CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
PROCURAÇÃO FORENSE
RATIFICAÇÃO DO PROCESSADO
NULIDADE PROCESSUAL
REPRESENTAÇÃO DE SOCIEDADE DE ADVOGADOS COMO PARTE PROCESSUAL
Sumário

I- Nos casos em que for obrigatória a constituição de Advogado (artº 40 do C.P.C.) e não for junta procuração forense, impõe-se ao magistrado judicial que profira despacho, em conformidade com o disposto no artº 48 do C.P.C., a ordenar:
- a notificação do mandatário para que proceda à junção da procuração em falta;
-a notificação do mandante para que ratifique o processado pelo seu mandatário e o vício de falta de procuração, se não junta pelo mandatário.
II-A omissão deste despacho, constitui nulidade que pode ser invocada em sede de recurso da decisão quer julgou procedente a excepção dilatória de falta de patrocínio judiciário, por enquadrável no âmbito do artº 615, nº1, al. d) do C.P.C.
III-As sociedades de advogados têm personalidade jurídica e podem exercer todos os direitos compreendidos no seu objecto social (artºs 5 e 6 nº1 da Lei nº 53/2015 de 11 de Junho, na redacção da Lei 64/2023 de 20 de Novembro e artº 212-A nº2 da Lei nº 145/2015 (aditado pela Lei nº 6/2024 de 19 de Janeiro).
IV- As sociedades de advogados, partes em processos judiciais, podem ser representadas em juízo por advogado sócio desta sociedade e seu administrador, sem necessidade quer de junção de procuração, quer de ratificação dos actos por este praticados no âmbito da injunção.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

***

Recorrente: A..., Rl

Recorrido: Município ...

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Miguel Caldas

                                         Luís Manuel Carvalho Ricardo

                                                


*

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



***


RELATÓRIO

Iniciado procedimento de injunção por A..., Rl contra Município ..., tendo esta vindo deduzir oposição, remetidos os autos à distribuição a fim de prosseguirem sob a forma comum, foi proferido, em 14/10/2024, despacho com o seguinte teor:

“Compulsados os presentes autos constata-se que a Requerente não juntou procuração forense nos autos.

Com efeito, notifique a Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar procuração forense, sob a cominação prevista no artigo 48º, nº 2 do CPC).”


***

O aludido despacho foi notificado na pessoa do Dr. AA na qualidade de mandatário da requerente.

***

Com data de 23/10/2024, veio esta juntar procuração, da qual consta o seguinte:

***

Após, foi proferido o seguinte despacho:

Veio a Requerente juntar procuração forense (requerimento de 23/10/2024) para dar cumprimento ao despacho proferido em 14/10/2024.

Nesse despacho foi determinada a notificação da Requerente para vir juntar (no prazo de 10 dias) procuração forense, uma vez que, compulsados os autos, não tinha sido junta tal procuração, notificação essa com expressa referência à cominação legal prevista no artigo 48º, nº 2 do CPC.

Ora, no requerimento apresentado em 23/10/2024 foi junta procuração assinada, mas datada de 23/10/2024. Nessa procuração não se ratifica o processado.

A não junção de procuração aos autos constitui falta de procuração.

O artigo 48º, nº 2 do CPC determina que “o juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que seja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.”

Ora, no caso concreto, a junção aos autos de procuração assinada e datada de 23/10/2024 sem ratificação do processado não permite considerar regularizada a situação.

Logo, nos termos do artigo 48º, nº 2 do CPC, deverá ficar sem efeito tudo o que foi praticado pelo mandatário da Requerente, devendo este ser condenado nas respetivas custas processuais.


***

Com efeito, o Tribunal determina que fica sem efeito tudo o que foi praticado pelo mandatário da Requerente, condenando-se este nas respetivas custas processuais.”

***

Notificada deste despacho, veio a requerente recorrer, concluindo da seguinte forma:

“D. CONCLUSÕES

I. A Recorrente é uma sociedade de advogados regularmente inscrita na Ordem dos Advogados desde ../../2020, sob o número .../20, que se vincula com a intervenção do Sócio Dr. AA, advogado com a cédula profissional n.º ...36....

II. Nesse contexto, o Dr. AA, devidamente mandatado pela Recorrente, porque é ele quem a vincula, apresentou, em 24 de julho de 2024, um Requerimento de Injunção contra a Requerida, requerendo a condenação desta ao pagamento do montante de EUR 24.757,46, acrescido de juros de mora. Tal quantia corresponde a honorários devidos à Recorrente pelos serviços jurídicos prestados à Requerida no período compreendido entre 2020 e 2024.

III. A Requerida apresentou oposição, levando a que o procedimento de injunção fosse à distribuição, correndo termos no Juízo de Competência Genérica de Foz Côa, sob o número 96021/24.....

IV. Em 14 de outubro de 2024, o Mm. Juiz a Quo ordenou a notificação da Requerente para que juntasse procuração aos autos, no entanto, ao contrário do ordenado, tal despacho foi notificado não à Recorrente, mas sim ao seu mandatário.

V. Tendo sido junta, no dia 23 de outubro de 2024, procuração outorgada a favor, entre outros, do aqui Signatário, datada de 23 de outubro.

VI. No entanto, por meio de sentença proferida em 12 de novembro de 2024, o Douto Tribunal declarou sem efeito todos os atos praticados pelo mandatário da Requerente.

VII. Tal decisão fundamenta-se no facto do requerimento apresentado em 23 de outubro de 2024, ter sido junta uma procuração assinada e datada no mesmo dia, levando o Mm. Juiz a Quo a concluir que " nessa procuração não se ratifica o processado".

VIII. Desconsiderando, por desconhecimento, que os atos praticados até à apresentação da procuração foram realizados pelo Sócio que vincula a Requerente, no âmbito de um mandato forense por ele próprio outorgou em seu favor, atuando, assim, em causa própria da Sociedade de Advogados que integra e representa.

IX. Assim, no requerimento de injunção e nos atos subsequentes, a sociedade estava devidamente representada pelo seu administrador, Dr. AA, que detém poderes de representação.

X. Não se revelando necessária a outorga de procuração pelo Administrador da Sociedade, por este representada, para si próprio, uma vez que, na qualidade de representante legal da sociedade, já possui os poderes necessários para atuar em juízo em nome desta, com paralelismo ao que acontece com a possibilidade dos advogados advogarem em causa própria.

XI. A possibilidade de um advogado atuar em casa própria é respaldada pela interpretação conjunta do artigo 66º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e do artigo 1º da Lei nº 10/2024, de 19 de janeiro.

XII. Conforme o Parecer nº 31/PP/2021-P do Conselho Regional do Porto (17 de dezembro de 2021), não há impedimento para que um advogado, sócio de uma empresa, a represente judicialmente. Tal entendimento fundamenta-se na premissa de que, se um advogado pode se representar em juízo, também pode, por analogia, representar a sociedade da qual é sócio.

XIII. Nestes termos, entendemos que o Mandatário estava a advogar em causa própria, dado que exerce a função de Sócio Administrador da Requerente, razão pela qual, considerando as circunstâncias do caso em concreto, não se vislumbra a necessidade de ratificação do processado, dado que já atuava com legitimidade e poderes de representação.

XIV. Pelo exposto, requer-se que V. Exas. julguem procedente o presente recurso, anulando a decisão recorrida, uma vez que não se verifica a necessidade de ratificação do processado, considerando que o Mandatário já se encontrava a advogar em causa própria.

XV. O artigo 48.º, n.º 2, do Código de Processo Civil prevê cominações com dois destinatários: 1.º - a própria parte, que arrisca ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário; 2.º - o próprio mandatário, que é sancionado nas custas respetivas e, eventualmente, em indemnização e participação à Ordem dos Advogados.

XVI. Porque se trata de um ato que diz respeito à própria parte, que pode ter interesse em regularizar (ou não) o mandato, deve ser notificada pessoalmente da falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, para lograr agir de acordo com os seus interesses.

XVII. É “à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração ou ratificar o processado. Trata-se de acto que a mesma deve praticar pessoalmente e para isso deve ser assegurado que chega ao seu conhecimento não só a existência de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, mas também o prazo que tem para a suprir e as consequências que

podem advir não sendo a falta corrigida.”

