AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
PRESSUPOSTOS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - A remuneração adicional do agente de execução, nos termos do art, 50º da Portaria n.º 282/2013 de 29/08, constitui uma recompensa pela atividade por este desenvolvida, apenas sendo devida quando se verifique nexo de causalidade entre essa atividade e a obtenção para o processo executivo de valores recuperados ou garantidos.
II - Circunscrevendo-se a intervenção da Agente de Execução à efetivação da citação do Executado, que consubstancia a realização de um normal acto previsto na regular tramitação do processo executivo, e resultando apurado que o acordo do pagamento da quantia exequenda em prestações celebrado entre a Exequente e o Executado deveu-se às negociações entre tais partes, sem mediação ou directa intervenção daquela, não pode concluir-se que a atividade da Agente de Execução se revestiu, in casu, de relevância – atual ou potencial – para o êxito da ação executiva por parte da Exequente.
III - Por isso mesmo, não tem direito à remuneração adicional que reclama.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., Lda instaurou[1] execução ordinária para pagamento de quantia certa contra EMP02..., SAD, para cobrança de créditos, no montante global de € 1.575.285,05.

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Por despacho de 11/04/2024, foi liminarmente admitida a execução, tendo sido determinada a citação da executada para, no prazo de 20 dias, pagar ou deduzir oposição por embargos (Ref.ª ...38).
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Mediante requerimento apresentado a 7/05/2024 (ref.ª ...75), exequente e executada acordaram o pagamento da quantia exequenda em prestações, a primeira, no valor de € 50.000,00, com vencimento no dia seguinte, 08/05/2024, e as restantes 6 (seis) no valor de € 245.057,01 cada uma, com vencimentos mensais e sucessivos, no dia 30 de cada mês, com início no mês de maio e termo no mês de outubro.
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Nessa sequência a Sr.ª agente de execução apresentou a nota discriminativa de despesas e honorários, tendo liquidado a seu favor, a título de “remuneração adicional”, o valor de € 63.990,60 de honorários, acrescido de IVA.
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A executada reclamou da nota discriminativa de despesas e honorários da Sr.ª Agente de Execução, alegando, em síntese, não haver qualquer nexo causal entre a recuperação da quantia exequenda e a atividade desenvolvida pelo AE, pelo que não tem a Agente de Execução nomeada no processo direito a qualquer remuneração adicional.
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Respondeu a Sr.ª agente de execução, pugnando pela manutenção da remuneração adicional, alegando, em suma, que foi eficaz e tramitou o processo de uma forma célere, só tendo o acordo de pagamento em causa nos autos sido celebrado, atenta a citação efetuada pela AE.
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Por despacho de 26/10/2024, foi decidido deferir a reclamação apresentada pelo executado à nota de honorários e despesas, determinando que a Sr.ª Agente de execução proceda “à correção da mesma, excluindo o valor reclamado a título de remuneração adicional” (ref.ª ...81).
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Inconformada com essa decisão, a Sr.ª agente de execução dela interpôs recurso (ref.ª ...14) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu que “é a actividade desenvolvida e o contributo efetivo do AE para o resultado da execução que determina o pagamento de uma remuneração adicional que não ode por isso também deixar de ser adequada, proporcional e razoável.”
2. E, considerando “não ter resultado dos autos que foi a atividade desenvolvida pela Sr. agente de execução que determinou a realização do pagamento / celebração do acordo de pagamento por parte do executado”, decidiu não reconhecer à RECORRENTE o direito à remuneração adicional, cuja exclusão da sua nota determinou.
3. Da factualidade assente nos autos, acima especificada, resulta que a Exequente teve de interpor a presente execução para obter a cobrança coerciva do seu crédito sobre a Executada, sem o que não teria celebrado o acordo de pagamento da quantia exequenda e nada, portanto, teria recebido da Executada até à data.
4. Foi só na sequência da citação, levada a cabo pela RECORRENTE, que a Exequente logrou celebrar com a Executada o acordo de pagamento do crédito exequendo em 7 (sete) prestações, a primeira, no valor de € 50.000,00, com vencimento em 08/05/2024, e as restantes 6 (seis) no valor de e 245.057,01 cada uma, com vencimentos mensais e sucessivos, a primeira no dia 30 de maio de 2024, e a última no dia 30 de Outubro de 2024.
5. A não intermediação do Agente de Execução na obtenção de tal acordo como razão para afastar a remuneração adicional sobre o valor garantido/recuperado, é uma colocação errada do problema que não encontra acolhimento na Portaria n.º 282/2013, de 29/08;
6. Nos termos conjugados do art.º 162.º do ESAE, e do art.º 719.º, n.º 1, do CPC, a actuação do Agente de Execução, enquanto auxiliar da justiça, consiste basicamente na prática de actos e diligências processuais nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais.
