1 - Os elementos constitutivos da exceção prevista na parte final da alínea a) do artigo 1382.º do Código Civil impedem o efeito jurídico pretendido pelos autores, a saber, o reconhecimento do direito de preferência que invocam.
2 – Donde, é sobre a ré compradora que recai o ónus de alegação e prova quer da intenção de dar ao prédio rústico adquirido um diferente destino da cultura, quer da possibilidade legal de concretização desse destino , nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
3 – Quer essa intenção de afetação quer a possibilidade legal de concretização do destino pretendido têm de existir no momento da aquisição formal.
4 – A prova daquela “intenção”, ou seja, a de dar ao prédio um destino diverso daquele que ele tinha à data da aquisição, não se pode bastar com a prova de uma declaração dessa intenção. Isto é, tal declaração, por si só, se desacompanhada da prova de outras intervenções no mundo exterior reveladoras daquela intenção, não é suficiente para impedir o direito de preferência. Embora esteja provado que a primeira ré submeteu à Câmara Municipal de Monchique um pedido de informação prévia (PIP) que teve por objeto o prédio rústico (…), do qual consta que a ré pretende nele edificar uma moradia unifamiliar com a área de 235 m2 e que a Câmara Municipal emitiu parecer favorável à pretensão da 1ª Ré «nos precisos termos em que havia sido apresentada pela 1ª Ré» (sic) (e, ainda, que a 1ª Ré apresentou junto dos Serviços de Finanças de Monchique um requerimento com um pedido de averbamento no prédio (…) de uma parcela urbana com a área de 2500 m2 (facto provado nº 38), para efeitos da previsão do artigo 1381.º, alínea a), do Código Civil, tais factos não relevam porquanto todos aqueles atos são posteriores à data da aquisição formal do prédio. E são-no, inclusive, posteriores à data da citação da 1ª Ré para a presente ação de preferência, pelo que nem sequer podem ser utilizados como elementos auxiliadores de determinação da intenção da compradora (1ª Ré) no momento da aquisição.
(Sumário da Relatora)
B- A escritura constitui um documento autêntico, nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, que faz prova plena, nomeadamente, das declarações ali insertas.
C - A 1ª Ré dedica-se à compra, venda e revenda de bens imobiliários, atividade que declarou pretender praticar também relativamente ao Prédio (…) quando declarou em sede de escritura pública que pretendia revender o terreno.
D- A 1ª Ré não se dedica à aquisição de imóveis para habitação do seu gerente nem juntou prova de tal ação ter sido aprovada em Assembleia Geral da Sociedade.
E - Não resultou provado que a 1ª Ré pretendia construir no Prédio (…), mas apenas que “a Primeira Ré declarou pretender construir ali uma moradia unifamiliar destinada a habitação permanente do seu legal representante”.
F - Não se compreende, assim, a seguinte passagem da sentença recorrida – “Ora, relativamente ao prédio (…), a ré provou que pretende dar esse destino diferente da cultura e que tal é permitido por lei. É o que basta para o pedido dos autores improceder nesta parte” – aliás, única e sem qualquer tipo de justificação.
G - Resulta claro da conjugação dos factos referidos que a sociedade adquiriu o Prédio (…) com vista à revenda do mesmo, sendo manifestamente insuficiente uma declaração do seu representante legal, claro interessado no resultado final dos autos, em como a sociedade pretendia construir moradia para sua habitação.
H - Avalia incorretamente, na nossa opinião, o Tribunal a quo, a declaração do representante legal da 1ª Ré, face à prova plena resultante da escritura de ter beneficiado conscientemente da isenção de IMT junto da Autoridade Tributária.
I - Mostrou-se claro o objetivo da 1ª Ré, de revenda, até à propositura da ação.
J - O destino que a 1ª Ré verdadeiramente pretende dar ao prédio (…), de revenda, não é um destino materialmente relevante para efeitos de direito de preferência, mas apenas para efeitos fiscais e de atividade económica da empresa.
K - É manifestamente relevante notar que 1ª Ré apenas mostrou intenção de urbanizar o Prédio (…) após ser citada nos presentes autos.
L- Não existe um único documento junto pela 1ª Ré que demonstre esta alegada intenção de construir no terreno antes da citação, que ocorreu em 17/06/2022, mas, pasme-se, em 22/06/2022, 1ª Ré apresentou pedido de informação prévia para construção de moradia unifamiliar (que nem um projeto de arquitectura inclui).
M - Nos termos do disposto no artigo 564.º, a) e b), do Código de Processo Civil: “Além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação produz os seguintes efeitos: (…) Faz cessar a boa-fé do possuidor” e “(…) Torna estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º”.
N - O possuidor dos terrenos, a 1ª Ré, incorreu em má-fé e em claro abuso de direito ao proceder às alterações a que terá procedido no imóvel (pedido de informação prévia, pedido de transformação do prédio em misto), já depois da citação, quando as poderia ter feito (ou pelo menos iniciado), se tivesse sido essa a sua vontade, durante quase 12 meses.
O - Um dos elementos essenciais da causa é a descrição do prédio (…), que os Autores pretendem apenas para exploração florestal dos sobreiros ali contidos e outras árvores de fruto.
P - Nunca os Autores proporiam a presente ação se tivessem conhecimento de que o prédio (…) tinha qualquer tipo de projeto de construção pendente que o transformasse em prédio misto.
Q - Toda a factualidade vertida na parte C) da Contestação baseia-se em alegados factos ocorridos após a citação, em manifesta má-fé e em claro abuso de direito, tendo os Autores demonstrado a falsidade de tais alegações.
R - Foi feita, na nossa melhor opinião, uma avaliação errada pelo Tribunal a quo dos factos provados e da natureza da prova produzida.
S - O Tribunal a quo falha ao não retirar do facto de que todo o procedimento com vista à urbanização do terreno foi feito após a citação a devida conclusão, que é a atuação de má-fé da 1ª Ré e o abuso de direito em que incorre ao alterar as características do imóvel após a citação, de forma ostensiva (PIP, relatório de avaliação, procedimento administrativo junto da AT).
T - Este abuso de direito resultou, também, na alteração dos elementos essenciais da causa, nos termos conjugados dos artigos 564.º, b) e 260.º do CPC.
U - A causa de pedir baseou-se, nomeadamente, no facto de o Prédio (…) estar classificado como rústico e apto a cultura, e no facto de a 1ª Ré ter declarado pretender revendê-lo.
V - Tivesse a 1ª Ré iniciado diligências para a urbanização daquele terreno, nunca os Apelantes teriam incluído este terreno na ação proposta.
W - É também a esta conclusão que o Tribunal a quo erradamente não chegou.
X - Entendemos que o Tribunal a quo baseou a sentença recorrida nas premissas certas, mas delas retirou as conclusões erradas.
Y - Nem relevam as alegações de que os terrenos eram agricultados pelos anteriores proprietários.
Z - O artigo 1381.º do CC exclui o direito de preferência nos casos de ser dado fim diferente da cultura ou se for parte componente de prédio urbano, o que não era à data da propositura da ação.
AA - O terreno apenas foi transformado em prédio misto após a citação e consta a parte urbana como provisória no registo predial, face ao registo da presente ação.
BB - Por tudo o exposto, e com o devido respeito, errou o Tribunal a quo ao considerar verdadeira a declaração do representante legal da 1ª Ré relativamente ao destino a dar ao Prédio (…), ao falhar no enquadramento destes factos com a atividade social da 1ª Ré.
CC - E ao ignorar ostensivamente o abuso de direito em incorreu esta Ré pelo facto de ter praticado, em exclusivo, atos com vista à urbanização do terreno após a citação, em violação dos artigos 564.º e 260.º do CPC.
Conclui-se que a 1ª Ré nunca teve intenção de destinar o Prédio (…) a nada mais do que a revenda para lucro, facto objetivo suportado por prova plena, que devia ter sido reconhecido na sentença recorrida, que viola assim o artigo 1380.º do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada na parte em que absolveu os Réus do direito de preferência sobre a aquisição de 24 de agosto de 2021, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º … (Prédio …), como é de inteira JUSTIÇA!».
I.3.
A recorrida apresentou resposta às alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
«1 - O thema decidendum central do presente litigio consistia em aferir da existência do direito de preferência dos Autores relativamente ao prédio rústico, sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…) e ao prédio sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (…), ao tempo apenas inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), e ulteriormente na matriz urbana sob o artigo (…), nos termos invocados na petição inicial.
2 - O douto Tribunal discorreu sobre a natureza e afectação dos prédios transacionados entre os Réus para concluir que, in casu, tal direito não assistia aos Autores quanto ao prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), da secção (…).
