do que se fez constar da decisão recorrida (conclusão XXII).
Já o arguido GG identifica o mencionado vício na circunstância, por si afirmada, de serem manifestamente incompatíveis os meios de prova avançados pelo Tribunal a quo para fundamentar os factos a si respeitantes (conclusão 27ª), dedicando-se depois a analisar os diversos depoimentos, com o propósito de demonstrar que a convicção do Tribunal a seu respeito carece de suporte probatório.
Comecemos pelos conceitos.
O artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal prevê que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”. (sublinhado nosso)
A indagação de tais vícios, por parte do tribunal ad quem, é uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito, já que mais nenhuma outra prova é necessária para que se possa concluir pela eventual existência ou não dos mesmos. Mais não constitui tal tarefa de indagação do que a aplicação da norma adjetiva em causa às circunstâncias concretas da decisão em recurso. Como anota Pereira Madeira27, “É a lei quem o inculca com clareza ao impor que o vício resulte do texto da decisão recorrida, apenas e só, eventualmente com recurso às regras de experiência comum. Por isso, fica excluída da previsão do preceito toda a tarefa de apreciação e ou valoração da prova produzida, em audiência ou fora dela, nomeadamente a valoração de depoimentos, mesmo que objecto de gravação, documentos ou outro tipo de provas, tarefa reservada para o conhecimento do recurso em matéria de facto.”
Assim, a apreciação de tais questões deve incidir, exclusivamente, sobre o texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos ou documentos do processo), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.
No que se refere ao «erro notório na apreciação da prova», este abrange as hipótese de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta; quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável; quando se dá como assente algo patentemente errado, que não podia ter acontecido; ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma conclusão arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida28; ou, finalmente, quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência, as leges artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos.
Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.12.1998 (BMJ 482, p. 68) onde se conclui que “erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta” e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.1998 (BMJ 481, p. 325) onde se refere que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado, “que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa”.
Basta, para assegurar a notoriedade do erro, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – e ainda que, para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras de experiência29. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.
Ora, vista a alegação dos recorrentes, facilmente se constata que não se reportam a vícios patentes no texto da decisão recorrida – portanto, não os contemplados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – antes pretendendo questionar a avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, na medida em que, para demonstrarem o erro que reivindicam existir, recorrem aos elementos de prova que suportam a decisão, e não ao texto da mesma, concluindo pela inaptidão da prova produzida para permitir dar como provados os factos consignados na decisão condenatória.
É esse o caso quando o recorrente DD afirma que as fls. 28 a 33 do processo não têm o conteúdo que o acórdão recorrido lhes atribuiu; e é também o que sucede com o recorrente GG, quando se propõe analisar e contrapor as declarações do coarguido AA, os depoimentos das testemunhas JJ e PP, os fotogramas de fls. 54 a 57, e as imagens de vídeo de fls. 508 (conclusões 29ª, 32ª, 35ª, 38ª, 41ª), para demonstrar que as mesmas são incompatíveis com os factos dados como provados.
Assim, resulta claro que não são os vícios contemplados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal que aqui pretendem discutir – nem os recorrentes apontaram, na motivação ou nas conclusões do recurso, quaisquer concretos segmentos do texto da decisão recorrida nos quais pudesse detetar-se a existência de tais defeitos (o recorrente GG limita-se a repetir, nas conclusões 33ª, 36ª, que “do próprio texto do Acórdão recorrido, na sua parca fundamentação, da explicitação que faz do depoimento, também fica evidente, pelo que fica exarado no texto, que esta testemunha nada sabe ou diz sobre o ARGUIDO/RECORRENTE”, o que, na verdade, encerra apenas a sua apreciação da prova).
É certo que os vícios em questão são de conhecimento oficioso.
Todavia, lida atentamente a decisão recorrida, não vemos que na mesma se tenha cometido algum daqueles vícios – designadamente, que a matéria de facto provada seja insuficiente para a decisão, que seja evidente a existência de factos que ficaram por apurar ou que tenha sido extraída da matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária.
Na verdade, o Tribunal recorrido tomou posição sobre a totalidade do objeto do processo, tal como o mesmo foi configurado pelos sujeitos processuais, e os factos que apurou são, claramente, bastantes para permitir a decisão alcançada. Pode discordar-se da decisão, mas essa discordância relevará já de eventual erro de julgamento (do que trataremos adiante).
Improcedem, pois, os recursos no que se refere à verificação de «erro notório na apreciação da prova».
iv.3.2. Da impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento
A matéria de facto pode, também, ser sindicada através da impugnação ampla, a que se reporta o artigo 412º, nos 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, em que a apreciação se alarga à análise da prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, só podendo alterar-se o decidido se as provas indicadas obrigarem a decisão diversa da proferida [assim não podendo fazer-se caso tais provas apenas permitam uma outra decisão, a par da decisão recorrida - neste último caso, havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artigos 127º e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais] – cf., por todos, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.202130.
Nesta conformidade, a reapreciação só determinará uma alteração à matéria de facto provada quando, do reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão31.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa32.
Assim, quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto na modalidade ampla, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, têm de discriminar:
a) Os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. artigo 430º do Código de Processo Penal).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nos 4 e 6 do artigo 412º do Código de Processo Penal), salientando-se que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão nº 3/2012, publicado no Diário da República, Iª série, Nº 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no sentido de que: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
As menções feitas nas alíneas a), b) e c) dos nos 3 e 4 do referido artigo 412º estão intimamente relacionadas com a inteligibilidade da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão fáctica.
O que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.
No caso, os recorrentes indicam como incorretamente julgados os pontos 1, 3, 4, 6, 8, 14, 15, 18, 25, 26, 30 e 31 (DD), e 1, 3, 4, 5, 6, 9, 21, 25, 26, 30, 31 e 32 (GG dos factos provados, sustentando o arguido DD que as suas declarações e os documentos que juntou (nomeadamente pertinentes à reserva de hotel) apoiam a sua versão dos factos, quanto a ter-se deslocado a Lisboa em turismo, discutindo depois os depoimentos das testemunhas JJ e PP, que, em seu entender, não são bastantes para dar os factos como provados (por não terem visto, ou não poderem ter visto os acontecimentos que relataram).
Apesar de se reportarem à prova produzida em julgamento, com exceção da extração de mensagens (já lá iremos), o que discutem são as conclusões da mesma extraídas, expondo a sua versão dos acontecimentos.
Assim, na verdade, o que os recorrentes põem em causa é o modo como o coletivo de juízes adquiriu a sua convicção relativamente aos factos que deu como provados.