7. Não integra a sua esfera de competências negociar ou intermediar com as partes processuais o pagamento ou planos de pagamento da quantia exequenda, até pelo dever de equidistância e imparcialidade que lhe impõe o n.º 3 do art.º 162.º do ESAE.
8. A prática forense na execução para pagamento de quantia certa mostra que são sempre os mandatários forenses das partes processuais que negoceiam, intermedeiam e concluem entre os seus representados os acordos de pagamento das quantias exequendas, muito mais quando estas são de valores avultados.
9. Carece, por isso, de fundamento legal fazer depender a remuneração adicional, no caso, pelo valor garantido por via de um acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações, da intervenção ou intermediação do Agente e Execução na elaboração e conclusão desse acordo.
10. Nos termos dos s n.ºs 1 e 2, do art.º 173.º do ESAE, o Agente de Execução está obrigado remunerar-se dos seus serviços de acordo com as regras e tarifas fixadas na Portaria n.º 282/2013, de 29/08.
11. O a alínea a), do n.º 5, do art.º 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/09, estipula uma remuneração adicional devida ao Agente de Execução no termo do processo executivo para pagamento de quantia certa, que varia em função, entre outros factores, do valor recuperado ou garantido, definindo o n.º 6, por Valor garantido», entre outos, o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global;
12. A remuneração adicional é devida ao Agente de Execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas.
13. Por intermediação do Agente de Execução entendem-se todos os actos, em maior ou menor número, que o mesmo haja praticado na execução e na sequência dos quais tenha sido realizada a quantia exequenda.
14. É extremamente difícil e seria especialmente redutor estabelecer ou determinar quando é que a recuperação da quantia teve lugar “na sequência de diligências promovidas”, sendo certo que “na sequência” não é o mesmo que “em consequência” ou “em resultado” e pode ser compatível “com a participação”, “após a intervenção”.
15. Nos termos do art.º 50.º da Portaria, desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, apenas estando a mesma excluída nos casos em que a citação antecede a realização as penhoras e o executado efectua o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12, do art.º 50.º).
16. O critério da constituição do direito à remuneração adicional é, assim, a obtenção de sucesso nas diligências executivas, sucesso que ocorre sempre que na sequência dessas  diligências, realizadas pelo agente de execução, se conseguir, entre outros, que seja firmado um acordo de pagamento, sendo certo que neste último caso o sucesso depende (da medida) do cumprimento do acordo (n.º 8).
17. Exigir-se a demonstração de um nexo causal entre a actividade do agente de execução e a forma de extinção da execução para se reconhecer o direito à remuneração adicional variável, seria introduzir uma incerteza e insegurança na determinação da remuneração do agente de execução que seguramente o legislador procurou evitar com a criação de uma tabela de remuneração.
18. Também não se pode avaliar a intervenção do Agente de Execução pelo número, tipo ou natureza de diligências ou actos processuais que realizou na execução, importando, isso sim, apurar se a resolução da execução, inclusive, através de um acordo de prestacional que culminou com o pagamento integral da quantia exequenda, foi uma sequência de um qualquer acto processual que aquele haja praticado, seja a mera citação, a penhora ou a venda de bens penhorados.
19. Para poder exercer a sua actividade, Agente de Execução está sujeito a fortíssimos condicionalismos que exigem dele enorme esforço financeiro com investimentos numa estrutura que o seu estatuto impõe, nos termos do Regulamento n.º 27/2017, da OSAE, publicado no DR., 2.ª Série, N.º 6, de 09/01/2017.
20. Por isso, não se pode olhar de forma tão estreita para a remuneração adicional devida ao Agente de Execução, relacionando-a apenas com a quantidade e a natureza dos actos processuais tramitados, designadamente os de penhora, na promoção de cada execução, sob pena de não se garantir um mínimo de dignidade ao exercício da sua função, como auxiliar da justiça que é, e uma remuneração minimamente aliciante para manter em pleno a sua actividade, designadamente cobrindo os custos do seu exercício pleno e com total autonomia e independência.
21. O acordo de pagamento celebrado entre a Exequente e o Executado e que culminou com o pagamento efectivo da quantia exequenda de € 1.575.285,05, em apenas 6 (seis) meses, foi uma sequência directa da citação da Executada promovida pela RECORRENTE, sendo certo que antes da citação a Exequente não havia conseguido receber o seu crédito, cuja mora já se arrastava já desde Agosto de 2019.
22. A quantia exequenda não foi paga até ao termo do prazo de 20 dias (07/05/024) subsequente à citação da Executada, mas já bem depois de esgotado esse prazo, com a primeira prestação a ser paga no dia 08/05/2024 e as restantes até 30/10/2024.
