LAPSO DE ESCRITA
USO ANORMAL DO PROCESSO
Sumário

I - Não podem ser tratadas como lapso de escrita, rectificável nos termos do art. 249º do CC, as omissões de fundamentação que não constem das peças processuais apresentadas pelas partes.
II - Não pode ser confundido com a simulação processual ou uso anormal do processo a possibilidade de, nas contestações dos vários réus, existir matéria convergente, ou de interesse comum, tanto para contestantes, como para não contestantes. Decorre da alínea a) do art.º 568º do CPC que, no caso de haver mais do que um réu, a defesa apresentada por um deles aproveita aos demais, relativamente aos factos que o contestante impugnar e só a esses, independentemente de “conluio” entre os diversos réus, e sem que isso possa configurar qualquer uso anormal do processo.

Texto Integral

Processo: 78/22.6T8PNF-E.P1




Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



Sumário:
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AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra a sociedade, A..., S.A., BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, pedindo que pela procedência da acção seja proferida decisão a:
“A) Condenarem-se todos os cinco co-Réus, accionistas/fundadores, da ora sociedade primeira RÉ, a verem, judicialmente, declarada, nula e de nenhum efeito, a escritura pública constitutiva da sociedade e ora primeira ré, com a firma “B..., S.A.”, actualmente com a denominação “A.... S.A.”, celebrada em 7 (sete) de Outubro de 2002 e lavrada a folhas, 90 e seguintes do livro ...76-e do então Cartório Notarial de Paços de Ferreira, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Concelho de Paços de Ferreira, sob o n. ...25, Pessoa Colectiva N. ...12, porque simulada, dado ter havido divergência intencional entre a vontade formalmente declarada pelos outorgantes e a sua vontade real, com a intenção de defraudar a lei e enganar e ou prejudicar terceiros de boa-fé, entre os quais o Autor e seu falecido irmão, o que conseguiram.
B) Ordenar-se o cancelamento da respectiva matrícula, N....25/...13, junto da Conservatória do Registo Comercial de Paços de Ferreira.
C) condenarem-se, todos os Réus, solidariamente, dada a sua má-fé e conduta dolosa, em conjugação de esforços e em fraude à lei e em prejuízo de terceiros de boa-fé, entre os quais o autor e seu falecido irmão, a pagarem ao Autor, a quantia de € 211.385,96, acrescida dos juros de mora já vencidos e calculados até à data da propositura desta acção, no montante de € 50.000,00 e vincendos à mesma taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.
D) declararem-se nulas e de nenhum efeito, todas as deliberações sociais, tomadas, em sede de Assembleias Gerais, realizadas pela primeira Ré e constantes do respectivo livro de atas, porque simuladas e em prejuízo de terceiros, já que realizadas, por sócios/accionistas, meramente, formais e testas de ferro do ora Réu, CC, a quem obedeciam e que era o seu único e verdadeiro dono, em termos substanciais.
E) Condenarem-se, todos os Réus, a verem, judicialmente, declarado, que o RÉU, CC, é o único, dono e legítimo possuidor, dos dois prédios rústicos, supra indicados no artigo 7 (sete), embora, formalmente, estejam em nome da primeira Ré, apenas por conveniência, deste Réu, com o conluio dos demais Réus.
F) Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição de propriedade, a que se refere a apresentação n.25 de 8 de Julho de 2003, que incide sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira, sob a ficha n. ...86/20030708/....
G) Ordenar-se o cancelamento da inscrição de aquisição de propriedade, a que se refere a apresentação n. um de 18 de Janeiro de 2006, que incide sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira, sob a ficha n....39/20060118/....
H) Condenarem-se, todos os Réus, solidariamente, a pagarem ao Autor, os danos não patrimoniais, já sofridos e a sofrer, até trânsito em julgado da douta sentença a proferir e a LIQUIDAR.