3 - No prédio em causa existe uma parcela urbanizável correspondente a cerca de 30% da área total, nos termos dos artigos 27.º, n.º 1, alínea c) e 31º do PDM de Monchique, publicado no Diário da República n.º 215, 2ª série, de 05 de novembro de 2008.
4 - Em 22.06.2022, a ora Apelada submeteu na Câmara Municipal de Monchique um Pedido de Informação Prévia relativamente ao prédio referido em 1, com vista a nele edificar uma moradia unifamiliar com a área de 235 m2, o qual mereceu parecer favorável daquela Edilidade.
5 - Em consequência, em 08.08.2022 apresentou junto do Serviço de Finanças de Monchique a declaração de Modelo 1 de IMI para criação de um artigo urbano, correspondente à parcela com viabilidade construtiva, e ulteriormente procedeu ao averbamento de alteração à descrição na respectiva Conservatória do Registo Predial.
6 - A circunstância de vir a ser reconhecida uma parcela urbana naquele prédio determina um aumento do valor comercial do mesmo que pode atingir os € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).
7 - O prédio, apesar de ter árvores, não se encontrava a ser explorado do ponto de vista agrícola nem sequer cuidado.
8 - Comprovado ficou, pois, nos autos que a ora Apelada destina o prédio adquirido a um fim que não é o da cultura, pelo que falece a pretensão dos Apelantes relativamente ao reconhecimento do direito de preferência ao prédio identificado em 1.
9 - A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra.
Face a todo o exposto deve improceder a Apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada Justiça!»
I.4.
O recurso interposto pelos autores foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
II.2.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Questão prévia: modificação oficiosa da decisão de facto.
2 - Avaliar se se verifica a exceção impeditiva do direito de preferência constante da parte final do artigo 1381.º, alínea a), do Código Civil.
II.3.
FACTOS
II.3.1.
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:
1. No dia 09.06.2021, a Ré (…), Lda. (doravante 1ª Ré) comprou, por € 5.000,00, à Ré (…), que vendeu, autorizada pelo Réu marido … (doravante conjuntamente 2ºs Réus), o prédio rústico, sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 137,77 (doravante Prédio …) – fls. 12 (artigos 1º e 2º da petição inicial).
2. À data, o Autor (…) era (desde 29.09.2010), e ainda é, por via de partilha de herança, proprietário de prédio rústico confinante com o Prédio (…), nomeadamente o prédio rústico, sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 82,20 (doravante Prédio …) – fls. 13 verso a 15 (artigo 3º da petição inicial).
3. Os Autores são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos desde 16.06.1990 – fls. 15 verso (artigo 4º da petição inicial).
4. Da descrição do prédio (…) consta que o mesmo confronta de Nascente com (…) – fls. 13 verso (artigo 5º da petição inicial).
5. O Prédio descrito na mesma Conservatória sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) foi vendido em 24/08/2021, pelo preço de € 10.000,00 à 1ª Ré pelos Réus … e … (doravante 3ºs Réus) – fls. 17 (artigo 12º da petição inicial).
6. O Prédio (…) confina com o Prédio … (encontrando-se a norte deste), propriedade do Autor – cfr. a confrontação a sul com o pai do autor – fls. 19 e 15 verso (artigo 13º da petição inicial).
7. Os Autores diligenciaram por pesquisar pelos demais prédios confinantes com recurso ao NIPC da 1ª Ré, tendo então, e só então, apurado que a 1ª Ré era também proprietária do Prédio (…), após consulta às bases de dados das cadernetas prediais disponíveis no portal da Autoridade Tributária (artigos 14º e 15º da petição inicial).
8. Após conversa com o vizinho (…), que disse que os terrenos tinham sido vendidos, sem conhecerem o teor do negócio, os Autores diligenciaram, através do seu mandatário, pela obtenção da documentação relativa ao mesmo, nomeadamente escritura, registo predial e caderneta predial, que lograram obter: obtiveram, primeiro, conhecimento das características e identificação do Prédio (…) por via da respetiva caderneta predial, em 14/05/2022 (“Obtido via internet em 2022-05-14”, conforme consta de Doc. 7, fls. 20; de seguida, pediram a certidão predial, que obtiveram em 17/05/2022 (“Certidão permanente disponibilizada em 17-05-2022 e válida até 17-11-2022”, conforme resulta de Doc. 6, fls. 19. Os Autores obtiveram, por fim, conhecimento do teor da escritura do Prédio (…), nomeadamente do preço, no dia 18/05/2022, data em que lhes foi disponibilizada cópia da escritura de compra e venda pela Conservatória dos Registos Civil/Predial/Comercial e Cartório Notarial de (…), conforme Doc. 8 – fls. 21 (artigos 6º a 11º da petição inicial).