23. Resulta diretamente da lei — que o entendimento sufragado na decisão recorrida distorce completamente — que as percentagens de cálculo da remuneração adicional fixadas no anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, também não se reportam aos actos, tipos de actos ou números de actos processuais praticados pelo Agente de Execução, mas antes e tão só se referem ao valor do crédito recuperado ou garantido
24. É um critério objectivo, justo e equilibrado, permitindo, além do mais, que as partes processuais, antes de instaurada a execução, possam saber com segurança e extremo rigor os custos em que poderão incorrer com uma qualquer execução para pagamento de quantia certa.
25. Por conseguinte, a questão da proporcionalidade da remuneração adicional não pode nem deve ser aferida em função do número e da natureza dos actos e diligências processuais praticados pelo Agente de Execução, mas apenas e tão só e função do valor da quantia exequenda e do valor realizado, que é o único critério definido por lei para esse efeito.
26. Finalmente, a Tabela do Anexo VIII da citada Portaria, prevê as percentagens de 10% até 160 UC e de 4% acima de 160 UC, para calcular a remuneração adicional sobre o valor recuperado ou garantido até à penhora, ou seja, antes mesmo de qualquer penhora.
27. Com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o art.º 173.º do ESAE, e o art.º 50.º, n.ºs 5, al. b), n.º 6, alínea b), n.º 8, n.º 9.º e n.º 12, todos do art.º 50.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, ara além de contender também com os art.ºs 162.º do ESAE e art.º 719.º do CPC.
28. Deve, por isso, ser revogada e substituída por outra decisão que reconheça e conceda a remuneração adicional devida à RECORRENTE e por esta reclamada.

NESTES TERMOS, assim decidindo, farão Vossas Excelências inteira JUSTIÇA !».
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Contra-alegou o executado, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (ref.ª ...64).
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O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida em separado (ref.ª ...19).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso              

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, no presente recurso estão em causa as seguintes questões:

a) Questão prévia: (in)admissibilidade do recurso (por extemporaneidade);
b) Se a Sr.ª agente de execução tem o direito de receber remuneração adicional quando a execução se extinguiu logo após a citação em virtude da celebração por exequente e executado de acordo de pagamento em prestações.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto
As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos:
1. A presente execução foi intentada em 20/03/2024.
2. A exequente nomeou no requerimento executivo a recorrente como Agente de Execução, o que esta aceitou.
3. A Agente de Execução, em 14/04/2024, expediu, via postal, a competente citação prévia da Executada para os termos da execução;
4. A citação foi recepcionada pela Executada em 17/04/2024, conforme consta do aviso de recepção junto aos autos.
5. Em 07/05/2024, Exequente e Executado apresentaram nos autos acordo de pagamento em prestações e requereram a extinção da presente execução.
6. A forma de pagamento da dívida exequenda foi acordada entre as partes, de modo voluntário e sem a intermediação da Agente de Execução.
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V. Fundamentação de direito.

1. Questão prévia: (in)admissibilidade do recurso (por extemporaneidade).

O executado arguiu, nas contra-alegações, a intempestividade do recurso.
Para tanto refere que não se inserindo a decisão recorrida (que pôs termo ao incidente de reclamação da nota de despesas e honorários da Agente e Execução, equivalente à conta de custas do processo) em nenhum dos incidentes de instância que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, nos art. 296º a 361º do CPC, o respectivo recurso não se enquadra na previsão do art. 644º, n.º 1, al. a), mas sim no n.º 2, al. i) desse artigo, sendo, por isso, o respectivo prazo de interposição de 15 dias, nos termos do art. 638º, n.º 1 do CPC.
Logo, tendo a Agente de Execução, recorrente, sido notificada da decisão recorrida em 28/10/2024, é manifesto que a apresentação do recurso, a 06-12-2024, foi feita para além do referido prazo de 15 dias, pelo que o recurso interposto é extemporâneo.
Cumprido o contraditório, a recorrente pugnou pela tempestividade do recurso.

Vejamos.
No âmbito da ação executiva, sob a epígrafe “Disposições reguladoras dos recursos”, estabelece o art. 852.º do CPC.
Aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes”. 

E o art. 853.º do mesmo diploma legal, epigrafado “Apelação”, prescreve:
1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
 2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
 a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;
(…)
3 - (…)
4 - (…)”. 

Segundo o art. 644º do CPC:
«1 - Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
(…)
2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:
 (…)
i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.
(…)”.
Nos termos do n.º 1 do art. 638º do CPC, “o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º”.