XVIII. Assim, o Tribunal a quo havia de ter notificado pessoalmente a parte, a aqui Recorrente, para nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 48.º do CPC, ratificar o processado pelo Mandatário subscritor do requerimento de injunção.

XIX. Independentemente de tal notificação dever ser também efetuada ao mandatário, é manifesto que a notificação para ratificação do processado, nos termos do disposto no n.º 2 artigo 48.º do CPC, havia de ter sido efetuada diretamente à parte, à aqui Recorrente, o que não o foi feito, consubstanciando a sua omissão preterição de formalidade legal.

XX. Trata-se de omissão de uma formalidade prescrita na lei suscetível de influir no exame e decisão da causa, uma vez que a falta de regularização do patrocínio judiciário determinou que ficassem sem efeito todos os atos praticados pelo mandatário, incluindo a oposição à execução apresentada.

XXI. A omissão de tal notificação pessoal à parte, importa, nestes termos, a nulidade com influência no exame e decisão da causa, conforme o disposto no artigo 195º do CPC.

XXII. A jurisprudência maioritária sustenta a mesma linha de pensamento, conforme demonstram os seguintes acórdãos: Acórdão da RL de 21 de março de 2012, Proc. nº 259/09.8TTLSB.L1-4 (Relatora: Filomena Carvalho); Acórdão da RL de 8 de novembro de 2012, Proc. nº 1346/05.7TCSNT.L1-6 (Relatora: Fernanda Isabel Pereira); Acórdão da RL de 15 de maio de 2014, Proc. nº 19145/12.8YYLSB-B.L1-6 (Relatora: Fátima Galante); Acórdão da RL de 21 de dezembro de 2017, Proc. nº 1921/16.4T8BRR.L1-4 (Relatora: Albertina Pedroso); Acórdão da RP de 16 de janeiro de 2009, Proc. nº 0846188 (Relatora: Paula Leal de Carvalho); Acórdão da RL de 28 de junho de 2012, Proc. nº 758/09.1TBLMG.P1 (Relator: Filipe Caroço); Acórdão da RC de 26 de outubro de 2016, Proc. nº 3635/15.3T8ACB.C1 (Relatora: Maria José Nogueira); Acórdão da RE de 20 de outubro de 2011, Proc. nº 620/10.5 T2STC (Relatora: Rosa Barroso); Acórdão da RE de 13 de julho de 2022, Proc. nº 330/21.8T8LAG.E1 (Relator: Mário Coelho); Acórdão da RP de 24 de março de 2022,

XXIII. Os Autores António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ao comentarem o artigo 247.º do CPC, também defendem o mesmo entendimento, afirmando que, para efeitos do n.º 2," a parte é chamada a praticar o ato pessoalmente, designadamente nas situações previstas nos artigos 47.º, n.º 2 (renúncia ao mandato), 48.º, n.º 2 (ratificação do processado), etc."

XXIV. Na medida em que a Requerente não foi previamente notificada para ratificar o processado, nem lhe foi dada a oportunidade de o fazer antes da prolação da sentença, consideramos, assim como entendeu corretamente o Tribunal da Relação do Porto, excessiva a aplicação da cominação prevista no n.º 2 do artigo 48.º do CPC.

XXV. A decisão recorrida violou e, ou, interpretou, assim, erradamente o conjugadamente disposto, entre outros, nos arts. 48.º, n.º 2, 247.º, n.º 2, e 547.º do CPC.

XXVI. Em face do exposto, e por se tratar de um ato que diz respeito exclusivamente à parte, entendemos que a sentença proferida pelo Douto Tribunal, que declarou sem efeito todos os atos praticados pelo mandatário da parte e o condenou nas custas, sem a notificação pessoal prévia à parte, configura uma nulidade com influência no exame e na decisão da causa, conforme o artigo 195.º do CPC. Assim, requer-se a V. Exas. que julguem procedente o presente recurso, anulando a decisão recorrida.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, com o que V. Exas. farão sã e costumeira JUSTIÇA!”.


*

QUESTÃO PRÉVIA


Vem a recorrente requerer a junção do seu contrato de sociedade e do respectivo registo, por essencial à decisão do recurso, invocando o disposto no artº 651, nº1, do C.P.C.