9. A 1ª Ré não é proprietária de mais prédios com aqueles confinantes e não era proprietária confinante à data da aquisição do Prédio (…), no dia 9 de junho de 2021 (artigo 16º da petição inicial).
10. Em 19/05/2022, os Autores extraíram a certidão predial rústica referente ao Prédio (…), donde resulta a titularidade da 1ª Ré, conforme Doc. 9 – fls. 22 (artigo 17º da petição inicial).
11. Diligenciaram, nesse seguimento e no mesmo dia, os Autores, pela obtenção da certidão predial do Prédio (…), donde resulta a propriedade do mesmo a favor da 1ª Ré, desde 09/06/2021, conforme Doc. 10, fls. 23 (artigo 18º da petição inicial).
12. A escritura de compra e venda do Prédio (…), de 09/06/2021, foi então requerida pelos Autores em 19/05/2022 e disponibilizada em 25/05/2022, data em que tiveram conhecimento, por via da mesma, do teor do negócio, nomeadamente do preço, conforme Doc. 11, fls. 23 verso (artigo 19º da petição inicial).
13. A 1ª Ré não é proprietária de mais nenhum prédio rústico confinante com os Prédios …, … e/ou … (artigo 21º da petição inicial).
14. O Prédio (…), propriedade do Autor, além de confinante com o Prédio (…), confina com o Prédio (…), encontrando-se a poente do primeiro e a sul do segundo – Docs. 12 a 15, fls. 25 e seguintes (artigos 22º e 23º da petição inicial).
15. Nunca foi dado conhecimento aos Autores, designadamente por quaisquer dos réus, do projeto de venda do Prédio (…), adquirido pela 1ª Ré aos 2ºs Réus em 09/06/2021, nem do projeto de venda do Prédio (…), adquirido pela 1ª Ré em aos 3ºs Réus em 24/08/2021 (artigos 24º a 26º da petição inicial).
16. A área da unidade de cultura fixada para a zona do Algarve, onde o concelho de Monchique se insere, é de 2,5 hectares para terreno de regadio e de 8 hectares para terreno de sequeiro e terreno de floresta – anexo II à Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, alterada pela Portaria n.º 19/2019, de 15 de janeiro, ex vi do artigo 49.º, n.º 4, da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto (artigo 27º da petição inicial).
17. Nenhum dos prédios envolvidos tem uma área superior à unidade de cultura: a área do Prédio (…) de 1,128000 hectares, a área do Prédio (…) de 0,324000 hectares e a área do Prédio (…) de 0,484000 hectares – fls. 15/20/22 (artigos 28º e 29º da petição inicial).
18. Os Autores destinam o Prédio (…) à atividade florestal para fins agrícolas, nomeadamente ao descortiçamento de sobreiros, embora tenham nas proximidades uma casa – fls. 15 (artigo 31º da petição inicial).
19. Os Autores declararam pretender ampliar a sua atividade aos Prédios … (este composto de cultura arvense, sobreiros, oliveiras) e … (este composto por eucaliptal, pinhal, sobreiral, horta, pomar de citrinos, prunoideas) – fls. 22/2319/20 (artigos 32º e 33º da petição inicial).
20. O prédio (…) tem uma parte do prédio na zona urbana de nível III e a restante área em REN. Na restante área que se situa em REN tem uma pequena parte em RAN; o prédio (…) situa-se todo em REN e possui uma pequena parte em RAN – docs. 16 a 23, fls. 26 verso/140 – (artigo 34º da petição inicial).
36. Em 08 de agosto de 2022 a primeira Ré apresentou junto dos Serviços de Finanças de Monchique o Modelo 1 do IMI para criação de um artigo urbano relativamente à parcela, com aquela natureza, inserida no artigo (…) – fls. 114 e ss./178 (artigo 80º da contestação).