I) subsidiariamente e para a hipótese de assim se não entender; dada a má-fé, abuso de direito e fraude à lei, consistente em, sobreposição de esferas jurídicas, confusão de patrimónios e domínio por uma única pessoa física, ou seja o co-Réu, CC, supra revelados, de forma reiterada, com intuito de prejudicar terceiros, entre os quais, o Autor e seu falecido irmão, deve desconsiderar-se a atribuição, por lei, da personalidade jurídica colectiva, de que goza a sociedade, co-Ré, “A..., S.A.”, face à conduta ilícita supra descrita e em consequência condenar-se, esta, solidariamente, com todos os Réus, a pagarem, ao Autor, a referida quantia de € 211.385,96, acrescida dos juros já vencidos até à data da propositura desta ação, calculados à taxa legal de 4% ao ano, no montante de € 50.000,00 e vincendos à mesma taxa, até efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências, pois, só, assim, será, efectuada, a costumada, justiça”.
Baseia estes pedidos, essencialmente, na circunstância de ser credor do R., CC, e de o mesmo, na sequência da execução da sentença que lhe reconheceu (a ele e ao irmão já falecido do qual é único herdeiro) esse crédito, ter inviabilizado a penhora e venda de dois prédios que identifica, com a constituição, simulada, da sociedade Ré, com intuito de refúgio de activos, o que para si tem acarretado prejuízos pelos quais pretende ser ressarcido.
A acção foi contestada (ainda que não por todos os RR.) e, depois de diversas vicissitudes que os autos documentam, mas sem interesse para este recurso, em de 21 de Março de 2024 o A. dirigiu aos autos o seguinte requerimento que qualificou de “incidente, de uso anormal do processo”:
- Compulsados os autos, com a profundidade devida, constata-se, que no modesto entendimento do Autor e ora requerente, existe a convicção segura de um uso anormal do processo para fim diferente do legalmente estabelecido, atenta a simulação processual e fraude à lei, entre o CO/RÉU, Exº, Senhor, CC e a CO/RÉ, "A...; S.A.", em prejuízo daquele.
- Na verdade, analisada com atenção a contestação do CO/RÉU, Exº, Senhor, CC, constata-se DE MODO INEQUÍVOCO, que este se limitou a actuar, máxime, a CONTESTAR, por conta e no EXCLUSIVO interesse da CO/RÉ, REVÉL,"A..., S.A.", sem para tal estar legitimado quer do ponto de vista SUBSTANCIAL quer PROCESSUAL, como se alcança dos artigos, 33 a 41; 44 a 50 e 67 a 73, sendo certo que quanto à matéria constante dos artigos, 51 a 59, esta é meramente CONCLUSIVA.
- Do mesmo modo como se alcança do requerimento do CO/RÉU, Exº, Senhor, CC, datado de 5 de Fevereiro de 2024, com a referência EXTERNA n. 47.882.544, este pronunciou-se, em resposta a um requerimento do AUTOR, sobre uma acção de EMBARGOS DE TERCEIRO, a correr pelo JUÍZO DE EXECUÇÂO DE ..., JUIZ 2, desta Comarca, em que é EMBARGANTE a ora CO/RÉ, REVÉL, "A..., S.A." e embargado o EXEQUENTE e aqui, ora AUTOR, sem para tal ter qualquer interesse legítimo a defender.
- Por requerimento datado de um de Março de 2024, com a referência EXTERNA n. 48.147.025, o CO/RÉU, Exº, Senhor, CC, veio pronunciar-se quanto ao requerimento probatório do AUTOR, quando este tinha como ÚNICO DESTINATÁRIO A CO/RÉ, "A..., S.A.".
- No requerimento de NULIDADE subscrito pela CO/RÉ, "A..., S.A.", datado de 12 de Fevereiro de 2024, com a referência EXTERNA n. 47.952.966, no seu artigo 5 refere o seguinte "ORA, TAL COMO A RÉ ALEGOU NA SUA CONTESTAÇÃO" e mais a seguir no artigo 20 diz o seguinte "QUE A RÉ NÃO TEM NEM QUALQUER OBRIGAÇÃO LEGAL DE TER, COMO ALEGOU NA SUA CONTESTAÇÃO".