Como reflete Perfecto Andrez Ibañez34, “Hoje sabemos bem (ainda que nem sempre pareça) que a «matéria prima» da sentença não é constituída por factos, mas antes por enunciados linguísticos35 relativos a acções que podem ou não ter ocorrido e que por isso importa saber se são verdadeiros ou falsos. Os factos objecto da referência judicial não têm existência actual e não podem aceder como tais ao processo. Se ocorreram, foi sob a forma de um acto, em princípio penalmente relevante, normalmente produtor de um resultado observável através de um conjunto de vestígios em redor da sua execução e dos traços que ficam na memória de eventuais testemunhas. Os factos, como parte do passado já não estão nem são constatáveis por alguém que, como o juiz, opera no presente e não pode experienciá-los.
No entanto são esses «rastos» a que nos referimos que são susceptíveis de comprovação e é em função do resultado desta que pode obter-se alguma conclusão sobre a plausibilidade ou falta de plausibilidade da hipótese acusatória submetida à consideração do juiz.
As distintas formas de entender a prova permitem individualizar elementos do julgamento que, tratados com rigor indutivo de acordo com as máximas de experiência - generalizações de saber empírico de validade socialmente aceite - tornam possível estabelecer conclusões de carácter fáctico dotadas de certeza prática. Isto é, prováveis com um alto grau de probabilidade, mas que não decorrem directamente das premissas.”
É, pois, neste contexto que tem de ser encarada a prova trazida ao julgamento (toda a prova, abrangendo, naturalmente, as declarações prestadas pelos arguidos), e é a esta luz que deve ser interpretado o esforço imposto ao Julgador na fixação dos acontecimentos passados com relevância penal, em que se inclui a intencionalidade dos respetivos agentes (porquanto, se assim não fosse, o resultado seria uma ação sem intenção).
Entre nós, em matéria de apreciação da prova, rege o artigo 127º, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, sendo certo que, como decorre do disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal, “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.
Tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios que determinam uma convicção racional, e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão. Não significando, porém, que seja totalmente objetiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (...)”36.
Como repetidamente se disse já em inúmeras decisões dos Tribunais Superiores em recursos sobre matéria de facto, é errado pretender-se que o Tribunal de julgamento está preso às palavras proferidas pelos declarantes e testemunhas, absorvendo-as qual esponja, para as verter do mesmo modo na decisão. Assim não acontece. Assim não deve acontecer, precisamente porque, como cremos que resulta claro do que acima se expôs quanto ao princípio da livre apreciação da prova, que rege a operação de determinação dos factos posta a cargo do julgador, o seu adequado uso implica uma apreciação crítica do conjunto da prova produzida, de modo a dela extrair, do modo mais fiel possível, a verdade material, processualmente válida37. Nesta operação, o Tribunal não está vinculado à estrita literalidade das palavras proferidas, antes podendo (e devendo) retirar dos relatos perante si produzidos todo o respetivo conteúdo útil, apreciado à luz das regras de experiência.
Uma convicção solidamente fundamentada não exige uma concordância absoluta de toda a prova produzida, e também não exige a respetiva «perfeição». É função do julgador interpretar todos os contributos probatórios perante si trazidos, tomando em conta não só o que é dito, mas também o modo como é dito, e, além disso, avaliar, na medida do possível, todas as circunstâncias suscetíveis de intervir na genuinidade dos depoimentos, distinguindo indícios de falsidade de quaisquer outras (compreensíveis) emoções humanas.
Lida a decisão recorrida (e a respetiva fundamentação) – e ouvida a prova gravada e examinada a demais prova produzida no julgamento – é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto, nomeadamente, no que se reporta à matéria contemplada nos pontos 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 14, 15, 18, 21, 25, 26, 30, 31 e 32 dos factos provados.
O ponto 1, que, estando no início dos factos provados, representa uma conclusão extraída de quanto se apurou diretamente, resulta, em termos lógicos e em conformidade com as regras de experiência comum, de se ter constatado que os arguidos se deslocaram para o aeroporto de Lisboa, um vindo do ..., transportando 15 kg de cocaína, e os outros dois de ..., munindo-se de um veículo que lhes permitiria regressar àquele país por via terrestre, o que necessariamente envolve a constatação de que tais atividades não poderiam ser executadas com êxito sem planeamento prévio – ergo, quer o plano tenha sido elaborado pelos arguidos, quer se tenham limitado a participar do mesmo, o certo é que ele existiu.
O ponto 3 decorre singelamente dos atos praticados pelos arguidos: DD e GG deslocaram-se para o aeroporto de Lisboa para se encontrarem com AA – e já veremos como se demonstra tal propósito.
O ponto 4 está demonstrado por prova direta – e os arguidos não o negam – ambos viajaram juntos a partir de ..., está documentada em vídeo a sua chegada ao aeroporto Humberto Delgado (como, aliás, consta do facto nº 5).
Quanto ao ponto 6, está documentalmente provado que os arguidos procederam ao aluguer do veículo na ..., no balcão do aeroporto de Lisboa – relevando-se que foi, especificamente GG que forneceu os seus dados para o contrato de aluguer e procedeu ao respetivo pagamento, no valor de € 550,00 (ponto 7 dos factos provados, não impugnado por nenhum dos recorrentes).
Que DD se deslocou para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA (ponto 8), resulta, desde logo, de ter sido visto no local – como documentam as imagens de videovigilância – sendo evidente que, no momento em que AA desceu a rampa da saída de passageiros, o arguido DD o acompanhou, posicionando-se à sua frente, fazendo-lhe sinal para que o seguisse: nas imagens vê-se DD, poucos segundos antes de ser detido, descendo a rampa, à frente de AA, virando-se para trás para se certificar de que este o seguia (e não a abanar os braços casualmente); AA confirmou que DD lhe fez sinal para que o seguisse, tal como lhe tinham dito (no ...) que aconteceria; e, por último, AA enviou uma mensagem de áudio, informando que havia chegado (e que estava tudo bem), e DD tinha essa mensagem no telemóvel que lhe foi apreendido.
Note-se que a mensagem não foi enviada diretamente do telemóvel de AA para o telemóvel de DD, antes foi reencaminhada por um terceiro – o que claramente demonstra a existência de uma organização por trás da atuação levada a cabo pelos arguidos.
E como é que sabemos isto?
Lá está: com recurso ao documentado nos autos a fls. 28 a 33.
Ali consta a operação de extração de mensagens levada a cabo pela Polícia Judiciária – assegurando por esta via a cadeia de custódia – e os vídeos que mostram o conteúdo dos dois telemóveis apreendidos (em DVD), permitindo ouvir as mensagens – idênticas – existentes nos dois aparelhos.