37. Com data de 11 de agosto de 2022, a primeira Ré apresentou requerimento no Serviço de Finanças de Monchique de onde consta o pedido de averbamento, no prédio rústico (…) de (…), de uma parcela urbana com a área de 2500 m2 – fls. 81 (artigo 47º da contestação).
38. Com data de 18 de agosto de 2022 a 1ª Ré apresentou na Conservatória do Registo Predial o pedido de averbamento de alteração da descrição do prédio (…), da freguesia de (…) – fls. 81 verso (artigo 48º da contestação).
39. Das declarações complementares exaradas naquela requisição de registo, fez a primeira Ré constar o seguinte: Atualmente o prédio tem a natureza de misto, na medida em que, para parte do prédio foi emitido pela Câmara Municipal de Monchique, em 15/07/2022, um parecer favorável ao pedido de informação prévia para viabilidade de construção de moradia unifamiliar, com a área total de 2500 m2 e implantação de 235 m2, tendo o mesmo sido participado mediante apresentação de Declaração Modelo I do IMI, pelo que o lote de terreno para construção encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo provisório (…) da freguesia de (…), concelho de Monchique. Descrição atual do prédio: Prédio misto denominado (…), sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, com a área de 11280 m2, composto por eucaliptal, pinhal, sobreiral, pomar de citrinos, prumoideas, cultura arvense, sobreiros e lote de terreno para construção, com a área total de 2500 m2 e a área de implantação de 235 m2, (…) inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…) e na matriz predial urbana sob o artigo (…), ambos da freguesia de (…), concelho de Monchique – fls. 82 (artigo 49º da contestação).
40. A 1ª Ré instruiu o referido requerimento com os seguintes documentos: caderneta predial rústica obtida via internet aos 16/08/2022; comprovativo provisório de submissão de Declaração Modelo I do IMI; requerimento de informação prévia entregue na Câmara Municipal de Monchique aos 23/06/2022; ofício emitido pela Câmara Municipal de Monchique aos 15/07/2022, contendo resposta ao pedido de informação prévia; reclamação cadastral entregue no Serviço de Finanças de Monchique em 11/08/2022 (artigo 50º da contestação).
41. Na sequência do sobredito pedido de averbamento de alteração da descrição do predial os elementos registrais do prédio da primeira Ré, adquirido por escritura pública outorgada no dia 24.08.2021, aos Réus (…) e (…) denominado (…), sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…), passaram a ser os seguintes – fls. 85 verso (artigo 51º da contestação): Prédio misto, denominado (…), com a área total de 11280 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…) e na matriz urbana sob o artigo (…), composto por eucaliptal, pinhal, sobreiral, horta em socalcos, pomar de citrinos, prunoideas, cultura arvense e sobreiros e lote de terreno para construção com a área de 2500 m2, com confrontações a norte, (…), Herdeiros de (…), (…) e herdeiros de (…); Sul, "(…), Lda.", (…) e (…); Nascente, (…); Poente, (…). Com data de 19.08.2022 foi emitida pelos serviços de finanças de Monchique a ficha da avaliação do artigo urbano criado na sequência da participação matricial referida no ponto 46 – fls. 87 (artigo 52º da contestação).
42. Em resultado da sobredita avaliação foi inscrito na matriz urbana o artigo provisório n.º (…), da freguesia de (…), com a área total de 2.500 m2 e a área de implantação de 235 m2, entretanto, convertido em definitivo – fls. 144 (artigo 53º da contestação).
43. A demais área deste prédio e a do descrito sob o n.º (…) na mesma Conservatória, servirão os propósitos análogos ao de um logradouro com espécies vegetais autóctones ou pré-existentes, de crescimento e expansão controlados, pelo que o seu fim não é a cultura (aqui significando atividade agrícola ou florestal) mas de embelezamento, e enquadramento na paisagem circundante, da moradia a edificar (artigo 56º da contestação), tendo a ré sociedade intenção de ambos os prédios (o descrito sob o n.º … e a demais área deste prédio descrito sob o n.º …), em virtude da respetiva afetação, assumirem a natureza de parte componente de um prédio urbano (artigo 57º da contestação).
44. A pedido da ré sociedade foi elaborado o relatório de avaliação de fls. 87 verso (artigo 63º da contestação).
45. A circunstância de vir a ser reconhecida uma parcela urbana no prédio descrito sob o n.º (…) determina um aumento do respetivo valor comercial que, no limite, pode chegar aos € 120.000,00 – fls. 87 verso (artigo 93º da contestação).