- Isto para dizer que o CO/RÉU, contestante, Exº, Senhor, CC, está MANCOMUNADO com a CO/RÉ, REVÉL, "A..., S.A.", o que se compreende, dado serem as duas faces da mesma moeda, pois esta é por si TOTALMENTE CONTROLADA, por intermédio de testas de ferro e titulares FORMAIS dos seus órgãos sociais, máxime, demais CO/RÉUS, servindo-se do processo para praticar ato SIMULADO e em FRAUDE À LEI e em prejuízo do AUTOR, utilizando este para fim diverso do previsto na lei.
- Como diz o Ilustre, Mestre, Senhor, Professor, Doutor, José Alberto dos Reis, in CP. CIVIL, anotado, vol. 5, reimpressão, Coimbra Editora, 1981 a página 104," O modo como os articulados se apresentam deduzidos é a pedra de toque da simulação ou de fraude e mais adiante, refere o seguinte "a simulação denuncia-se, depois, na produção da prova".
- Ora, atento o supra-referido, dúvidas fundadas NÃO subsistem, de que o CO/RÉU, CONTESTANTE e a CO/RÉ, REVÉL, "A..., S.A.", estão conluiados entre si, por ACORDO PRÉVIO e OCULTO, por simulação processual e em fraude à lei, fazendo um uso indevido do processo, já que aquele defende e atua por conta e no exclusivo interesse desta, sem para tal ter os poderes necessários e estar LEGITIMADO quer em termos substanciais quer processuais.
- Por outro lado, a CO/RÉ, REVÉL, "A..., S.A.", aceita como sua e BOA, a contestação do CO/RÉU contestante, feita no EXCLUSIVO INTERESSE daquela, como sua TESTA DE FERRO FORMAL e pretendendo daí tirar benefícios processuais, defraudando a lei de processo, tudo em prejuízo do AUTOR.
- Impõe-se, pois, salvo melhor entendimento, por cobro a este comportamento ILÍCITO consubstanciado em simulação processual e fraude à lei, efectuada de MÁ-FÉ, ou seja, de forma DOLOSA e REITERADA, utilizando e instrumentalizando o processo civil para fins diferentes do legalmente previsto.
- O CO/RÉU, contestante SÓ podia IMPUGNAR A FACTUALIDADE ALEGADA NA PETIÇÃO, desde que a mesma fosse ou devesse ser do seu CONHECIMENTO PESSOAL, sendo-lhe interdito defender interesses de TERCEIROS, sem para tal estar devidamente legitimado e daí ser evidente o CONLUIO EXISTENTE entre este e a CO/RÉ, "A..., S.A." que aceitou a contestação como SUA e dela quer beneficiar.
- Deve, pois, na procedência deste incidente, como exceção dilatória inominada, DAR-SE SEM EFEITO A CONTESTAÇÂO DO CO/RÉU, Exº, Senhor, CC, porque SIMULADA E EM FRAUDE À LEI e no interesse de TERCEIROS, ordenando-se a sua restituição ao apresentante, dado o DESVIO à finalidade do processo legalmente previsto em que as partes devem AGIR DE BOA-FÉ e COOPERAR na boa e célere administração da JUSTIÇA e resolução do litígio.
- Como refere o Ilustríssimo, Exº. Senhor, Professor, Doutor, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em CP. CIVIL anotado, volume 2-4. Edição, Almedina, 2021, pág.542, em anotação artigo 568, alínea A) "O benefício concedido aos réus, revéis, circunscreve-se à matéria efectivamente impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição inicial que não hajam sido impugnados são dados como assentes, em relação a todos os réus, pelo que a eficácia da norma excepcionante acaba por se limitar aos factos de interesse para o réu revel e para o réu contestante, dado não ser relevante, fora duma relação formal de representação, a impugnação de factos que, por só respeitarem ao revel, o réu contestante não tem interesse em contradizer".
- Ora compulsada a CONTESTAÇÃO, máxime, artigos, 33 a 41; 44 a 50 e 67 a 73, dela resulta com segurança, juridicamente, relevante, que NÃO foram impugnados ESPECIFICADAMENTE os factos alegados nos artigos, 11 a 94 da PETIÇÂO INICIAL, em relação aos quais o RÉU tinha ou devia ter conhecimento pessoal, sendo certo que os alegados nos artigos, 51 a 59 são meramente CONCLUSIVOS, sendo certo ainda que em relação aos factos de interesse dos demais CO/RÉUS, REVÉIS, não tinha legitimidade para o fazer, dado NÃO SEREM COMUNS e OPERANTES.