Consta também dos autos que os arguidos deram o seu consentimento para que fosse pesquisado o conteúdo dos referidos telemóveis, pelo que era desnecessário o controlo jurisdicional previsto nos artigos 188º e 189º do Código de Processo Penal (como, aliás, se decidiu, em questão prévia, no acórdão recorrido, que, nessa parte, não foi alvo de recurso).
Esta prova, como claramente resulta da gravação do julgamento, foi examinada em audiência, mostrando-se cumprido o artigo 355º do Código de Processo Penal, pelo que podia, e devia ser tomada em conta, como foi, na decisão recorrida.
Perante isto, os depoimentos dos dois elementos da Polícia Judiciária, JJ e PP, são meramente coadjuvantes.
Quanto ao ponto 9, a respetiva prova resulta das circunstâncias em que veio a ser detido GG, junto ao balcão da ... – sendo uma evidência que não se encontrava ao pé de DD quando este foi detido. E já vimos que chegaram os dois juntos, sendo uma inferência lógica que atuaram conjuntamente (a isto voltaremos mais adiante).
No que se refere ao ponto 14 há uma correção a fazer: é verdade que, tendo em conta os marcadores de tempo constantes das imagens de videovigilância, o encontro entre AA e DD acontece por volta das 14h21m, e não às 14h50m como foi dado como provado. Mas a discrepância é irrelevante.
Quanto ao ponto 15, a testemunha JJ referiu que se apercebeu de que DD levara o telefone ao ouvido antes de se encontrar com AA – e sabemos que recebeu a mensagem reencaminhada para o seu telemóvel (porque a mesma dele foi extraída, como já acima expusemos) – pelo que este facto se encontra suficientemente demonstrado.
Ponto 18: já expusemos a conjugação de elementos que permitem dar este facto como assente. Não só o mesmo foi referido por AA, como foi observado pelas testemunhas JJ e PP (e está filmado). Neste contexto, se DD disse “venga, venga” ou “arriba, arriba”, não apresenta especial relevo.
E, face à evidência de que DD era mesmo o homem com quem AA devia encontrar-se (o que sabemos porque era no telemóvel daquele que estava a mensagem enviada por este – estando o ponto 20 demonstrado por prova direta), não tem qualquer interesse discutir a existência de terceiros a caminharem à frente da cadeira de rodas: não era com eles o rendez-vous.
O ponto 21 está demonstrado pela circunstância de o arguido GG ter sido detido no local aí mencionado.
Os pontos 25 e 26 resultam, por um lado, das declarações de AA, que afirmou que a quantia que lhe foi apreendida lhe foi entregue para custear as despesas da viagem, e, por outro lado, da evidência de que os telemóveis apreendidos foram utilizados para a transmissão de mensagens entre os arguidos, revelando-se, de resto, essenciais à execução do respetivo plano.
Que a quantia apreendida a DD era, também ela, destinada às despesas a incorrer da viagem decorre, é certo, do paralelismo da situação com a do coarguido (e, neste sentido, das regras de experiência comum), mas também da evidência de que este arguido não possuía, em conformidade com o que declarou, rendimentos de atividade lícita que lhe permitissem reunir aquele montante (cf. factos provados 47 e 51).
Quanto ao ponto 30, não merece discussão, por parte dos recorrentes, o facto de não terem qualquer ligação a Portugal, e, face aos atos praticados pelos arguidos, a única conclusão que pode extrair-se é a de que aqui se deslocaram com o propósito de recolher a cocaína trazida do ... por AA.
Diga-se, a propósito, que a versão de que DD e GG se deslocaram a Lisboa em turismo, projetando regressar a ... de carro, passeando pelo caminho, não é, como bem notou o Tribunal a quo, minimamente credível. Desde logo, porque no contrato de aluguer do veículo automóvel (a fls. 52-53) consta que o mesmo deverá ser devolvido na estação de levantamento, ou seja, no aeroporto de Lisboa.
Pergunta-se: se os arguidos regressassem a ... de carro, depois de uns dias em Lisboa, fazendo turismo pelo caminho… como iriam devolver o carro à estação de Lisboa da ...?
Será que planeavam apoderar-se do veículo e fazê-lo seu?
Será que se propunham restituí-lo na estação da ... em ..., incorrendo em custos adicionais e levantando suspeitas sobre a sua atuação?
Ou iriam tranquilamente entregar os 15 kg de cocaína, acabada de chegar do ..., retornando depois o veículo ao seu ponto de origem?
O Tribunal a quo formou a sua convicção quanto a esta matéria com base nas regras de experiência comum, e não vemos que lhe deva ser dirigida qualquer censura.
Finalmente, os pontos 31 e 32, constituindo a disposição interior dos arguidos, resultam de inferência lógica decorrente de toda a restante materialidade apurada: os arguidos comportaram-se em termos compatíveis apenas com a execução de um plano, tinham conhecimento de que procediam a um transporte internacional de cocaína e quiseram fazê-lo. Sendo pessoas dotadas do discernimento comum no homem médio (e não temos evidência de que sejam outra coisa, que não «homens médios»), é também uma inferência lógica, a única plausível, que sabiam as suas condutas proibidas e, livremente, quiseram adotá-las, com o fito de obter lucros (pois ninguém arrisca incorrer nas sanções penais previstas para o tráfico de estupefacientes se não tiver em vista obter uma compensação económica – e o arguido AA, de resto, assumiu que iria ser pago pelo transporte).
E, no que se refere especificamente a GG, tendo em conta a sua ligação ao arguido DD, a circunstância de terem viajado juntos, de terem dividido as suas tarefas (DD foi buscar AA e a cocaína; GG ficou junto ao veículo e seria o respetivo condutor), resulta claro que não podia estar alheado do plano (até porque 15 kg de cocaína não se metem num bolso), antes tendo participado relevantemente no mesmo. Neste contexto, é irrelevante que AA não o conhecesse (como se provou, embora sem relevo, que não conhecia), ou que não tivesse sido informado de que seriam dois, e não um, os homens que o transportariam para ....
Assim, ouvidos os depoimentos e analisada a prova documental (e pericial), não podemos deixar de subscrever a avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, no que se reporta ao destino que os arguidos projetavam dar ao estupefaciente que traziam consigo, e também quanto à proveniência das quantias que detinham, já que tal avaliação se mostra conforme com os indícios concordantes extraídos de mais do que um meio de prova, verosímil e consentânea com as regras de experiência comum.