Segundo os citados normativos, em relação aos recursos de decisões da 1ª instância no processo declarativo, o regime vigente é o seguinte[2]:
a) O prazo geral é de 30 dias, sendo aplicável aos recursos de decisões que ponham termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente e dos despachos saneadores que, sem porem termo ao processo, decidam do mérito da causa ou absolvam da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
b) O prazo geral é de 15 dias nos recursos intercalares previstos no n.º 2 do art. 644º;
c) É também de 15 dias nos recursos de apelação interpostos no âmbito de processos urgentes.
Relativamente ao processo executivo, os n.ºs 2 e 3 do art. 853º do CPC delimitam quais os despachos do procedimento executivo “strito sensu” que admitem apelação, sendo que não cabe apelação de despacho que não se possa subsumir a estes números[3].
O prazo para a interposição de recursos varia consoante a natureza da decisão, em confronto com o que se dispõe no art. 638º, n.º 1, do CPC.
Assim, continuando a valer a regra geral que aponta para o prazo de 30 dias, o prazo reduzido de 15 dias limitar-se-á aos casos expressamente previstos, isto é, aos recursos de apelação que sejam interpostos de decisões proferidas no âmbito do processo de execução ou dos respetivos procedimentos ou incidentes declarativos que se enquadrem no preceituado no n.º 2 do art. 644º do CPC[4]. O mesmo é dizer que a tempestividade recursal é sinónimo de interposição em 30 dias, conforme o art. 638º, n.º 1, 1ª parte; mas reduzindo-se a 15 dias nas situações a que se refere o art. 638º, n.º 1, 2ª parte[5].
Seguindo o ensinamento de Abrantes Geraldes[6], o conceito de “incidente processado autonomamente” previsto na parte final da al. a), do n.º 1, do art. 644.º do CPC, não se circunscreve “apenas aos incidentes processados por apenso”, como são os casos dos arts. 296.º a 361.º do CPC, posto que “tem potencialidades para abarcar outros incidentes tramitados no âmbito da própria acção, desde que sejam dotados de autonomia, (…), implicando trâmites específicos que não se confundem com os da acção em que estão integrados”.
No caso releva o estatuído no art. 46º (“Reclamação da nota de honorários e despesas”) da Portaria n.º 282/2013, de 20/08, segundo o qual “qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”.
Ora, à semelhança do propugnado pela recorrente, também nós entendemos que por força do citado normativo o incidente de reclamação deduzido «pela Recorrida/Executada à nota discriminativa de honorários e despesas da Agente de Execução/Recorrente, a que a decisão recorrida pôs termo, pelo objecto autónomo e pela tramitação própria que dispõe relativamente ao processado na acção executiva e ao próprio objecto desta, configura um incidente processado autonomamente, nos termos e para os efeitos do disposto na parte final da al. a), do n.º 1, do art.º 644.º do CPC».
Neste sentido, veja-se a decisão singular de 18/12/2018, do Tribunal da Relação do Porto (relator Jorge M. Seabra), proferida no Proc. n.º 130/16.7T8PRT-D.P1, nos termos da qual “(…) o próprio legislador previu e inseriu no âmbito da acção executiva um incidente autónomo [que tem por objecto questão diversa da que constitui o objecto da acção executiva] e próprio [sujeito a formalismo específico que não se confunde com a acção onde se insere] para a apreciação judicial da questão atinente aos valores que são devidos ao agente de execução, a título de despesas e honorários, apreciação essa que depende, (…), de reclamação dos interessados para o juiz de execução, no prazo de 10 dias, a contar da notificação levada a cabo pelo agente de execução e de que o juiz conhecerá por meio de despacho a proferir no prazo de 5 dias (artigo 723.º, n.º 1, al. d), do CPC), pronunciando-se sobre a conformidade da nota de despesas e honorários com os critérios previstos na Portaria n.º 282/2013.”
Daqui resulta que a decisão recorrida que é objecto de impugnação nesta apelação não se integra na previsão normativa do art. 644.º, n.º 2, al. i), do CPC, mas sim na hipótese do art. 644.º, n.º 1, al. a), parte final, do mesmo Código, pois que no recurso está posta em causa a decisão que pôs termo ao incidente de reclamação à nota de honorários apresentada pela Agente de Execução/Recorrente, na sequência da reclamação da Recorrida/Executada a essa mesma nota.
Como tal, o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias consignado na 1.ª parte do n.º 1, do art. 638.º, do CPC, e não no prazo de 15 dias.
O apelante foi notificado do despacho de que recorreu no dia 28.10.2024, pelo que, nos termos e para efeitos do disposto no art. 248.º, n.º 1, in fine, do CPC, se considera notificado a 31.10.2023.
Iniciando-se o prazo para interpor recurso a 01.11.2024, o mesmo findou a 30.11.2024.
Contudo, este último dia coincidiu com um sábado, dia em que os tribunais estão encerrados, pelo que, nos termos do disposto no art. 138º, n.º 2, do CPC, o termo do prazo foi transferido para o primeiro dia útil seguinte, no caso o dia 2.12.2024.
Apresentado o recurso a 05.12.2024 – terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo – e comprovando a recorrente o pagamento da multa a que alude o art. 139º, n.º 5, do CPC, forçoso será concluir pela sua tempestividade.
 Termos em que improcede esta questão prévia.
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2. Da remuneração adicional devida (ou não) à Sr.ª Agente de Execução.
Segundo o disposto no art. 719º (“Repartição de competências”) do CPC, “[c]abe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
Com a reforma da acção executiva, a prática dos actos executivos, “bem como, em geral, a realização das várias diligências do processo de execução, quando a lei não determine diversamente, passaram a caber ao agente de execução”, deslocando-se, assim, “para um profissional liberal o desempenho dum conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal, sem prejuízo da possibilidade de reclamação para o juiz dos atos ou omissões por ele praticados […] art. 723-1-c). Tal como o buissier francês, o agente de execução é um misto de profissional liberal e de funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo. A sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo, implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos atos praticados pela secretaria”[7].

Relativamente ao pagamento de quantias devidas ao agente de execução, prescreve o art. 721º do CPC que:
“1 - Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º.
2 - A execução não prossegue se o exequente não efetuar o pagamento ao agente de execução de quantias que sejam devidas a título de honorários e despesas.
3 - A instância extingue-se logo que decorrido o prazo de 30 dias após a notificação do exequente para pagamento das quantias em dívida, sem que este o tenha efetuado, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 849.º.
4 - O agente de execução informa o exequente e o executado sobre as operações contabilísticas por si realizadas com a finalidade de assegurar o cumprimento do disposto no n.º 1, devendo tal informação encontrar-se espelhada na conta-corrente relativa ao processo.
5 - A nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução da qual não se tenha reclamado, acompanhada da sua notificação pelo agente de execução ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento, constitui título executivo”.
Por sua vez, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14/09, estatui no n.º 1 do art. 162º, relativamente à definição e exercício da actividade de agente de execução, que o “agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios”.
No que concerne às tarifas devidas pelo seu desempenho, os n.ºs. 1 e 2 do art. 173º do mesmo Estatuto prescrevem que o “agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por Portaria” do Governo, as quais «podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de actividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a actuação do agente de execução».
A remuneração do agente de execução encontra-se actualmente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto.
Prescreve o n.º 1 do art. 43º, acerca de honorários e reembolso de despesas, que o “agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria”.
Prevendo sobre o pagamento dos honorários e reembolso das despesas, estabelece o art. 45º que:
“1 - Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.
2 - O autor ou exequente que, por sua iniciativa, requeira ao agente de execução a prática de atos não compreendidos na remuneração fixa prevista na tabela do anexo VII da presente portaria é exclusivamente responsável pelo pagamento dos honorários e despesas incorridas com a prática dos mesmos, não podendo reclamar o seu pagamento ao executado exceto quando os atos praticados atinjam efetivamente o seu fim.
3 - No caso previsto na parte final do número anterior, o executado apenas é responsável pelo pagamento dos atos que efetivamente atingiram o seu fim.
4 - O agente de execução que, por sua iniciativa, pratique atos desnecessários, inúteis ou dilatórios, é responsável pelos mesmos, não podendo reclamar a qualquer das partes o pagamento de honorários ou despesas incorridas em virtude da sua prática”.
E o art. 46º (“Reclamação da nota de honorários e despesas”) estabelece que “qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”.

Prevendo especificamente acerca dos honorários do agente de execução, o art. 50.º dessa Portaria, na parte que agora releva, dispõe:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a) Do valor recuperado ou garantido;
b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
7 – (…)
8 – (…)
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
13 - Havendo lugar à sustação da execução nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos.
14 – (…)
15 – (…)
16 – (…)».

A remuneração fixa consta da Tabela do anexo VII da mesma Portaria, figurando no anexo VIII a remuneração adicional. Nesta deixou-se consignado que o “valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar”.
Na exposição de motivos do diploma justificam-se assim as soluções adoptadas em relação à remuneração do agente de execução:
No que respeita à remuneração do agente de execução pelo exercício das suas funções (…) [p]retende-se que o regime seja tão simples e claro quanto possível. Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, fatores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas.
(…)
Nos termos deste novo regime, deixam de existir montantes máximos até aos quais o agente de execução pode acordar livremente com as partes os valores a cobrar. Passam, ao invés, a existir tarifas fixas quer para efeitos de adiantamento de honorários e despesas, quer para honorários devidos pela tramitação dos processos, quer ainda pela prática de atos concretos que lhes caiba praticar.
(…)
Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução”.
Como resulta desta exposição de motivos bem como do próprio texto da Portaria n.º 282/2013, o sistema actual de remuneração do agente de execução combina uma remuneração fixa, por acto ou lote de actos praticados, com uma remuneração variável, só devida a final e cujo cálculo está ligado ao valor recuperado ou garantido, ou seja, ao atingimento dos fins da execução, seja por meio da obtenção de valores para pagamento da quantia exequenda ou pela obtenção de meios de garantia que possibilitem a sua realização.
Na verdade, o citado art. 50.º da Portaria n.º 282/2013 distingue entre remuneração fixa (n.ºs 1-4) e remuneração variável (n.ºs 5-16), estabelecendo para elas regras diferentes: enquanto o valor da primeira se determina mediante o recurso ao Anexo VII, o da segunda define-se com base no Anexo VIII.
Como se explicitou no Ac. da RP de 2/06/2016 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt., o dito sistema de remuneração tem em vista dois objectivos fundamentais: por um lado, assegurar uma remuneração mínima que constitua em qualquer dos casos incentivo suficiente à realização dos actos e diligências por parte do agente de execução no processo executivo (remuneração fixa) e, por outro, proporcionar uma remuneração adicional que estimule a eficiência e celeridade na realização desses actos e diligências (remuneração adicional), sendo por isso tão mais reduzida quanto mais demorado for o processo e tardios os seus efeitos ou o seu resultado.
E, ainda, como se refere no mesmo Acórdão, não se vislumbra que tal sistema misto de remuneração seja merecedor de crítica, “pois que se o valor da remuneração fixa não for especialmente aliciante, a remuneração variável pode constituir de facto um forte incentivo à celeridade e eficácia da intervenção do agente de execução, sendo certo que enquanto profissional obrigado a respeitar fortes condicionantes no exercício da sua actividade lhe deve ser proporcionada justa e adequada remuneração”. Aliás, independentemente da crítica que se possa dirigir a tal sistema de remuneração, certo é que dúvidas não existem que foi esse o modelo legislativo consagrado e, logicamente, cabe ao julgador aplicá-lo, em conformidade com os princípios que emanam do preceituado nos artigos 8º, n.º 2, e 9º, n.º 3, do Cód. Civil[8].
Dito isto, a questão que nesta matéria se tem colocado – e que constitui o objeto principal da presente apelação – é a de saber se esta remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação ou a garantia da quantia exequenda (total ou parcial) tenha tido lugar na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não é devida quando a dívida seja satisfeita ou garantida de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.
A questão em apreço não tem sido objeto de uma resposta unanime por parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Nesta matéria são fundamentalmente duas as posições que se têm vindo a formar na jurisprudência.
i) - numa delas, entende-se que “a remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução”, salvo se o pagamento ocorrer nos termos do n.º 12 do art. 50.º da citada Portaria, situação em que não há lugar ao pagamento de remuneração adicional[9]. O agente de execução tem direito à remuneração adicional ainda que a extinção da execução resulte de ato individual do devedor (pagamento voluntário), de ato conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou, até, de ato do próprio credor (desistência da execução). Para fundamentar esta posição invocam-se os elementos teleológico (retirado da exposição de motivos da Portaria n.º 282/2013) e gramatical da interpretação da lei, assim como a natureza mista da remuneração do agente de execução[10].
ii) - Outra posição – que atualmente é dominante –, considera, tal como a decisão recorrida, que a atribuição da remuneração adicional ao agente de execução depende da verificação de um nexo causal entre a sua actividade e a obtenção, para o processo executivo, de valores recuperados ou garantidos ao exequente[11]. Deve, pois, aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua “eficiência e eficácia”.
iii) - Importa ainda dar nota de uma (terceira) posição, como que intermédia ou mitigada, segundo a qual, desde que hajam sido efetuadas no processo executivo diligências concretas dirigidas à cobrança coerciva do crédito exequendo, o resultado obtido, ainda que por acordo das partes, deve presumidamente ser considerado como ocorrendo na sequência da atividade desenvolvida pelo agente de execução[12].
Sufragando a posição que tem vindo a ser reconhecido pela maioria da nossa jurisprudência, entendemos que o pagamento da remuneração adicional está dependente da existência do nexo de causalidade entre a atividade concretamente desempenhada pelo agente de execução e a recuperação de valores.