Tendo em conta o disposto no artº 651, nº1 do C.P.C. cumpre decidir se é admissível a junção deste documento com as alegações de recurso;

Dispõe o artº 651 nº1 do C.P.C. que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Por sua vez, o artº 425 do C.P.C., consigna que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”, norma esta excepcional, semelhante à prevista no nº3 do artº 423, no que se reporta à fase junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.

Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:

-a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;[1]

-o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.

Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

Prossegue ainda este autor, referindo que “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado[3].

Como referia ainda Antunes Varela[4], a propósito do regime anterior à Lei 41/2013 “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.

Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).

A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.[5]

Neste caso concreto, a justificação para junção deste documento decorre da decisão proferida em primeira instância, que julgou verifica a excepção dilatória de falta de patrocínio judiciário.

É, assim, admissível a junção deste documento com as alegações de recurso, admitindo-se a sua junção.


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[6] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil).

Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[7]

Nestes termos, as únicas questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:
a) Se o despacho para ratificação do processado deveria ter sido notificado à parte;
b) Se, em qualquer caso, a sociedade de advogados pode intervir em juízo, sem necessidade de ratificação dos actos jurídicos praticados pelo seu sócio (e administrador).


***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Sendo a questão a decidir meramente de direito, os factos relevantes são os que constam do relatório e ainda os seguintes:
1-No requerimento de injunção em causa, indicou-se que era subscrito por Mandatário: AA, com domicílio na R. Rua ..., ..., ... ...;
2-A requerente é uma sociedade de Advogados, com sede na Rua ..., sala ... e ..., ... ...;
3-A requerente tem como sócios:
Dr. AA que também assina AA, Advogado com a cédula profissional ...36 P;
- Dra. BB que também assina BB, Advogada com a cédula profissional ...18 P.
4-A Administração da Sociedade requerente é exercida pelo sócio Dr. AA.
5-A Sociedade obriga-se com a assinatura de um dos administradores.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurge-se a recorrente contra o despacho proferido na primeira instância, por entender que a ratificação dos actos praticados pelo mandatário cabe à parte mandante, pelo que deveria ter sido notificado o despacho que ordenou a junção de procuração à requerente, para que esta ratificasse os actos praticados em seu nome.

E, em todo o caso, considera ainda que não existe qualquer necessidade de ratificação, pois que sendo administrador da requerente e vinculando a sociedade, deve entender-se que o Mandatário já se encontrava a advogar em causa própria.

Cumpre-nos dilucidar a primeira questão colocada em sede de recurso:

I-Se o despacho para ratificação do processado deveria ter sido notificado à parte.

Resulta do disposto no artº 10, nº5, do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, que as providências de injunção, não carecem de ser subscritos por mandatário judicial, podendo sê-lo pela própria parte. Visa-se a “simplificação e, consequentemente, (o) incentivo à utilização em massa deste procedimento[8], sem os custos associados à prévia constituição de mandatário forense.

No entanto, se forem subscritas por mandatário, basta que no formulário se faça menção da existência do mandato e do seu domicílio profissional, não carecendo, nesta sede, de demonstrar a existência do contrato de mandato, juntando o competente instrumento que o titula: a procuração forense.

Remetidos os autos à distribuição, por qualquer das razões elencadas no artº 16, nº1 deste procedimento (falta de notificação ou dedução de oposição), segue-se a regra geral prevista no artº 40 do C.P.C. devendo ser junta procuração forense naqueles casos em que o patrocínio é obrigatório.

Não vem posto em causa que, neste caso, tal patrocínio se assumiria como obrigatório, por cair na alçada do artº 40, nº1, al. a) do C.P.C.

Assim, em termos gerais, não sendo junta procuração forense, após a remessa dos autos à distribuição, impõe-se ao magistrado judicial a seguinte actuação, em conformidade com o disposto no artº 48 do C.P.C., se verificar que é necessária a junção de procuração e/ou a ratificação do processado:

-ordena a notificação do mandatário para que proceda à junção da procuração em falta, a fim de demonstrar a existência do contrato de mandato que assegurou existir no procedimento injuntivo;

-ordena a notificação do mandante para que ratifique o processado pelo seu mandatário, se necessário for, ou seja, se esta procuração for posterior aos actos praticados pelo mandante e se outras circunstâncias não ocorrerem, mediante as quais se possa considerar que os actos praticados estão já ratificados.