Nestes termos, perante o que, no processo, foi apurado de forma direta, constitui uma consequência lógica a conclusão de que os arguidos acordaram na conduta que lhes foi observada, tendo em vista levar a cabo o transporte de estupefacientes, e almejando obter com esta atividade benefícios monetários – conclusões que são alcançadas sem esforço e sem qualquer viés de raciocínio.
Impõe-se reconhecer que, no essencial, a decisão recorrida apresenta uma fundamentação concisa, mas congruente e formulada com apelo à conjugação de todos os meios de prova ao dispor do Tribunal, extraindo desses elementos de prova conclusões ancoradas nas regras de experiência comum, que a argumentação expendida pelos recorrentes não logrou abalar.
Neste sentido, estamos claramente perante caso em que a prova indireta se mostra assente em dados conhecidos que, com toda a segurança e para além da dúvida razoável permitem ao Tribunal alcançar a certeza necessária quanto à verificação dos factos – designadamente no que se reporta ao propósito que animou os arguidos e à colaboração que mutuamente se prestaram.
Já as explicações oferecidas pelos arguidos DD e GG estão muito longe de constituir prova que imponha decisão diversa da que foi seguida pelo Tribunal a quo.
No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstrata, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
Não está aqui em causa a questão do estalão (standard) da prova em processo penal, o mesmo é dizer, o limiar mínimo de certeza quanto ao facto probando para que este deva ser dado como provado − e, assim, tomado por verdadeiro − pelo tribunal de julgamento. É pacífico que esse estalão corresponde a uma convicção para além de toda a dúvida razoável, sendo por isso incompatível com a afirmação de meros indícios ou com a subsistência de qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões válidas. Assim é, por imposição do princípio da presunção de inocência, senão também como decorrência do princípio da culpa – nullum crimen sine culpa –, enquanto fundamento axiológico e limite absoluto da punição criminal (cf. Acórdão TC nº 521/201838).
Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10.01.201839, “a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto, estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável. De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido – cfr. acórdão do STJ de 2/5/1996, CJ/STJ, tomo II/96, pp. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspetivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.”
Sublinhamos, a este respeito, que a seleção da perspetiva probatória que favorece o acusado só se impõe quando, esgotadas todas as operações de análise e confronto de toda a prova produzida perante o julgador, apreciada conjugadamente entre si e em conformidade com as máximas de experiência, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas, subsista mais do que uma possibilidade de igual verosimilhança e razoabilidade.
Ora, tal não é, manifestamente, o caso dos autos no que se refere às circunstâncias que motivaram a deslocação dos arguidos DD e GG a Lisboa (para se encontrarem com AA), para as quais as hipóteses probatórias alternativas à que foi considerada demonstrada na decisão recorrida são verdadeiramente inverosímeis.
Seria ocioso transcrever novamente a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, que detalhou de forma proficiente a sua análise dos diversos contributos probatórios, mas, ouvida a prova gravada e examinados os documentos constantes dos autos, não vemos como censurar o resultado a que chegou o coletivo de Juízes que procedeu ao julgamento em 1ª instância, ao convencer-se, para além da dúvida razoável, de que os arguidos DD e GG projetavam transportar por via terrestre os 15 kg de cocaína trazidos do ... por AA, de modo a que esta pudesse ser vendida, nomeadamente, em ....
Não se esconde, como não o escondeu o Tribunal a quo, que houve recurso a prova indireta – como não poderia deixar de ser, já que os arguidos DD e GG não confessaram os factos – no entanto, as inferências produzidas são as únicas que podem considerar-se consentâneas com os factos objetivos apurados de forma direta e com as regras de experiência comum e o normal acontecer das coisas.
O Tribunal a quo não se limitou a dizer que as versões dos arguidos, quanto a estas concretas questões, não são credíveis (e não são), mas ainda expôs em que medida as regras de experiência o compeliram a considerar demonstrados os factos (com apoio nos elementos circunstanciais mencionados na fundamentação acima transcrita). E, no essencial, não se vê que o tenha feito em termos que devam merecer censura por parte deste Tribunal ad quem, à luz do que já acima se deixou dito quanto aos parâmetros que devem reger a livre apreciação da prova.
Uma nota ainda, para abordar a «questão da cadeira de rodas».
Argumentam os recorrentes que a viatura que alugaram não permitiria o transporte da cadeira de rodas que trazia a cocaína. E é verdade. Só que, os arguidos não precisavam de transportar a cadeira de rodas. O arguido AA não precisava dela; mesmo magoado, poderia locomover-se com o auxílio da muleta que trouxe consigo. E a finalidade da cadeira de rodas – ocultar 15 kg de cocaína – estava cumprida. Bastava-lhes retirar a droga do interior do estofo da cadeira e abandoná-la em qualquer sítio.
A versão alternativa oferecida pelos recorrentes não representa, por isso, prova que imponha decisão diversa.
É verdade que, quer a intenção, quer a motivação, como conclusões de direito que são, não podem fazer-se derivar, imediatamente, da prova, mas deduzir-se dela, na medida em que sejam mera consequência ou prolongamento da mesma. Trata-se de factos, que não deixam de o ser, mas que assumem uma particular especificidade, na medida em que constituem realidades do foro psíquico, logo internos do sujeito. Tais factos não se comprovam em si próprios, mas mediante ilações, retiradas face aos atos e às circunstâncias concretas do seu cometimento40.
No caso, como cremos ter deixado claro, a atuação empreendida pelos arguidos não deixa margem para dúvidas quanto ao propósito que os animou.
Lida a decisão (e a respetiva fundamentação), é de considerar que, de acordo com as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica do homem médio, é razoável o entendimento do Tribunal a quo quanto à valoração da prova e à fixação da matéria de facto.
As inferências acolhidas na decisão recorrida quanto à referida matéria são as únicas que podem considerar-se consentâneas com os factos objetivos apurados de forma direta e com as regras de experiência comum e o normal acontecer das coisas.
As provas existem para a decisão tomada e não se vislumbra qualquer violação de normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica). O Tribunal a quo apreciou criticamente todas as provas produzidas conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respetiva fundamentação de facto.
Os recorrentes não concordam. Porém, a fundamentação da convicção do Tribunal, em conjugação com a matéria de facto fixada, não revela que seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras da experiência comum – e as provas indicadas pelos recorrentes não são, claramente, bastantes para impor uma decisão diversa daquela que foi a do Tribunal recorrido.