Causalidade que inequivocamente a lei pretendeu estabelecer na exegese do preâmbulo da Portaria n.º 282/20913, no seu art. 50.º e no consignado no Anexo VIII respetivo.

Como se explicitou no Ac. do STJ de 18/01/2022 (relatora Maria João Vaz Tomé):
- “A previsão da atribuição da referida remuneração na sequência das diligências empreendidas pelo agente de execução permite concluir que essa retribuição pressupõe o desenvolvimento de uma atividade deste profissional funcionalmente orientada ao sucesso da execução”[13].
- “A descoberta desta "racionalidade" inspiradora do legislador na fixação do regime jurídico da remuneração adicional do agente de execução permite definir o alcance da norma do art. 50.º, n.º 12, da Portaria n.º 282/2013, como abrangendo também a falta de contribuição causal do agente de execução para o êxito do pleito como causa de exclusão dessa remuneração”.
- O “legislador estabelece regras de cálculo da retribuição adicional que não abstraem da concreta intervenção do agente de execução para o sucesso da lide executiva”.
- “A ponderação dos diversos cânones hermenêuticos [art. 173.º, n.º 2, do EOSAE, art. 50.º, n.ºs. 5, 9 e 10 da Portaria n.º 282/2013 e anexo VIII da referida Portaria] permite afirmar a exigência da verificação como que de um nexo causal entre a atividade do agente de execução e a realização (ainda que voluntária) do crédito exequendo enquanto requisito da remuneração adicional. O an e o quantum desta remuneração estão dependentes da atividade desenvolvida pelo agente de execução com vista à obtenção da quantia exequenda, surgindo o resultado dessa atividade como conditio sine qua non da mesma retribuição. Assim, o resultado obtido pelo exequente de modo alheio à atividade empreendida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo da sua parte, direto ou indireto, para a obtenção da quantia exequenda, não permite atribuir-lhe o direito à remuneração adicional”.
- “Conforme resulta dos diversos cânones hermenêuticos, não se afigura apropriado atribuir ao agente de execução o direito à remuneração adicional nos casos em que a sua atividade não assume relevância – atual ou potencial – para o sucesso da lide executiva”.
- “Não pode igualmente descurar-se que “os pagamentos devidos ao AE representam um custo do processo executivo, tal como prevê expressamente o art.º 541.º do CPC, sendo que a obrigação da parte em suportar os custos do processo tem de ser razoável, proporcionada e adequada, o que também por esta via somos levados a concluir que a contribuição efetiva do AE com a sua atividade para o resultado do processo tem de estar associada à remuneração adicional por ele reclamada”[14].
- Em “ordem à atribuição da remuneração adicional, a apreciação da relevância – atual ou potencial - da intervenção do agente de execução para a satisfação do crédito exequendo não pode deixar de ser casuística”.
Aderindo, como se disse, à segunda posição evidenciada, também se nos afigura decorrer do quadro legal enunciado, e sua interpretação, que para existir lugar à remuneração adicional deve o valor recuperado ou garantido no processo executivo derivar da actividade ou das diligências promovidas pelo agente de execução.
Donde, e tal como se decidiu no Ac. da RL de 26/09/2019 (relator Arlindo Crua), in www.dgsi.pt., “seria logicamente um desvirtuar das finalidades ínsitas a tal acréscimo de remuneração, reconhecer a sua existência e exigibilidade quando o resultado obtido não emerge ou decorre daquela actividade ou diligências, por às mesmas ser alheio, por as mesmas terem-se desenvolvido independentemente da sua vontade ou contributo, por não ter tido qualquer intervenção ou participação naquela recuperação ou garantia do crédito.
Deste modo, constitui-se o direito a tal acréscimo remuneratório quando, existindo, por um lado, sucesso nas diligências executivas (recuperação ou entrega de dinheiro ao credor exequente; liquidação dos bens; adjudicação ou consignação de rendimentos; ou, pelo menos, concreta penhora de bens; o estabelecimento de um acordo de pagamento), este decorra ou provenha em consequência, decorrência ou como fruto da actividade ou diligências realizadas pelo agente de execução.
O que implica, necessariamente, não dever inferir-se ou concluir-se no sentido de que um qualquer mecanismo de resolução extrajudicial, obtido entre o exequente e o executado (com eventual participação de terceiros), tenha por fonte ou causa a actuação ou as diligências praticadas pelo agente de execução. O que surge com maior acuidade, nomeadamente, quando estas se limitam à realização dos actos ou diligências normais ou previstos na regular tramitação do processo executivo, englobados na remuneração fixa prevista no Anexo VII da citada Portaria.