Com efeito, como se refere em Ac. do TRG de 23/03/2017[9]O ato de ratificar todo o processado numa procuração subscrita a favor de um mandatário judicial, que interveio num processo, sem poderes de representação, implica a assunção, por parte do ratificante, de todos os efeitos jurídicos produzidos, na sua esfera jurídica, pela intervenção forense no processo.” e só se justifica quando a actuação do mandatário ocorreu sem poderes de representação, impondo-se então que aquele em cujo nome foram praticados os actos, assuma na sua esfera jurídica os efeitos destes actos.

Não sendo junta procuração no prazo fixado para o efeito, ainda assim, ao juiz está vedado proferir despacho a considerar sem efeito os actos praticados, sem previamente ter notificado o putativo mandante para suprir o apontado vício. Na realidade, apesar de o mandatário ter assegurado a existência de um contrato de mandato, é à parte que cumpre suprir a falta de procuração ou ratificar o processado.[10]

Só após lhe é lícito proferir despacho a julgar sem efeito tudo o praticado por aquele que actuou sem poderes por, no prazo fixado, nem ele nem o dono do negocio terem procedido à sanação do vício.

A falta desta notificação constitui motivo de nulidade, pela preterição de uma formalidade essencial, sem a qual o juiz não poderia ter decidido como decidiu, nulidade esta que influi essencialmente no exame e na decisão da causa e que pode ser invocada no prazo e nos termos previstos no artº 615, nº1, al. d) do C.P.C.

Conforme se refere no sumário do Ac. do TRG de 28/02/2013[11]II - Tendo sido notificada a sr. Advogada para juntar procuração e remetendo-se esta ao silêncio, impõe-se a notificação pessoal da parte para outorgar procuração e ratificar o processado, antes de julgar procedente a excepção dilatória de falta de procuração.

III - A notificação deverá ser pessoal por as razões que determinam a notificação pessoal da parte no nº 3 do artº 41º do CPC serem as mesmas no caso do nº 2 do artº 40º do CPC, pois que, em qualquer dos casos, se configura uma situação de gestão de negócios, no caso do artº 41º assumida expressamente e no artº 40º de modo implícito ou tácito.

IV - Não tendo sido notificada pessoalmente a parte nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 40º do CPC, é nulo o despacho que absolve a R. da instância, uma vez que a omissão cometida influi decisivamente no exame e na decisão da causa.

 Mais, a notificação em causa deve indicar a necessidade de ratificação do processado ou as consequências da falta de junção de procuração e de ratificação do processado, como o impõe o actual artº 9-A do C.P.C., aditado pelo D.L. nº 97/2019 de 26 de Julho, o qual dispõe que “O tribunal deve, em todos os seus atos, e em particular nas citações, notificações e outras comunicações dirigidas diretamente às partes e a outras pessoas singulares e coletivas, utilizar preferencialmente linguagem simples e clara.”

Aliás, já neste tribunal, em Ac. de 03/03/2020[12] se decidiu, em relação ao conteúdo da notificação para constituição de mandatário judicial que “ o princípio da utilização de linguagem clara e perceptível nas notificações às partes já fazia parte dos princípios fundamentais do processo civil.

Assim sendo devia o tribunal a quo utilizar, na notificação efectuada à ora recorrente, uma linguagem que permitisse compreender o sentido dela a um destinatário medianamente instruído.(…) não é exigível a um destinatário medianamente instruído que conheça os termos do artigo 41.º, como não era exigível à ora recorrente que fosse ler o preceito ou que procurasse alguém que lhe explicasse o sentido dele” pelo que “ao não conter esta menção expressa, deve entender-se que a notificação não foi feita com a observância das formalidades legais.”

Nestes termos, o despacho recorrido enfermaria de nulidade, impondo-.se a sua revogação para cumprimento do disposto no artº 48 do C.P.C., mediante notificação clara e precisa ao mandante para que ratificasse o mandato.

Ocorre, no entanto, que a parte nesta acção é uma sociedade de advogados e o representante desta sociedade, que outorga na procuração junta aos autos é também o mesmo que, na qualidade de mandatário, subscreveu o requerimento de injunção.

Impõe-se assim que este tribunal aprecie a 2ª questão colocada que consiste em saber se:

II-Se a A., sociedade de advogados pode intervir em juízo, sem necessidade de ratificação dos actos jurídicos praticados pelo seu sócio (e administrador).

Vem igualmente o recorrente invocar que, em qualquer caso, não existe necessidade de ratificação do processado, porque o próprio subscritor do procedimento de injunção é sócio administrador da sociedade, estando assim dispensado de ratificar os actos por si praticados em nome desta sociedade, à semelhança do patrocínio em causa própria, invocando em benefício da sua pretensão um Parecer nº 31/PP/2021-P do Conselho Regional do Porto (17 de dezembro de 2021), no sentido de que não “existe qualquer impedimento em que um Advogado sócio de uma empresa seja mandatário dessa empresa, pois se ao próprio Advogado é facultada a possibilidade de se representar a si próprio em juízo, por maioria de razão nada há que (legalmente) o impeça de representar uma sociedade da qual é sócio, nem mesmo as limitações que decorrem do seu dever de guardar segredo profissional já que, para tal, há mecanismos que asseguram o bom atuar do Advogado, como é o caso do levantamento do sigilo”.

Em termos gerais, uma coisa é a representação legal da empresa e outra a necessidade de celebração de um contrato de mandato forense entre essa empresa e o seu sócio que é também Advogado.

Conforme ensina Antunes Varela[13] a representação “traduz-se na realização de negócios jurídicos em nome de outrem, em cuja esfera jurídica se produzem directamente os respectivos efeitos.”, aliás como decorre do disposto no artº 258 do C.C.

Na representação voluntária, os poderes do representante e a sua extensão provêm de um negócio unilateral designado por procuração, acto mediante o qual alguém atribui a outrem voluntariamente poderes para a representar em negócios jurídicos (artº 262 e 268, nº1 do C.C.) Nos casos de mandato forense, modalidade de mandato com representação voluntária (cfr. artº 5 da Lei nº 10/2024, de 19 de Janeiro), o artº 44 do C.P.C. estipula que ele “atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes” regido pelo estatuído nos artºs. 97 a 107 do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9/9), 43 a 45 do C.P.C. e 1157 a 1184 do C.C., sendo exigida a forma escrita para a procuração forense.

Se assim é em termos gerais, no caso em apreço a A. é uma sociedade de advogados que se apresenta a litigar em juízo. Ora, a constituição de sociedades profissionais mostra-se regulada pela Lei nº 53/2015 de 11 de Junho, a qual confere personalidade jurídica, no seu artº 5, nº1, a estas sociedades, “a partir da data do registo definitivo do contrato de sociedade no registo nacional de pessoas coletivas ou no registo comercial, consoante o que ao caso seja aplicável.

Resulta ainda do artº 6 do referido diploma (na redacção da Lei 64/2023 de 20/11), que a “capacidade da sociedade de profissionais compreende os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu objeto social e que sejam compatíveis com a sua natureza.”

Por sua vez, o artº 8, nº1 dispõe que “As sociedades de profissionais, com exceção das que se constituam enquanto sociedades unipessoais por quotas, dispõem obrigatoriamente de pelo menos dois sócios profissionais, podendo igualmente dispor, caso o contrato de sociedade não o proíba, de sócios não profissionais, observado o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo seguinte.”, sendo permitido ao sócio de sociedade profissional, pelo nº 5 deste preceito e desde que o contrato de sociedade o não proíba, que exerça a profissão também a título individual - constituindo regra geral que a exerça no âmbito da sociedade na qual se integra - e desde que observe o dever imposto pelo artº 9, nº4, deste diploma legal, de não “prestar serviços que consubstanciem, entre eles, uma situação de conflito de interesses”.

Quer isto dizer que as sociedades de advogados têm personalidade jurídica, capacidade para exercerem os direitos compreendidos no seu objecto social, ou seja, os próprios da advocacia e podem ser representados em juízo por advogado sócio desta sociedade e seu administrador, sem necessidade quer de junção de procuração, quer de ratificação do processado.

Aliás, a propósito da possibilidade de ser mandatada uma sociedade para litigar em juízo, pronunciaram-se em sentido afirmativo, no âmbito do D.L. 513-Q/79 de 26/12, vários arestos jurisprudenciais, indicando-se a título meramente exemplificativo o Ac. do TRP de 03/06/2003[14] considerando que “sempre que não ponha obstáculos à extensibilidade do mandato, o mandante pode passar a procuração a algum ou algum dos sócios ou apenas à sociedade, já que, em qualquer dos casos, o mandato é extensivo a todos. Só assim se compreende a intenção do legislador e o objectivo da sociedade que é o exercício em comum da profissão de advogado. E com isto não se beliscam os direitos de defesa nem de escolha dos mandantes. Estes têm sempre a possibilidade de fazer constar na procuração a não extensibilidade do mandato. Não o fazendo, é porque confiam em todos os sócios da sociedade que elegeram. E nem se diga, com o devido respeito, que é exclusiva dos advogados a qualidade de mandatários. É que, como vimos, a sociedade também tem personalidade jurídica.”

A revogação deste D.L. não alterou este entendimento, tendo em conta o teor dos artºs 5 a 9 da Lei nº 53/2015 acima citada e o teor do artº 212-A nº2 da Lei nº 145/2015 (aditado pela Lei nº 6/2024 de 19 de Janeiro). Podendo qualquer mandante conferir procuração a uma sociedade de advogados, pode esta, porque para tal tem personalidade jurídica e capacidade, apresentar-se em juízo, sendo os actos próprios da sua actividade, exercidos pelos seus sócios, ou pelo seu administrador, sem que seja necessário que seja junta quer procuração forense quer a ratificação do processado.

Acresce que o Advogado que subscreveu o procedimento de injunção, é também o legal representante da sociedade em causa. Não exigindo o acto praticado a constituição de mandatário, nem necessitando estes de ratificação quando praticados pelo legal representante da firma requerente, ainda que esta não seja uma sociedade profissional de exercício da advocacia, por maioria de razão se tem de entender que os actos praticados pelo legal representante, que é simultaneamente Advogado de uma sociedade de advogados, autora na presente acção, não carecem de ratificação.

Nesta medida, se determina a revogação do despacho recorrido, prosseguindo os autos os seus termos legais.


***

DECISÃO


Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando o despacho apelado e determinando o prosseguimento dos autos.

Custas pelo apelado (artº 527, nº1 do C.P.C.)

                                                  Coimbra 25/03/2025


[1] Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 20/01/2015, relator Henrique Antunes, proc. nº 2996/12.0TBFIG.C1

[2] GERALDES, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, pág. 184.
[3] Ob. cit., pág. 185.
[4] RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e segs.

[5] Ac. do S.T.J. de 26/09/12, relator Gonçalves Rocha, Proc. nº 174/08.2TTVFX.L1.S1., disponível em www.dgsi.pt
[6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[7] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[8] COSTA, Salvador da, A injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, Junho de 2020, pág. 83/84
[9] Proferido no proc. nº 2659/12.7TBVCT-B.G1, de que foi relator Espinheira Baltar, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, vide entre outros Ac. do TRL de 02/07/2019, proferido no proc. nº 39297/18.2YIPRT.L1-7, de que foi relatora Cristina Coelho e Ac. desta Relação de 27/04/2017, proferido no proc. nº 4804/14.9T8CBR-A.C3, de que foi relatora Maria João Areias, disponíveis em www.dgsi.pt. Na doutrina vide GERALDES, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª ed., rev. e ampl., págs. 63/64, e nota 106, e LEBRE DE FREITAS, José, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 81.
[11] Proferido no proc. nº 11009/12.1YIPRT.G1, de que foi relatora Helena Melo, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Proferido no Proc. nº 2085/15.6T8LRA-D.C1, de que foi relator Emídio Santos, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Ob. cit., pág. 240.
[14] Proferido no proc. nº 0322460, Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt