PRINCÍPIO DA ADESÃO
VIOLAÇÃO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário


I – No âmbito do direito processual penal, encontra-se consagrado o princípio de adesão (art. 71º do CPP), nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (nomeadamente, no art. 72º do CPP).
II – Não se formulando o pedido de indemnização civil no processo penal quando a lei a isso obriga, fica-se impossibilitado de, no futuro, se usarem os meios civis para obtenção do ressarcimento dos prejuízos sofridos com o crime (preclusão do direito de indemnizar).
III – Com o desaparecimento da figura do tribunal colectivo no domínio do processo civil, a previsão da al. g) do n.º 1 do art. 72.º do CPP perdeu aplicação prática, encontrando-se actualmente esvaziada de sentido útil e significado.
IV – Sendo instaurado pedido de indemnização civil em separado sem observância das condições estabelecidas pelo n.º 1 do art. 72º, a violação do princípio da adesão previsto no art. 71º do CPP é sancionada com a exceção de incompetência material do tribunal cível e, como tal, implica a abstenção do conhecimento do mérito da causa e a absolvição do réu da instância (arts. 96.º, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. a), e 278.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA intentou acção declarativa de condenação[1], sob a forma de processo comum, contra BB, peticionando:

a) A condenação do réu a pagar ao autor a quantia de €52.000,00, acrescida de juros vincendos a contar da citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Mais se deve declarar que no caso vertente se verificam as excepções ínsitas no art. 72º, als. g) e i) do C.P.P., pelo que o autor se vê legitimado a formular o pedido cível em separado, nesta acção e com as legais consequências.
Para tanto alegou, em síntese, que,
No dia 28 de Abril de 2019, pelas 00:20 horas, no Estabelecimento Prisional ..., ..., o réu, guarda prisional e na data em exercício de funções no referido E.P., deslocou-se à cela ocupada pelo autor e após abrir a porta da cela desferiu-lhe duas bofetadas na face e dois socos no corpo, provocando-lhe directa e necessariamente escoriação no lábio superior direito e dores físicas, o que demandou três dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho.
Na sequência e por força da agressão que aquele réu lhe perpetrou, o autor recebeu cuidados médicos na enfermaria daquele estabelecimento no próprio dia.
No processo comum singular n.º 709/19...., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de Bragança, e por Sentença datada de 27-6-2022, inteiramente confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães em recurso e já devidamente transitada em Julgado desde ../../2023, esta factualidade foi considerada como provada e, em consequência disso, o réu foi condenado como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelos artºs 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, alª b) e n.º 2 do C.P, por referência ao n.º 2 do artº 132º, n.º 2, al. m), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, tendo o Tribunal procedido à suspensão da execução da mesma pelo mesmo período, subordinando, porém, a suspensão ao pagamento ao lesado, ora autor, da indemnização atribuída a este pelo crime de injúria agravado, no prazo de 3 meses a contar do trânsito em julgado da decisão.
Estes factos que se traduziram na agressão que o réu lhe infligiu provocaram medo, temor e profunda insegurança e inquietação ao autor, que durante várias noites sofreu insónias, não conseguindo dormir, incluindo falta de apetite e receio pela sua integridade física e até pela sua vida.
Computou como justa uma indemnização no montante de €52.000,00, em ordem a que sejam devidamente ressarcidos os danos de cariz não patrimonial que o autor sofreu em consequência da agressão que o vitimou e infligida pelo demandado.

*
Citado, contestou o Réu (ref.ª ...24), tendo invocado a excepção da preclusão do direito de indemnização do Autor e a consequente incompetência em razão da matéria do tribunal civil.
Aduz, para tanto, que não tendo o Autor deduzido pedido de indemnização civil, no processo crime, nos 20 dias seguintes à notificação ao arguido da acusação, precludiu-se o direito de o vir fazer em separado nestes autos, pois não se enquadra em nenhuma das excepções do artigo 72º do C.P.P., nomeadamente as invocadas alíneas i) e g) do n.º 1 deste preceito.
De onde resulta a incompetência em razão da matéria do tribunal civil.
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Cumprido o contraditório, o Autor pugnou pela improcedência das invocadas excepções (ref.ª ...47), concluindo pelo prosseguimento dos ulteriores termos dos autos até final.
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Findos os articulados, por despacho saneador datado de 08.09.2024 (ref.ª ...45), a Mm.ª Juíza “a quo” decidiu julgar o «Juízo Central Cível da Comarca de Bragança incompetente em razão da matéria para conhecer, julgar e decidir a presente acção e, consequentemente, absolv[eu] o Réu da instância».
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o autor (cfr. Ref.ª ...16), tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª
Na douta decisão recorrida julgou-se o Juízo Central Cível da Comarca de Bragança incompetente em razão da matéria para conhecer, julgar e decidir a presente acção, o que desta forma conduziu à absolvição do réu da Instância.