Praticamente toda a atividade probatória nos coloca perante a necessidade de recorrer a elementos de prova adjuvantes e de lançar mão a normas de experiência - mesmo nos casos de confissão integral, de depoimento testemunhal ou de registo fotográfico, videográfico, sonoro ou digital de um determinado ato praticado por “um agente em ação” (para utilizar a expressão do Prof. Cavaleiro de Ferreira), mostra-se sempre necessário desenvolver um raciocínio lógico (fundado em qualquer outro elemento probatório ou em regras da experiência comum) que permita determinar a verosimilhança dessa atuação.
Do que se afirma decorre a quase forçosa circunstancialidade de cada elemento probatório que, não obstante, apreciado no conjunto e em correlação com os outros meios de prova, nos permitirá alcançar a dimensão daquilo que efetivamente ocorreu, com recurso ao raciocínio lógico e à formulação de ilações, decorrentes das regras de experiência comum.
Como sintetiza Sérgio Poças: “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”.41
A apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, estanques, opacos e incomunicáveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, e em conclusão: a conjugação de todos os elementos probatórios recolhidos e devidamente explicitados na decisão do Tribunal a quo permite inferências sólidas o bastante, no sentido da matéria dada como provada relativamente à colaboração dos arguidos no transporte internacional de estupefacientes, não se vislumbrando qualquer contra-argumento suficientemente seguro que justifique e, menos ainda, imponha, solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido, cumprindo, mais uma vez, salientar que a crítica à convicção a que este chegou, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência comum, não pode ter sucesso, se se alicerçar apenas na diferente convicção dos recorrentes sobre a prova produzida (como é o caso).
Podemos, pois, concluir, que o Tribunal a quo, imbuído da imediação, explicitou as razões da sua convicção, de forma lógica e global, com o mínimo de consciência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, com consistência bastante para passar além da dúvida razoável.
Acresce que, para além da dúvida razoável, tal juízo há de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Nestes termos, a matéria de facto manter-se-á nos termos fixados pela 1ª instância.
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iv.4. do perdimento dos objetos e quantias apreendidos
Insurge-se o recorrente DD contra o facto de terem sido declarados perdidos para o Estado os telemóveis e quantias monetárias apreendidos aos arguidos, na medida em que, segundo afirma, “não foi produzida qualquer prova de que o dinheiro apreendido ao recorrente ou os telemóveis tivessem qualquer relação com qualquer atividade ilícita”.
Mais sustenta inexistir qualquer relação causal entre o montante que lhe foi apreendido e a prática do crime – pelo que jamais poderia o mesmo ser declarado perdido para o Estado.
Vejamos.
Dispõe o artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, que “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”.
E nos termos do artigo 36º do mesmo diploma legal, “1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.
Estas disposições assumem-se como especiais face aos artigos 109º e 110º do Código Penal, sendo as aplicáveis em detrimento do regime geral, uma vez que está em causa a prática de crimes de tráfico de estupefacientes.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.11.201742, “A diferença maior entre este regime especial e o regime geral, é que enquanto neste regime se estipula que são declaradas perdidas a favor do Estado as recompensas dadas e prometidas aos agentes de um facto ilícito típico, bem como as vantagens obtidas através de um facto ilícito típico, no regime especial exige-se a prática pelo agente de “uma infração prevista no presente diploma” . Tal significa que enquanto no regime geral de perda de vantagens a culpa deixou de ser um pressuposto, podendo ser decretada a perda mesmo relativamente a factos ilícitos típicos praticados por inimputáveis, no regime respeitante aos crimes previstos na Lei n.º 15/93, de 23 de janeiro, só poderá decretar-se essa perda quando estejam preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo, incluindo o facto culposo.
Os requisitos para a perda de vantagens a favor do Estado são, pois, mais amplos no regime geral, que no regime especial previsto na chamada lei da droga.”
Sendo a apreensão um meio de obtenção de prova do facto, mas também uma medida cautelar visando salvaguardar o perdimento das vantagens do crime, e vindo a provar-se existir uma direta ligação da quantia apreendida aos crimes praticados, bem andou o Tribunal a quo em declarar perdida a favor do Estado a quantia apreendida ao arguido DD, de € 1.200,00, por referência ao regime geral do artigo 110º, nº 1, do Código Penal, e ao artigo 36º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro).
Punir os crimes, mas tolerar a manutenção das vantagens obtidas no património dos agentes dos crimes, não decretando a sua perda a favor do Estado, configura uma resposta incongruente e incompreensível para a comunidade.
A remoção dos meios económicos subjacentes à prática dos crimes de tráfico, através da perda das respetivas vantagens, é o meio verdadeiramente eficaz de combater a atividade ilícita que visou o lucro.
No caso, está dado como provado que as quantias monetárias apreendidas aos arguidos se destinavam a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos, tendo em vista o transporte internacional de estupefacientes, e os telemóveis apreendidos destinavam-se aos contactos entre os arguidos e com terceiros, a quem a droga seria entregue.
Assim, não só tais bens e quantias estão diretamente relacionados com a prática do crime de tráfico de estupefacientes, como permitir que os mesmos sejam restituídos aos arguidos equivaleria a atribuir-lhes uma vantagem patrimonial em resultado desse mesmo crime.
A demonstração de que o crime não compensa exige que se mantenha a decisão de perdimento de tais objetos e quantias a favor do Estado.
Releva-se, ainda, que a interpretação normativa aludida no recurso (conclusão XLIX), não foi seguida na decisão recorrida, nem é perfilhada por este Tribunal ad quem, estando, no caso, demonstrada a ligação entre a prática do crime e as referidas vantagens, bem como a específica utilização dos telemóveis na execução do plano criminoso, pelo que não há que apreciar a questão de constitucionalidade nos termos em que foi convocada pelo recorrente.
Improcede, por isso, o recurso, também nesta parte.
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iv.5. Da escolha e determinação da medida das penas
Finalmente, os recorrentes DD e GG insurgem-se quanto à medida das penas em que foram condenados, considerando-as excessivas e desproporcionadas e reclamando, por isso, a respetiva redução em medida que permita a suspensão da respetiva execução.
Vejamos.
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para finalmente escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida, tendo em vista as penas de substituição que a lei prevê.
Estabelece o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O nº 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375º, nº1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer43.
No caso dos autos, e a propósito da determinação concreta das penas a impor aos arguidos, expendeu o Tribunal a quo:
“No caso em apreço, verificam-se elevadas as necessidades de prevenção geral, na sua vertente negativa, dada a perigosidade de condutas semelhantes, em atenção à gravidade das consequências que se podem produzir na saúde de quem acede a substâncias estupefacientes.