46. Os prédios adquiridos pela ré não eram limpos nem cuidados (artigos 77º a 83º da contestação).
47. O Autor marido dedica-se à venda de papel e produtos de higiene por conta de outrem e está inscrito nas Finanças com a atividade “comércio por grosso de cortiça em bruto e extrac. Cortiça, resina e apanha out, prod. Flor, exc. Madeira” desde 7 de julho de 2023 – fls. 139 (artigo 86º da contestação).
48. A Autora mulher é funcionária pública, desempenhando as respetivas funções na Câmara Municipal de Lagos (artigo 87º da contestação).
Em face de todo o exposto, julgamos que mal andou o tribunal recorrido ao julgar que a ré provou que pretende dar um destino diferente da cultura ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…).
Donde, não tendo a 1ª Ré logrado provar os factos impeditivos do direito de preferência dos autores relativamente ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), concelho de Monchique, nos termos supra expostos e como lhe incumbia (artigo 342.º/2, do CC), merece provimento o recurso dos apelantes no sentido de a 1ª Ré ser por eles substituída retroativamente na posição de adquirente do prédio em questão, com os demais efeitos decorrentes dessa modificação subjetiva da relação contratual de compra e venda.
Os apelantes alegam, também, que a 1ª Ré atuou de má-fé e em abuso de direito «ao alterar as características do imóvel após a citação (PIP, relatório de avaliação, procedimento administrativo junto da AT), de que «resultou também na alteração dos elementos essenciais da causa, nos termos conjugados dos artigos 564.º,b) e 260.º do CPC» e que a conduta da 1ª Ré – ter procedido, depois daquele ato processual, a alterações no imóvel em causa nos presente recurso, a saber, ao pedido de informação prévia e ao pedido de transformação do prédio em misto, «quando as poderia ter feito antes, ou, pelo menos, iniciado 12 meses antes» – levou-os (a eles/apelantes) a incluírem o prédio em causa no presente recurso quando não o teriam feito «se tivessem conhecimento de que o prédio (…) tinha qualquer tipo de projeto de construção pendente que o transformasse em prédio misto» (cfr. Conclusões N, O, P e V)».
Para além de os apelantes não extraírem da conduta que imputam à 1ª Ré e que adjetivam de “abusiva” e de “má-fé” qualquer consequência substantiva ou processual, limitando-se a dizer que o tribunal a quo «não retirou as devidas conclusões do comportamento que imputam à 1.º ré», este tribunal de segunda instância julgou já a apelação procedente (no sentido de reconhecer o direito de preferência dos autores em relação à compra e venda que teve por objeto aquele prédio e, consequentemente, o reconhecimento aos autores do direito de se substituírem à 1ª Ré na posição de compradora que esta ocupa na respetiva escritura de compra e venda, ficando o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…), freguesia de (…), concelho de Monchique a pertencer-lhes, substituindo-se ainda a 1ª Ré no respetivo registo predial), o que retira utilidade à questão de abuso de direito suscitada pelos apelantes e a lei proíbe a prática de atos inúteis (artigo 130.º do CPC). Acresce que não está sequer provado que os autores não teriam feito este investimento, a saber, a propositura da ação de preferência também relativamente ao prédio n.º (…), caso a 1ª Ré tivesse providenciado pelo pedido de informação prévia e pela alteração da natureza do prédio mais cedo. E tanto bastaria para desatender a esta argumentação dos apelantes.
Sumário: (…)
III. Decisão
Em face do exposto, acordam julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu os réus dos pedidos relacionados com o prédio rústico sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção (…) e, em conformidade, reconhecem o direito de preferência dos autores em relação à compra e venda que teve por objeto aquele prédio e, consequentemente, o reconhecimento aos autores do direito de se substituírem à 1ª Ré na posição de compradora que esta ocupa na respetiva escritura de compra e venda, ficando o referido prédio a pertencer-lhes, substituindo-se ainda a 1ª Ré no respetivo registo predial.
As custas na presente instância são da responsabilidade da apelada, sendo que a esse título apenas é devido o pagamento das custas de parte porquanto aquela procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela resposta às alegações de recurso.
Notifique.
DN.
Évora, 27 de março de 2024
Cristina Dá Mesquita
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (com voto de vencida)
Eduarda Branquinho