ACTIVIDADE CONCORRENCIAL DE GERENTE
PRAZO ESPECIAL DE PRESCRIÇÃO
LEGISLAÇÃO COVID-19
SUSPENSÃO DE PRAZO
Sumário


I. No art.º 174.º do CSC estão em causa situações de direitos da sociedade, e contra a sociedade, relativamente a fundadores, a sócios, a gerentes, a administradores, a membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, a ROC e a liquidatários, que prescrevem em cinco anos.
II. No art.º 254.º do CSC está em causa a proibição do gerente exercer actividade concorrente com a sociedade; e o direito de indemnização pelos prejuízos que resultem dessa conduta prescreve em 90 dias.
III. Estando em causa a particular conduta prevista no art.º 254.º do CSC (de actividade concorrencial), e não qualquer outra violação de deveres de gerente de sociedade comercial, o prazo de prescrição para a propositura da acção de responsabilidade civil com vista ao ressarcimento de danos assim causados é o especial previsto no art.º 254.º, n.º 6, do CSC, de 90 dias, e não o geral previsto no seu art.º 174.º, n.º 1, al. b), de 5 anos.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.ª Adjunta - Maria Gorete Morais.

*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., ..., freguesia ..., em ..., e EMP01..., Limitada, com sede na Rua ..., União de freguesias ... e ..., em ... (aqui 1.ª co-Autora e 2.ª co-Autora, respectivamente), propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., freguesia ..., em ..., e EMP02... Unipessoal, Limitada, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., em ... (aqui 1.º co-Réu e 2.ª co-Ré, respectivamente), pedindo que

A - se condenassem solidariamente os co-Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada) a pagar à 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), por desvio de clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo 1.º co-Réu (BB), o valor de € 649.848,00, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.

B - se condenassem solidariamente os co-Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada) a pagar o montante a liquidar em execução de sentença, a fim de ressarcir as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) dos danos já sofridos e que venham a sofrer, alegados na petição, mas que ainda não foi possível quantificar (conforme se alegou nos artigos 106.º a 116.º da mesma);

C - se declarasse nulo e de nenhum efeito o contrato de constituição da 2.ª co-Ré (EMP02... Unipessoal, Limitada), ordenando-se o cancelamento do respectivo registo;

D - (subsidiariamente, caso não procedesse o pedido formulado em C)) se decretasse a dissolução da 2.ª co-Ré (EMP02... Unipessoal, Limitada), ordenando-se o registo dessa mesma dissolução.

E - e se condenassem solidariamente os co-Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada) no pagamento do montante de € 60.000,00, por danos não patrimoniais sofridos pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada), em consequência directa e necessária da conduta concertada e deliberada dos mesmos (sendo € 30.000,00 para cada co-Autora).

Alegaram para o efeito, em síntese e exclusivamente no que ao objecto do recurso interessa, que tendo a 1.ª co-Autora (AA) e o 2.º co-Réu (BB) sido casados entre si, constituíram na constância do matrimónio a 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada), de que ambos eram únicos sócios e gerentes.
Mais alegaram que, tendo-se posteriormente divorciado, o 1.º co-Réu (BB) passou a concorrer deslealmente com aquela Sociedade, nomeadamente desviando para uma nova que constituiu em 20 de Junho de 2019, a aqui 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada) - de que é o único sócio e gerente -, com o mesmo objecto social daquela outra, todos os seus clientes da área de agenciamento têxtil e de seguros.
Alegaram ainda que o 1.º co-Réu (BB) actuou sempre sem o conhecimento e a autorização da 1.ª co-Autora  (AA), na sequência de um plano premeditado, em cuja execução: facturou de imediato em nome da 2.ª co-Ré  (EMP02..., Unipessoal, Limitada) as comissões em dívida dos clientes da 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada), de valor superior a € 105.723,74 (integrando-as naquela e desviando-as da sua legítima credora); desviou todos os clientes têxteis e a base de dados da 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada) para a 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada), representando os mesmos uma facturação anual em comissões, no mínimo, superior a € 100.000,00; iniciou em nome individual a actividade de mediador de seguros, solicitando às seguradoras a transferência de toda a carteira de seguros da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) para si próprio, bem como o encerramento do acesso da Sociedade a elas próprias, e comunicou ainda  a todos os tomadores dos seguros em causa a transferência operada, e sendo precisamente a carteira de seguros uma das principais actividades da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) e a  mais rentável, representando um volume de comissões anual superior a € 80.000,00; mudou-se fisicamente para as instalações da 2.ª co-Ré  (EMP02..., Unipessoal, Limitada), levou consigo toda a base de dados dos clientes de seguros da 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada), bem como a sua trabalhadora CC (que celebrou contrato de trabalho com a 2.ª co-Ré); retirou da parede exterior do edifício da 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada) publicidade com menção da Companhia de Seguros EMP03...; e transferiu para a 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada) o número de telefone da 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada), existente desde a sua constituição junto dos clientes têxteis, dos clientes de seguros e da área da contabilidade.
Por fim, alegaram que todas estas actuações do 1.º co-Réu  (BB) o foram em prejuízo da co-Autoras, vendo nomeadamente a 1.ª co-Autora  (AA) a sua quota social na 2.ª co-Autora  (EMP01..., Limitada) totalmente desvalorizada;  e mantendo o mesmo, em nome pessoal e através da 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada), uma actividade  concorrencial com a actividade daquela primeira Sociedade, já que, pelo seu objecto e pela área geográfica de actuação, desviou dela anterior e respectiva clientela.
Pediram, por isso, que os co-Réus (BB e EMP02..., Unipessoal, Limitada) fossem solidariamente condenados a indemnizá-las «pelo desvio da clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo réu BB», liquidando os prejuízos já verificados em € 649.848,00, e remetendo para liquidação «em execução de sentença» os que «ainda não foi possível de quantificar».

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada) contestaram conjuntamente, pedindo, nomeadamente, que se julgasse procedente a excepção peremptória de prescrição do direito das co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) os demandarem, devendo, por isso, serem absolvidos do pedido.
Alegaram para o efeito, em síntese e exclusivamente no que ao objecto do recurso interessa, que a acção de responsabilidade civil por actividade concorrencial terá que ser intentada nos noventa dias seguintes ao conhecimento que dela tenham tido os sócios da sociedade assim prejudicada, conforme art.º 254.º, n.º 6, do CSC.
Mais alegaram que, tendo em 28 de Julho de 2020 a 1.ª co-Autora (AA) pedido judicialmente a destituição do 1.º co-Réu (BB) como gerente da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), com o mesmo exacto fundamento de actividade concorrencial que aqui de novo invoca, só em Abril de 2022 foi o mesmo citado para os presentes autos.
Defenderam, por isso, estar prescrito qualquer direito das co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) de serem indemnizadas por qualquer actividade concorrencial que alegadamente o 1.º co-Réu (BB) tivesse exercido (e que, não obstante, negaram ter existido).
 
1.1.3. As co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) responderam à excepção de prescrição invocada, pedindo que fosse julgada improcedente.
Alegaram para o efeito, sempre em síntese, assentar a presente acção «na concorrência desleal e em outros factos praticados pelos réus em conluio», concretamente, «o desvio da clientela têxtil e do ramo de seguros, faturação na nova sociedade ré de comissões pertença da autora EMP01..., desvio do número de telefone e base de dados de todos os clientes dos citados ramos de actividade para os réus».
Mais alegaram terem estado suspensos os prazos de prescrição por força das normas excepcionais associadas à pandemia de Covid 19 (nomeadamente, por 86 dias em 2020 e por 74 dias em 2021); e ter a 1.ª co-Autora (AA), como qualquer outro cidadão, estado impedida de fazer valer os seus direitos durante o estado de emergência associado à dita epidemia, que apenas cessou em 30 de Abril de 2021 (por decreto do Presidente da República n.º 7/2021), impondo-se, assim, a suspensão de qualquer prazo de prescrição no decurso dos seus três últimos meses, nos termos do art.º 321.º, n.º 1, do CC.

1.1.4. Foi proferido despacho saneador, certificando a validade e a regularidade da instância; e, relativamente aos pedidos formulados pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) sob as alíneas A) e B), conhecendo-se da excepção peremptória de prescrição invocada pelos co-Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada), julgando a mesma procedente (e absolvendo-se o 1.º co-Réu dos mesmos) e julgando-se procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial relativamente à 2.ª co-Ré (EMP02... Unipessoal, Limitada) (absolvendo-se a mesma da respectiva instância),  lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Ora, da análise dos factos, e conforme já referimos, o direito a propor a acção prescreve no prazo de 90 dias, como já se deixou dito, a primeira A. requereu a destituição de gerente do R. no dia 28 de Julho de 2020, em acção já identificada, com o fundamento da alegada atividade concorrencial exercida pelo R., o que demonstra claramente que desde pelo menos esse referido dia que as AA. sabem das invocadas práticas concorrenciais que imputa ao R. e aplicando-se o prazo prescricional de 90 dias para a propositura da acção, esta devia ter sido intentada até ao dia 27 de Outubro de 2020. Nesta altura não estava em vigor qualquer qualquer suspensão de prazos, que como se disse supra a primeira decorreu de 09-3-2020 a 03-6-2020 e a segunda entre 22/01/2021 a 06/04/2021.