Com efeito, como se referiu no Acórdão do STJ proferido no proc. nº 217/09.2JELSB.S1, de 10-02-2010 (disponível em www.dgsi.pt): “A intervenção dos «correios» na logística e nos circuitos de distribuição de estupefacientes suscita problemas específicos, tanto na apreciação, dimensão e projecções de ilicitude, como nas consequentes exigências de prevenção geral. Numa certa perspectiva, a actividade dos «correios» pode ser considerada como relativamente marginal, pela natureza fragmentária que revela e pela comum dissociação dos agentes em relação ao domínio das actividades organizadas de tráfico; constituem, por regra, prestadores avulsos de serviços, sem integração nas organizações, sem intervenção no domínio dos circuitos e sem partilha dos proventos do tráfico organizado. Mas, do plano das organizações, a utilização de “correios” permite a dispersão dos riscos de apreensão de grandes quantidades unitárias e o benefício logístico da desconcentração do transporte pela utilização de rotas variadas, potenciando os modos de transporte do produto. Há, pois, por este lado das coisas, uma ponderação no plano da ilicitude e da prevenção geral que não pode ser desconsiderada. Deste modo, em conjugação destes factores de apreciação e decisão, as imposições de prevenção geral assumem relevância decisiva, consideradas tanto a contribuição da actividade de transporte através de «correios» para a projecção espacial e difusão do produto, como a necessidade de reafirmar, através da sanção a validade dos valores essenciais afectados (. . .)”.
Quanto às necessidades de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir, as mesmas afiguram-se elevadas, desde logo atendendo à personalidade irresponsável que os arguidos apresentam, face à ausência de interiorização do significado da ilicitude da conduta em apreço. Na verdade, é patente que os arguidos, conhecedores das consequências devastadoras que a introdução de substâncias estupefacientes acarreta na sociedade, agiram motivados pela obtenção de lucro fácil, indiferentes aos riscos da sua actividade criminosa.
Importa considerar, ainda, que a culpa dos arguidos se apresenta elevada, posto que actuaram com dolo directo e, por conseguinte, intenso.
A culpa dos arguidos, que é limite inultrapassável das penas que lhes caberão, configura-se elevada.
Por isso, deve o ordenamento jurídico, através da presente condenação, dissuadi-los de levar a cabo as suas propensões criminosas.
Quanto à determinação da medida concreta das penas, o Tribunal atende:
- Ao grau da ilicitude dos factos, o qual assumiu dimensão necessariamente elevada, atento o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e o perigo inerente à proliferação de substâncias estupefacientes;
- Ao dolo com que os arguidos actuaram, na modalidade de dolo directo, porquanto agiram de acordo com o conhecimento da ilicitude que possuíam;
- À elevada quantidade do produto estupefaciente que detinham, bem como à sua qualidade (cocaína), reconhecidamente qualificada como “droga dura”, propiciadora de nefastas consequências na saúde de quem a consome;
- A ausência de interiorização e auto-crítica da gravidade do ilícito, por parte dos arguidos DD e GG, demonstrada pela rejeição da sua participação nos factos, alegando falsamente motivo distinto para a sua viagem a Portugal;
- A confissão dos factos efectuada em audiência de julgamento pelo arguido AA, e ao consequente contributo que conferiu à descoberta da verdade material, bem como ao sentimento de auto-censura que, por via da confissão, exibiu em audiência;
- Aos contextos sociais, familiares e económicos em que os arguidos se encontravam inseridos, à data da prática dos factos; e
- Ao facto de não apresentarem antecedentes criminais.
E. ponderadas todas estas considerações, julga-se adequada a condenação dos arguidos nas seguintes penas:
- Quanto ao arguido AA, 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- Quanto ao arguido DD. 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão; e
- Quanto ao arguido GG, 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.”
Mostram-se inteiramente acertadas as considerações tecidas pelo Tribunal a quo, não merecendo qualquer censura.
De resto, os recorrentes não apontaram, nas conclusões dos respetivos recursos, qualquer circunstância que não tivesse sido tida em conta pelo Tribunal recorrido, ou, sequer, que tivesse sido mal avaliada, limitando-se a pugnar pela redução das penas, com o argumento de que as mesmas se mostram excessivas face aos factos apurados e às possibilidades de ressocialização dos condenados.
Neste contexto, afiguram-se de subscrever as conclusões alcançadas pelo coletivo de juízes, entendendo-se que a ponderação final de síntese (balanceamento dos vários factores agravantes e atenuantes em presença), foi adequada à execução do crime e à personalidade dos arguidos em apreço.
Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.202144, no que se reporta à decisão sobre a pena, mormente a sua medida, importa lembrar “que os recursos não são re-julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando deteta incorreções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.”
Por outro lado, como se considerou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.202245, “Estamos perante um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados (a saúde pública e o bem-estar dos cidadãos), sendo que o sentimento jurídico expressado pela comunidade apela ao combate do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por causar danos à saúde mental e física dos consumidores, por degradar a dignidade humana destes, por destruir a vivência socialmente útil dos dependentes, por muitas das vezes destruir as respectivas famílias bem como o seu património, e por fomentar fortemente a criminalidade que lhe está associada (furto, roubo, receptação, burla), e também por fomentar uma economia paralela que escapa ao sistema normativo, através do “branqueamento” das vantagens ilicitamente obtidas.
O direito penal interno qualifica o tráfico de estupefacientes como criminalidade altamente organizada, ao mesmo nível do terrorismo, do tráfico de pessoas, do tráfico de armas, da associação criminosa, do branqueamento de capitais e da corrupção.
A protecção dos bens jurídicos e a e a reintegração do agente na sociedade são os fins visados pelas penas (art.º 40º, nº 1, do Cod. Penal) que, servindo finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, têm por escopo, com a prevenção geral positiva ou de integração assegurar a tutela dos bens jurídicos, o que vale por dizer restabelecer a confiança dos cidadãos na validade da norma jurídica, e a paz jurídica afectada com a prática do crime, e com a prevenção especial ressocializar o agente, isto é, prepará-lo para no futuro não cometer outros crimes.”
Como dá nota Vaz Pato, “a respeito da pena aplicável a este crime, a jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico de estupefacientes, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição severa.”46.
O crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com uma pena de prisão de 4 a 12 anos, é uma forma de criminalidade altamente organizada, segundo a definição constante do artigo 1º, alínea m) do Código de Processo Penal.
As exigências de prevenção geral quanto a este tipo de criminalidade são, tal como se assinalou, muito fortes, em face da enorme proliferação de crimes de natureza idêntica e da danosidade extrema associada à sua prática, considerando que as drogas são altamente tóxicas e o seu consumo, para além da destruição física e mental do organismo humano, potencia a prática de condutas delituosas e o aumento da delinquência ligada à obtenção de bens e/ou valores que permitam a aquisição de tais substâncias, além de disfuncionalidades várias nas dinâmicas familiares das pessoas dependentes deste tipo de substâncias com elevadíssimos custos pessoais e sociais.
«O tráfico de estupefacientes é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos e que mais repulsa causa quando praticado como meio de obtenção de proveitos à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com fortes reflexos na coesão familiar e da comunidade em geral.
«As elevadas penas previstas para o crime de tráfico de estupefacientes, próximas das aplicáveis ao crime de homicídio, evidenciam a intensa ressonância ética daquele tipo penal inscrita na consciência da comunidade»47.
No caso, em face do modo de execução típica e de consumação do crime, os arguidos DD e GG, a par do arguido AA, aceitaram fazer parte da cadeia de transmissão do tráfico internacional de estupefacientes, sendo a sua atividade equivalente, para este efeito, à de um «correio de droga», como são, em geral conhecidos e designados os indivíduos contratados para fazerem o transporte intercontinental de estupefacientes por via aérea.
Pese embora esta modalidade de ação típica não potencie, em regra, a disseminação de grandes quantidades de droga, essa limitação resulta compensada com a rápida e eficaz introdução destes produtos, nos mercados de consumo e acaba por representar uma forma muito importante de intermediação entre a produção, a venda a retalho e o consumo, nos países de destino e cada vez mais frequentemente usada pelas organizações criminosas que controlam o fabrico e distribuição de estupefacientes, em complemento da via marítima, que viabiliza o transporte de quantidades maiores.
«Os “correios de droga” são uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, não merecendo um tratamento penal de favor. De facto, torna-se mais difícil a sua detenção e apreensão, não se deixando contra motivar pelas consequências perniciosas do seu ato, demonstrando arrojo, audácia e dolo intenso, insensibilidade e ganância, porquanto, a troco de uma compensação, se dispõem a fazer o transporte da droga até ao local da sua entrega, apesar de saberem da ilegalidade desse transporte»48.
A efetiva execução da pena de prisão, num caso, como o dos autos, de tráfico internacional, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias. Na verdade, e não obstante o conhecimento da profunda anomia em termos sociais e económicos que está em causa nestes casos específicos de tráfico de estupefacientes, esta atividade constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse suspensa na sua execução.
Tais considerações não resultam postas em causa pelo facto de os arguidos não contarem antecedentes criminais – o que não deixa de ser o que se espera de qualquer cidadão – sendo certo que nenhum dos dois assumiu a prática dos factos (ao contrário do arguido AA, que contribuiu relevantemente para o apuramento dos factos), não tendo demonstrado qualquer reconhecimento da censurabilidade das suas condutas, e menos ainda arrependimento.
Assim, na apreciação da justificação das penas impostas aos arguidos, não podemos perder de vista a objetiva gravidade dos factos praticados e aquela que tem sido a jurisprudência sustentada de forma consistente pelo nosso mais alto Tribunal, no sentido de que o crime de tráfico de estupefacientes reclama reação enérgica e robusta, atenta a sua potencialidade de erosão do tecido social e a incompreensão da comunidade perante uma eventual complacência dos Tribunais com o fenómeno criminal em causa.
Face ao que fica dito, tem de concluir-se não assistir razão a qualquer dos recorrentes quando invocam a desproporcionalidade e desnecessidade das penas.
Observa-se, a propósito, que as penas fixadas pelo Tribunal a quo ficam, todas elas, aquém do ponto médio da moldura penal aplicável, refletindo, adequadamente, a objetiva ilicitude dos factos apurados, considerados dentro do universo de condutas subsumíveis ao tipo legal aqui em causa. Todavia, a fixação das penas abaixo do limiar definido na decisão recorrida – sublinhando-se que todas elas se mostram próximas do limite inferior da moldura legal – não só não traduz de forma eficaz a censura que deve merecer o comportamento dos arguidos, como também não se mostra adequada a garantir à comunidade a validade das normas violadas. As penas aplicadas contêm-se dentro dos limites da culpa revelada por cada um dos arguidos no cometimento dos factos, não se justificando, pois, qualquer correção da operação de determinação da medida das penas por parte deste Tribunal de recurso.
Assim, atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o caso reclama, bem como o grau de ilicitude e da culpa dos arguidos, não nos merecem qualquer censura as penas encontradas.
Também neste aspeto, devem naufragar as pretensões recursórias.
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V. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos DD e GG, mantendo os despachos e acórdão recorridos nos seus precisos termos.
Condenar cada um dos arguidos em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cf. artigo 513º do Código de Processo Penal).
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Comunique-se, de imediato, com cópia, à 1ª Instância.
D.N.
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Lisboa, 08 de abril de 2025
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Sandra Oliveira Pinto
Manuel Advínculo Sequeira
Ana Cristina Cardoso
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1. Cf. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 9ª ed., 2020, págs. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007, no processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art.º 412.º, n.º 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»
2. Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, págs.1062-1063.
3. No processo nº 417/09.5YRPRT.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt.
4. Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 659.
5. Expressamente consagrado, ainda, no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
6. Comentário…, cit., pág. 662.
7. De 18.05.1989, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, acessível em www.tribunalconstitucional.pt
8. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, págs. 310-311.
9. Comentário…, cit., pág. 313.
10. Comentário…, cit., (IV), pág. 758.
11. De 15.07.2003, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
12. No dia 23.10.2024, cerca de 30 minutos; no dia 06.11.2024, cerca de 1 hora; no dia 13.11.2024, cerca de 50 minutos; e no dia 20.11.2024, cerca de 40 minutos – como se pode ver das respetivas atas.
13. Cf. refas Citius 441292333, 441292343, 41545891 e 41545914.
14. Como anota Tiago Caiado Milheiro (Comentário…, cit., IV, pág. 186), “Este artigo é bem claro ao atribuir competência singular ao juiz presidente. Não significa que não possa deliberar o coletivo sobre a matéria a que se atém o artigo. Ou que o juiz presidente não ouça previamente os juízes adjuntos. Mas, o que a norma permite, é que as decisões em relação à disciplina e direção dos trabalhos possam ser tomadas através de decisão singular. Naturalmente subjacente a esta opção estão motivos de celeridade, agilização e eficiência processual. Propósito que é patente na dispensa de especiais formalidades vertido no nº 2. E que serve melhor a continuidade e, também, contraditório e oralidade, ao potenciar uma audiência mais fluida.”