- Verifica-se, pois, in casu, uma REVELIA OPERANTE, dada a inexistência de factos EFECTIVAMENTE impugnados pelo RÉU/CONTESTANTE e do SEU INTERESSE COMUM com o dos demais RÉUS REVÉIS, máxime, da CO/RÉ, "A..., S.A.", pelo que DEVE dar-se como ADQUIRIDA para os autos, a factualidade alegada na petição e constante dos temas de prova enunciados.
- O Tribunal, na pessoa de V. EXª, DEVE anular, oportunamente e OFICIOSAMENTE, o processado pelo CO/RÉU, CONTESTANTE, NÃO produzindo este articulado qualquer efeito legal, máxime, REVELIA OPERANTE.
- Atenta a factualidade supra indicada, DEVE ADITAR-SE aos temas de prova enunciados, mais um referente ao USO ANORMAL DO PRESENTE PROCESSO, a fim de V.Ex.ª, em sede de douta sentença a proferir, conhecer deste incidente, juridicamente, relevante.
Conclui pedindo se adite aos temas de prova enunciados mais um que integre a factualidade que alegou relativa ao uso anormal do processo, por simulação processual e fraude à lei, conhecendo-se deste incidente em sede de douta sentença a proferir, e se julgue a contestação, do co/réu CC, juridicamente, inoperante, ordenando-se o seu desentranhamento e restituição ao apresentante.
Sobre este requerimento incidiu despacho nos termos seguintes:
“Requerimento do A. com a ref." 48379353, com contraditório exercido no requerimento com a referência 45541137:
Relega-se o conhecimento deste incidente para a sentença.
Aditando-se aos temas da prova os factos vertidos quer no requerimento do autor quer no requerimento do réu CC, excluídos da alegação conclusiva e/ou de direito”.
Em 16 de Maio de 2024 o A. dirigiu aos autos novo requerimento, com a ref.ª 48417400, nos seguintes termos:
- Dá como reproduzido, por uma questão de celeridade e economia processual, o teor integral do seu requerimento junto aos autos, datado de 21 de Março de 2024, com a referência EXTERNA n. 48.379.353.
- Dá do mesmo modo como reproduzido, o teor do douto despacho de V.Ex.ª, já transitado em julgado, datado de 10 de Abril de 2024, que se pronunciou quanto ao requerimento supra-referido e relegou o seu conhecimento para a sentença.
- Ora acontece, que por mero lapsus calami, do AUTOR e ora requerente, rectificável a todo o tempo, de que se penitencia, NÃO foi referido no requerimento supra indicado, em ABONO da sua tese, a "IMPUGNAÇÃO" efectuada pelo CO/RÉU, CONTESTANTE, Senhor, CC, na sua CONTESTAÇÃO, entregue em JUÍZO, em 28 de Fevereiro de 2022, com a referência EXTERNA n. 41.467.623, máxime, nos artigos, 67 a 74, quanto ao requerimento de prova daquele AUTOR formulado na petição INICIAL.
- Isto para dizer, que o CO/RÉU, contestante, Senhor, CC, NÃO tinha qualquer LEGITIMIDADE quer SUBSTANCIAL quer PROCESSUAL, para defender interesses de TERCEIROS, in casu, da CO/RÉ, REVEL, "A..., S.A.", já que o requerimento probatório do AUTOR era dirigido para esta sociedade, CO/RÉ, o que denuncia CONLUIO, por interposição fictícia de pessoa jurídica colectiva.
- Ou seja, quanto à factualidade constante do requerimento PROBATÓRIO do AUTOR, apresentado em sede de PETIÇÃO INICIAL, a mesma tem de haver-se por boa e ADMITIDA POR ACORDO, face à REVELIA OPERANTE em relação à CO/RÉ, "A..., S.A.", NÃO CONTESTANTE, não podendo esta colocá-lo em causa quanto à sua amplitude e alcance sob pena de violação de caso julgado formal anterior.
- Deve, pois, ADITAR-SE, tal factualidade, à já indicada, por PROVADA, dado ser PERTINENTE e idónea para a boa decisão da causa, constar dos autos e ser de CONHECIMENTO OFICIOSO.
Termos em que requer a V. Ex.ª, se digne relevar o lapso cometido pelo AUTOR, no seu requerimento datado de 21 de Março de 2024 e em consequência, ADITAR ao mesmo, a factualidade ora indicada, dada a sua TEMPESTIVIDADE e PERTINÊNCIA para a boa decisão do INCIDENTE suscitado, dele passando a fazer PARTE INTEGRANTE, relegando-se o seu conhecimento para a douta sentença a proferir, como doutamente já decidido, dado se tratar de matéria já constante dos autos e ser de CONHECIMENTO OFICIOSO, tudo com as legais consequências.
Sobre este requerimento incidiu despacho, notificado a 18.06.2024, nos termos seguintes:
Indefere-se o aqui requerido pelo autor, dado que não se trata de lapso, mas sim do efeito preclusivo relativamente a direitos processuais que não foram exercidos tempestivamente”.
Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o A., finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
A) A factualidade constante dos artigos 67 a 74 da contestação do CO/RÉU, Senhor, CC, já se encontra ADQUIRIDA, processualmente, para os autos, face à não contestação da CO/RÉ, REVEL, "A..., S.A.", sendo certo que aquela NÃO aproveita a esta quanto a esta matéria de facto.
B) O CO/RÉU, contestante, Senhor, CC, NÃO tinha legitimidade quer substancial quer processual, para defender interesses de TERCEIROS, máxime, da CO/RÉ REVEL "A..., S.A.", pelo que a dita factualidade DEVE ter-se por ADQUIRIDA para os autos e considerar-se como PROVADA, porque ADMITIDA POR ACORDO.
C) A matéria de facto constante dos artigos, 67 a 74, supra-referida, é relevante, para efeitos de subsunção jurídica, dado ser indiciadora de simulação processual por interposição fictícia de pessoa jurídica colectiva, a ora CO/RÉ, REVEL, "A..., S.A.", esta mancomunada com o CO/Réu, Senhor, CC, dado, em termos, SUBSTANCIAIS, um e outra, serem as duas faces da mesma moeda, tudo em prejuízo de terceiros, máxime, do AUTOR.
D) Deve, assim, ADITAR-SE, à matéria de facto já indicada pelo AUTOR no seu requerimento de 21 de Março de 2024 e admitida por douto despacho de 10 de Abril de 2024, mais a ora indicada e constante dos ditos artigos, 67 a 74 da contestação do CO/RÉU, Senhor, CC.
E) Nada obsta ao ADITAMENTO, dado se tratar de INCIDENTE de CONHECIMENTO OFICIOSO por parte do TRIBUNAL.
F) Não se verificou, in casu, qualquer efeito PRECLUSIVO, por inércia do AUTOR, relativamente ao exercício de direitos DISPONÍVEIS, já que, se trata de DIREITOS INDISPONÍVEIS e de CONHECIMENTO OFICIOSO por parte do TRIBUNAL.
G) O Tribunal a quo, SÓ devia ter-se pronunciado em termos SUBSTANCIAIS, ou seja, quanto ao mérito do pedido e sua fundamentação, refugiando-se em questões formais e sem sentido para a boa decisão do incidente.
H) Uma vez que se trata de INSTRUÇÃO de matéria de facto em incidente de conhecimento oficioso, não se coloca a questão da eventual, TEMPESTIVIDADE, mas sim, da SUBSTANCIALIDADE do pedido.
I) Ora, a matéria de FACTO, já ADQUIRIDA NOS AUTOS, cujo ADITAMENTO se requer, é necessária e útil para uma melhor FUNDAMENTAÇÃO e boa decisão do INCIDENTE em termos de subsunção jurídica, pelo que NÃO se compreende a douta decisão recorrida.
J) Nada impedia, pois, salvo melhor entendimento, que o AUTOR e ora APELANTE, tenha vindo em 16 de Maio de 2024, requerer o ADITAMENTO dos artigos 67 a 74 à base instrutória do incidente suscitado, em 21 de Março de 2024, dado se tratar de matéria PROVADA e adquirida para os autos e ser idónea e pertinente para a boa decisão a tomar, o que NÃO foi posto em causa no douto despacho recorrido.
K) A douta decisão a proferir no INCIDENTE suscitado gozará de tanto maior grau de conformação social quanto melhor for FUNDAMENTADA de FACTO e DE IURIS.
L) O douto despacho recorrido é NULO, por OMISSÃO DE PRONUNCIA, porque NÃO FUNDAMENTADO, DE FACTO, em termos SUBSTANCIAIS, ou seja, quanto ao MÉRITO, da pretensão deduzida pelo AUTOR/APELANTE, em 16 de maio de 2024, devendo ser anulado todo o processado subsequente e que dele dependa absolutamente, nulidade essa que pode influir no exame e decisão a proferir no INCIDENTE suscitado em 21 de Março de 2024.
M) Mal andou, pois, o douto despacho recorrido, ao INDEFERIR o requerido pelo AUTOR/APELANTE, em 16 de maio de 2024, por razões meramente FORMAIS e sem sentido.
N) Violou o douto despacho recorrido, por erro de subsunção jurídica, o disposto nos artigos 6; 154; 195 e 612, todos do C.P. Civil.

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Não consta que houvesse sido apresentada resposta ao recurso,
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir,
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, Face às conclusões da recorrente, a questão a decidir na presente apelação consiste em saber se deveria ter sido admitido como rectificação do anterior o segundo dos requerimentos apresentados pelo autor, e se existem indícios de simulação processual por conluio entre a co/ré, revel "A..., S.A." e o co/réu CC.
A factualidade a considerar para tal é a constante do relatório supra, para que se remete.
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No tocante à factualidade que deva ter-se como assente para efeitos de sentença, não é este o momento processualmente adequado para a sua fixação. Decorre claramente do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC que que é no momento da elaboração da sentença que o juiz discrimina os factos que considera provados e toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo. Resulta, assim, prematuro qualquer juízo sobre se matéria de facto que o recorrente invoca, constante da contestação do réu CC deve, desde já, considerar-se assente. Não poderia, assim, a 1.ª instância, deixar de relegar para a sentença o conhecimento do incidente, em tudo o que se refere ao alegado daquela contestação e suas consequências para a matéria de facto a seleccionar como assente em sede de sentença.
Quanto à questão de o despacho recorrido não ter tratado como lapso de escrita a omissão no requerimento de 21 de Março de 2024 da referência aos artigos 67 a 74 da contestação do co/réu CC, sob a epígrafe de “Erro de cálculo ou de escrita”, estabelece o art. 249.º do CC que“O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”. Este preceito consagra um princípio geral aplicável tanto a actos extrajudiciais como a actos judiciais, quer,de entre estes, a declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial, tanto pelas partes como pelo juiz. Também as peças processuais apresentadas pelas partes devem ser lidas na sua substância, quando delas ou das suas circunstâncias resulta evidente que a sua forma não corresponde ao que se quis expressar e se compreende o que se quis dizer. A lei processual faz aplicação deste princípio, designadamente nos arts. 146º e 614º do CPC, que, embora referindo-se a actos do juiz, é extensivo a todos os actos judiciais, designadamente aos praticados pelas partes (Neste sentido, Ac. do STJ de 10/12/2009, in www.dgsi.pt. 10). Como escreveu Alberto dos Reis (in R.L.J, Ano 77, p. 180), “se os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros, omissões e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo. O que a ordem jurídica exige é que a vontade real prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-de admitir-se necessariamente os meios adequados. Se, for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade. Pela mesma ordem de razões, se houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se lhe não pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento de exprimir, de modo completo, toda a sua vontade”. À declaração de vontade da parte ser-lhe-á aplicável o princípio contido no art. 249º do CC, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta.
Indispensável é que se verifiquem os pressupostos da correcção. Em primeiro lugar, é necessário que seja patente que ocorreu lapso na declaração, que o declarado não correspondia ao pretendido. O erro só pode ser rectificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto. Deve tratar-se de um lapso ostensivo, em face dos próprios termos da declaração, quer quanto à sua própria existência, quer quanto ao modo de o rectificar (Cfr. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 255). Trata-se, em suma, de um erro notório no sentido de que se apresenta evidente a divergência entre a vontade declarada ou realizada e a realmente querida, divergência que é claramente detectada por qualquer observador comum. A correcção da declaração visa simplesmente fazer coincidir a vontade real com aquela que foi materializada ou exteriorizada, a rectificação do que se escreveu em função daquilo que, de modo notório, efectivamente, se quis escrever.
Não é possível por esta via complementar as puras e simples omissões de peças processuais, ou de fundamentação que delas não conste. Ora, na hipótese vertente, o primeiro dos requerimentos do recorrente, de 21/03/2024 nenhuma referência contém da qual possa alcançar-se que o recorrente pretendia aditar à factualidade aí mencionada a alegada pelo co-réu CC, nos artigos 67 a 74 da sua contestação. E isso teria que evidenciar-se do próprio contexto desse requerimento, para que o mesmo pudesse valer com o sentido pretendido pelo recorrente. Por onde que nenhuma censura pode apontar-se ao despacho recorrido ao não ter tratado como lapsus calami a confessada omissão do recorrente.
Quanto à invocada nulidade por omissão de pronúncia, ela só ocorreria se as questões suscitadas no requerimento de 16 de Maio de 2024 não se encontrassem prejudicadas pela solução dada a outras. Ora, tendo o despacho recorrido recusado tratar o aludido requerimento como correcção - não admissível - de lapsos do anterior requerimento apresentado, é manifesto que nada mais teria o despacho que acrescentar relativamente a tais questões, inexistindo a apontada nulidade.
Acresce que, relativamente à invocada simulação processual e fraude à lei por parte dos co-réus CC e"A...; S.A.", estabelece o art. 665º do CPC que “quando a conduta das partes ou quaisquer outras circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes”.
Ora, “Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si. Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa predisposta no interesse geral”. cfr. Acs. da Rel. de Coimbra de 12.5.2009, /Proc. 621/08.3TBLRA, e de 20-11-2012, Proc. 1423/11.5TBGRD.C1, ambos in dgsi.pt) e Lebre de Freitas (C. Proc. Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed. p. 695 e 696, aí citado). “A simulação do litígio, comum a ambas as figuras, passa quase sempre, mediante prévio acordo das partes, entre si conluiadas, pela alegação pelo A., não contraditada ou ficticiamente contraditada pelo R., duma versão fáctica não correspondente à realidade” (Lebre de Freitas, ob. e loc. citados; A. Reis, C. Proc. Civil Anotado, Vol. V, p. 101).
No caso vertente, o litígio que opõe, de um lado, o autor e, do outro, cada um dos réus, é bem real, nada possibilitando suspeitar que todos se tenham conluiado no sentido de forjar um qualquer desfecho de interesse comum e lesivo para terceiros. Isso não pode ser confundido com a possibilidade de, entre as contestações dos vários réus, existir matéria convergente, ou de interesse comum, tanto para contestantes, como para não contestantes. O artº 567.º, nº 1, do CPC (correspondente ao anterior art.º 484º do CPC de 1961) consagra a seguinte regra: se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Mas esta regra comporta várias excepções, as quais são taxativamente previstas no artº 568º do mesmo código. A primeira (al. a) daquele normativo) dessas excepções – única que aqui importa considerar – refere que “não se aplica o disposto no artigo anterior quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar”. Como escreveu Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. 3º, 3ª ed.), “no processo ordinário os réus não contestantes beneficiam da oposição deduzida pelos contestantes, quer se trate de litisconsórcio necessário, quer de litisconsórcio voluntário”. Decorre daquela alínea a) que, no caso de haver mais do que um réu, a defesa apresentada por um deles aproveita aos demais, relativamente aos factos que o contestante impugnar e só a esses, independentemente de “conluio” entre os diversos réus, e sem que isso possa configurar qualquer uso anormal do processo.
Carece, assim, de fundamento o recurso interposto, que improcede.





Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que mantêm o despacho recorrido.

Custas pelo apelante.






Porto, 25/03/2025

João Proença
Artur Dionísio Oliveira
Rodrigues Pires