Ademais, não se olvide (…) que a remuneração do agente de execução deve ser proporcional e adequada, eivada de um juízo de razoabilidade e de adequação à sua actividade concretamente desenvolvida, empenho revelado, diligência evidenciada e real contributo para o resultado obtido no respectivo processo executivo”.
Ora, por referência ao caso concreto, resulta da factualidade apurada que a Sr.ª Agente de Execução limitou a sua intervenção à realização de um normal acto previsto na regular tramitação do processo executivo, qual seja, a citação da Executada.
Na verdade, resulta dos autos que no âmbito da presente execução, que corre na forma ordinária, a Sr. Agente de Execução, após despacho liminar, efetuou a citação do executado em 17/04/2014.
No que concerne aos concretos actos conducentes à recuperação do valor exequendo, ou, pelo menos, garantia deste, nem sequer se verificou a efectivação da penhora de bens, porquanto no último dia do prazo para pagamento da quantia exequenda ou dedução de oposição à execução as partes fizeram chegar aos autos um acordo de pagamento em prestações.
Efectivamente, para além da efectivação da citação, não consta dos autos de execução a prática de quaisquer outros actos tradutores de recuperação ou garantia da quantia exequenda, nomeadamente a prática de quaisquer penhoras.
Por outro lado, o acordo de pagamento em prestações celebrado entre a Exequente e o Executado deveu-se às negociações entre tais partes, sem mediação ou directa intervenção da Sr.ª Agente de Execução.
Donde, não pode concluir-se que o apontado mecanismo de resolução, obtido entre a Exequente e o Executado tenha tido por fonte ou causa a actuação ou as diligências praticadas pela Sr.ª agente de execução, ou seja, que o mecanismo que permitiu à exequente a recuperação da quantia dada à execução decorra ou provenha como fruto ou consequência da actividade ou diligências concretamente realizadas pela Sr.ª Agente de Execução. Sendo certo que, para tal, não basta a mera prática, por esta, dos normais actos de tramitação do processo executivo, já englobados no âmbito da remuneração fixa.
Em suma, a atividade da Sr.ª Agente de Execução não se revestiu, in casu, de relevância – atual ou potencial – para o êxito da ação executiva por parte da Exequente. Por isso mesmo, não tem direito à remuneração adicional que reclama.
Pelo que, necessariamente se tem de concluir pela inexistência de qualquer valor a título de remuneração adicional que deva ser arbitrado a favor da Sr.ª Agente de Execução.
Portanto, é nosso entendimento que o Tribunal recorrido decidiu bem, de sorte que a decisão recorrida deve ser mantida.
Improcede, pois, a apelação.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 2 de abril de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Raquel Baptista Tavares (1ª adjunta)
Alexandra Rolim Mendes (2º adjunto)



[1] Tribunal de origem: Juízo de Execução de Guimarães – Juiz ... – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
[2] Seguiremos de perto o esquema proposto por António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 - 4ª ed., Almedina, p. 131.
[3] Cfr. Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 974.
[4] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 511.
[5] Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 971.
[6] Cfr. Recursos (…), p. 193.
[7] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª Ed., Gestlegal, 2017, pp. 35/38.
[8] Cfr. Ac. da RP de 6/05/2019 (relator Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
[9] Cfr., nesse sentido, Acs. da RP de 02/06/2016 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) e de 11/01/2018 (relator Paulo Dias da Silva); Acs. da RL de 09/02/2017 (relator Ezagüy Martins) e de 7/11/2019 (relatora Anabela Calafate), in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. da RP de 11/01/2018 (relator Paulo Dias da Silva), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr., nesse sentido, Ac. do STJ de 18/01/2022 (relatora Maria João Vaz Tomé); Acs. da RP de 10/01/2017 (relatora Maria Cecília Agante), de 6/05/2019 (relator Jorge Seabra) e de 05/11/2024 (relatora Anabela Dias da Silva); Acs. da RC de 03/11/2015 (relatora: Maria Domingas Simões), de 11/04/2019 (relator Manuel Capelo) e de 23/04/2024 (relator Paulo Correia); Acs. da RL de 26/09/2019 (relator Arlindo Crua), de 4/02/2020 (relator Diogo Ravara), de 6/02/2020 (relatora Inês Moura), de 25/02/2021 (relator Carlos Castelo Branco) e de 25/05/2023 (relatora Cristina Lourenço); Ac. da RE de 10/10/2019 (relatora Florbela Moreira Lança); Acs. da RG de 24/09/2020 (relatora Rosália Cunha) e de 15/02/2024 (relatora Rosália Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. da RE de 23/04/2020 (relatora Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Ac. da RP de 10/01/2017 (relatora Maria Cecília Agante), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. da RL de 6/02/2020 (relatora Inês Moura), in www.dgsi.pt.