15. Tiago Caiado Milheiro, Ob. cit., pág. 187.
16. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.01.1995, no processo nº 047341, relatado pelo Conselheiro Sousa Guedes, sumariado em www.dgsi.pt.
17. “1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
18. No processo nº 10/18.1GBFTR.E1, Relator: Desembargador João Amaro, acessível em www.dgsi.pt
19. No processo nº 108/13.2P6PRT.G1.S1, Relator: Conselheiro Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt
20. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 3ª ed., Almedina, 2021, pág. 46.
21. Comentário…, cit., págs.54-55.
22. Cuja investigação está legalmente deferida à Polícia Judiciária – cf. artigo 57º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.
23. Como escreve Paulo Dá Mesquita (Comentário…, cit. (I), pág. 593), “A destrinça entre os atos dos OPC praticados por iniciativa própria e os atos realizados por encargo de autoridade judiciária constitui pauta metodológica nuclear para compreensão da competência dos OPC no processo penal. No plano epistemológico-jurídico, os instrumentos conformadores da atividade dos OPC não têm como fonte exclusiva a lei, podendo compreender um espaço de atuação por encargo em que as respetivas balizas são estabelecidas por instrumento infralegal, um despacho de autoridade judiciária designado no CPP, no caso de ser emitido pelo MP, como delegação da competência (art. 270.º). A diferença estrutural entre os atos por iniciativa própria e os atos por encargo reside na legitimação ope legis dos primeiros fundada no perigo na demora, sendo os atos por iniciativa própria dos OPC conformados pelos princípios da necessidade e urgência da intervenção policial e vinculados ao dever de transmissão à autoridade judiciária.”
24. Paulo Dá Mesquita, Comentário…, cit., (I), pág. 594.
25. Vd., depoimento do arguido, na sessão de 23.10.2024, entre os minutos 00:02:17 e 00:02:33.
26. Como se vê do que declarou aos minutos 00:00:11, 00:16:10, 00:32:59 do seu depoimento.
27. Código de Processo Penal Comentado, 3ª ed. revista, Almedina, 2021, pág. 1291.
28. Leal-Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª edição, 2000, Rei dos Livros, pág. 740.
29. Pereira Madeira, Ob. cit., pág. 1294.
30. No processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, relatado pelo, então, Desembargador Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
31. Note-se que, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01 de abril de 2008 (no processo nº 360/08-01, Relator: Desembargador Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt): “Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente.
As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida.”
32. Sobre estas questões, cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2007 (no processo nº 07P21, Relator: Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (no processo 07P1498, Relator: Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (no processo nº 08P1312, Relator: Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (no processo nº 07P1016, Relator: Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (no processo nº 08P3269, Relator: Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
33. A saber:
“1. Em data não apurada, anterior a 19.12.2023, os arguidos e terceiros, cujas identidades se desconhecem, congeminaram um plano que se traduzia na introdução de cocaína em Portugal, por via aérea, no seu subsequente transporte para ..., por via terrestre e na sua entrega a terceiros, a troco de quantias monetárias;

3. Os arguidos DD e GG tinham amissão de recolher o produto estupefaciente em Lisboa e proceder ao seu transporte para ... por via terrestre;
4. Na prossecução daquele plano, os arguidos DD e GG viajaram juntos de ... para Lisboa no voo ...;
5. Aqueles arguidos desembarcaram no Aeroporto de Lisboa no dia ........2023, cerca das 10h45m;
6. Depois, os arguidos DD e GG deslocaram-se à ... no Aeroporto de Lisboa, onde alugaram um veículo automóvel, no qual transportariam a cocaína para ...;

8. Depois, o arguido DD deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, ficando a esperar pelo arguido AA;
9. O arguido GG, por sua vez, permaneceu junto à viatura alugada, esperando instruções do arguido DD;

14. Pelas 14h50m, o arguido DD estava na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa, com o fito de recolher o arguido AA;
15. Depois de ter avistado o arguido AA sentado na cadeira de rodas, na zona da rampa das chegadas, o arguido DD realizou uma chamada telefónica;

18. O arguido DD aproximou-se do arguido AA e começou a gesticular na sua direcção, dizendo-lhe "venga, venga!"

21. O arguido GG foi interceptado por elementos da PJ junto à ..., no aeroporto;

25. As aludidas quantias monetárias destinavam-se a custear as despesas inerentes às viagens dos arguidos acima descritas;
26. Os telemóveis destinavam-se aos contactos dos arguidos entre si e com as pessoas a quem a cocaína seria entregue, em …;

30. Os arguidos não têm quaisquer familiares, amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocaram para praticar a factualidade acima descrita;
31. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente arquitectado, com o propósito concretizado de receber e carregar consigo o supracitado produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade conheciam, do ... para Portugal, com o fito de o entregar a terceiros, a troco de quantias monetárias.
32. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;”
34. Sobre a formação racional da convicção judicial, tradução de José Mouraz Lopes e revisão de Carlos Lopéz Keller, in Revista Julgar, Nº 13, Jan-Abril 2011, págs. 155 e ss..
35. Assim, já em Carrara: «Por regra chama-se prova tudo o que sirva para atribuirmos certeza acerca da verdade de uma proposição» (in Programa, cit. vol. II, p. 381). Refere muito bem Taruffo: «no processo o “facto” é na realidade o que se disse acerca de um facto»), La prueba, cit. p. 114).
36. Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205.
37. Que se traduz no apuramento dos factos efetivamente acontecidos, salvaguardadas as garantias de defesa constitucional e legalmente previstas.
38. De 17.10.2018, no processo nº 321/2018 – 3ª secção, Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
39. No processo nº 63/07.8TELSB-3, Relator: Desembargador Nuno Coelho, acessível em www.dgsi.pt.
40. Cf. Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Volume I, 1992, págs. 297 e 298.
41. Cf. Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38.
42. No processo nº 326/16.1JACBR.C1, Relator: Desembargador Orlando Gonçalves, em www.dgsi.pt.
43. Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e segs..
44. No processo nº 10/18.1PELRA.S1, Relatora: Conselheira Ana Barata Brito, acessível em www.dgsi.pt.
45. No processo nº 5/21.8PJOER.S1, Relatora: Conselheira Adelaide Magalhães Sequeira, também acessível em www.dgsi.pt.
46. In Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque/José Branco, Vol. 2, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 494.
47. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2021, no processo nº 616/20.9JAFUN.S1, Relator: Conselheiro Orlando Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.
48. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.2020, no processo nº 475/19.4JELSB.S1, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, acessível em www.dgsi.pt.