 Assim, e sem mais delongas a respeito, declara-se a prescrição do direito da sociedade autora intentar a presente acção contra o réu BB e, consequentemente, absolve-se o Réu BB do pedido de pagar à autora sociedade pelo desvio da clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo réu BB, o valor de € 649.848,00 - seiscentos e quarenta e nove mil, oitocentos e quarenta e oito euros, a que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

Termos em que concluímos pela extinção do direito invocado, o que constitui uma excepção peremptória, importando a absolvição total do pedido quanto ao Réu BB nos termos do disposto nos artigos 571.º n.º 2 in fine e 576.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Acrescente-se, por fim, que consideramos que a petição inicial é inepta no que respeita aos pedidos em causa, por falta de indicação de causa de pedir contra a sociedade 2ª Ré, ineptidão que configura uma excepção dilatória, insuprível e de conhecimento oficioso, a implicar a nulidade de todo o processo relativamente à EMP02... UNIPESSOAL, LDA. e a respectiva absolvição da instância, nos termos dos artigos 186º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 576º, n.º 1 e 2 e 577º, n.º 1, alínea b), todos do CPC.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformadas com esta decisão, na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e absolveu o 1.º co-Réu (BB) dos pedidos formulados sob as alíneas A) e B), as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a mesma; e se ordenasse a verificação, em sede de audiência de discussão e julgamento, dos factos por si alegados com a consequente responsabilização do 1.º co-Réu (BB).
 
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção, e no que à economia do presente recurso diz respeito):

1.º - As recorrentes não podem conformar-se com a decisão proferida nos presentes autos que julgou procedente a excepção de prescrição deduzida pelos réus.

2.º - Com o devido respeito, entendemos que o tribunal “a quo” analisou mal os factos alegados na petição inicial, acção que não se fundamenta apenas na concorrência desleal.

3.º - Outros factos lesivos para a sociedade EMP01... foram praticados pelo réu gerente BB, como se encontra alegado na petição inicial.

4.º - Factos que fazem incorrer em responsabilidade o gerente e réu BB, nos termos do disposto nos artigos 64.º, 72.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais.

5.º - Entendeu o Tribunal “a quo” que estando em causa uma acção de responsabilidade proposta contra um seu gerente, com fundamento no exercício, por conta alheia, de actividade concorrente com a da sociedade autora, a disposição chave a atender para a decisão desta questão da prescrição é precisamente a do artigo 254º do CSC citado.  

6.º - Entendeu assim o tribunal que o direito a propor a acção prescreve no prazo de 90 dias e, em consequência, julgou procedente a excepção de prescrição.  

7.º - A presente a acção fundamenta-se em vários factos e actos praticados pelo gerente, para além da concorrência desleal, que o fazem concorrer em responsabilidade e que o Tribunal “a quo” não teve em consideração, em concreto:

- Que a primeira autora e primeiro réu foram casados entre si, desde ../../2006 e divorciaram-se em ../../2019. 

- A primeira autora e o primeiro réu, seu ex-marido BB, constituíram, em 26 de Janeiro de 2012, a sociedade por quotas com o NIPC ...70, denominada “EMP01..., LDA.”, com sede na Rua ..., União de freguesias ... e ..., ... ..., com o capital social atual de €  5.000,00 (cinco mil euros), repartido por duas quotas sociais, cada uma de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pertencendo as quotas a cada um dos ex-cônjuges. 

- A gerência pertenceu a ambos os ex-cônjuges até ao dia 24 de Fevereiro de 2021, data em que o primeiro réu renunciou à gerência na sociedade autora. 

- O primeiro réu assumiu uma postura concorrencial para com a EMP01..., desviando da sociedade todos os clientes da área de agenciamento têxtil e de seguros. Em prejuízo da sociedade EMP01..., segunda autora, e da primeira autora que viu e vê a sua quota social na sociedade totalmente desvalorizada. 

- Assim, sem o conhecimento e autorização da autora mulher, o primeiro réu em 20 de Junho de 2019, constituiu a sociedade comercial unipessoal, aqui segunda ré, denominada EMP02... UNIPESSOAL, LDA., NIPC ...52, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., ..., morada dos pais do requerido, sociedade cujo primeiro réu é único sócio e gerente e cuja actividade é o agenciamento de negócios e mediação imobiliária, o mesmo objecto da sociedade EMP01.... 

- Na sequência de plano premeditado, o primeiro réu facturou de imediato em nome da EMP02... as comissões em dívida dos clientes à EMP01..., de valor superior a € 105.723,74 euros, que o primeiro réu desviou da EMP01... e integrou numa sociedade sua. Para agravar, todos os clientes têxteis e base de dados da EMP01... foram desviados para a nova sociedade aqui segunda ré, clientes cuja facturação anual em comissões era superior a € 100.000,00 euros, no mínimo. 

- Em Maio de 2020, na continuação do plano deliberadamente elaborado, o primeiro réu desviou em nome próprio e para a segunda ré toda a carteira de seguros da sociedade EMP01.... 

- O primeiro réu iniciou em nome individual a actividade de mediador de seguros, até então exercida pela sociedade EMP01.... Para o efeito e segundo plano premeditado, o primeiro réu solicitou às seguradoras, na qualidade de gerente da sociedade EMP01..., a transferência da carteira de seguros da sociedade EMP01... para seu nome individual. 

- Mais solicitou às companhias de seguros, em virtude da transferência das carteiras seguros, o encerramento do acesso da sociedade EMP01... às companhias de seguros.

- A carteira de seguros da sociedade EMP01... era uma das principais actividades da sociedade e a mais rentável, representando na sociedade um volume de negócios anual superior a € 80.000,00 euros, em comissões.

- O primeiro réu levou consigo toda a base de dados dos clientes têxteis e de seguros e mudou-se fisicamente no início do mês de Setembro de 2020 para as instalações da sociedade EMP02..., sitas na Av. ..., Loja ..., ... ..., ....

- No início do mês de Setembro de 2020, de noite, o primeiro réu deslocou-se às instalações da EMP01... e retirou da parede exterior do edifício a publicidade com menção da Companhia de Seguros EMP03... que a sociedade autora representava – “EMP03... – Agente Principal.

- Junto da operadora de telecomunicações EMP04..., arrogando-se gerente da EMP01..., que era de facto naquela data, transferiu para a EMP02... o número de telefone ...39, que era o número de telefone da EMP01... que existe junto dos clientes têxteis, seguros e da área da contabilidade desde a constituição da sociedade. 

- O primeiro réu, depois de praticar os factos supra alegados, praticar actos e factos em total prejuízo da sociedade EMP01..., da autora mulher e em benefício dos réus e a actividade exercida pela sociedade EMP02... UNIPESSOAL e pelo primeiro réu em nome próprio, é concorrencial com a actividade da sociedade EMP01... pois, pela sua actuação e situação geográfica concorre com ela de modo a causar o “desvio de Clientela”. 
 
8.º - Ou seja, além da actividade concorrencial que o réu BB começou a exercer como gerente da sociedade ré EMP02..., outros graves factos, extremamente lesivos para a EMP01... praticou:
 
- O réu BB, facturou em nome de sociedade terceira, comissões que pertenciam à sociedade EMP01... de valor superior a € 105.000,00 euros;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para sociedade terceira toda a carteira de clientes têxteis;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para sociedade terceira toda a carteira de seguros;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu para sociedade terceira o número de telefone da EMP01..., que existia em todos os clientes.
 
9.º - Aliás, estes factos e actos praticados pelo réu BB como gerente da EMP01..., em prejuízo da sociedade, encontram-se na maioria confessados em sede de contestação.
 
10.º - Factos que deram origem e fundamentaram uma Acção Especial de Suspensão e Destituição  de Titular de Órgão Social, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão,Juiz ..., que deu entrada em Juízo em 28 de Julho de 2020, como se encontra provado.
 
11.º - Por transação efetuada nos autos referidos, em 24 de Fevereiro de 2021, o réu BB renunciou à gerência na Sociedade EMP01....
 
12.º - Perfilhando a tese adoptada pelo Tribunal “a quo” (aplicação do disposto no artigo 254.º do CSC), no momento em que o réu renunciou à gerência no âmbito da acção judicial intentada, já tinha prescrito o direito das autoras intentarem uma acção de responsabilidade civil contra o réu BB, pelos factos supra alegados.
 
13.º - Como consta da sentença em crise, tal direito prescreveu em 27 de Outubro de 2020, ou seja, 4 meses antes da concretização da transação, em sede de audiência de discussão e julgamento.
 
14.º - Na esteira da jurisprudência e da doutrina, as autoras entendem que, ao caso concreto, aplica-se o disposto no artigo 174º do Código das Sociedades Comerciais, que dispõe:
«Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade.»
“O n.º 2 do art. 174º, aplicável à responsabilidade, para com sócios ou terceiros, de «fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º», remetendo-se para os factos previstos na al. b) para efeitos de contagem do prazo.
 
15.º - Como consta do Acórdão do STJ, datado de 16.06.2020, proferido no âmbito do processo nº 2231/17.5T8STS.P1.S2:
“O direito de requerer a destituição judicial de administradores ou gerentes de sociedades comerciais, sempre fundada em “justa causa”, promovida pela sociedade ou por sócios, está sujeito ao prazo especial de prescrição societária regulado no art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC”
“O art. 254.º, n.º 6, do CSC («Os direitos da sociedade [por quotas] mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade.»), integrado no regime da violação da obrigação de não exercício por gerente de actividade concorrente com a da sociedade (art. 254.º, n.º 1, CSC), aplica-se aos «direitos da sociedade» referidos no n.º 5 do art. 254.º, ou seja, ao direito de a sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os arts. 72.º e ss. do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente regra da deliberação dos sócios, de acordo com o art. 257.º, n.os 1 e 6, do CSC. Nestas situações, o preceito do n.º 6 do art. 254.º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral societário do art. 174.º do CSC - portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para a responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, al. b)), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios), seja para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do art. 257.º, n.º 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do art. 1055.º, n.º 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente).
Esse prazo de prescrição não se aplica às situações de destituição judicial (facultativa ou imperativa, nos termos do art. 257.º, nos 4 e 5, do CSC) em que se atribui aos sócios quotistas a legitimidade para requerer judicialmente a destituição com justa causa dos gerentes.” – Sublinhado nosso.
A norma do art. 254.º, n.º 6, do CSC, atenta a sua excepcionalidade - tanto por incidir tão-só sobre um dever legal específico, ainda que irradiação do dever geral de lealdade, assim como por se referir à destituição operada por iniciativa da própria sociedade -, não é susceptível de aplicação analógica a todas as outras situações de destituição, deliberada nos termos societários comuns ou judicialmente, do gerente quotista com “justa causa”.
 
16.º - No caso concreto dos autos não existiu destituição deliberativa.
 
17.º - A sociedade EMP01... trata de sociedade por quotas, com dois sócios, com quotas iguais, tendo a autora recorrido ao processo especial de destituição judicial.
 
18.º - O réu BB, apenas destituído no âmbito do processo especial intentado para promover a sua destituição, se afastou da sociedade EMP01..., deixando de praticar actos altamente lesivos para a sociedade.
 
19.º - Não existem dúvidas, até porque confessados em sede de contestação na maioria, que os actos praticados pelo réu BB são ilegais, violam os seus deveres de gerente e foram gravemente lesivos para a sociedade fazendo incorrer em responsabilidade - artigos 64.º, 72.º e 174.º do CSC.
 
20.º - A autora AA intentou a acção especial para destituição do réu/gerente BB em 28 de Julho de 2020 - Processo 3992/20....
 
21.º - Por transação efetuada nestes autos, em sede audiência de discussão e julgamento, com data de 24 de Fevereiro de 2021, o réu BB renunciou à gerência na sociedade EMP01....
 
22.º - Em plena situação de Pandemia COVID 19, em 17 de Fevereiro de 2022, as autoras intentaram a presente acção de responsabilização dos réus.
 
23.º - Mesmo sem contar com os períodos de suspensão dos prazos, consequência da legislação aplicável á situação COVID 19, não existem dúvidas que o prazo para intentar esta acção não se encontra prescrito.
 
24.º - Em face do exposto, deve a decisão proferida em sede de despacho saneador ser revogada, julgando que não se verifica a excepção de prescrição e, em consequência, ordenar a verificação dos factos alegados em sede de discussão e julgamento e consequente responsabilização do sócio BB.
 
25.º - Foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 64.º, 72.º, 79.º, 174.º e 254.º do Código das Sociedades Comerciais.  
*
1.2.2. Contra-alegações
O 1.º co-Réu (BB) contra-alegou, pedindo que se julgasse totalmente improcedente o recurso.
 
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. No que concerne ao aqui recorrido, a douta decisão não é merecedora de qualquer censura ou reparo, na medida em que traduz a verdade material, interpretando e aplicando de modo claro e idóneo o direito.

2. As recorrentes apresentaram recurso da douta decisão proferida em que se insurgem contra o facto do Tribunal “a quo” ter julgado que se verifica a exceção de prescrição invocada pelos RR.

3. No despacho saneador proferido, o Tribunal “a quo” entendeu que a exceção de prescrição invocada pelo recorrido se verificava por força da aplicação do disposto no artigo 254º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais, doravante designado por C.S.C.

4. Tal dispositivo que regula a proibição de concorrência, refere no seu n.º 6, no que concerne ao prazo para intentar a respetiva ação que “Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos após o início dessa atividade”.

5. Por sua vez, o n.º 5 do artigo 254º do C.S.C. refere que: “A infração do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra”.

6. A primeira norma legal estabelece que o prazo máximo para uma sociedade intentar uma ação por exercício de atividade concorrencial por parte do seu gerente é de 5 anos a contar do seu início,

7. Com a especificidade de tal prazo se encurtar para 90 dias a contar da data em que todos os sócios tiverem conhecimento da atividade concorrencial exercida pelo gerente.

8. Tendo a sociedade recorrida EMP01..., Lda. apenas dois sócios, a recorrente e o recorrido, e sendo imputados a este comportamentos concorrenciais, releva saber quando é que aquela teve conhecimento da alegada atividade concorrencial.

9. Conforme consta dos presentes autos, mais concretamente da cópia da petição inicial junta como documento n.º 1, a recorrente requereu a destituição de gerente do recorrido no dia 28 de Julho de 2020 tendo como fundamento essencial para tal pedido a alegada atividade concorrencial exercida por este,

10. O que é demonstrativo que pelo menos desde esse referido dia que a recorrente sabia das invocadas práticas concorrenciais que imputava ao recorrido.

11. Tendo em consideração tais factos, o recorrido deveria ter sido citado para os presentes autos, no máximo, até ao dia 27 de Outubro de 2020.

12. Como a sua citação apenas ocorreu em Abril de 2022, obviamente que o prazo de prescrição de 90 dias previsto no aludido artigo 254º n.º 6 do C.S.C., há muito que estava ultrapassado, motivo pelo qual o Tribunal “a quo” decidiu, e bem, pela verificação da invocada exceção de prescrição.

13. A decisão judicial proferida, na globalidade, acolheu e subscreveu a fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16 de Junho de 2020, no âmbito do processo n.º 2231/17.5T8STS.P1.S2, em que é Relator o Juiz Conselheiro Ricardo Costa, disponível em www.dgsi.pt.

14. Curiosamente em sede do presente recurso, as recorrentes, que consubstanciaram toda a sua ação na alegada concorrência desleal praticada pelo recorrido, vêm afirmar que afinal os presentes autos não se referem apenas a concorrência desleal.

15. Ou seja, as recorrentes parecem estar conformadas com o facto de a previsão legal aplicável à presente situação ser a do artigo 254º n.º 6 do C.S.C., mas que a decisão não estará correta pelo facto de terem invocado quatro factos que não serão enquadráveis na previsão de atividade concorrencial, a saber:

- O réu BB, facturou em nome de sociedade terceira, comissões que pertenciam à sociedade EMP01... de valor superior a € 105.000,00 euros;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para a sociedade terceira toda a carteira de clientes têxteis;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para a sociedade terceira toda a carteira de seguros;

- O réu BB, enquanto gerente da EMP01..., transferiu para a sociedade terceira o número de telefone da EMP01..., que existia em todos os clientes.

16. Estas são as quatro situações que as recorrentes entendem que não são enquadráveis na concorrência desleal e que deveriam ter um tratamento autónomo, justificativo de não se verificar a sua prescrição.

17. Nenhum destes factos têm autonomia própria e são todos enquadráveis na concorrência desleal.

18. Aliás, apenas agora em sede de recurso é que as recorrentes tentam dar tal configuração a tais factos, quando na petição inicial que apresentaram nos autos fizeram exatamente o contrário, ou seja, enquadraram-nos no âmbito da concorrência desleal.

19. Se atentarmos em toda a referida peça processual, as recorrentes fizeram o enquadramento de todos os factos no âmbito da atividade concorrencial, conforme se pode ver nomeadamente nos itens 17º, 22º a 26º, 34º a 36º, 46º, 70º a 73º, 92º a 97º, 100º a 110º, sendo que neste último item, a título de concorrência desleal, as recorrentes computam o prejuízo da EMP01..., Lda. no montante de € 605.723 (seiscentos e cinco mil setecentos e vinte e três euros).

20. O montante referido no número anterior é englobado no valor de indemnização que peticionam no primeiro item do pedido final que formulam por violação da obrigação de concorrência.

21. Nenhuma dúvida se suscita que as próprias recorrentes enquadraram os suprarreferidos pontos na concorrência desleal que imputam ao recorrido e a realidade é que todos esses factos só podem ser enquadráveis no âmbito do exercício de uma atividade concorrente, ou seja, seriam, a ser todos eles provados, demonstrativos ou consubstanciadores do exercício dessa atividade.

22. Perante tal enquadramento, bem andou a decisão recorrida em aplicar o prazo especial de prescrição referido no artigo 254º, n.º 6 do C.S.C., Não sendo de aplicar, tal como sustentam as recorridas, o prazo de prescrição de 5 anos estabelecido pelo artigo 174º do C.S.C.

23. As recorrentes parecem confundir o direito de requerer judicialmente a destituição do gerente por alegadas práticas concorrenciais com o direito de requerer indemnização pelo exercício de atividade concorrencial.

24. Efetivamente, o artigo 174º do C.S.C. estabelece o prazo de 5 anos de prescrição para que a sociedade possa reagir contra um acto ou facto praticado por sócio ou gerente que seja lesivo dos direitos de tal sociedade.

25. Por sua vez, referindo-se em concreto à violação da obrigação de não concorrência, o artigo 254º, n.º 6 do C.S.C. estabelece também o prazo de 5 anos para que a sociedade possa reagir dum acto concorrencial que seja praticado por um gerente.

26. Mas com a especificidade de que tal direito terá de ser exercido dentro dos 90 dias subsequentes ao conhecimento de tal atividade concorrente por todos os sócios da sociedade, sendo igualmente este o prazo para a sociedade requerer a destituição de gerente, com justa causa, por violação da proibição de concorrência, no caso de todos os sócios serem sabedores de tal violação e antes de decorrido o prazo máximo de 5 anos.

27. Sendo a norma do artigo 254, n.º 6 do C.S.C. especial em relação à do artigo 174º do mesmo diploma legal, terá de ser aquela a aplicada e não esta última.

28. Face ao exposto, bem andou a decisão recorrida dado que fez uma aplicação correta do direito aos factos, não tendo violado qualquer norma jurídica, nomeadamente as referidas pelas recorrentes, a saber, artigos 64º, 72º, 79º, 174º e 254º do C.S.C.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como «de apelação, sobe imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao declarar prescrito o direito das co-Autoras de reclamarem do 1.º co-Réu as quantias que peticionam nas alíneas A) e B) do seu petitório final (nomeadamente, por as mesmas consubstanciarem indemnização devida por actividade concorrencial, que lhe imputam, relativamente à segunda delas), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando que o 1.º co-Réu praticou factos que não consubstanciam actividade concorrencial e justificam aquela indemnização ) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo considerou provados, «por acordo das partes, os seguintes factos» (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [3] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas - próprias apenas dos articulados [4] -, completados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC [5], e reidentificados):

1 - AA (aqui 1.ª co-Autora) e BB (aqui 1.º co-Réu) contraíram casamento católico entre si em ../../2006.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 1)

2 - Em 26 de Janeiro de 2012 a 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) constituíram a sociedade por quotas com o NIPC ...70, denominada EMP01...,LDA. (aqui 2.ª co-Autora), com sede na Rua ..., União de freguesias ... e ..., ... ... e com o seguinte objecto: actividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal; actividades de mediação de seguros, com exclusão da actividade de corretor de seguros; prestação de serviços de intermediação de negócios.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 4)

3 - A 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) tem o capital social actual de € 5.000,00 (cinco mil euros e zero cêntimos), repartido por duas quotas sociais, cada uma de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros e zero cêntimos). 
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 5)

4 - A 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) têm, cada um deles, uma quota da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), sendo os seus únicos sócios.
(factos provados enunciados na decisão recorrida sob os números 6 e 13)

5 - A 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) obriga-se com a assinatura de um gerente.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 8)

6 - Até ao dia 24 de Fevereiro de 2021 a gerência da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) pertenceu à 1.ª co-Autora (AA) e ao 1.º co-Réu (BB).
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 7)

7 - Ambos os gerentes da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) eram remunerados.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 9)

8 - A 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada) tem as suas instalações no lugar da sua sede (Rua ..., União de freguesias ... e ..., em ...), onde trabalhavam a 1.ª co-Autora (AA), o 1.º co-Réu (BB) e duas funcionárias.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 10)

9 - Em ../../2019 a 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) divorciaram-se.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 1)

10 - Por falta de acordo, a 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) ainda não procederam à partilha de bens comuns do casal.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 2)

11 - Do acervo de bens comuns a partilhar entre a 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) faz parte, entre outros bens, a 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada).
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 3)

12 - Em 20 de Junho de 2019 o 1.º co-Réu (BB) constituiu a sociedade comercial unipessoal EMP02... UNIPESSOAL, LDA. (aqui 2.ª co-Ré), NIPC ...52, com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., ... e com o seguinte objecto: agentes de comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro; comércio, importação, exportação de artigos têxteis, vestuário, calçado e têxteis lar; actividade de mediação de seguros com exclusão de corretor de seguros; actividades de mediação imobiliária e arrendamento de bens imobiliário; actividades de contabilidade e consultoria fiscal.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 11)

13 - O 1.º co-Réu (BB) é o único sócio e gerente da 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada).
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 12)

14 - Em 28 de Julho de 2020 a 1.ª co-Autora (AA) intentou uma Acção Especial de Suspensão e Destituição de Titular de Órgão Social, que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., com o n.º 3992/20...., pedindo a destruição do 1.º co-Réu (BB) como gerente da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada); e alegando para o efeito a actividade concorrencial desenvolvida pelo mesmo em prejuízo dela.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 14)

15 - Em 24 de Fevereiro de 2021 por transação efectuada na Acção Especial de Suspensão e Destituição de Titular de Órgão Social (n.º 3992/20...., do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ...), o 1.º co-Réu (BB) renunciou à gerência da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada).
(factos provados enunciados na decisão recorrida sob os números 7 e 15)

16 - A presente acção deu entrada em juízo em 17 de Fevereiro de 2022.
(facto provado enunciado na decisão recorrida sob o número 16)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Prescrição em geral
4.1.1. Fundamento e efeitos
O decurso do tempo é um factor modificador das relações jurídicas, actuando, nomeadamente, por efeito da prescrição (regulada, de forma geral, nos art.ºs 298.º, e 300.º a 327.º, todos do CC, e, em especial, nos art.ºs. 430.º, 482.º, 498.º, 500.º, 521.º, 530.º e 636.º, do mesmo diploma) [6].
Este instituto fundamenta-se, em geral, na negligência do titular de um direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei, e que a leva a presumir que ele tenha querido renunciar ao direito; ou que, pelo menos, o torna indigno da sua protecção.
Por outro lado, e ao mesmo tempo que actua como estímulo e pressão educativa sobre os titulares dos direitos (no sentido de não descurarem o seu exercício, quando não querem abdicar deles), o instituto de prescrição salvaguarda ainda interesses de ordem pública, nomeadamente de certeza e segurança jurídicas [7].
Com efeito, o titular do direito que, negligentemente, não o exerceu, permitiu a constituição, e o prolongamento por muito tempo, de situações de facto, sobre as quais se criaram expectativas e se organizaram planos de vida; e contribuiu, outrossim, para que a prova do alegado devedor que, porventura, já tenha cumprido, se tornasse muito mais difícil, senão mesmo impossível.
Logo, pela prescrição atende-se, não só à probabilidade séria, baseada na experiência, de que uma pretensão formulada com base num facto alegadamente constitutivo, ocorrido há um lapso de tempo relevante, nunca se tenha verdadeiramente verificado (ou se tenha, entretanto, extinguido), como se atende ainda, quando assim não seja, à negligência do respectivo titular (que só poderá imputar a si próprio o prejuízo resultante da natureza intrinsecamente injusta deste instituto).

Compreende-se, assim, que a prescrição seja um instituto indisponível; e, em consequência, não só sejam nulos todos os negócios jurídicos que tenham por objecto os respectivos prazos, bem como os que se destinem a facilitar ou dificultar o seu funcionamento (art.º 300.º do CC), como seja proibida a sua renúncia antecipada (art.º 302.º, n.º 1, do CC).

Contudo, a prescrição não opera ipso iure (com o decurso do prazo), não conferindo a lei ao tribunal a faculdade de a conhecer oficiosamente, já que tem de ser invocada pelo respectivo beneficiário (art.º 303.º do CC). Logo, o decurso do prazo de prescrição dá lugar a um direito subjectivo, precisamente o direito a invocá-la.
Uma vez invocada, o respectivo beneficiário pode recusar o cumprimento ou opor-se, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 394.º, n.º 1, do CC); mas se o realizar espontaneamente, ainda que em ignorância da prescrição, não o pode repetir (art.º 304.º n.º 2, do CC).
Logo, e independentemente de se considerar a prescrição uma causa extintiva [8], ou não extintiva [9], da obrigação, certo é que modifica a obrigação, que de civil passa a natural [10]: por meio dela, torna-se inexigível o cumprimento civil da obrigação, nos termos dos art.ºs 576.º, n.º 3 e 579.º, ambos do CPC (como excepção peremptória que é).
São, assim, seus requisitos: a existência de um direito [11]; o seu não exercício por parte do respectivo titular; e o decurso do tempo.
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4.1.2. Contagem do prazo
Em regra, o «prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido» (art.º 306.º, n.º 1, do CC); e, sendo fixado em anos, «a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último (...) ano, a essa data» (art.º 279.º, al. c), aplicável ex vi do art.º 296.º, ambos do CC).
Precisa-se, quanto ao início de contagem do prazo de prescrição, que no nosso sistema jurídico convivem verdadeiramente dois sistemas: um objectivo (tradicional), em que o prazo de prescrição começa a correr logo que o direito possa ser exercido, independentemente do seu conhecimento pelo credor, e, por isso mesmo, com prazos mais longos (v.g., art.º 306.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC); e um subjectivo, em que o prazo de prescrição apenas começa a correr quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, e, por isso mesmo, com prazos mais curtos (v.g., art.º 498.º do CC, em sede de responsabilidade civil).

Iniciada a contagem do concreto prazo de prescrição em causa, o mesmo não é afectado, nem pela transmissão do crédito, nem pela transmissão do débito (art.º 308.ºdo CC). Contudo, pode o mesmo ser suspenso ou interrompido, com distintos causas e efeitos.
Com efeito, a suspensão do prazo (art.ºs 318.º a 322.º do CC) opera mediante causas legais, que, verificadas, impõem que a contagem do prazo pare enquanto se mantiverem; e, cessadas as ditas causas (o facto causador da suspensão), quando recomece a contagem do prazo de prescrição aproveita-se o tempo decorrido antes da suspensão.
Já a interrupção do prazo (art.ºs 323.º a 327.º do CC) funciona pela citação ou pela notificação judicial, que exprimem, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art.º 323.º, n.º 1, do CC) [12], operando, em princípio, cinco dias depois desses actos terem sido requeridos (art.º 323, n.º 2, do CC) [13]; e, uma vez verificada, inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido (impondo um nova contagem integral do prazo primitivo de prescrição em causa).
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4.2. Prescrição no Código das Sociedades Comerciais
4.2.1. Em geral - Artigo 174.º (Prescrição)

Lê-se 174.º do CSC:
«1 - Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:
a) O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares;
b) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;
c) A data em que a transmissão de quotas ou acções se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes;
d) O vencimento de qualquer outra obrigação;
e) A prática do acto em relação aos actos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo.
2 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º
3 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do registo da extinção da sociedade, os direitos de crédito de terceiros contra a sociedade, exercíveis contra os antigos sócios e os exigíveis por estes contra terceiros, nos termos dos artigos 163.º e 164.º, se, por força de outros preceitos, não prescreverem antes do fim daquele prazo.
4 - Prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data do registo definitivo da fusão, os direitos de indemnização referidos no artigo 114.º
5 - Se o facto ilícito de que resulta a obrigação constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável».

Estão aqui em causa situações de direitos da sociedade, e contra a sociedade, relativamente a fundadores, a sócios, a gerentes, a administradores, a membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, a ROC e a liquidatários, que prescrevem em cinco anos.
O legislador optou por estabelecer um prazo de prescrição substancialmente mais reduzido do que o prazo ordinário de 20 anos estabelecido no art.º 309.º do CC, por ter considerado nefasta a indefinição de direitos por período de tempo tão dilatado; mas considerou que o período de cinco anos seria razoável para o exercício dos direitos correspondentes à violação dos deveres impostos (contratuais ou legais) a fundadores, a sócios, a gerentes, a administradores, a membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, a ROC e a liquidatários (durante o qual seria legítimo que o titular do direito o exercesse, se nisso estivesse interessado) [14].
A contagem do prazo inicia-se pela mera verificação dos factos que o próprio preceito elenca, que variam consoante a concreta situação de exercício de direitos em causa (v.g. relativamente a obrigação de indemnizar a sociedade, o art.º 174.º, n.º 1, al. b), elege o termo da conduta dolosa ou culposa do gerente, ou a sua revelação, se a dita conduta tiver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado).

Compreende-se, por isso, que se afirme que o art.º «174º fixa uma prescrição objectiva (o prazo inicia-se independentemente de concretos conhecimentos de sujeitos) de tipo quinquenal. Domina a preocupação de segurança jurídica» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiros, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 577, com bold apócrifo).
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4.2.2. Em particular - Artigo 254.º (Proibição de concorrência)
Lê-se no art.º 254.º, n.º 1, do CSC, que os «gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade».

Logo, o preceito em análise proíbe aos gerentes o exercício de actividade concorrente com a sociedade.
Dir-se-á, assim, que a «primeira tarefa é a de determinar a existência de uma situação de concorrência, seja de um ponto de vista material, seja de um ponto de vista geográfico. Perante o Direito da Concorrência, o mercado relativo à actividade da sociedade, vedado ao gerente, deve ser definido, primordialmente, através do critério da substituibilidade funcional dos bens criados em relação a uma utilização específica do ponto de vista dos consumidores.
Assim, a «existência de uma situação de concorrência está na dependência de se poder verificar uma transferência de procura motivada por um pequeno e duradouro aumento de preço de um deles (desvio de clientela). Entende-se que a elasticidade cruzada deverá ser significativa e de longo prazo, para que se possa deduzir que os bens resultantes da actividade em causa são susceptíveis de ser substituídos. Só assim é possível delimitar com precisão um mercado relativamente a bens suficientemente homogéneos e distintos, em relação a outros mercados, e será nesse que as actividades do gerente e da sociedade, quando exercidas em simultâneo, poderão colocar questões relacionadas com a concorrência».
Precisa-se ainda que, no «que respeita ao ponto de vista geográfico, só existirá concorrência na área em que a sociedade forneça os seus produtos ou preste os seus serviços. Mais uma vez, determinante nesta definição é a questão do comportamento dos compradores e da oferta. Se em determinada área existe procura, quanto à actividade integrante no mercado de procura relevante, mas não existe oferta da sociedade, não será evidentemente concorrencial a actividade do gerente que vise a satisfação daquelas necessidades».
Contudo, para o preenchimento da facti species já «não se exige, como resulta do 254.º/1, que estejamos perante casos de concorrência diferencial, ou seja, que a actuação concorrencial possa efectivamente causar prejuízo à sociedade» (Diogo Pereira Duarte, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiros, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 741, com bold apócrifo).
Por fim, dir-se-á que, para «que haja concorrência desleal - proibida no art.254º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais não se exige que a actividade concorrente, exercida pelo também gerente de outra sociedade, deva ser coincidente com a exercida pela “sociedade protegida”, previamente exercente dessa actividade: basta que essa actividade seja similar à da sociedade protegida e possa com ela, mormente, pela sua actuação e situação geográfica, concorrer de modo a causar “desvio de clientela”» (Ac. do STJ, de 30.09.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 1195/08.0TYLSB,L1.S1).
*
Mais se lê, no art.º 254.º citado, no seu n.º 2, que entende-se «como concorrente com a da sociedade qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios».

Logo, e quanto «ao âmbito material da concorrência, presume o legislador ser concorrente, com a da sociedade, a actividade que o gerente desenvolva e que esteja abrangida no objecto dela, desde que essa actividade esteja a ser exercida pela sociedade ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios» (Diogo Pereira Duarte, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiros, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 741, com bold apócrifo).
Trata-se, porém, de uma presunção ilidível [15], podendo, por isso, o gerente demonstrar que, não obstante a presunção legal, a sua actividade não é concorrencial com a desenvolvida pela sociedade, ou porque ela não implica qualquer desvio de clientela, ou porque é distinto o âmbito geográfico onde ele e a sociedade operam as duas actividades.
*
Lê-se ainda, no art.º 254.º do CSC, agora o seu n.º 3, que, no «exercício por conta própria inclui-se a participação, por si ou por interposta pessoa, em sociedade que implique assunção de responsabilidade ilimitada pelo gerente, bem como a participação de, pelo menos, 20% no capital ou nos lucros de sociedade em que ele assuma responsabilidade limitada».

Logo, a lei não só proíbe o exercício por conta própria (pelo próprio gerente) de actividade concorrente com a da sociedade, como ainda que ele actue em benefício de outra pessoa: não «pode o gerente assumir a administração de sociedade concorrente com a que administra, como não poderá ao abrigo do contrato, ou a título de gestão de negócios, praticar actos concorrentes que se repercutam na esfera jurídica de outrem».
Excluiu-se ainda a possibilidade de o gerente criar uma sociedade que, ela própria, concorrencie com a primitiva, ou participe de forma tida por significativa na mesma. Considera-se, por isso, «que o gerente exerce concorrência por conta própria se ele, por si ou por interposta pessoa, participa em sociedade de responsabilidade ilimitada, ou se tem participação de, pelo menos, 20% no capital ou nos lucros, se a sociedade for de responsabilidade limitada. A referência à interposição de pessoa deve dar lugar à aplicação da equiparação constante do 483.º/2 e ainda, por analogia, do 579.º/2 do CC» (Diogo Pereira Duarte, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiros, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 741).
*
Lê-se igualmente no art.º 254.º em análise, no seu n.º 5, que a «infracção do disposto no n.º 1, além de constituir justa causa de destituição, obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra».

Logo, a violação da proibição de concorrência pelo gerente, nos termos explicitados supra, não só configura justa causa de destituição (a actuar nos termos do art.º 257.º, n.º 2 e n.º 4, do CSC), como permite que a sociedade seja indemnizada pelo prejuízo que o gerente lhe cause [16].
*
Por fim, lê-se no art.º 254.º citado, no seu derradeiro n.º 6, que os «direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa actividade».

Logo, e relativamente ao prazo de exercício desta acção de responsabilidade civil, a propor após «o conhecimento por parte de todos os sócios, de que o gerente exerce actividade concorrente», dir-se-á que a mesma «deve ser proposta de forma a que o gerente seja citado no prazo de noventa dias após o conhecimento, sob pena de prescrição do direito da sociedade, como decorre do 323.º/1, do CC, sem prejuízo de forma de interrupção da prescrição que a lei admite».
Precisa-se, ainda, que independentemente «do conhecimento pela totalidade dos sócios, o direito da sociedade prescreve decorridos cinco anos contados do início da actividade. A referência constante da parte final parece supor não ser necessário dar-se a cessação do facto proibido, como é regra nos factos continuados, para que inicie a contagem do prazo de prescrição» (Diogo Pereira Duarte, Código das Sociedades Comerciais Anotado, coordenação de António Menezes Cordeiros, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 742, com bold apócrifo).
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4.3. Suspensão legal de prazos mercê da pandemia de COVID-19
4.3.1. Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março

Lia-se na primeira versão da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, no seu art.º 7.º:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excepcional.
3 - A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
(...)».

Mais se lia, no art.º 10.º do mesmo diploma, que a «presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março».
Esta produção de efeitos ocorreu, porém, a partir do dia 9 de Março de 2020, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 2, do Decreto da Assembleia da República 6/XIV de 3 de Abril (que procedeu à primeira alteração à Lei 1-A/2020, de 19 de Março).
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A Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, veio alterar o art.º 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, que passou a ter a seguinte redacção:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excepcional
3 - A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
(…)
7 - Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;
c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
(...)»

Logo, a nova redação do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março,  deixou de aplicar aos prazos para a prática de actos processuais e procedimentais o regime das férias judiciais (n.º 1); passou a determinar, relativamente aos processos não urgentes, a suspensão de todos os prazos para a prática de actos processuais e procedimentais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV2 e da doença COVID-19 (n.ºs  1 e 2); e estabeleceu, relativamente aos processos urgentes, a continuação da sua tramitação, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o disposto nas alíneas a) a c) do seu n.º 7 (n.º 7).
Esclareceu ainda a data de produção de efeitos do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, fazendo-a coincidir com 09 de Março de 2020, lendo-se nomeadamente, no seu art.º 5.º, que o «artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março».
Já no seu art.º 6.º dispôs-se que, sem «prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei produz efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março» (n.º 1); e o «artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei» (n.º 2).
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A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, veio depois revogar o art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, no seu art.º 8; e entrou em vigor no dia 03 de Março de 2021 [17].

Contudo, dispôs no seu art.º 6.º que, sem «prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a suspensão».

Logo, cessado o período de suspensão (isto é, deixando o mesmo de ser aplicável na contagem de qualquer prazo), alargaram-se, porém, os prazos de prescrição pelo período correspondente àquele em que a dita suspensão tinha vigorado [18], isto é, desde 09 de Março de 2020 a 02 de Junho de 2020 (já que a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, coincidiu com o dia 03 de Junho de 2020).
Estão, assim, em causa 86 dias.
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4.3.2. Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro
A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, veio, porém, reintroduzir a suspensão dos prazos procedimentais e processuais, devido a um novo agravamento da crise pandémica. Com efeito, o seu art.º 2.º aditou à Lei n.º 1-A/2000, de 19 de Março, dois novos artigos, o 6.º-B e o 6.º-C.

Passou, então, a ler-se no art.º 6.º- B, Lei n.º 1-A/2000, de 19 de Março:
«1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
5 - O disposto no n.º 1 não obsta:
a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de actos presenciais;
b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;
c) À prática de actos eà realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via electrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão.
6 - São também suspensos:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
b) Quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo, com excepção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
7 - Os processos, actos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:
a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;
b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes».

Determinou ainda, no seu art.º 4.º, que o «disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados», sem prejuízo de ela própria ter entrado em vigor no dia a seguir ao da sua publicação, em 02 de Fevereiro de 2021 (art.º 5.º).
Logo, no dia 22 de Janeiro de 2021 iniciou-se um novo período de suspensão de prazos de prescrição.
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4.3.3. Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril
Finalmente, a Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, veio revogar o art.º 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março., tendo ela própria entrado em vigor em 06 de Abril de 2021 (art.º 7.º).

Contudo, dispôs no seu art.º 5.º que, sem «prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão».

Logo, cessado o período de suspensão (isto é, deixando o mesmo de ser aplicável na contagem de qualquer prazo), alargaram-se, porém, os prazos de prescrição pelo período correspondente àquele em que a dita suspensão tinha vigorado [19]: desde 22 de Janeiro de 2021 a 05 de Abril de 2021 (já que a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, coincidiu com o dia 06 de Abril de 2021, conforme seu art.º 7.º).
Estão, assim, em causa 74 dias.
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No total, terá resultado um alargamento de prazos de prescrição de 160 dias (86 em 2020 + 74 em 2021) [20].
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4.4. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.4.1. Condutas imputadas ao 1.º co-Réu - Actividade concorrencial
Concretizando, verifica-se que, tendo a 1.ª co-Autora (AA) sido casada com o 1.º co-Réu (BB), constituíram em 26 de Janeiro de 2012, na constância do respectivo matrimónio, a 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), de que eram únicos sócios e gerentes; e que tinha e tem como objecto social contabilidade, auditoria e consultoria fiscal, actividades de mediação de seguros e prestação de serviços de intermediação de negócios.
Mais se verifica que, tendo-se a 1.ª co-Autora (AA) e o 1.º co-Réu (BB) divorciado em ../../2019, em 20 de Junho seguinte este constituiu a 2.ª co-Ré (EMP02... Unipessoal, Limitada), de que é único sócio e gerente; e que no seu objecto social se contem agentes de comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro, comércio, importação, exportação de artigos têxteis, vestuário, calçado e têxteis lar, actividade de mediação de seguros, actividades de mediação imobiliária e arrendamento de bens imobiliários e actividades de contabilidade e consultoria fiscal.
Logo, e vindo a 2.ª co-Ré (EMP02..., Unipessoal, Limitada) a exercer a sua actividade no mesmo âmbito geográfico da 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), sendo os seus objectos sociais parcialmente coincidentes e sendo o 1.º co-Réu (BB) único sócio e gerente daquela e sócio e gerente desta, concorreria necessariamente com ela (independentemente de o fazer, não de forma directa, mas por intermédio da sociedade que constituíra [21]).

Verifica-se ainda que as co-Autoras  (AA e EMP01..., Limitada) alegaram na sua petição inicial ter sido precisamente isso que sucedeu na realidade, já que «o primeiro réu assumiu uma postura concorrencial para com a EMP01..., desviando da sociedade, que é património comum do casal, todos os clientes da área de agenciamento têxtil e de seguros» (artigo 17.º), fazendo-o inclusivamente na «sequência de plano premeditado» (artigo 22.º) e em cuja execução: começou por constituir «a sociedade comercial unipessoal, aqui segunda ré» (artigo 19.º); «facturou de imediato em nome da EMP02... as comissões em dívida dos clientes à EMP01...» (artigo 22.º); para «agravar [naturalmente, o que já estava em curso, na concretização daquele seu propósito], todos os clientes têxteis e base de dados da EMP01... foram desviados para a nova sociedade» (artigo 24.º); para «agravar, (…) na continuação do plano deliberadamente elaborado, o primeiro réu desviou em nome próprio e para a segunda ré toda a carteira de seguros da sociedade EMP01...» (artigo 27.º); para «o efeito e segundo plano premeditado, o primeiro réu solicitou às seguradoras, na qualidade de gerente da sociedade EMP01..., a transferência da carteira de seguros da sociedade EMP01... para seu nome individual» (artigo 29.º) e «o encerramento do acesso da sociedade EMP01... às companhias de seguros» (artigo 30.º), comunicando ainda «a todos os clientes da EMP01..., tomadores dos seguros, da transferência do seguro para seu nome individual» (artigo 31.º) e «levou consigo toda a base se dados dos clientes (…) de seguros» (artigo 36.º)«deslocou-se às instalações de EMP01... e retirou da parede exterior do edifício a publicidade com menção da Companhia de Seguros EMP03... que a sociedade autora representava» (artigo 41.º); «mudou-se fisicamente (…) para as instalações da sociedade EMP02...» (artigo 39.º), levando «consigo a trabalhadora da EMP01... CC, que celebrou contrato de trabalho com a EMP02...» (artigo 40.º); e junto «da EMP04..., arrogando-se gerente da EMP01..., que era de facto naquela data, transferiu para a EMP02... o número de telefone ...39» (artigo 42.º), número «de telefone da EMP01... que existe junto dos clientes têxteis, seguros e área da contabilidade desde a constituição da sociedade» (artigo 43.º).

Face a tais factos (a estes concretos factos), e por forma a que não restassem quaisquer dúvidas, defenderam reiteradamente que: a «actividade exercida pela sociedade EMP02... UNIPESSOAL e pelo primeiro réu em nome próprio, é concorrencial com a actividade da sociedade EMP01... pois, pela sua actuação e situação geográfica concorre com ela de modo a causar o “desvio de Clientela”» (artigo 46.º), precisando ser este desvio «de nova clientela e desvio da própria clientela da sociedade EMP01...» (artigo 47.º);  o «primeiro réu passou a exercer em nome da sociedade EMP02... Unipessoal a actividade de mediação de negócios, com os clientes que transferiu da EMP01... sem autorização das autoras» (artigo 59.º); o «primeiro réu nunca foi autorizado a desenvolver actividade concorrente com a sociedade EMP01...» (artigo 60.º); «o primeiro réu violou entre outros o dever de não concorrência e de lealdade, a qual é expressamente qualificada como justa causa da sua destituição do cargo de gerente, nos termos do artigo 254.º do CSC» (artigo 61.º); o «primeiro réu quando constitui a sociedade EMP02... UNIPESSOAL estava plenamente convicto da ilicitude a sua conduta e determinado a exercer actividade concorrencial, desviar os clientes e base de dados da sociedade autora para as rés, com o objectivo concreto de prejudicar as autoras» (artigo 87.º), sendo que a «constituição da “EMP02... UNIPESSOAL” foi o expediente que encontrou para concretizar a ilicitude da sua conduta» (artigo 88.º); o «réu BB concorreu abertamente com a empresa que geria a EMP01..., apropriou-se dos alegados negócios, sem autorização e conhecimento da outra sócia» (artigo 130.º).

De forma conforme, e depois de quantificarem os prejuízos parcelares resultantes de cada uma das acções (v.g. facturação em nome da nova sociedade de comissões devidas à primeira, transferência dos seus clientes têxteis, transferência dos seus clientes de seguros) praticadas pelo 1.º co-Réu (BB), em execução do seu plano de exercer actividade concorrencial com a 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada), nas alíneas A) e B) do seu petitório final,  requereram a condenação solidária de ambos os co-Réus (BB e EMP02..., Unipessoal, Limitada), «a pagar à autora sociedade pelo desvio da clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo réu BB, no valor de € 649.848,00», a título de prejuízos já liquidados, e o «montante a liquidar em execução de sentença, a fim de ressarcir as autoras dos anos já sofridos e que venham a sofrer, alegados nesta petição inicial, mas que ainda não foi possível quantificar».

Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, quer mercê da concreta alegação de factos feita, quer da qualificação jurídica que deles fizeram, quer da forma como formularam o seu pedido de indemnização (sob as alíneas A) e B) do petitório final), as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) configuraram a presente acção como de responsabilidade civil pela prática de actividade concorrencial por gerente (1.º co-Réu) face a sociedade (2.ª co-Autora).
*
Contudo, vieram as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) defender, em sede do recurso em apreciação, que, para «além da actividade concorrencial que o réu BB começou a exercer como gerente da sociedade ré EMP02...» teria praticado «outros graves factos, extremamente lesivos para a EMP01...», susceptíveis de serem qualificados como fontes autónomas de indemnização, nomeadamente: «facturou em nome de sociedade terceira, comissões que pertenciam à sociedade EMP01... de valor superior a € 105.000,00 euros»;  «enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para sociedade terceira toda a carteira de clientes têxteis»; «enquanto gerente da EMP01..., transferiu a custo zero para sociedade terceira toda a carteira de seguros»;  e «enquanto gerente da EMP01..., transferiu para sociedade terceira o número de telefone da EMP01..., que existia em todos os clientes».
 
Dir-se-á, porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhes assistir razão.

Com efeito, e conforme resulta já do anteriormente exposto, qualquer uma daquelas acções foi alegadamente executada no âmbito de prévio plano urdido pelo 1.º co-Réu (BB), com o preciso objectivo de desenvolver actividade concorrencial com a 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), tendo sido precisamente para isso (como seu primeiro acto) que constitui a 2.ª co-Ré (EMP02... Unipessoal, Limitada); e para ela desviou meios (v.g. bases de dados de clientes têxteis e de seguros, empregada, número de telefone) e clientes (nomeadamente, pela transferência de contratos que permitiram a facturação em nome da 1.ª co-Ré de actividade prestada antes pela 2.ª co-Autora), pertença daquela primeira Sociedade.
Repete-se, isto mesmo foi expressamente reconhecido pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) quando, na sua petição inicial, alegam que a «actividade exercida pela sociedade EMP02... UNIPESSOAL e pelo primeiro réu em nome próprio, é concorrencial com a actividade da sociedade EMP01... pois, pela sua actuação e situação  geográfica concorre com ela de modo a causar o “desvio de clientes”» (artigo 46.º); e precisando logo a seguir que o dito desvio de clientes se faz, quer por desvio «de nova clientela», quer por «desvio da própria clientela da sociedade EMP01...» (artigo 47.º).

Dir-se-á, ainda, que a constituírem tais acções do 1.º co-Réu (BB), eleitas pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) nas suas alegações de recurso como fonte autónoma de responsabilidade civil do mesmo, não poderiam ter deixado de as qualificar juridicamente, indicando o distinto fundamento em causa (face à actividade concorrencial); e de formular autónomo e distinto pedido de indemnização no petitório final da sua petição inicial (em vez de as integrar no genérico «desvio da clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo réu BB»).
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Reafirma-se, as co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) configuraram exclusivamente a presente acção, no que aos pedidos que formularam nas alíneas A) e B) do seu petitório final, como de responsabilidade civil pela prática de actividade concorrencial por gerente (1.º co-Réu) face a sociedade (2.ª co-Autora), prevista no art.º 254.º do CSC.
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4.4.2. Prescrição do direito de exigir judicialmente indemnização (por actividade concorrencial)
Concretizando novamente, verifica-se que, em 28 de Julho de 2020, a 1.ª co-Autora (AA) intentou uma Acção Especial de Suspensão e Destituição de Titular de Órgão Social (que correu termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., com o n.º 3992/20....), pedindo a destituição do 1.º co-Réu (BB) como gerente da 2.ª co-Autora (AA e EMP01..., Limitada); e alegando para o efeito a actividade concorrencial, face àquela Sociedade, que lhe imputa igualmente nos presentes autos.
Logo, pelo menos nessa data (28 de Julho de 2020), quer ela própria, quer a 2.ª co-Autora (EMP01..., Limitada), tinham conhecimento dos factos que lhes permitiriam demandá-lo, para obterem do mesmo uma indemnização pelos prejuízos assim causados por ele.

Estando em causa a particular conduta prevista no art.º 254.º do CSC (de actividade concorrencial), e não qualquer outra violação de deveres de gerente de sociedade comercial, o prazo de prescrição para a propositura da dita acção é o especial previsto no art.º 254.º, n.º 6, do CSC, de 90 dias, e não o geral previsto no seu art.º 174.º, n.º 1, al. b), de 5 anos [22]
 Logo, a referida acção teria que ter sido proposta e os co-Réus (BB e EMP02... Unipessoal, Limitada) nela citados até 27 de Outubro de 2020, inclusive.

Precisa-se, a propósito, que neste período de tempo (de 28 de Julho a 27 de Outubro de 2020) não se encontrava em vigor qualquer suspensão de prazos de prescrição imposta pela legislação editada mercê da pandemia de Covid 19 (já que a primeira suspensão decorrera de 09 de Março a 03 de Junho de 2020 e a segunda ainda não se tinha iniciado, indo decorrer de 22 de Janeiro a 06 de Abril de 2021).

Contudo, a presente acção apenas daria entrada em juízo em 17 de Fevereiro de 2022, quando há muito se encontrava prescrito o direito das co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) de a intentarem.
Mostra-se, assim, totalmente fundado o juízo do Tribunal a quo, quando para o efeito ponderou na decisão recorrida:
«(…)
Como já ficou dito, no âmbito de aplicação do n.º 6 do art. 254º do CSC, afasta-se o art. 174º, 1, b), do CSC (prazo de prescrição: 5 anos) e convoca-se um prazo de prescrição significativamente mais curto (90 dias) apenas para as situações de “direitos da sociedade” previstas no n.º 5 desse art. 254º. 
 Estando em causa, como se viu, uma acção de responsabilidade proposta contra um seu gerente, com fundamento no exercício, por conta alheia, de actividade concorrente com a da sociedade autora, a disposição chave a atender para a decisão desta questão da prescrição é precisamente a do artigo 254º do CSC citado. 
 Resulta dos autos que a primeira A. requereu a destituição de gerente do R. no dia 28 de Julho de 2020, em acção já identificada, com o fundamento da alegada atividade concorrencial exercida pelo R., o que demonstra claramente que desde pelo menos esse referido dia que as AA. sabem das invocadas práticas concorrenciais que imputam ao R. e aplicando-se o prazo prescricional de 90 dias para a propositura da acção, esta devia ter sido intentada até ao dia 27 de Outubro de 2020.
As AA. tiveram conhecimento de que o réu exercia uma actividade concorrencial com a da sociedade de que autora mulher e réu BB são sócios mais de noventa dias antes da propositura da acção. 
(…)
Ora, da análise dos factos, e conforme já referimos, o direito a propor a acção prescreve no prazo de 90 dias, como já se deixou dito, a primeira A. requereu a destituição de gerente do R. no dia 28 de Julho de 2020, em acção já identificada, com o fundamento da alegada atividade concorrencial exercida pelo R., o que demonstra claramente que desde pelo menos esse referido dia que as AA. sabem das invocadas práticas concorrenciais que imputa ao R. e aplicando-se o prazo prescricional de 90 dias para a propositura da acção, esta devia ter sido intentada até ao dia 27 de Outubro de 2020. Nesta altura não estava em vigor qualquer qualquer suspensão de prazos, que como se disse supra a primeira decorreu de 09-3-2020 a 03-6-2020 e a segunda entre 22/01/2021 a 06/04/2021.
 Assim, e sem mais delongas a respeito, declara-se a prescrição do direito da sociedade autora intentar a presente acção contra o réu BB e, consequentemente, absolve-se o Réu BB do pedido de pagar à autora sociedade pelo desvio da clientela e remunerações recebidas indevidamente pelo réu BB, o valor de € 649.848,00 - seiscentos e quarenta e nove mil, oitocentos e quarenta e oito euros, a que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
 Termos em que concluímos pela extinção do direito invocado, o que constitui uma excepção peremptória, importando a absolvição total do pedido quanto ao Réu BB nos termos do disposto nos artigos 571.º n.º 2 in fine e 576.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
(…)»
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando totalmente improcedente o recurso de apelação das co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelas co-Autoras (AA e EMP01..., Limitada) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelas co-Autoras (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 20 de Março de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.ª Adjunta - Maria Gorete Morais.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[4] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[5] Recorda-se que se lê no art.º 607.º - cuja epígrafe é «Sentença» -, n.º 4, II, do CPC que «o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida»; e se lê no art.º 663.º - cuja epígrafe é «Elaboração do acórdão» - n.º 2, in fine, do CPC, «observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
[6] Veja-se, a propósito: Vaz Serra, RLJ, Ano 109, pág. 246; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, pág. 445; Albano Ribeiro Coelho, «Prescrições de Curto Prazo», Jornal do Foro, Ano 27, 142-144, Jan-Set., 1963, pág. 54; ou Karl Larenz, Derecho Civil - Parte General, Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, pág. 328.
[7] Neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1990, págs. 375-376, onde se lê que «a prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Por isso, encarada exclusivamente numa perspectiva de justiça, foi pelos antigos crismada de “impium remedium” ou “impium praesidium”.
Apesar disso, porém, sempre intervém na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Diversamente da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo “dormientibus non succurrit jus”».
[8] Neste sentido: Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade em anotação aos arts. 296.º a 333.º do Código Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 63; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 306; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, 5.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2014, pág. 694; e Ana Prata, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª edição, 5.ª reimpressão, Almedina, Lisboa, 2012, pág. 1103.
[9] Neste sentido: António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I - Parte Geral, Almedina, 2020, pág. 884; Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil - Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág.748, com referência também a Jacinto Rodrigues Basto, a Heinrich Horster e a Pedro Pais de Vasconcelos; e Rita Canas da Silva, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, pág.411.
[10] Recorda-se que se lê, no CC, a propósito das obrigações naturais, no seu:
.  art.º 402.º, que a «obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça»;
. art.º 403.º, que não «pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação» (n.º 1), sendo que a «prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção» (n.º 2).
. art.º 404.º, que as «obrigações naturais estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação, salvas as disposições especiais da lei».
[11]  Estão sujeitos a prescrição todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art.º 298.º, n.º 1, do CC).  
[12] Logo, e por razões de certeza, exige-se que o acto interruptivo revista determinada forma (por só ela permitir a interpretação inequívoca da vontade de exercer o direito): apenas actos judiciais; e específicos, como a citação e a notificação judicial.
Com efeito, embora a instância se inicie pela proposição da acção, com o recebimento da respectiva petição inicial pela secretaria, certo é que tal «acto de proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (art.º 259.º, do CPC). Assegura-se, deste modo, que a actuação do credor (que exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer) - desconforme então com qualquer pretérita negligência ou inércia sua - chegue ao conhecimento do devedor (que passa a ter conhecimento daquele exercício ou desta intenção).
Precisa-se, porém, que a deslocação do efeito interruptivo da prescrição para a citação é feita no pressuposto de que esta se segue à propositura da acção, e mediando entre uma e outra um curto intervalo de escassos dias.
[13] Previnem-se, assim, os atrasos que se poderão registar na prática dos referidos actos judiciais (citação e notificação judicial), não imputáveis ao credor, que, logo após apresentar o seu requerimento inicial, perde o controlo do processo
Logo, o decurso do prazo de cinco dias previsto no n.º 2, do art.º 323.º, do CC, equivale a uma citação ficta (tida como realizada no quinto dia), pressupondo que a real se venha a realizar.
Esta ficção legal exige, porém, a concorrência de três requisitos: que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à instauração da acção declarativa ou executiva; que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; e que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente (nomeadamente, por - entre a apresentação do seu requerimento executivo e o acto de citação - ter negligentemente omitido ou praticado actos que atrasaram o processo, em desrespeito da lei do processo).
[14] Neste sentido, Ac. do STJ, de 06.04.2017, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 75/15.0T8AGH.L1.S1.
[15] Recorda-se que se lê, no art.º 350.º do CC, que quem «tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz» (n.º 1); e que as «presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir» (n.º 2).
[16] No sentido de que a ratio da proibição é a protecção da actividade social e, por isso, o sócio só pode obter indemnização em nome da sociedade, Ac. da RL, de 16.05.2000, Bettencourt Faria, CJ, XXV (200), Tomo III, pág. 89 e segs..
[17] Recorda-se que se lê no art.º 2.º, n.º 2, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, que, na «falta de fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a publicação».
[18] Neste sentido, Ac. da RG, de 16.03.2023, Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício, Processo n.º 41/21.4T8CLB.G1, com detalhada explicitação, apoiada em plúrima doutrina e jurisprudência. 
[19] De novo, e quanto à explicitação e aplicação deste prolongamento de prazos de suspensão, se remete para o Ac. da RG, de 16.03.2023, Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício, Processo n.º 41/21.4T8CLB.G1. 
[20] Dando conta da dificuldade de aplicação da legislação COVID-19 em matéria de suspensão de prazos, Ac. do STJ, de 11.05.2023, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 16107/21.8YIPRT-A.G1.S1.
[21] Neste sentido, Ac. do STJ, de 30.09.2014, Fonseca Ramos, Processo n.º 1195/08.0TYLSB,L1.S1, onde se lê que a «actuação concorrencial exercida pelo gerente e que afecta a sociedade protegida pode ser exercida por uma sociedade em que o gerente seja único sócio de uma outra sociedade. No caso em apreço, a actividade concorrente é exercida por uma sociedade unipessoal por quotas detida pelo Réu: poder-se-ia pensar que dada a autonomia jurídica dessa sociedade, não seria o Réu quem exercia actividade concorrente».
[22] Neste sentido, Ac. do STJ, de 16.06.2020, Ricardo Costa, Processo n.º 2231/17.5T8STS.P1.S2, onde se lê que o «art. 254.º, n.º 6, do CSC («Os direitos da sociedade [por quotas] mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente ou, em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados do início dessa atividade.»), integrado no regime da violação da obrigação de não exercício por gerente de actividade concorrente com a da sociedade (art. 254.º, n.º 1, CSC), aplica-se aos «direitos da sociedade» referidos no n.º 5 do art. 254.º, ou seja, ao direito de a sociedade pedir uma indemnização pelos prejuízos sofridos com o exercício da actividade concorrente, a exercer de acordo com os arts. 72.º e ss. do CSC, e ao direito de a sociedade destituir (neste caso com “justa causa”) o gerente violador de tal obrigação de não concorrência, recorrendo para tal ao expediente-regra da deliberação dos sócios, de acordo com o art. 257.º, n.os 1 e 6, do CSC. Nestas situações, o preceito do n.º 6 do art. 254.º oferece um prazo de prescrição que se afasta do regime geral societário do art. 174.º do CSC – portanto, um prazo especial dentro da regra societária, seja para a responsabilidade para com a sociedade do gerente lesante (tal como prevista no seu n.º 1, al. b)), seja para a destituição (mas apenas a que for) deliberada pela sociedade (pelos seus sócios), seja para a destituição requerida judicialmente pela sociedade (depois de deliberada pelos sócios) na hipótese do art. 257.º, n.º 3, do CSC (destituição de gerente com direito especial à gerência) e do art. 1055.º, n.º 5, do CPC (destituição de gerente nomeado judicialmente)».