CONFLITO DE COMPETÊNCIA
TRÂNSITO EM JULGADO
PRESSUPOSTOS
Sumário

Verifica-se causa do indeferimento do pedido de resolução de conflito de competência se as decisões em confronto não se revelam definitivas, não se mostrando uma delas transitada em julgado, não tendo ainda decorrido o prazo para apresentação de eventual impugnação pelas partes – cfr. artigos 102.º e ss., 247.º e ss. e 628.º do CPC e 23.º e 24.º do Código do Processo de Trabalho.

Texto Integral

I. O Juízo do Trabalho de Ponta Delgada suscita a resolução de conflito negativo de competência entre ele próprio e o Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz (…) para a tramitação do presente processo (ação emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum), com fundamento em que ambos se declararam incompetentes para dele conhecer.
O Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz (…) declarou-se incompetente, em razão do território, com fundamento, em síntese, no disposto no artigo 13.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT), por a ré ter a sua sede em Vila do Porto, Ilha de Santa Maria, nos Açores e, considerando a especialização na matéria, concluiu que o Tribunal competente para os ulteriores termos da presente ação é o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada.
Por sua vez, o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada declarou-se incompetente em razão do território para a tramitação do presente processo, com fundamento, em síntese, em que, embora a regra de competência territorial em processo do trabalho atenda ao domicílio do réu (cfr. art.º 13º, nº 1, do CPT), pode o trabalhador, nos termos do citado art.º 14º, nº 1, optar pelo Juízo do Trabalho do local do seu domicílio, como, neste caso, o fez, sendo que, mesmo que assim não se entenda, o tribunal territorialmente competente não seria o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada, mas sim, o Juízo de Competência Genérica de Vila do Porto.
O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que – em 28-10-2024 – se pronunciou no sentido de que “(…) a trabalhadora demandou a empregadora no tribunal do seu domicílio (Lisboa), e que é também o tribunal do lugar onde prestava atividade (aeroporto de Lisboa), nos termos do referido artigo 14.º, n.º 1 do CPT, usando de uma faculdade que a lei lhe confere. Ou, se preferirmos, fez uma escolha relativamente ao tribunal competente.
Somos, pois, de parecer que, assiste razão ao M. Juiz de direito da comarca dos Açores, devendo considerar-se competente para tramitar os presentes autos a comarca de Lisboa”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 20-09-2024, “A”, residente em Lisboa instaurou ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra “B”, com sede em Vila do Porto, Açores;
2) Em 10-10-2024 teve lugar audiência de partes, constando da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Suscitou-se ainda a questão, que é prévia, de incompetência territorial deste Tribunal do Trabalho de Lisboa porquanto, ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) a Ré “B”, Lda., tem a sua sede em Vila do Porto, Ilha de Santa Maria nos Açores, pelo que o Tribunal competente para os ulteriores termos da presente ação é o Tribunal que abrange a área da sede da Ré, considerando-se a especialização da matéria, pelo que, será o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel nos Açores, tudo conforme o artigo 13.º, n.º 1 do CPT, e ainda, n.º 2 do artigo 33.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), que está implicado com o Anexo II da mesma Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
Oiçam-se os Ilustres Advogados quanto à suscitada exceção de conhecimento oficioso.
(…)
Após isto, foram ouvidos os Ilustres Advogados das partes, que nada tiveram a opor à questão firmada que antecede.
E de seguida, pela Mma. Juíza foi proferido a seguinte:
SENTENÇA
Declara-se que o presente tribunal é incompetente, em razão do território, (incompetência relativa) para os ulteriores trâmites processuais, verificada que está esta a exceção dilatória (de conhecimento oficioso a todo o tempo), e ordena-se, que, após trânsito em julgado da presente decisão, os autos sejam prontamente remetidos ao Tribunal de Trabalho competente – Juízo do Trabalho de Ponta Delgada (cfr. artºs. 102º, 104º, 105º nº 3, 278º nºs 1 al. e) e 2, 576º nºs 1 e 2, 577º al. a) e 578º todos do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1º nºs. 1 e 2 al. a) do CPT e art.º 15º nºs 1 e 4 do mesmo diploma legal, o Cód.Proc.Trabalho).
Considerando que os Ilustres Advogados das partes nada tiveram a opor, nos termos do disposto no artigo 632.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi o artigo 1.º n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPT, a presente decisão transita de imediato, pelo que, ordeno a sua pronta e imediata remessa ao Tribunal competente, para, que, volvido o prazo da contestação, que se iniciará amanhã, dia 11/10/2024, o Ex. Colega, Mmo. Juiz do Tribunal de Ponta Delgada, competente, dê então o oportuno cumprimento à alínea c) do disposto no artigo 56.º do CPT, uma vez que, tal agendamento, não pertence a este Tribunal (…)”.
3) A notificação da decisão referida em 2) foi expedida em 16-10-2024;
4) Em 22-10-2024, o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada proferiu o seguinte despacho:
“A presente acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, instaurada por “A” (apresentando-se como trabalhadora) contra “B”, Lda. (demandada como empregadora), foi proposta no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, com referência ao local de residência da Autora, em conformidade com o disposto no art.º 14º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. Muito embora a regra de competência territorial em processo do trabalho atenda ao domicílio do Réu (cfr. art.º 13º, nº 1), pode o trabalhador, nos termos do citado art.º 14º, nº 1, optar pelo Juízo do Trabalho do local do seu domicílio, como, neste caso, efectivamente o fez. Considera-se, assim, que, tendo sido essa a escolha da Autora, cabe ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, nos termos legais acima enunciados, a competência territorial para a tramitação desta acção, e não ao Tribunal Judicial da Comarca dos Açores.
Ainda que seja outro o entendimento e se considere que o Tribunal territorialmente competente é o da Comarca dos Açores, sempre a tramitação desta acção cabe, não a este Juízo do Trabalho de Ponta Delgada, mas sim ao Juízo de Competência Genérica de Vila do Porto (Ilha de Santa Maria), com referência ao local onde a Ré tem a sua sede (Mapa III do Anexo ao Regulamento da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de Março).
Assim, suscitando-se o conflito negativo de competência, ao abrigo dos arts. 110º, nº 2, 111º, nº 1 e 3, e 112º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1º, nº 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, remeta certidão dos presentes autos ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, solicitando-se a resolução deste conflito (…)”.
5) A notificação da decisão referida em 4) foi expedida em 22-10-2024;
6) Em 28-10-2024, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que deve considerar-se competente para a tramitação dos autos a comarca de Lisboa.
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III. Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
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IV. Vejamos:
Como se disse, pressuposto necessário para que haja lugar a conflito de competência é que ambas as decisões proferidas pelos tribunais em conflito tenham transitado em julgado, pois, conforme estatui o n.º 3 do artigo 109.º do CPC, “não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência”.
A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. artigo 628.º do CPC).
O conflito de competência apenas se materializa “quando ambas as decisões se revelarem definitivas” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 137).
Ora, o despacho proferido em 22-10-2024 não se mostra transitado em julgado, não tendo ainda decorrido o prazo para apresentação de eventual impugnação pelas partes – cfr. artigos 102.º e ss., 247.º e ss. e 628.º do CPC e 23.º e 24.º do Código do Processo de Trabalho.
Verifica-se, pois, causa de indeferimento do pedido – cfr. artigo 113.º, n.º 1, do CPC.
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V. De acordo com o exposto, por não estarmos perante uma situação de conflito suscetível de ser conhecido por esta Presidência, indefiro o pedido formulado pelo Juízo do Trabalho de Ponta Delgada.
Notifique (art.º 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 30-10-2024,
Carlos Castelo Branco.
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, pub. D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).