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DANO DE PERDA DE CHANCE
DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Sumário
(art.º 663 nº 7 Cod. Proc. Civil): I - O Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 2/2022, de 5-7-2021, ao estabelecer que "O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade", fixou jurisprudência no sentido de que a "chance", para poder ser indemnizável, tenha que se apresentar com um grau de probabilidade suficiente, e não com carácter meramente hipotético. II – Para obter indemnização pela perda de chance, não basta afirmar que os AA (mandantes) pediram que pela R. (mandatária) fossem tomadas todas as providências no sentido de reduzir a obrigação de pagar o imposto, até porque, na perspetiva da R., elas foram tomadas; seria necessário que se alegasse e provasse que esses processos ou providências, que supostamente deveriam ter sido instaurados pela R., tinham possibilidade de sucesso, tendo em conta aquele fito; impunha-se que se alegasse e provasse a suficiente probabilidade de obtenção de ganho de causa nos processos em que teria sido cometida a falta pelo mandatário forense. III - Existindo divergência jurisprudencial relativamente ao relevo probatório que podem assumir as declarações de parte previstas no art.º 466º do Cod. Proc. Civil, aderimos à corrente jurisprudencial, que não recusando a especificidade desta prova, defende a sua auto-suficiência para fundamentar a convicção do tribunal, ao menos em determinadas circunstâncias. IV - No caso, tendo as declarações de parte sido prestadas pela R. de forma segura, rigorosa, completa, objectiva, surgindo essencialmente como contra-prova dos factos constitutivos do direito, sendo ainda coerentes com documentos juntos aos autos e com as regras da experiência, nada obsta a que se atribua às mesmas declarações de parte um relevo decisivo no apuramento da factualidade provada e não provada.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
Os AA. propuseram ação declarativa comum pedindo a condenação das demandadas a pagar a quantia de € 62.835,17, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, alegando que mandataram a 1ª R. para impugnar decisões contra eles tomadas pela da Autoridade Tributária (AT), mas que a 1ª R. não instaurou impugnação judicial da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, não tendo também reagido, pelos meios processuais adequados, à execução fiscal entretanto pendente. Devido a estas omissões, ficaram os AA impossibilitados de reclamar os seus direitos perante a AT e, por causa disso, sofreram prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial pelos quais é a Ré responsável, assim como a sociedade de advogados onde trabalhava, e ainda as respetivas seguradoras.
Após realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença, a qual absolveu do pedido a 1ª Ré e todos os demais intervenientes processuais passivos.
2. Inconformados, os AA apelaram desta decisão, concluindo da seguinte forma: - Dos factos erradamente considerados não provados: 1) Da fundamentação da sentença recorrida retira-se que a factualidade dos pontos “23” a “32” foi dada como provada com base nas declarações de parte prestadas pela 1ª Ré, sendo a referência “a par dos documentos”, sem sequer se especificar quais, uma falácia, porquanto tais factos não se extraem de documentos. 2) A referência às declarações da Ré perpassa toda a sentença, tecendo o Tribunal a quo os maiores “enaltecimentos” relativamente a tais declarações, sendo que, em contraposição, o Tribunal a quo refere que as declarações do Autor “foram confusas e vagas, de pouco ou nada tendo servido para o esclarecimento da sua causa de pedir.”. 3) O desequilíbrio é notório, tendo o Tribunal a quo desconsiderado as declarações do Autor e, por outro lado, valorado as prestadas pela 1ª Ré. 4) Mal andou o Tribunal a quo ao decidir assim, isto é, ao considerar provada a matéria constante dos pontos “23” a “32” baseando-se nas declarações da 1ª Ré, porquanto a demais prova não permite concluir nesses termos. 5) Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente, as declarações de parte, como meio probatório, são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação, (cfr. acórdão do TRP, de 10/10/2022, processo n.º 4019/19.0T8STS.P1, disponível em www.dgsi.pt). 6) Não olvidamos que a prova por declarações de parte, nos termos do artigo 466º, n.º 3 do CPC, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, porém essa livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias, pelo que a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, será insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir. 7) No caso dos autos, verificamos que as declarações da 1ª Ré, no que toca aos sobreditos pontos “23” a “32” da matéria de facto provada, não poderiam servir para o Tribunal a quo formar a sua convicção, uma vez que não foram corroboradas por qualquer outro elemento probatório, quer testemunhal, quer documental. 8) O Tribunal olvidou, igualmente, as especiais qualidades da 1ª Ré, pois sendo a mesma advogada de profissão e, portanto, com um grau de preparação superior a qualquer cidadão comum no que importa para a diligência a que se submeteu, é evidente que as suas declarações teriam um maior aprumo e assertividade, dada a maior preparação técnica, não tendo tais circunstâncias sido consideradas na avaliação e ponderação da prova. 9) Não podiam tais declarações, desgarradas de qualquer outro elemento probatório, ser valoradas para dar como provados os referidos factos “23” a “32” da matéria de facto, quando é certo que foi produzida prova, designadamente testemunhal, que contradita a versão da 1ª Ré; mas quanto a esta, o Tribunal a quo considerou-a, em parte, tendenciosa, como é o caso da testemunha “A…”, e com menor isenção, como é o caso de “B….”, filho dos Autores. 10) A menor isenção que foi atribuída à testemunha “B…”, por ser filho dos Autores, já não o foi à 1ª Ré, parte diretamente interessada nos autos, sendo patente o desequilíbrio apontado. 11) Ao ter valorado e considerado unicamente as declarações da 1ª Ré para formar a sua convicção e dar como provados os pontos “23” a “32” da matéria de facto, e estando causa factos essenciais para a boa decisão da causa, o Tribunal a quo cometeu um evidente erro na apreciação da prova que importará corrigir. 12) Inexiste qualquer outro elemento probatório nos autos, testemunhal ou documental, que consentisse ao Tribunal a quo dar por assente os mencionados pontos da matéria de facto. 13) A matéria constante dos mencionados pontos “23” a “32” da matéria de facto deve ser considerada não provada, derivado à falta de prova. 14) Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, o juízo valorativo do Tribunal a quo mostra-se irrazoável e insensato, tendo violado, entre outras, as normas dos artigos 466º, n.º 3 do CPC, e 20º, n.º 5 (tutela efetiva do direito) da CRP. – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto - Dos factos erradamente considerados não provados: 15) Na sentença de que ora se recorre há, igualmente, factos que o Tribunal considerou não provados e que, face à prova produzida, deveriam ter sido dados como provados, nomeadamente os pontos “B)”, “C)” e “D)”. 16) Atente-se no depoimento da testemunha “B…”, prestado na 1ª sessão da audiência de julgamento realizada em 15/04/2024, nas passagens 11m08s a 11m41s; e 17m50s a 19m38s. 17) O depoimento desta testemunha é importante quanto à matéria do ponto “B)”, porquanto era através da sua conta de email que os Autores comunicavam com a 1ª Ré. 18) Compulsado o depoimento da testemunha nas referidas passagens, verificamos que a mesma esclareceu que foram enviados vários emails à 1ª Ré para saber o estado do processo fiscal, aos quais a mesma nunca respondeu, deixando os Autores sem resposta; mais referiu que durante os anos de 2012, 2013 até 2016, a 1ª Ré apenas informava o Autor que continuava a aguardar uma resposta das Finanças. 19) O facto de a testemunha “B…” ser filho dos Autores não é suscetível de, por si só, colocar em crise a sua credibilidade. 20) Como se retira da sentença recorrida, o depoimento desta testemunha mereceu credibilidade ao Tribunal a quo, tendo corroborado o depoimento da testemunha “M…”, nomeadamente quanto aos pontos “8”, “9” e “14” da matéria de facto provada. 21) A testemunha em questão acompanhou os Autores nos contactos com a 1ª Ré, sendo por isso notória a sua razão de ciência, tendo revelado conhecimento de causa e prestado um depoimento sincero, sério e objetivo, não havendo razões para desacreditar. 22) O depoimento da testemunha “B…” corroborou o que foi declarado pelo Autor, em sede de declarações de parte, sobre tal matéria, na 1ª sessão da audiência de julgamento realizada em 15/04/2024, nas passagens 15m11s a 16m32s. 23) Deve ser considerado provado o facto dado como não provado no ponto “B)”, com a seguinte redação: “B) Que os Autores tentaram por várias vezes, nomeadamente por email, obter informações da Ré sobre o estado dos processos fiscais, sendo que a mesma ou não respondia, ou, quando respondia, referia que continuava a aguardar uma resposta das Finanças.”. 24) Também quanto ao ponto “C)” mal andou o Tribunal a quo ao considerá-lo não provado, porquanto foi produzida prova suficiente sobre o mesmo em sede de audiência de julgamento. 25) Veja-se o depoimento da testemunha “A…”, prestado na 1ª sessão da audiência de julgamento realizada em 15/04/2024, nas passagens 01m54s a 06m49s, delas resultando, além do mais, a razão de ciência desta testemunha, que é patente, porquanto acompanhou o Autor na deslocação ao serviço de finanças de Cascais para saber do estado dos processos que a 1ª Ré teria iniciado em defesa do Autor. 26) A referida testemunha declarou que foi ali, no serviço de finanças, após pedido de consulta do processo, que o Autor ficou a saber que tinham sido ultrapassados todos prazos e que o processo encontrava-se arquivado, não existindo qualquer reclamação ou impugnação judicial pendente de apreciação. 27) Como resulta da fundamentação da sentença recorrida, a referida testemunha mereceu credibilidade ao Tribunal a quo, nomeadamente quanto aos pontos “16”, “17”, “18” e “19” dos factos provados, pelo que não se vislumbra qualquer razão para que também quanto à matéria do ponto “C)” dos factos não provados a mesma testemunha não tenha servido para formar a convicção do Tribunal, quando é certo que está em causa factualidade de que tem conhecimento direto e na qual participou. 28) Mal andou o Tribunal a quo ao “talhar” o depoimento desta testemunha, considerando-o em parte quanto aos mencionados factos provados, e desconsiderando-o na parte em que até teve intervenção direta nos factos juntamente com o Autor. 29) A testemunha em causa descreveu detalhadamente a deslocação que efetuou com o Autor à repartição de finanças de Cascais, relatando com quem falaram, o que viram e que informação obtiveram, não se vislumbrando qualquer razão para que não merecesse a credibilidade ao Tribunal também nesta parte. 30) Mal andou o Tribunal a quo ao dar como não provado o facto “C)”, que, em consequência, deve ser dado como provado com a seguinte redação: “C) Que só quando se deslocou ao Serviço de Finanças de Cascais o Autor tomou conhecimento de que a Ré não havia dado entrada da impugnação judicial subsequente ao deferimento parcial da reclamação graciosa, e que o processo estava arquivado”. 31) Também o ponto “D)” foi erradamente considerado não provado pelo Tribunal a quo, senão veja-se o depoimento da testemunha “B…”, prestado na 1ª sessão da audiência de julgamento realizada em 15/04/2024, nas passagens 04m50 a 05m01s; 10m27s a 10m48s; e 11m08s a 12m14s, assim como o depoimento da testemunha “A….”, prestado na mesma sessão de audiência nas passagens 05m03s a 05m19s, e ainda as declarações de parte prestadas pelo Autor, igualmente relevantes nesta parte atento o que foi declarado pelas mencionadas testemunhas, nas passagens 07m54s a 08m48s. 32) Note-se que a factualidade relatada pelas mencionadas testemunhas, assim como pelo Autor em sede de declarações, mostra-se consentâneo com o facto dado como provado no ponto “8”. 33) Nas palavras da testemunha “B…”, o Autor deu “carta branca” para a 1ª Ré fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para que tomasse todas das diligências que tivesse por convenientes na gestão do processo do Autor, (cfr. passagens supra indicadas do depoimento da testemunha). 34) A mesma testemunha, “B…”, no seu depoimento, confirmou que a 1ª Ré transmitiu ao Autor que iria impugnar, que iria “dar entrada de uma ação em Tribunal contra a Autoridade Tributária”, bem assim que iria opor-se à execução fiscal, (cfr. passagens supra indicadas do depoimento da testemunha). 35) Veja-se que, a referida testemunha serviu para formar a convicção do Tribunal quanto a determinados pontos da matéria de facto, nomeadamente os pontos “8”, “9” e “14”, no sentido de considerar demonstrada tal factualidade, pelo que no que toca especificamente ao aludido ponto “D)” dos factos não provados, não se vislumbra qualquer razão válida para que o Tribunal a quo tenha desconsiderado o depoimento da mencionada testemunha, ainda para mais quando a mesma demonstrou ter conhecimento direto dos factos. 36) Face ao que foi transmitido pela 1ª Ré ao Autor, conforme relatado e confirmado pela testemunha “B…”, seria expectável que os Autores aguardassem por decisões no processo de execução fiscal e da impugnação judicial. 37) Deve ser considerada provada a factualidade do aludido ponto “D)” da matéria de facto, ou seja, “Que a Ré sempre afirmou aos Autores que aguardava pelas decisões no processo de execução fiscal e da impugnação
II – Questões a decidir
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Cod. Proc. Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso dos autos, atento o teor das conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
- Saber se deve ser revertida a matéria de facto provada em não provada (factos 22º a 32º), e a não provada em provada (factos b), c), e d);
- Saber se as declarações de parte da R. podem sustentar a convicção do tribunal;
- Saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por incumprimento do mandato judicial na vertente da perda de chance.
* III – Fundamentação de Facto:
Factos dados como provados na decisão recorrida:
(…) “Mostram-se provados os seguintes factos: 1. A Ré Dra. MC é Advogada com a Cédula Profissional n.º … e, à data dos factos, integrava, como sócia, a Ré sociedade A. Advogados. 2. O Autor recebeu, em 2010, a quantia de € 552.973,44, por efeito de sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Cascais, no âmbito dos processos …e …, em 12.03.2007 – cf. doc. 1 com a p.i. 3. Essa quantia diz respeito a vencimentos do Autor relativos ao período compreendido entre Outubro de 1994 e Março de 2007, correspondentes a descontos para a Segurança Social no valor de € 52.985,91. 4. A quantia atribuída pelo Tribunal cifrou-se no valor ilíquido de € 645.041,37, sendo € 184.701,70 a título de juros e indemnizações, e € 460.339,67, a título de remunerações – cf. doc. 2 com a p.i. 5. Do montante de € 460.339,67, foi feita retenção na fonte de 20%, a título de IRS, no valor de € 92.067,93. 6. Em 2011, os Autores apresentaram a sua declaração de IRS, referente a rendimentos de 2010, tendo declarado um rendimento de € 460.339,67 e retenção na fonte de € 92.067,93. 7. Posteriormente, os Autores foram surpreendidos com a nota de liquidação de IRS, relativa aos rendimentos de 2010, que apurou o valor de pagar de € 33.247,26. 8. Inconformados, os Autores contactaram a Ré Dra. MC para que esta reclamasse da nota de liquidação de IRS bem como para que realizasse todas as diligências possíveis, nos termos da lei, para evitar que o respectivo valor fosse devido. 9. Os Autores pagaram a provisão e honorários à A Advogados. 10. Na sequência de tal contacto, os Autores outorgaram procuração a favor da Dra. MC, no âmbito da A. Sociedade Advogados, que, no âmbito do mandato conferido, elaborou e deu entrada, em 30.01.2012, no Serviço de Finanças de Cascais …, uma reclamação graciosa (n.º …), através da qual contestou a liquidação de IRS dos Autores relativa a 2010 – cf. certidão da reclamação graciosa a que corresponde o doc. 3 com a p.i. 11. Em Outubro de 2012, foi emitida nova nota de liquidação, com o n.º …, no valor de € 92.419,58. 12. Por despacho de 28.12.2012, a AT deferiu parcialmente a reclamação graciosa, tendo a Ré sido notificada de tal decisão em 04.01.2013. 13. Entretanto, os Autores foram citados para o processo de execução fiscal n.º …, o qual havia sido instaurado pela AT, em 15.01.2013, para pagamento coercivo dos montantes liquidados de IRS, no âmbito do qual foram ordenadas diversas penhoras, nomeadamente sobre o imóvel residência dos Autores, pensões de reforma e todos os depósitos bancários – cf. doc. 5 com a p.i. 14. Por causa das penhoras, os Autores sentiram desespero, angústia e ansiedade, pois deixaram de poder suportar as despesas correntes e diárias, tais como alimentação, transporte, água, electricidade e gás. 15. Os Autores pediram ajuda a um amigo, que lhes emprestou a quantia de € 20.000 para fazer face àquelas e outras despesas. 16. Para evitar a venda judicial do património penhorado, os Autores liquidaram à AT a quantia de € 62.835,17. 17. Em data não concretamente apurada do ano de 2017, o Autor deslocou-se ao Serviço de Finanças de Cascais-… com o objectivo de se inteirar sobre o estado dos processos. 18. Aquando dessa deslocação, o Autor verificou que a assinatura com o seu nome, que consta da procuração junta pela Ré aos autos da reclamação graciosa, não foi do seu punho. 19. O Autor só teve conhecimento do requerimento de desistência da oposição à execução, entregue pela Ré, após a consulta do processo no serviço de finanças. 20. No âmbito da apólice ES… a Dra. MC transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional de Advogada para a Companhia Seguros – doc. 1 com a contestação da Ré. 21. Nos termos de tal apólice, celebrada com a Ordem dos Advogados, está garantido, até ao limite do capital seguro, deduzida a franquia de € 5.000 por sinistro, e nos termos expressamente previstos nas respectivas condições particulares, o eventual pagamento de indemnizações pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente, responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados. – cf. artigo 2º, n.º 1 das condições especiais do contrato. 22. Essa apólice vigorou a partir de 1 de Janeiro de 2018. 23. A Ré explicou ao Autor todas as vias legais de defesa que o mesmo tinha ao seu dispor contra os actos de liquidação e cobrança da AT, nomeadamente, que, tendo aquele recebido quantia a título de capital e juros, estava, de facto, sujeito a actos de liquidação adicional de IRS, tal como sucedeu. 24. A reclamação graciosa foi elaborada pela Ré de acordo com as informações fornecidas pelo Autor à sua mandatária, no sentido de que a AT não havia considerado os descontos efectuados por aquele à Segurança Social. 25. Já em Dezembro de 2012, o Autor sabia que existia a liquidação oficiosa no valor de € 93.149,58, bem como respectivo prazo de impugnação, e que a Ré estaria a desenvolver esforços para “resolver o assunto sem necessidade de ir a tribunal” (doc. 7 com a p.i., cujo teor ora se dá por reproduzido). 26. O Autor sabia do andamento do processo e aceitou a estratégia aconselhada pela Ré, tanto que nunca lhe foram cobrados honorários ou provisões para uma impugnação judicial dessa liquidação oficiosa. 27. Quando a Ré foi notificada da decisão da AT que recaiu sobre a reclamação graciosa, o Autor, apesar de inicialmente não ter compreendido o motivo para o aumento dos valores a pagar, aceitou a explicação dada pela Ré e concordou com o pagamento do valor remanescente em dívida. 28. O processo de execução fiscal foi instaurado ainda antes de ter decorrido o prazo legal para eventual impugnação judicial da decisão sobre a reclamação graciosa ou recurso hierárquico da mesma. 29. Os Autores foram citados para o processo de execução fiscal em 28.01.2013 e foram aconselhados pela Ré a liquidar a dívida exequenda, tendo pago a quantia de € 34.346,12 em 31.01.2013. 30. As penhoras no âmbito dessa execução fiscal só foram efectivadas a partir de Março de 2013, tendo sido levantadas, com o pagamento, em Maio do mesmo ano. 31. A Ré apresentou requerimento de oposição à execução com o intuito de chamar a atenção da AT do lapso cometido com a liquidação oficiosa. 32. A Ré apresentou requerimento de desistência da oposição à execução porque a execução foi extinta com o pagamento das quantias exequendas. 33. A interveniente CHUBB EUROPEAN GROUP SE, Sucursal em Portugal segurou o risco decorrente de acção ou omissão, dos actos e omissões praticados por todos os Advogados e restantes colaboradores da A. Sociedade Advogados, nos termos do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela Apólice PT… – doc. 1 com a contestação desta interveniente. 34. Essa apólice de seguro profissional tem como beneficiários a própria A. sociedade Advogados e todos os seus Advogados e restantes colaboradores, até ao limite de capital de € 5.000.000,00, por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, deduzida a franquia contratada, e teve início de vigência em 27.10.2016, retroagindo os seus efeitos de cobertura a sinistros ocorridos anteriormente, ilimitadamente, tendo sido renovada até 25.10.2020. Não existem outros factos provados, designadamente: a) Que a Ré não informou os Autores da decisão da AT que recaiu sobre a reclamação graciosa (artigo 16º da p.i.); b) Que os Autores tentaram por inúmeras vezes, por email e telefone, obter informações da Ré sobre os processos fiscais e que as respostas foram sempre inconclusivas, evasivas e sem resolução, e que a Ré evitava reunir-se com os Autores e atender os seus telefonemas ou responder aos emails (artigos 25º e 26º da p.i.); c) Que só quando se deslocou ao Serviço de Finanças de Cascais o Autor tomou conhecimento de que a Ré não havia dado entrada da impugnação judicial subsequente ao deferimento parcial da reclamação graciosa (artigo 31º da contestação); d) Que a Ré sempre afirmou aos Autores que aguardava pelas decisões no processo de execução fiscal e da impugnação judicial (art.º 41º da p.i.); e) Que o requerimento de desistência da execução foi apresentado com o conhecimento do Autor, até porque foi efectuado no seguimento de este ter transmitido à Ré que “a execução já não aparecia no site das finanças” (art.º 73º da contestação da 1ª Ré); f) Que a Ré nunca foi mandatada para patrocinar o Autor em sede de impugnação judicial e/ou oposição à execução fiscal ou em outros processos de impugnação e/ou execução tributária (artigos 11º e 67º da contestação da Ré A. Sociedade Advogados). (…) IV – Fundamentação de Direito
a) Antes de iniciar a apreciação do recurso propriamente dito (isto é, nos termos especificamente expostos pelos AA/recorrentes nas suas conclusões) importa assinalar o seguinte.
Relacionando-se o objeto dos autos com a questão da perda da chance processual, é de todo o interesse recordar que pelo S.T.J. foi proferido o Ac. Uniformizador de jurisprudência n.º 2/2022 de 5-7-2021, o qual estabeleceu que "O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade". Daqui resulta que - na interpretação fixada pelo S.T.J. – não é toda e qualquer “perda de chance” que deve ser reconhecida como um dano indemnizável; a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano, impõem que a "chance", para poder ser indemnizável, seja "consistente e séria", e que a sua concretização se apresente com um grau de probabilidade suficiente, e não com carácter meramente hipotético. Como se lê naquele aresto, “Só assim a "chance" preencherá, num limiar mínimo, a certeza que é condição da indemnizabilidade do dano, só assim este pode ser considerado como objetivamente imputável ao ato lesivo e só assim se respeitará a regra (e a ideia de justiça) de que ao lesante apenas poderá ser imposto que responda pelos danos que causou”. Uma "chance" puramente abstrata e especulativa - isto é, independente da prova de qualquer concreta probabilidade - não é, de modo algum, um dano certo; assim como não atingirão a certeza exigível, não sendo indemnizáveis, as "perdas de chance" que correspondam a uma pequena probabilidade de sucesso da ação comprometida. Concretizando um pouco mais, para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance (o sucesso da provável ação comprometida) que ser considerado como superior ao seu insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência. Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo (…) a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade - o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou "chance" processual que foi comprometida - tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em "dano certo" e sem este não pode haver indemnização. Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental - o já chamado "julgamento dentro do julgamento" - a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso (ou seja, no mínimo, uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance "consistente e séria") e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo. (…) Assim, visando-se com tal apuramento estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil (dano e nexo causal), estão em causa (no subsequente processo, em que se pede a indemnização pelo dano da perda de chance) elementos/factos constitutivos do direito indemnizatório invocado pelo lesado/mandante, sendo este - face ao encargo que o ónus da prova, quando aos requisitos da responsabilidade civil, lhe coloca (cf. 342.º/1 do C. Civil) - que terá que fornecer os elementos que irão permitir apurar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometida a falta do advogado (ou seja, os factos que irão permitir apurar que o processo comprometido tinha uma suficiente, no referido limiar mínimo, probabilidade de sucesso ou, dito por outras palavras, que a chance perdida era consistente e séria). (…) A violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.
b) Ora este juízo de probabilidade no sentido de se verificar a perda de chance, falha desde logo na petição inicial, se olharmos para a mesma à luz da doutrina firmada pelo S.T.J. no referido acórdão uniformizador.
Note-se que na sua petição inicial (especialmente nos arts.º 52º e ss.), os AA. defendem que a R. (enquanto mandatária judicial) deveria ter reagido à decisão proferida pela Autoridade Tributária (AT) na sequência de uma reclamação graciosa (anteriormente formulada pela R., em nome dos AA), quer deduzindo impugnação judicial, quer interpondo recurso hierárquico, defendendo ainda os AA. que a R. deveria ter deduzido oposição à execução fiscal, alegando que essas omissões foram adequadas a produzir danos patrimoniais e não patrimoniais aos AA.; ou seja, segundo os AA., a R. não teria praticado todos os atos necessários no sentido de conseguir que os AA. não pagassem o valor apurado de liquidação de IRS do ano de 2010; e daqui resultaria (art.º 67º da petição inicial), que a R. seria responsável pela “perda da causa”, concluindo que essas omissões provocaram um prejuízo no valor correspondente àquele que os AA. pagaram a título de liquidação de IRS de 2010 (€ 62.835,17), acrescendo ainda o valor de 10.000,00 € por danos não patrimoniais (angústia, receio de não conseguir honrar os seus compromissos, humilhação, etc.) resultantes das penhoras dos bens dos AA decorrentes da execução fiscal contra os mesmos dirigida.
c) Daqui resulta que, mesmo antes de se passar à consideração dos factos provados e não provados, logo em abstrato a pretensão dos AA. surge como pouco fundamentada; os AA não alegam quaisquer factos de cuja prova se pudesse concluir que as ações omitidas pela R. tinham alguma probabilidade de sucesso, para que se pudesse concluir que se verificava um dano certo (isto é, a chance "consistente e séria"), e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.
Não bastava aos AA alegar que tinham pedido à R. que desenvolvesse todos os esforços no sentido de tentar evitar o pagamento do imposto; tornava-se necessário que se alegasse e provasse que a instauração dos referidos processos tinha alguma possibilidade de sucesso.
d) No caso, não estamos sequer perante processos em que é maior a incerteza quanto ao resultado – porque, v.g. dependente da produção de prova; no caso estamos perante processos fiscais em que os factos relevantes (isto é, os factos geradores da obrigação e pagar imposto) estão adquiridos; trata-se assim apenas de saber se o direito aplicável permitia ou não concluir que da instauração dos processos referidos pelos AA. decorria alguma possibilidade de ao menos reduzir o montante do imposto a pagar pelos AA.
A R. - enquanto mandatária dos AA. - apresentou reclamação graciosa relativamente à 1ª liquidação do imposto, deduzindo argumentação jurídica da qual resultou o provimento parcial da reclamação com a redução do montante a pagar. E assim sendo pergunta-se: com que fundamento deveria a R. deduzir novos meios de defesa contra a liquidação do mesmo imposto (mormente mediante a impugnação)? E é nesse campo que a pretensão dos AA surge logo na petição inicial como deficientemente fundamentada (especialmente se tivermos em consideração a interpretação fixada pelo S.T.J. no supra citado AUJ n.º 2/2022); não basta afirmar que os AA pediram que pela R. fossem tomadas todas as providências no sentido de reduzir a obrigação de pagar o imposto (até porque – na perspetiva da R. - elas foram tomadas); seria necessário que se alegasse e provasse que esses processos ou providências que os AA. pretendem que deveriam ter sido instaurados pela R., tinham possibilidade de sucesso, tendo em conta aquele fito.
Note-se que face à autonomia técnica que gozam os advogados, se o mandatário judicial de determinada pessoa instaura uma ação sem qualquer possibilidade de sucesso, essa ação configura uma violação do seus deveres profissionais e deontológicos, sendo certo que a instauração dessa ação produzirá ainda um resultado desfavorável para o mandante: no mínimo o pagamento das custas associadas a esse processo “inútil”, porque à partida votado ao insucesso (para além dos honorários que eventualmente esse advogado cobre pela interposição despropositada do processo).
e) Mas se assim era em abstrato, mais evidente se tornou que a pretensão dos AA não tinha fundamento após a produção de prova, especialmente após a prestação das declarações de parte pela da R., das quais a decisão recorrida retirou a convicção de que deveriam ser dados como provados os factos n.ºs 23 a 32.
Ouvimos na íntegra as declarações de parte prestadas pela 1ª R. nas sessões de julgamento dos dias 15 e 16 de Abril de 2024.
E essa audição permite confirmar, sem sombra de qualquer dúvida, o afirmado pelo tribunal a quo, no sentido de que a Ré “revelou rigoroso, completo e objectivo conhecimento de toda a factualidade controvertida, nomeadamente daquela que alegou na sua contestação; o que, não deixando de ser natural e expectável, sendo a própria a primeira e principal demandada na acção, bem demonstra, também, a falta de demonstração, pelos Autores, dos factos constitutivos da sua causa de pedir. Assim, a Ré explicitou com clareza e rigor os dois temas que suscitaram o contacto do Autor para a contratação dos seus serviços – a desconsideração, na liquidação do imposto, do valor a título de contribuições para a Segurança Social e a circunstância de terem sido imputados, numa só declaração “modelo 10”, rendimentos correspondentes a 17 anos, aqui chamando a atenção que, pelo menos na letra da lei, só serem atendíveis até 6 anos anteriores à declaração – tendo esmiuçado em que consistiu a reclamação graciosa apresentada, com base nesses dois fundamentos. Depois, esclareceu também, com rigor e de forma cabal, a evolução do processo e o sentido das decisões ali tomadas – tanto na sua substância, como na repercussão das mesmas para os Autores e susceptibilidade/probabilidade de serem revertidas -, assim complementando e esclarecendo, também com toda a exactidão, o teor dos documentos juntos pelo Autor em suporte da sua própria alegação; é o caso dos comprovativos de pagamento e notas de liquidação, bem como elementos provenientes da execução fiscal, cujo teor a Ré validamente descreveu e explicitou – numa forma que, aliás, nenhum dos demais intervenientes na produção de prova logrou fazer. A Ré salientou também, com valia, a dificuldade do Autor em compreender que, no que diz respeito aos juros de mora auferidos na indemnização, estes são também tributados como rendimentos de capital, e com isso sentia-se injustiçado – apesar de, como a Ré declarou ter esclarecido repetidamente, nada ser possível fazer quanto a essa circunstância, por decorrer da lei. As suas explicações foram também muito úteis (e plenamente compreensíveis), além do mais, a propósito da fase de execução fiscal: tanto a entrada do requerimento de oposição, bem como o objectivo processual a que se destinava, como o requerimento de desistência, apresentado quando já havia a informação de que a liquidação (a segunda, efectuada oficiosamente por engano, atenta a reclamação anteriormente apresentada) já tinha sido anulada – sendo certo que a própria Ré nenhum motivo razoável tinha para não dar conta ao Autor da prática desse acto; e, ainda, quanto às penhoras, de cuja probabilidade de realização o Autor foi oportunamente avisado, tendo sido aconselhado a liquidar a dívida, como forma mais expedita e menos onerosa de as evitar”.
Repete-se; da audição integral das declarações da R. resulta a nossa inteira concordância relativamente à avaliação do tribunal a quo, ainda agora reproduzida, relativamente à segurança, utilidade, objetividade e racionalidade das declarações da R., no sentido do cabal esclarecimento do modo como foi exercido o mandato que lhe foi conferido pelos AA.
f) Os AA., no seu recurso, insurgem-se contra a importância que a decisão recorrida concedeu às declarações de parte da R., desde logo salientando que (conclusão 5ª) ss.(…) “as declarações de parte, como meio probatório, são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação (…) pelo que (…) “a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, será insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir.
É certo que para uma corrente jurisprudencial as declarações de parte assumem caráter supletivo, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova (para além do Ac. do TRP TRP, de 10/10/2022, processo n.º 4019/19, citado pelos AA., cfr. ainda o Ac., também do TRP, de 10-5-2021, proc. n.º 5784/12).
Aderimos a outra corrente jurisprudencial (ao que julgamos maioritária) que não recusando a especificidade desta prova, defende a sua auto-suficiência (ao menos em determinadas circunstâncias) para fundamentar a convicção do tribunal.
Conforme argumentam Geraldes, Pimenta e Sousa, no comentário 11. ao art.º 466º (in Cod. Proc. Civil anotado, vol. I, Ed Almedina, p. 574), esta última posição é a mais ajustada: porque permite paridade com outros meios de prova de livre apreciação, porque o interesse da testemunha interessada pode não diferir do interesse da parte, porque a parte é quem tem melhor razão de ciência e o n.º 3 do art.º 466º não degrada o valor probatório das declarações de parte, porque no processo penal as declarações do assistente e das partes civis podem por si só sustentar a convicção do tribunal, e porque importa em primeiro lugar valorar as declarações (da parte), e só depois a pessoa do depoente, porquanto a metodologia contrária implica prejulgar as declarações de parte e incorrer no viés confirmatório.
g) Aliás, e no caso concreto, esta divergência da jurisprudência nem sequer assume especial relevância; por um lado porque as declarações de parte da R. surgem como contra-prova, e não prova; como aludimos acima, seria aos AA quem caberia provar a consistência e seriedade do dano de perda de chance processual, o que não ocorre (em rigor, como salientámos acima, tratar-se-á até de uma falta de alegação de factos que permitissem retira aquela conclusão).
Depois, porque as declarações da R. são compatíveis com os documentos juntos aos autos, e com as regras da experiência. Por exemplo, a única explicação para a R. ter apresentado a oposição à execução (documento junto pela AT aos autos em 7-10-22), é a por si avançada nas declarações de parte; pretendia-se com a mesma oposição simplesmente chamar a atenção à AT de que o valor que se pretendia executar deveria refletir o sucesso parcial da reclamação graciosa apresentada anteriormente pela R. em representação dos AA. (na execução em causa, contra a qual a R. deduziu oposição, pedia-se o pagamento do valor correspondente à 2ª liquidação do imposto, e não à 3ª liquidação, que era a correta). Tendo a AT atendido ao teor dessa mesma oposição - passando a deduzir execução, pelo valor da 3ª liquidação -, a R. desistiu da mesma oposição por inutilidade superveniente da lide (uma vez que os AA. entretanto pagaram a quantia exequenda de acordo com os valores já corrigidos, corretamente liquidados).
h) Os AA., na conclusão 8ª, defendem que o “Tribunal olvidou, igualmente, as especiais qualidades da 1ª Ré, pois sendo a mesma advogada de profissão e, portanto, com um grau de preparação superior a qualquer cidadão comum no que importa para a diligência a que se submeteu, é evidente que as suas declarações teriam um maior aprumo e assertividade, dada a maior preparação técnica, não tendo tais circunstâncias sido consideradas na avaliação e ponderação da prova”. É certo que as declarações da R. foram proferidas com a assinalada assertividade e com o evidente à-vontade de quem é profissional do foro (isto é, pessoa habituada a falar em público, numa sala de audiências), mas essa circunstância também não deve prejudicar a credibilidade que mereceram as declarações de parte da R.
Em suma, compreende-se e aceita-se a especial valoração das declarações de parte da R.; concorda-se com a decisão recorrida quando após revelar atenção relativamente à especificidade do meio de prova considerado (as declarações de parte) conclui que no caso em apreço, a Ré (…) com as suas explicações rigorosas e objectivas sobre a factualidade dos autos, não só “desmontou” a tese que o Autor ensaiou demonstrar em juízo, como demonstrou, em sede de contraprova, que cumpriu o seu mandato de forma escrupulosa e isenta. Pelo que este meio de prova, apesar da sua particularidade e nas circunstâncias do caso concreto revelou-se, afinal a par dos documentos, o mais útil e relevante para cabal esclarecimento da factualidade controvertida, nomeadamente, quanto aos pontos 23. A 32. dos factos provados.
Improcede assim o recurso, no que concerne às 14 primeiras conclusões, nas quais os AA pretendiam que fosse revertida a matéria de facto provada em não provada (ou seja, que os factos provados n.ºs 22 a 32 fossem julgados como não provados) tendo como fundamento a impossibilidade de valorar as declarações de parte produzidas pela R. em julgamento.
i) A partir da conclusão 15), defendem os AA ora recorrentes que deveriam ter sido dados como provados pontos “B)”, “C)” e “D)” que a decisão recorrida julgou como não provados.
Recorde-se o teor desses factos não provados: b) “Que os Autores tentaram por inúmeras vezes, por email e telefone, obter informações da Ré sobre os processos fiscais e que as respostas foram sempre inconclusivas, evasivas e sem resolução, e que a Ré evitava reunir-se com os Autores e atender os seus telefonemas ou responder aos emails (artigos 25º e 26º da p.i.).” c) Que só quando se deslocou ao Serviço de Finanças de Cascais o Autor tomou conhecimento de que a Ré não havia dado entrada da impugnação judicial subsequente ao deferimento parcial da reclamação graciosa (artigo 31º da contestação); d) Que a Ré sempre afirmou aos Autores que aguardava pelas decisões no processo de execução fiscal e da impugnação judicial (art.º 41º da p.i.).
j) O conhecimento da impugnação da matéria de facto é quanto a estes factos inútil; ainda que tivessem sido dados como provados, não permitiriam configurar o dano da perda de chance, nem o nexo de causalidade entre o comportamento pretensamente omissivo da R. e a verificação deste dano.
Isto é, ainda que se considerassem estes factos como provados, manter-se-ia sem resposta a seguinte questão: caso a R. tivesse recorrido aos meios graciosos disponíveis (ou seja, a outra reclamação graciosa que não a apresentada e parcialmente bem sucedida), ou instaurado a ação de impugnação judicial que os AA. afirmam que a mesma se comprometeu a instaurar, que chances teria de obter (algum) vencimento? Porque razão os AA, enquanto alegados lesados, se encontravam numa situação fáctico-jurídica idónea à obtenção de um resultado favorável nos processos que deveriam ter sido instaurados? Que fundamentos jurídicos deveriam ter sido deduzidos nessas ações ou reclamações que permitiriam a redução do imposto? Como se referiu acima, nada é dito a esse respeito na petição inicial; não se percebe porque razão a instauração daqueles processos (quais?) se traduziriam em alguma probabilidade (por menor que fosse) de obter a redução do montante dos impostos a pagar…
k) E se já assim era na petição inicial, a situação ficou ainda mais clara no sentido de se concluir pela inexistência de algum fundamento para a impugnação da liquidação do imposto, após serem considerados como provados os factos 23 a 32, alegados pela R. na sua contestação, e considerados provados com base essencialmente nas declarações de parte da mesma R., as quais - como acima avaliámos - se mostraram coerentes com os documentos juntos aos autos e as regras da experiência. Aliás, da prova desses mesmos factos resulta que devam ser logicamente considerados como não provados especialmente os factos (julgados não provados) C) e D), uma vez que não existiam motivos para que se instaurasse a impugnação judicial neles referida (aceitando a R. que nunca instaurou esses processos).
l) E quanto ao facto não provado B), convocando-se no recurso para a sua prova o depoimento de B… (filho dos AA), para além de aquele depoimento ter sido avaliado pelo tribunal do julgamento como pouco isento (o que é difícil de sindicar por este tribunal de recurso, face à falta de imediação), deve ainda considerar-se que resulta dos autos que a R. representou judicialmente os aqui AA. e o mesmo B… noutros processos. E assim sendo, admite-se que possa ocorrer alguma confusão relativamente às informações solicitadas e alegadamente não respondidas pela R. (isto é, relativamente a que processos foi pedida informação).
Sintomático do que agora se conjetura, é a circunstância de os AA., no art.º 9º da petição inicial, alegarem que mandataram a R. “para reclamar da referida nota de liquidação de IRS, e tudo o que, nos termos da lei, fosse possível reclamar à Autoridade Tributária”, remetendo a prova desse facto para a “procuração que se junta como doc. 4”. Ora consultado esse mesmo documento n.º 4 (ref. citius 25798357) o que se constata é que se trata de uma procuração passada pelos AA e pelo filho B… à R. para que esta os representasse … no “processo judicial a mover contra o Sr. GS e C N” !… (ou seja, noutro processo completamente diferente, sem qualquer ligação à questão tributária)
Acresce que a R., em declarações de parte, referiu que a maior parte das respostas foi dada por telefone e não por mail (cfr. parte final do facto não provado B), o que se considera como aceitável face às regras da experiência, especialmente porque os AA. não tinham endereço de mail.
m) De todo o modo, admite-se que a R. possa não ter respondido perfeitamente, nem com toda a pontualidade, a todas as solicitações por parte dos AA. relativamente ao andamento dos processos, mas para além de a prova indicada pelos AA. no recurso não impor a convicção de que o facto não provado B) deveria ter sido dado como provado, não é da eventual omissão desse dever de informação que resultou que os AA. tenham tido que suportar o pagamento do imposto como liquidado pela AT., nem sofrido os danos não patrimoniais que alegam ter sido causados pelas penhoras (cfr. art.º 73º da petição inicial).
n) Em suma: independentemente de a prova indicada pelos AA. não surgir como concludente no sentido de impor a convicção de que aqueles factos B, C, e D deveriam ser dados como provados, (a prova indicada são declarações do filho dos AA. do A. e de um amigo, e não – por exemplo – documentos juntos aos autos), ainda que assim fosse tal surgiria como inútil no sentido de permitir a procedência da ação, tal como é configurada pelos AA na petição inicial, uma vez que dos factos provados 22º a 32º resulta o cumprimento diligente do mandato por parte da R.
o) A partir da conclusão 38º em diante, iniciam os AA. recorrentes aquilo que intitulam como “impugnação de direito”.
Essas conclusões partem do pressuposto de que este tribunal da Relação iria reverter a matéria de facto provada em não provada (desde logo considerando como não provados os factos 23º a 32º), o que – como vimos – não se verifica, o que torna inútil o seu conhecimento, uma vez que a matéria de facto não permite integrar os requisitos dos quais depende o nascimento da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil pela perda de chance, especialmente vista à luz da doutrina fixada pelo A.U.J. do S.T.J. n.º 2022 a que acima fizemos referência; a prova produzida não permitiu minimamente configurar alguma probabilidade ou possibilidade de os AA liquidarem menos imposto caso a 1ª Ré tivesse cumprido o seu mandato de forma diferente (interpondo as ações que os AA alegam que deveriam ter sido interpostas), sendo certo que resultou até provado que a R. cumpriu com diligência o mandato. V – Dispositivo
Face ao exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 25 de Março de 2025
João Bernardo Peral Novais
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa