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EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO COMPLEXO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário
da responsabilidade do relator: I. O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda tanto pode ser simples (integrado por um único documento) como ser complexo (constituído por vários documentos que se completam entre si de molde a demonstrar a obrigação exequenda). II. O título executivo previsto no Artigo 14º-A, nº 1, do NRAU é complexo. III. Perante a omissão da junção, com o requerimento executivo, de um documento necessário à constituição de um título executivo complexo, cabia ao tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento nos termos do 726º, nº 4, do Código de Processo Civil. IV. Tendo os embargados/exequentes junto o contrato de arrendamento com a contestação aos embargos, há que extrair as devidas consequências de tal ato, atuando o princípio do dever de gestão processual (Artigo 6º, nº 1, do Código de Processo Civil), determinando-se o aproveitamento desse ato.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO
EF, executado nos autos de execução para pagamento de quantia em que são exequentes AB e CD, deduziu oposição à execução mediante embargos de executado pedindo a procedência da mesma, declarando-se extinta a execução.
Para o efeito alegou a inexistência de título executivo porquanto os exequentes não lograram dar à execução título previsto no Artigo 14º-A do NRAU, mas apenas uma notificação judicial avulsa.
Após admissão liminar da oposição à execução mediante embargos de executado, os exequetnes contestaram, reiterando os fundamentos da execução e pugnando pela improcedência da oposição à execução mediante embargos de executado. Sustentaram que a notificação judicial avulsa foi feita munida da documentação necessária. Juntaram com a contestação o contrato de arrendamento.
Foi proferido saneador-sentença que julgou os embargos procedentes, determinando a extinção da execução e levantamento da penhora.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os exequentes formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
A) Os Recorrentes/Exequentes /Embargados não se podem conformar com a sentença de mérito do Tribunal a quo, que decidiu extinguir a presente execução e consequente levantamento da penhora.
B) Os Recorrentes/Exequentes/Embargados, por lapso, não juntaram o contrato de arrendamento com a notificação judicial avulsa que serve de título executivo, mas desta, depreendia-se, – inequivocamente -, que o mesmo existia;
C) O mesmo foi junto em sede de contestação, para cumprimento do art.º 703.º do C.P.C.
D) Ora, o art.º 726.º nº 4 do C.P.C. conjugado com o art.º 6.º n.º 2 do C.P.C., dispõe que o Juiz convidará as partes a suprir as irregularidades do requerimento executivo ou a sanar a falta de pressupostos, desde que tal seja possível.
E) E, só depois, não havendo suprimento, deve indeferir o requerimento.
F) É de elementar justiça a intenção do legislador em aproveitar os termos da execução, fornecendo ao julgador os meios legais para que possa preencher a falta de pressupostos ou eliminar irregularidades sanáveis.
G) Nada impediria os Recorrentes/Exequentes/Embargados de alegar factos impeditivos ou extintivos do Direito invocado pelo Executado/Embargante/ Recorrido.
H) A contrário, os Recorrentes/Exequentes/Embargados deviam ter podido invocar os factos constitutivos da alegada falta de um pressuposto processual.
I) Esta situação era e foi, facilmente sanável pois o contrato de arrendamento sempre existiu e era do conhecimento das partes.
J) Deduzidos os embargos, o MM.º Juiz estava em tempo para cumprir o art.º 734.º n.º 1 do C.P.C.
K) Não fez porque não quis.
L) Esta sentença prejudica os Recorrentes/Exequentes/Embargados que são credores de uma dívida de 11.000€, valor que se encontra penhorado.
M) A ser levantada esta penhora, o seu direito fica irremediavelmente comprometido.
N) Pelo exposto, requer-se a anulação da sentença do Tribunal a quo, sendo substituída por outra que mande prosseguir os presentes autos de execução.
Assim se fazendo a costumada, Justiça!»
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Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir é a de saber se deve manter-se a procedência dos embargos por falta de título executivo ou se, diversamente, deve a decisão ser revogada e ser ordenada o convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial executivo.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Os exequentes AB e CD instauraram a ação executiva para pagamento de quantia certa da qual os presentes autos constituem apenso contra o executado EF, ora embargante, apresentando como título executivo uma notificação judicial avulsa, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. Com o requerimento executivo os exequentes juntaram a notificação judicial avulsa referida em 1., um documento único de cobrança (DUC), um comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da execução, certidão da concretização da notificação judicial avulsa referida em 1. e procuração forense.
3. No requerimento executivo os exequentes indicam como título executivo “Outro título com força executiva” e alegam no campo destinado aos “Factos” o seguinte:
“(...) Factos: O ora Executado deve o valor de €10.386,82€ a título de rendas vencidas e não pagas, aos Exequentes. O Executado foi citados através de notificação judicial avulsa que se junta, por Agente de Execução, mas até à data não pagou. Àquele valor acrescem juros de mora no valor de 162,77€, 25.50€ de taxa de justiça, 94.10€ de pagamento de fase 1 e 430,50€ de honorários de advogado com Iva incluído, cifrando-se a dívida num total de 11.099,69€.”. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio:
«No caso dos autos, os exequentes apresentaram como título executivo uma notificação judicial avulsa.
Ora, a notificação judicial avulsa, por si só, não constitui título executivo porquanto não se integra em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil.
Se os exequentes pretendiam instaurar a execução ao abrigo do disposto no artigo 14º-A, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (que estabelece, no seu n.º 1, que o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário), como vieram defender em sede de contestação, então deveriam ter juntado, desde logo, com o requerimento executivo, o contrato de arrendamento, o que manifestamente não fizeram.
Com efeito, compulsados os autos de execução, o que se constata é que, ao invés do que vêm agora sustentar, os exequentes juntaram, com o requerimento executivo, apenas a referida notificação judicial avulsa, um documento único de cobrança (DUC), um comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da execução, a certidão da concretização da notificação judicial avulsa e a procuração forense, dele não constando qualquer contrato de arrendamento. E de seguida a execução prosseguiu os seus termos para identificação e localização de bens penhoráveis tendo a citação do executado, ora embargante, sido feita com os documentos que constavam do requerimento executivo, pois nenhuns outros foram juntos pelos exequentes aquando da propositura da execução.
Os exequentes juntaram o contrato de arrendamento apenas em sede de contestação, ou seja, em fase posterior à citação do executado/embargante para os termos da execução e à dedução dos presentes embargos, impedindo assim o executado de sobre ele exercer a sua defesa quanto ao que dele resulta nos presentes embargos de executado que deduziu, pelo que não pode tal contrato de arrendamento, nesta fase, servir para colmatar a falta de título executivo válido contra o executado/embargante aquando da propositura da execução.
Inexiste, pois, título executivo na execução, o que determina a
procedência dos presentes embargos de executado.»
Não acompanhamos o raciocínio expendido pelo tribunal a quo.
Nos termos do Artigo 726º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo. E «Fora dos casos previstos no nº 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 2 do artigo 6º» (nº4 do mesmo Artigo 726º).
«A falta manifesta do título executivo (1ª parte do nº 2-a) não se confunde com a falta da sua apresentação, em cópia ou original (art. 725-1-d): o titulo falta manifestamente quando a sua inexistência é revelada através do requerimento executivo ou dos documentos que o acompanham, como, por exemplo, quando o exequente reconheça não haver qualquer título ou apresente um documento não revestido de exequibilidade (…)» (José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª ed., 2022, p. 440).
Consoante se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, p. 74:
«O indeferimento liminar deve ser reservado para situações em que, sem outras indagações, se verifiquem falhas nos pressupostos processuais ou nas condições de natureza substantiva que impeçam o início da atividade executiva. Desde logo, a invocação de um título a que reconhecidamente não seja atribuída exequibilidade ou em que esta dependa de elementos que não estão verificados (não se vislumbrando que possam ser obtidos por via de um convite ao aperfeiçoamento), abarcando ainda as situações em que o título executivo apresentado não é concordante com o objetivo da ação executiva. Numa outra perspetiva, o indeferimento deve ser reservado a situações em que seja inequívoco o sentido da decisão a tomar, querendo isto significar que não deverá ocorrer quando se tratar de aspetos que recebam respostas diferenciadas na doutrina ou na jurisprudência.»
Deve distinguir-se a situação em que falta realmente o título executivo daquela em que o exequente simplesmente omitiu a sua junção (Op. Cit., p. 85).
Diversamente, já justificam a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento as seguintes situações: «(…) sanação da incapacidade judiciária, da representação irregular, da falta de patrocínio obrigatório ou da junção de documento complementar do título executivo nos termos dos artigos 54º nº1 e 707º (…)» (Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, p. 354); «(…) falta de apresentação do título executivo sem que a secretaria haja recusado o requerimento executivo (art.º 725-1-d) (…)» (José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª ed., 2022, p. 439). «Fora desses casos, estranhar-se-á que a falta de apresentação do título seja fundamento de recusa do requerimento pela secretaria, mas deve dar lugar ao despacho de aperfeiçoamento quando a secretaria não o tenha recusado (…)» (Op. Cit., p. 440).
Na jurisprudência sobre esta questão, relevam os seguintes arestos.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-5-2021, Ana Paula Amorim, 1949/19:
A decisão de julgar extinta a execução por falta de documentos que completam o título executivo, deve ser precedida do despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art.º 726º/4/5 CPC.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.9.2019, Cristina Silva Maximiano, 35949/11:
A insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excecional, sendo esse o significado de “manifesta”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.9.2021, Castelo Branco, 20315/19:
VII) O indeferimento liminar do requerimento executivo deve ser reservado para situações em que, sem outras indagações, se verifiquem falhas nos pressupostos processuais ou nas condições de natureza substantiva que impeçam o início da atividade executiva, como a invocação de um título a que reconhecidamente não seja atribuída exequibilidade ou em que esta dependa de elementos que não estão verificados (não se vislumbrando que possam ser obtidos por via de um convite ao aperfeiçoamento).
VIII) Destas situações distingue-se aquela em que, existindo, embora, título executivo, o mesmo, por impossibilidade temporária ou pura omissão, não foi apresentado; neste caso, em lugar do indeferimento liminar, ajusta-se o despacho de convite ao aperfeiçoamento, eventualmente seguido de indeferimento, se persistir a falta do documento.
Feita esta introdução geral, é manifesto que os exequentes instauraram a execução assumindo a existência de título executivo, nos termos do Artigo 14º-A, nº 1, do NRAU, nos termos do qual:
«1. O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.»
Consoante se refere no Acórdão do STJ 13.2.2023, Isaías Pádua, 4136/15:
I - O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda tanto pode ser simples (integrado por um único documento) como ser complexo (constituído por vários documentos que se completam entre si de molde a demonstrar a obrigação exequenda).
O título executivo previsto no referido Artigo 14º-A é, assim, complexo porquanto integrado por vários documentos que se completam, sendo um deles o contrato de arrendamento.
Sucede que os exequentes não juntaram com o requerimento executivo o referido contrato de arrendamento, o que só fizeram com a contestação aos embargos.
Perante a omissão da junção, com o requerimento executivo, de um documento necessário à constituição de um título executivo complexo, cabia ao tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento nos termos do 726º, nº4, do Código de Processo Civil. A doutrina e jurisprudência acima mencionadas são confluentes nessa solução, a qual corresponde à melhor interpretação do Artigo 726º, nº4, do Código de Processo Civil.
O tribunal a quo omitiu tal despacho, precipitando-se no julgamento da procedência dos embargos por falta de título executivo.
Assim, numa primeira leitura, haveria que revogar a decisão impugnada, determinando o prosseguimento dos autos com a prolação de tal despacho de aperfeiçoamento.
Todavia, tendo os embargados/exequentes junto o contrato de arrendamento com a contestação aos embargos, há que extrair das devidas consequências de tal ato, atuando o princípio do dever de gestão processual (Artigo 6º, nº 1, do Código de Processo Civil), determinando-se o aproveitamento desse ato. Dito de outra forma, não faria sentido ordenar a prolação de um despacho de aperfeiçoamento para junção de um documento complementar do título executivo (complexo) num contexto processual em que tal documento já se mostra junto ao processo.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. artº. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes). DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão que julgou procedentes os embargos por falta de título executivo, devendo os embargos prosseguir no pressuposto da existência do título executivo complexo previsto no Artigo 14º-A, nº 1, do NRAU.
Custas pelo apelado na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 25.3.2025
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Cristina Maximiano
Ana Mónica Mendonça Pavão
______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22, de 13.2.2025, Luís Mendonça, 2620/23. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, FonsecaRamos, 971/12).