O autor não se conforma com os fundamentos vertidos pelo Tribunal de 1ª Instância e entende que se impunha decisão diversa sobre a questão em análise, razão pela qual impugna e apela ao Tribunal Superior que aprecie a matéria que constitui o objecto do presente recurso e profira, como apanágio, uma decisão justa e consentânea com a Lei.

No processo crime que antecedeu estes autos, o autor depois de notificado da acusação pública deduzida em processo penal não deduziu qualquer pedido de indemnização civil no que tange ao ilícito de natureza pública.

Daí decorre que venha de forma separada em relação ao sobredito processo penal pugnar pela reparação dos danos que lhe sobrevieram em consequência do crime que o vitimou e fá-lo nesta Instância Cível, porque não dispõe de outra via legal para o fazer.

Não obstante o valor peticionado no caso presente se cifrar em €52.000,00 (cinquenta e dois mil euros), e daí se subsumir ou enquadrar na competência do Juízo Central Cível e Criminal da Comarca de Bragança, a verdade é que este Tribunal julgou-se incompetente em razão da matéria, ao arrepio do que consagra o artº 72, alª g) do CPP que ainda se encontra em vigor.

O valor do pedido nestes autos permitiria a intervenção civil do tribunal colectivo, enquanto o processo penal precedente correu perante tribunal singular no Juízo Local Criminal respectivo, desta forma tornando-se admissível no caso vertente a dedução do pedido indemnizatório perante o Tribunal Cível, como uma das excepções ao princípio da adesão.

Concedemos que aquela norma encontra-se algo desfasada da realidade processual civil desde que entrou em vigor a redacção do C.P.C., introduzida pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.

Porém, é inegável que volvidos mais de 11 anos (2013-2024), o que é certo é que o artº 72º, nº 1, alªg) do CPP manteve-se em vigor e daí resulta que será razoável entender-se, adaptadamente que a mencionada alínea será aplicável quando o pedido for superior a 50.000,00 euros, caso em que será da competência dos Juízos centrais o julgamento da respectiva acção declarativa cível.

Cremos que o legislador ao não revogar aquela norma ( e dispôs de um vastíssimo período temporal para o fazer), teve presente a referida diferenciação na habilitação, experiência e mérito já reconhecido na carreira, entre o juiz singular que julga as causas com valor inferior e aqueloutro de reconhecido mérito e antiguidade que julga as de valor superior a 50.000,00 euros.
10ª
E como sempre, devemos partir do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento e consagrou as soluções mais acertadas, não podendo, pois, ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tem na letra da lei qualquer  correspondência verbal, especialmente tendo presente que apesar de o legislador ter posteriormente efectuado alterações ao CPP nunca revogou este preceito, o que é bem sintomático e elucidativo.
11ª
Assim, admitindo o valor do pedido formulado nesta sede (€52.000,00), a intervenção do juízo central cível, e tendo a acusação sido deduzida para julgamento perante juízo local criminal, e tendo sido invocada a excepção em causa, não existe qualquer obstáculo à dedução agora do pedido em separado perante o tribunal civil, funcionando de pleno a referida excepção ao princípio da adesão.
12ª
Foram violadas as seguintes normas jurídicas:
-artº 72º, nº 1, alªg do CPP;
- artº 2.º, nº 2 Lei 41/2013 de 26 de Junho;
- artºs 44.º; 117.º, nº 1, al. a); e 130.º, nº 1, al. a), ambos da Lei 62/2013.
- artºs 96º e 278º do C.P.C.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que Vªs exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento à pretensão do recorrente e em consequência ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o douto Despacho/Sentença em crise e ordenando-se o prosseguimento dos autos até final.
ASSIM FAZENDO ESTE ÍNCLITO TRIBUNAL DA RELAÇÃO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».
*
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. Ref.ª ...12).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, está em discussão saber se, por efeito (da preterição) do princípio da adesão em processo penal, o tribunal cível é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização resultante de ilícito criminal.
*
III. Fundamentação de facto

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidas), a que acrescem os seguintes factos:

1. Em 25.06.2019, o ora Autor foi inquirido como testemunha pelo Órgão de Polícia Criminal, que o informou nos termos dos artigos 75.º, 76.º e 77.º do C.P.P., “com base nos quais pode, querendo, deduzir pedido de indemnização civil, o manifestar no processo, até ao seu encerramento do inquérito, o propósito de o fazer” e que “pode ainda o pedido de indemnização civil ser deduzido até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se não o houver, do despacho de pronúncia”.
2. No mesmo acto processual, o ora Autor foi também notificado de que, relativamente aos crimes de natureza particular, devia, no prazo de 10 dias, requerer a sua constituição como assistente (vide auto de inquirição de testemunha junto com a contestação sob o doc. n.º 1, também remetido aos presentes autos pelo processo crime em 21.02.2024).
3. O ora Autor já havia apresentado, em 05.06.2019, requerimento para se constituir assistente, que veio a ser deferido por despacho de 20.06.2020 (vide documentos juntos com a petição inicial sob doc. n.º 3 e com a contestação sob doc. n.º 2)
4. Em 01.03.2021, foi notificado para, querendo, apresentar acusação particular, o que fez em 05.03.2021 deduzindo também pedido de indemnização civil, mas apenas quanto ao crime então considerado de natureza particular (vide documento junto com a petição inicial sob o doc. n.º 4 e peças processuais remetidas aos presentes autos pelo processo crime em 06.05.2024).
5. No dia 26.03.2021, foi expedida a notificação da acusação ao arguido (ora Réu) e sua mandatária, ao assistente (ora Autor) e ao seu patrono; a notificação da acusação ao ora Autor chegou ao seu conhecimento no dia 31.03.2021, através dos serviços do E.P. ... (conforme elementos do processo comum singular n.º 709/19...., do Juízo Local Criminal de Bragança).
6. O ora Autor não manifestou no processo crime a intenção de deduzir pedido cível.
7. O Autor não deduziu pedido de indemnização cível no identificado processo crime.
8. No processo comum singular n.º 709/19...., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de Bragança, por sentença datada de 27-06-2022, confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães em recurso e já transitada em julgado desde ../../2023, o réu foi condenado como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelos arts. 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P, por referência ao n.º 2 do art. 132º, n.º 2, al. m), do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, tendo o Tribunal procedido à suspensão da execução da mesma pelo mesmo período, subordinando a suspensão ao pagamento ao lesado, ora autor, da indemnização atribuída a este pelo crime de injúria agravado, no prazo de 3 meses a contar do trânsito em julgado da decisão.
*
IV. Fundamentação de direito                       

1. Da preterição do princípio da adesão obrigatória do pedido cível à acção penal e consequente excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria.
Na decisão recorrida, a Mm.ª Juíza “a quo” julgou o Juízo Central Cível da Comarca de Bragança incompetente em razão da matéria para conhecer, julgar e decidir a presente acção, com a consequente absolvição do réu da instância.
Isto porque, aduz, precludiu o direito do Autor vir deduzir pedido de indemnização civil em separado do processo crime no âmbito do qual o deveria ter feito, nos termos legais.
O autor insurge-se contra essa decisão, aduzindo que, «não havendo possibilidade alguma de suprir a incompetência absoluta que daí emerge, a prolação da douta decisão conduziria inexoravelmente à preclusão do direito do recorrente de, desta feita, lograr o ressarcimento dos danos que lhe foram causados num processo de índole civil, porquanto não deduziu o pedido de indemnização civil no processo crime respectivo, como corolário do princípio da adesão e pela circunstância de in  casu, não se verificar no entender do Tribunal recorrido qualquer das excepções ínsitas no n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P.».
Conclui que, admitindo o valor do pedido formulado na ação cível (€ 52.000,00) a intervenção do juízo central cível, a acusação foi deduzida para julgamento perante juízo local criminal e tendo invocado a excepção prevista no art. 72º, n.º 1, al. g), do Cód. de Processo Penal, não existe qualquer obstáculo à dedução do pedido em separado perante o tribunal civil, funcionando de pleno a referida excepção ao princípio da adesão.
Abreviando razões, passaremos de imediato a apreciar a excepção da preclusão do direito de indemnização do autor.
O regime substantivo da indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulado pela lei civil (art. 129º do Cód. Penal - CP), onde se destaca o princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos previsto no art. 483º do Cód. Civil (CC), cujo n.º 1 prescreve que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
O pedido de indemnização civil subordina-se, na dimensão quantitativa e respetivos pressupostos processuais, à lei civil, embora processualmente seja regulado pela lei processual penal (arts. 71º a 84º do Cód. de Processo Penal - CPP).
Como é sabido, a prática de um ilícito criminal pode consistir num facto constitutivo de responsabilidade civil, caso viole interesses suscetíveis de reparação patrimonial, nos termos da lei civil.
Nessa medida, o facto criminoso pode dar origem a duas reações: uma de natureza criminal que se revela na aplicação ao faltoso de uma pena; e outra de natureza civil que se consubstancia na reparação dos danos causados pelo crime.
Combinar processualmente estas duas vertentes tem sido resolvido nas diversas legislações de moldes distintos, aludindo-se aos sistemas da identidade, da absoluta independência e ao da interdependência, também designado por sistema da adesão.
O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira ação civil transferida para o processo penal[2]. Com efeito, para além de se ir ao encontro dos princípios da economia e da celeridade processuais, pretende-se ainda alcançar uma uniformidade de critérios de decisão, isto é, evitar possíveis decisões contraditórias se as ações civil e penal fossem julgadas separadamente[3].
Nos termos do disposto no art. 71º (“Princípio de adesão”) do CPP, o “pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
O citado preceito legal consagra o princípio da adesão obrigatória[4] – ou do enxerto – da acção civil à acção penal. O referido princípio impõe ao lesado a dedução no âmbito da acção penal do seu pedido indemnizatório cível (que tem por causa de pedir os mesmos factos que preenchem o tipo criminal e pelos quais o arguido se encontra acusado ou pronunciado[5] [6]), não o podendo fazer separadamente.
Daí que, excetuando os casos em que a lei permite que o pedido seja feito em separado, o direito à indemnização pelos prejuízos materiais e morais resultantes do ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal, enxertando-se aí o procedimento civil[7].
Desta forma, o juiz penal é também competente para decidir a ação cível e assim, no mesmo processo, julgam-se dois pedidos: o criminal e o civil.
Como se explicita no Ac. do STJ de 26/05/2021 (relator Luís Espírito Santo), in www.dgsi.pt., este princípio jurídico essencial e estruturante do sistema prossegue e salvaguarda as finalidades de:
- promover a economia de meios e a celeridade processual, definindo juridicamente no mesmo processo, de forma concentrada e expedita, todas as questões (de natureza cível e criminal) relacionadas com a prática dos factos criminosos pelo lesante, sujeito passivo da obrigação de indemnizar os lesados, privilegiando-se assim a análise global e unitária da matéria em discussão, que será feita perante o mesmo órgão jurisdicional e num único julgamento que congregará ambas as vertentes.
- evitar a eventualidade de uma contradição de julgados (entre as decisões proferidas nas instâncias penal e cível) relativamente aos mesmos factos e sujeitos, o que, a acontecer, constituiria factor de perturbação e instabilidade para a ordem e segurança jurídicas, bem como motivo de desprestígio na administração da Justiça[8].
Desrespeitando-se o princípio da adesão, nos casos em que ele é obrigatório (isto é, não se formulando o pedido de indemnização civil no processo penal quando a lei a isso obriga), fica-se impossibilitado de, no futuro, se usarem os meios civis para obtenção do ressarcimento dos prejuízos sofridos com o crime (preclusão do direito de indemnizar)[9]. O mesmo é dizer que a violação do princípio da adesão acarreta esta consequência: o lesado vê precludido o seu direito de ser indemnizado. Ou ainda noutra formulação, o princípio da obrigatoriedade do enxerto tem como cominação o de que a não intervenção em processo penal impede o posterior exercício do direito de indemnização[10].
Por sua vez, "compete ao autor a alegação e prova dos fundamentos previstos na lei processual penal que constituem excepções ao princípio de adesão obrigatória[11].  
Contudo, em certos casos, o pedido de indemnização civil por danos patrimoniais e não patrimoniais pode ser deduzido em separado (do processo penal), perante o tribunal civil (o que se traduz numa exceção à adesão obrigatória, prevista no art. 71º do CPP)[12]. É o reconhecimento do princípio ou regra da opção, nos termos do qual o lesado, ao formular o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime, pode optar livremente entre as jurisdições civil e penal.
Tais casos em que a lei permite que o pedido cível seja formulado em separado perante o tribunal materialmente competente constituem excepções à regra da adesão plasmada no art. 71º e vêm indicados de forma taxativa nas várias alíneas do n.º 1 do art. 72º do CPP.
Sendo instaurado pedido de indemnização civil em separado sem observância das condições estabelecidas pelo n.º 1 do art. 72º, “a ação civil não pode prosseguir, por falta de um requisito de validade que se reflete na competência do tribunal. O tribunal é então materialmente incompetente e consequentemente o réu na ação civil deve ser absolvido da instância”[13] (art. 278º, n.º 1, al. a) do CPC).
No que ao presente recurso releva, prevê-se na respectiva alínea g) do n.º 1 do art. 72º do CPP:
“O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante tribunal civil, quando” (...) “[o] valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular”.
Nesta hipótese, a opção existe quando a competência para conhecer da questão penal pertença ao tribunal singular (verificada nos termos do art. 16º do CPP) e o montante do pedido admita a intervenção do tribunal coletivo cível – não se exigindo que imponha essa intervenção[14]. Ou seja, nessa situação o lesado não estava obrigado à adesão, podendo deduzir o pedido de indemnização em separado do processo penal no caso de ser diferente a competência funcional dos tribunais envolvidos para conhecer das duas pretensões (civil e criminal)[15]. O fundamento desta regra assenta(va) na maior idoneidade teórica do tribunal colectivo para julgar a questão, no pressuposto de que “três cabeças decidem melhor do que uma[16].
Na situação sub júdice, no âmbito do inquérito crime que teve o número processo comum singular n.º 709/19...., foi proferido despacho de acusação para julgamento perante Tribunal Singular, do qual o ora Autor e o seu Ilustre patrono foram notificados no dia 31.03.2021, na qualidade de assistente, para deduzirem o pedido de indemnização civil que entendessem justificado.
O lesado entendeu não deduzir pedido de indemnização no processo criminal, abstendo-se de o fazer (deduziu pedido de indemnização civil, mas apenas quanto ao crime então considerado de natureza particular).
Contudo, veio a exercer esse mesmo direito através de acção de natureza civil, instaurada autonomamente em relação ao processo criminal, em 31 de agosto de 2023 – quando a sentença no processo crime já fora proferida por tribunal singular em 27-06-2022.
Pois bem, no que concerne ao tribunal coletivo, importa realçar que, no domínio do processo civil, o seu âmbito de intervenção sofreu, desde a reforma intercalar de 1985 do CPC, uma crescente diminuição[17]. E desde a alteração legislativa operada pelo Dec. Lei n.º 103/2000, de 10 de agosto, o tribunal coletivo tornou-se pouco mais "do que uma recordação do século passado"[18]. Por sua vez, no novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, verificou-se a extinção do tribunal coletivo nas audiências finais, em 1ª instância. Na verdade, nos termos do art. 599º (“Juiz da audiência final”) do CPC, a “audiência final decorre perante juiz singular, determinado de acordo com as leis de organização judiciária”.
Somos assim reconduzidos à questão de saber se, com a alteração da orgânica judiciária que levou à extinção do tribunal colectivo no âmbito das acções de natureza cível, ocorreu, em termos práticos, o esvaziamento da previsão do art. 72º, n.º 1, alínea g), do CPP, que, assim, deixou de ter aplicação prática.
A respeito da referida previsão normativa, Henriques Gaspar[19] refere que o novo Código de Processo Civil "deixou sem conteúdo a alínea g), face ao disposto nos artigos 546º, 548º e 599º; não intervindo o tribunal colectivo no julgamento, deixou de existir o fundamento que permitia o pedido em separado"[20].
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26/05/2021 (relator Luís Espírito Santo), in www.dgsi.pt., decidiu que, “com o desaparecimento da figura do tribunal colectivo do panorama processual em matéria cível, a previsão da al. g) do n.º 1 do art. 72.º do CPP, perdeu aplicação prática, encontrando-se actualmente esvaziada de sentido útil e significado[21].

Socorrendo-nos da fundamentação aduzida no citado Ac. do STJ de 26/05/2021 (relator Luís Espírito Santo), in www.dgsi.pt., diremos que:
- «O artigo 72º, n.º 1, alínea g), foi introduzido na versão originária do Código de Processo Penal, aprovado pela Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro».
- «A sua razão de ser está intrinsecamente associada à estrutura da orgânica judiciária vigente na altura, onde avultava, no âmbito do processo civil, a distinção fundamental entre a figura do tribunal singular e do tribunal colectivo, sendo este último perspectivado pelo legislador como elemento essencialmente garantístico na tarefa da apreciação e julgamento da prova em processos de maior valor económico e de relevante interesse social».
- «Concretamente, a figura do tribunal colectivo (…) consubstanciava uma atestado de segurança e fiabilidade da administração da Justiça, destinando-se a operar, em termos circunscritos, no âmbito do julgamento de facto nas causas de maior valor económico ou relevo social (acções que seguissem a forma ordinária com valor superior à alçada do Tribunal da Relação – vide o art. 462º do Código de Processo Civil, na versão da época -, ou acções que seguissem a forma de processo sumário, mas em que uma das partes requeresse a intervenção do colectivo – art. 791º, nº 1, na versão correspondente)».
- «Na lógica do sistema vigente à época, em que não era proporcionada às partes a salvaguarda de um verdadeiro e efectivo controlo da decisão de facto proferida em 1ª instância, quer na área cível, quer na área penal, a figura do tribunal colectivo traduzia-se assim numa importante garantia de que a prova produzida em audiência seria directamente apreciada e valorada, em termos de imediação, por parte de um conjunto qualificado de julgadores, composto por três juízes (o colectivo) de experiência comprovada e de qualidade técnica atestada pelo próprio sistema».
- «A parte poderia, nestas circunstâncias (quando o requerimento de acusação em processo criminal fosse deduzido com vista ao julgamento perante tribunal singular e o valor da causa, determinada pelo montante do seu pedido, permitisse a intervenção, no âmbito da apreciação da prova, de um tribunal colectivo), instaurar acção cível em separado, independentemente da acção penal».
- A «intervenção do tribunal colectivo apenas se desenvolvia no âmbito da produção da prova e da sua apreciação, não sendo extensiva ao julgamento de mérito que competiria sempre a um juiz singular, conforme resulta do art. 658º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na versão aplicável), ainda que necessariamente portador de classificações de excelência quanto ao seu mérito e com a antiguidade definidas pelo sistema de organização judiciária».
- «A figura do “tribunal colectivo” (em matéria cível), que foi relevante exclusivamente no campo restrito da apreciação e valoração da prova (…), desapareceu dos textos legais e da prática judiciária, tendo por isso perdido todo o seu significado, contexto e alcance prático».
- «A apreciação e valoração dos meios de prova produzidos perante o órgão jurisdicional encontra-se actualmente rodeada de um conjunto consolidado de garantias de reavaliação e sindicância pela instância superior que tornaram totalmente dispensável a dita necessidade de intervenção de um colectivo qualificado de juízes no desempenho dessa mesma tarefa processual».
- Nos dias de hoje, não tem «justificação substantiva, face à lógica intrínseca do sistema processual vigente, o estabelecimento de uma directa e imediata correspondência entre os actuais juízos centrais cíveis e os anteriores (e extintos) tribunais colectivos na área cível, bem como entre os requerimentos acusatórios para julgamento perante tribunal singular e a competência dos juízos locais na área criminal».
- O argumento «utilizado de que o legislador nunca revogou tal alínea g) é reversível: o mesmo, seguramente sabedor (como terá que presumir-se) das profundas e sucessivas alterações havidas na orgânica judiciária, nunca sentiu necessidade de modificar a designação de cariz técnico utilizada no preceito, aludindo, designadamente, aos juízos centrais cíveis (por confronto com os juízos criminais locais)».
- Os «juízos centrais cíveis têm a sua competência definida tanto no campo da apreciação e valoração da prova produzida, como na prolação da decisão jurídica de mérito, uma vez definido o quadro factual aplicável».
- «A sua decisão, tanto no plano da apreciação e valoração dos factos como na aplicação do direito que lhes corresponda, é plenamente sindicável pelos Tribunais da Relação (no recurso de facto e de direito) e, em determinadas situações, pelo Supremo Tribunal de Justiça (no recurso de direito, apenas)».
- «Ao invés, o antigo tribunal colectivo na área cível intervinha, de forma circunscrita, na fase do julgamento de facto, em termos de garantir uma apurada análise neste domínio (fulcral e decisivo para a sorte da lide), sendo certo que, nessa altura, as partes não dispunham de meios efectivos e eficazes para suscitarem com êxito, na instância superior, o inerente controlo material desse veredicto (…)».
- O «tribunal colectivo constituía a única e essencial garantia de uma apreciação e valoração da prova de excelência, pela especial qualificação do conjunto de julgadores, o que não poderia assegurar-se quanto ao julgamento dos mesmos factos pelo juiz singular que presidiria à audiência no processo de natureza criminal».
- «As actuais possibilidades de plena e eficaz reapreciação da prova produzida através dos Tribunais da Relação são extensivas, nos mesmos termos, às acções cíveis e às acções de natureza criminal (cfr. artigo 364º do Código de Processo Penal), fazendo perder, por completo, razão de ser à situação antes acautelada através da alínea g) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal».
- A anterior necessidade de assegurar o julgamento cível perante um colectivo de juízes (que não se prendia, em termos primordiais, com a intervenção de um julgador – singular - mais credenciado ou prestigiado na elaboração da decisão de direito, que era sempre plenamente sindicável e modificável pela instância superior, atento o valor da causa) desapareceu naturalmente.
- «Uma interpretação que permitisse, nos moldes propugnados» pelo recorrente, «a instauração da acção cível autonomamente em relação à acção criminal, tendo por referência apenas competência dos actuais juízos centrais cíveis – nas acções cujo valor fosse superior a € 50.000,00 – em confronto com a dos juízos locais crime para a realização do julgamento, conduziria, no fundo, face à patente e gritante desactualização dos valores das alçadas (…), ao esvaziamento, no fundo e na prática, do próprio princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal, com grave prejuízo para as finalidades essenciais que o mesmo avisadamente prossegue e que seriam dessa forma totalmente aniquiladas».
- «Bastaria à parte interessada apresentar, para este efeito e com este desígnio, de forma totalmente discricionária, um pedido no montante por si estimado e quiçá exacerbado (superior a € 50.000,00, que é perfeitamente corrente tendo em conta os valores indemnizatórios habitualmente pedidos e frequentemente inflacionados, a título de danos morais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil), o que poderia fazer a todo o tempo, ilimitadamente, ainda que tivesse porventura perdido a oportunidade de o apresentar na acção própria, isto é, no âmbito da acção de natureza penal respeitante aos mesmos factos, desde que fosse requerido o julgamento crime perante tribunal singular».
- «E tal aconteceria mesmo que o interessado, devidamente advertido no momento temporal próprio para a obrigatoriedade de dedução da indemnização cível na acção penal, negligenciasse culposamente o respectivo exercício, pressupondo-se, nessa circunstância, o efeito preclusivo que se lhe encontraria lógica e legalmente associado».
- «Esta possibilidade (que transmutaria nestes casos a previsão assumidamente excepcional em regra) não pode ser considerada curial e coerente com a lógica do sistema jurídico considerado unitariamente e na sua globalidade».
Subscreve-se na íntegra a enunciada argumentação, o que nos reconduz à não aplicação da al. g) n.º 1 do art. 72º do CPP, visto ser inaproveitável face aos dados actuais do regime processual civil.
Por efeito do princípio de adesão e não sendo caso de pedido em separado – por não se verificar nenhuma excepção à regra consagrada no art. 71.º do CPP –, a indemnização civil tinha de ser deduzida no respetivo processo penal, não gozando, neste caso, o tribunal civil de competência material para conhecer de tal pedido, por estar atribuída ao tribunal criminal[22].
Não tendo deduzido pedido de indemnização cível na ação penal em que estava pendente o julgamento de ofensa à integridade física qualificada, num sistema de adesão obrigatória (art. 71.º do CPP) precludiu o reconhecimento judicial do direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da prática daquele crime.
Nesta situação, tal como reconhecido na decisão recorrida, a acção de indemnização proposta no tribunal civil infringe as regras de competência em razão da matéria, constituindo uma excepção dilatória e, como tal, implica a abstenção do conhecimento do mérito da causa e a absolvição do réu da instância – arts. 96.º, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. a), e 278.º, n.º 1, al. a), todos do CPC.
Por tais motivos improcede a presente apelação, sendo de confirmar a decisão recorrida.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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V. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 2 de abril de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Maria dos Anjos Nogueira (1ª adjunta)
António Beça Pereira (2º adjunto)


[1] Tribunal de origem: Juízo Central Cível e Criminal de Bragança - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.
[2] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal, in O Novo Código de Processo Penal - Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, Almedina, p. 15.
[3] Cfr. Paula Marques Carvalho, Manual Prático de Processo Penal. Almedina, 13ª ed., 2022, p. 196.
[4] O princípio da adesão obrigatória vale apenas para os crimes públicos e mesmo quanto a estes com as exceções previstas nas als. a, b, e d) do art. 72º.
Tratando-se de crimes semipúblicos e particulares, o lesado pode deduzir o respetivo pedido de indemnização civil em separado [art. 72º, n.º 1, c)].
Contudo, havendo ação penal, sem renúncia de queixa ou de acusação, o pedido de indemnização civil tem, obrigatoriamente, de ser deduzido na ação penal. Por isso, para a ação em separado, não basta que o procedimento dependa de queixa ou de acusação particular, é indispensável que não se exerça o direito de queixa ou de acusação, isto é, que o lesado renuncie ou esteja em situação equivalente a renúncia a tal direito. De outro modo, para além de não se seguir a melhor interpretação legal, estar-se-ia a comprometer em grande parte o princípio de adesão, dada a extensão dos crimes semipúblicos e particulares [cfr. Ac. do STJ de 30/04/2019 (relator Olindo dos Santos Geraldes), in www.dgsi.pt.].
[5] Cfr. Ac. da RL de 12/01/2021 (relator Vieira Lamim), in www.dgsi.pt.
[6] Por força do princípio da adesão o demandante junta, pois, a sua concreta pretensão à enunciada na acusação, que, com a sua, constitui fundamento do enxerto, fundindo-se em uma só causa de pedir, simples ou complexa [cfr. Ac. do STJ de 18/06/2009 (relator Armindo Monteiro), in www.dgsi.pt.].
[7] Com a consagração como regra do regime de adesão obrigatória pretendeu-se permitir, de certo modo, que a justiça penal se pronuncie sobre o objeto da ação civil e que se faça, desta forma, ressaltar o interesse social existente na obrigação de o delinquente reparar o prejuízo civil que causou com o crime, cumprindo-se assim melhor as exigências de economia processual, de proteção do lesado e de auxílio à função repressiva do processo penal. A característica essencial é assim a imposição da obrigatoriedade da dedução do pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime no processo penal respetivo [cfr. Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Tomo I, António Gama e outros, Almedina, 2021, p. 831 (anotação de Luís Lemos Triunfante ao art. 71º do CPP)].
[8] Cfr., no mesmo sentido, Acs. do STJ de 10/12/2008 (relator Santos Cabral), de 22/11/2018 (relator Oliveira Abreu), de 15/03/2012 (relator Sousa Fonte) e de 29/03/2012  (relator Santos Cabral), acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Manuel Simas Santos/Manuel Leal-Henriques/David/Borges de Pinho, Código de Processo Penal Anotado, 1º VoI., 1996, Editora Rei dos Livros, p. 333 e Paula Marques Carvalho, Manual Prático de Processo Penal. Almedina, 13ª ed., 2022, p. 196.
[10] Cfr. José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2ª ed., 1991, Rei dos Livros, p. 241.
[11] Cfr. Ac. da RG de 07/06/2018 (relatora Anabela Andrade Miranda Tenreiro), in www.dgsi.pt.
[12] Os casos em que a acção civil não adere à ação penal correspondem a situações em que, na perspetiva da lei, a ponderação relativa das vantagens da adesão não beneficia nem os interessados nem o processo.
[13] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 2008, Verbo, p. 131.
[14] Conforme decorre do n.º 1 do art. 44º (“Alçadas”) da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, “em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de 1ª instância é de (euro) 5 000”.
E, nos termos do art. 117.º (“Competência”), n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, compete aos juízos centrais cíveis a «preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00».
[15] Já então se advertia para o facto dessa exceção poder “vir a constituir um verdadeiro furo do sistema legal”. Com efeito, bastaria que o lesado afirmasse que esse pedido excedia a alçada do tribunal de comarca, sendo previsível uma sobrevalorização do montante dos danos para contornar a obrigatoriedade do enxerto e até a possível preclusão (já verificada) do seu pedido de indemnização [cfr. Costa Pimenta, Código de Processo Penal (…), p. 241 e Código de Processo Penal - Comentários e Notas Práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, p. 194].
[16] Cfr. José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal (…), p. 241.
[17] O art. 646.º do Código do Processo Civil de 1961, sob a epígrafe «Intervenção e competência do tribunal colectivo», estipulava que:
“1 - A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo se ambas as partes assim o tiverem requerido.
2 - Não é, porém, admissível a intervenção do colectivo:
a) Nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 485.º;
b) Nas acções em que todas as provas, produzidas antes do início da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito;
c) Nas acções em que alguma das partes haja requerido, nos termos do artigo 522.-B, a gravação da audiência final.
3 - Se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo tribunal colectivo, é aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 110.º.
4 - Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
5 - Quando não tenha lugar a intervenção do colectivo, o julgamento da matéria de facto e a prolação da sentença final incumbem ao juiz que a ele deveria presidir, se a sua intervenção tivesse tido lugar”.
[18] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 564 e José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 353, nota 6.
[19] Cfr. Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 4ª ed. 2022, p. 240, anotação 9.
[20] Cfr. No mesmo sentido, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Tomo I, António Gama e outros, Almedina, 2021, p. 845 (anotação de Luís Lemos Triunfante ao art. 72º do CPP) e Paula Marques Carvalho, obra citada, p. 201.
[21] Cfr. Adoptando este entendimento na jurisprudência, os Acs. da RG de 17/12/2018 (relator António Sobrinho), e de 29/06/2017 (relator Amílcar Andrade), in www.dgsi.pt., mencionando-se neste último aresto que a alínea g), do n.º 1, do art. 72º do CPP “encontra-se desfasada da realidade processual civil que já existia à data da prolação da acusação” (sendo certo que na respectiva decisão de 1ª instância se havia admitido a hipótese de “quando muito, entender-se, adaptadamente, tendo em atenção o disposto nos artigos 44º, 117º, nº 1, alínea a) e 130º, nº 1, alínea a), da Lei nº 63/2013, já em vigor à data dos factos, que a mencionada alínea será aplicável quando o pedido for superior a € 50.000,00, caso em que seria da competência das instâncias centrais o julgamento da respectiva acção declarativa cível”); Ac. da RP de 5/11/2018 (relatora Fernanda Almeida), in www.dgsi.pt, onde se refere: “Não é aplicável a alínea g) posto que representa um anacronismo face à alteração do Código de Processo Civil e à redacção do actual artigo 559º do CPC que prevê o julgamento apenas por juiz singular. O tribunal colectivo em processo civil foi eliminado pela reforma de 2013 do processo civil e a norma que a ele se refere no processo criminal constitui um simples elemento de contradição sistemática do ordenamento que é inaproveitável face aos dados actuais do processo civil”; e o Ac. da RL de 19/11/2020 (relator Pedro Martins), publicado no blogue “Outros acórdãos”, onde se conclui que “como já não existe a intervenção de tribunal colectivo no julgamento no Código de Processo Civil, depois da reforma de 2013 (artigos 546º, 548º e 599º), esvaziou-se de sentido a previsão do artigo 72º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Penal”).
[22] Cfr. Acs. do STJ de 30/04/2019 (relator Olindo dos Santos Geraldes) e de 9/03/2022 (relatora Maria Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt..