1 - Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão - nº 4 do art. 414º do CPP.
2 - Usando de tal faculdade, não pode o Juiz afirmar que não sustenta a decisão e omitir a respectiva reparação.
3 - Tal omissão torna irregular o despacho proferido.
4 - A norma referida em 1 não serve apenas para sublinhar a posição anterior, serve também e sobretudo para, sendo caso disso, evitar a prática de atos inúteis, que a lei proíbe - art. 130º do Código de Processo Civil ex vi art. 4º do CPP).
Nos termos da alínea a) do nº 6 do art. 417º do Código de Processo Penal (CPP), passa a proferir-se
DECISÃO SUMÁRIA
I.
Por despacho de 1.11.2024 (ref. 95407117) foi considerado “manifestamente extemporâneo” o requerimento de abertura de instrução apresentado por AA, não tendo, por essa razão, sido admitido.
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Inconformada, recorreu AA para este tribunal pugnando pela revogação da decisão e substituição por outra que declare aberta a instrução e leve a cabo as diligências oportunamente requeridas.
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O recurso foi admitido e a ele respondeu o Ministério Público reconhecendo razão à recorrente e defendendo o entendimento de que a decisão deverá ser revogada e substituída por outra que admita a instrução requerida.
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Antes de mandar subir os autos, o Senhor Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Dê-se conhecimento da resposta do Ministério Público.
Salvo melhor opinião e pelos motivos invocados na resposta do MP – ao contrário do promovido pelo MP antes da remessa dos autos para instrução – existe razão por parte da Recorrente pelo que não sustento o despacho recorrido, sem prejuízo do d. entendimento do V. Tribunal Superior.
Notifique e após remeta ao Tribunal Superior”.
Este despacho, como se percebe, foi proferido ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 414º do Código de Processo Penal que preceitua que: “Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objeto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão”.
Trata-se de uma norma que tem por objetivo, além do mais, evitar a prática de atos inúteis, quando o juiz se aperceba de que determinado despacho não se mostra corretamente proferido, podendo ser modificado, sem necessidade de fazer intervir o tribunal superior. Isto é, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 2ª edição, edit. Rei dos Livros, 56 “não se mostrando esgotado o seu poder jurisdicional, pode o juiz “a quo” reparar o recurso se, posteriormente à decisão posta em crise, vier a concluir que havia motivo para resolver em sentido contrário ao que decidiu; ou sustentar a decisão recorrida, quando ache vantajosa mais detalhada fundamentação para mostrar a justiça da decisão que tomara”.
É uma norma facultativa, como decorre do segmento “o tribunal pode”, mas sendo usada, deverá sê-lo de forma consequente, o que não aconteceu nestes autos. De facto, o senhor juiz a quo no seu despacho disse não sustentar o despacho anterior, por com ele não concordar, mas não tirou daí as devidas e necessárias consequências, porque omitiu a reparação que se impunha.
É que, manda o nº 4 do art. 414º do CPP que o juiz, querendo, sustente ou repare a decisão que foi alvo de recurso. E assim, ou o juiz concorda com ela e sustenta-a, ou não concorda e repara-a. O que não pode é dizer que não sustenta e não reparar, porque a norma não serve apenas para sublinhar a posição anterior, serve também e sobretudo para, sendo caso disso, e como se disse, poder ser evitada a prática de atos inúteis, que a lei proíbe (art. 130º do Código de Processo Civil ex vi art. 4º do CPP).
Assim, estamos perante uma omissão que torna irregular o despacho proferido ao abrigo do art. 414º, nº 4 do CPP, - irregularidade que é de conhecimento oficioso (art. 123 nº 2 do CPP) por afetar o valor do ato praticado e ter influência na tramitação subsequente – que obsta ao conhecimento do recurso e que deverá ser suprida pelo tribunal de 1ª instância para onde os autos deverão ser remetidos para o efeito.
II.
DECISÃO.
Em face do exposto declara-se irregular o despacho de fls. 391 (ref. 96077118) e determina-se a remessa dos autos à 1ª instância para ser devidamente observado o disposto no nº 4 do art. 414º do CPP.
Fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento do recurso.
Sem custas.
Notifique.
Coimbra, 17.03.2024
Maria Teresa Coimbra