1 - A impugnação ampla da matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como nela se apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
2 - O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
3 - A verificação das circunstâncias previstas nas diversas als. do n.º 2, do art. 132.º do CP - não taxativas - é meramente indiciária, no sentido em que só relevam para efeitos de qualificação do crime de homicídio voluntário quando revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, pelo que há que atender à imagem global do facto, por forma a possibilitar a detecção de uma particular forma de culpa agravada, a justificar a qualificação do crime, não sendo portanto de funcionamento automático.
4 - O contexto, o modo como AA foi conduzido ao local e a maneira como os três arguidos se conjugaram, para o surpreender, sem lhe permitirem qualquer defesa contra as quinze facadas que lhe foram desferidas e lhe causaram a morte, preenche a especial perversidade e censurabilidade exigida para o preenchimento da qualificativa agravante prevista na alínea h), do nº 2, do artigo 132º, no segmento “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”.
5 - O meio insidioso compreende não apenas o meio particularmente perigoso usado pelo agente mas também as condições por ele escolhidas para utilizá-lo de forma a que, colocando a vítima numa situação que a impeça de resistir em face da surpresa, da dissimulação, do engano, da traição, lhe permita tirar vantagem dessa situação de vulnerabilidade.
6 - Mostra-se preenchida a circunstância (utilização de meio insidioso) prevista na alínea i), do nº 2, do artigo 132º do CP pois a utilização das facas e o modo como atacaram AA, quando ainda estava dentro do carro da arguida, desprevenido, constituiu um meio traiçoeiro, enganador, que o expôs a tal ponto que lhe retirou todas as possibilidades de defesa (ou até de fuga), tornando-o, assim, numa “presa” fácil e desprotegida, sem hipótese de defesa, sendo pois manifesto que se tratou de um ataque com facas de cozinha, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para AA, por constituir para este uma absoluta surpresa.
7 - Circunstâncias que não podem deixar de ser tidas como evidenciando uma vincada perversidade e uma especial censurabilidade porque expressam circunstâncias reveladoras de um especial grau de culpa.
8 - Concorrendo num homicídio várias circunstâncias típicas, o crime pode qualificar-se pela verificação de uma das circunstâncias catalogadas que seja suficiente para integrar a cláusula da especial censurabilidade ou perversidade, entendendo-se que as outras qualificativas devem funcionar como agravantes, por emprestar maior gravidade à conduta do agente e, consequentemente, ao crime como um todo relevando, por isso, na determinação da medida da pena.
9 - Não ocorrendo “dupla valoração” do uso da arma branca, há que aplicar o artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas quando se mostre preenchido o tipo de crime de homicídio qualificado (artigos 131.º e 132.º do Código Penal), o que neste caso resulta da verificação das circunstância previstas na alínea h), esta no segmento “ praticar o facto juntamente com, pelo menos, duas pessoas “, e na alínea i), esta no segmento “outro meio insidioso”, reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
10 - Existe um concurso efectivo entre os tipos legais de crime de homicídio qualificado, agravado pelo disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência ao art. 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea ab), do mesmo diploma, na consideração de que tutelam bens jurídicos distintos (no crime de homicídio a vida humana e no crime de detenção de arma proibida, a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas).
11 - Para efeito do disposto na Lei n.º 5/2006, de 23.02, entende-se por «Arma branca», entre os demais ali mencionados na al. m) do n.º 1, do art. 2.º, todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm. (…).
12 - São então elementos do tipo objetivo do crime de detenção de arma proibida:
- O uso ou detenção de armas brancas, com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção;
- Quando ocorra fora dos locais do seu normal emprego; e
- Os seus portadores não justifiquem a sua posse.
13 - Não ocorre valoração negativa do direito ao silêncio quando o tribunal não infere do silêncio o não arrependimento do arguido, mas apenas se limita a constatar a ausência de arrependimento, o que aliás decorre de esta não ter sido sopesada como circunstância agravante na ponderação da pena que o tribunal da 1ª instância decidiu aplicar aos arguidos/recorrentes.
14 - Para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exige-se: pluralidade de factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; - a expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.
15 - Na co-autoria não é necessário que o comparticipante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico; basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado.
16 - A arguida é co-autora - e não autora mediata - pois a sua participação na morte da vítima, traduziu-se em tê-la atraído e transportado para o local onde veio a ser golpeada pelos co-arguidos, em cumprimento do papel que lhe cabia de acordo com o plano que os três arguidos traçaram em conjunto com o propósito de tirar a vida a AA e com que todos concordaram e tendo, tanto ela como os demais, o domínio funcional do facto que desencadeou a morte da vítima.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No Processo Comum Coletivo Nº 1131/23.4JACBR o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos BB, CC e DD, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo:
- à arguida BB, de:
- um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas b), h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02; e
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02;
- ao arguido CC, de:
- um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02; e
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02; e
- ao arguido DD, de:
- um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02; e
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
“Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente, e, consequentemente, decidem:
A)- absolver os arguidos BB e CC da prática do imputado crime de detenção de arma proibida;
B)- absolver os arguidos BB e CC da prática de um crime de homicídio qualificado relativamente à agravação prevista no nº 3, do artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23.02;
C)- absolver a arguida BB da prática de um crime de homicídio qualificado relativamente à qualificativa prevista na alínea b) do nº 2, do artigo 132º, do Código Penal;
D)- condenar a arguida BB pela prática, em co-autoria, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;
E)- condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;
(…)”
A- Do recurso interposto pelo arguido CC:
“1. O vício a que alude o art.º 410º, nº 2, a) do CPP, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusão que a prova produzida é insuficiente para dar aquela matéria de facto como provada.
2. Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova”.
3. Ou seja, como resulta expressamente da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº.2 do art.º 410º. do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente às declarações ou aos depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo durante o julgamento.
4. Do exposto se conclui que a forma como nos surgem equacionadas as matérias supra-referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº.2 do art.º 410º. CPP.
5. A revisão de 1998 do Código de Processo Penal veio tornar inequívoco que o exame crítico das provas consubstancia parte do núcleo essencial do ato de fundamentação decisória. A motivação é um ponto crítico da decisão, nela reside a sua força ou fraqueza.
6. Na motivação o juiz deve prestar contas do julgamento que efetuou e explicar o iter cognoscitivo que percorreu para chegar à decisão do facto como provado ou não provado.
7. A dimensão extraprocessual da fundamentação concretiza a expectativa democrática do princípio da fundamentação das decisões revelada em várias ordens jurídicas na constitucionalização daquele dever (art. 205.º/1, CRP), enquanto manifestação do princípio da participação popular na administração da justiça.
8. Um processo equitativo (art. 32.º, CRP, art. 6.º CEDH, art. 47.º e ss. CDFUE) não pode prescindir de uma decisão fundamentada e motivada. Sendo uma evidência, é importante recordar que “justiça” e “justificação” têm a mesma origem.
9. Em tema de requisitos da sentença dispõe o art. 374.º/2, CPP que «ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
10.O art. 379.º/1/a, CPP, taxa de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º/2, CPP.
11.Percorrida a «motivação da decisão de facto» não se encontra a referência a uma única prova que suporte estes factos provados.
12.Descrevendo o acórdão os factos provados sem que na motivação, em relação a parte deles, que se mostram fundamentais para condenar o arguido pela prática do crime de tráfico agravado, se faça qualquer referência a meios de prova, viola-se o disposto nos artigos 374.º/2, e 379.º/1/a, CPP, pois a decisão da matéria de facto deve ser fundamentada «com indicação e exame crítico das provas», cuja omissão constitui nulidade por falta de fundamentação (ac. STJ, 14.06.2006 disponível em www.dgsi.pt).
13.Padece a decisão de flagrante falta de fundamentação, o que constitui nulidade (arts. 379.º/1/a, 374.º/2, CPP).
14.Nos termos do art. 379.º/2, CPP, sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos que a nulidade só seja suscetível de suprimento pelo tribunal recorrido (ac. STJ 04.11.2015, disponível em www.dgsi.pt).
15.A absoluta falta de fundamentação dos motivos pelos quais, factos essências para ao preenchimento de um tipo legal de crime, foram considerados provados, não é suscetível de ser suprida pelo tribunal de recurso (art. 379.º2, CPP), pois só o tribunal que proferiu a decisão recorrida saberá por que razão os considerou provados, pelo que resta a anulação do acórdão devendo ser proferida nova decisão expurgada da apontada nulidade.
16.O artigo 374º/2 C P Penal assinala como requisito da sentença, entre outros, “a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
17.E o artigo 379º/1 C P Penal comina com a nulidade a sentença que, não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º - alínea a).
18.O Tribunal Constitucional, de resto, através do Ac. 680/98, no processo nº. 456/95, de 2.12.98, in DR II série nº. 54 de 5.3.99, ainda a propósito da redacção primitiva do artigo 374º/2, antes da alteração introduzida através da Lei 59/98 de 24 de Agosto, que no caso concreto, fez acrescentar a expressão ”exame crítico”, julgou inconstitucional a referida norma, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no artigo 205º/1 da Constituição da República, bem como quando conjugada com o artigo 410º/2 alíneas a), b) e c) do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32º/1 da Constituição da República.
19.Se assim se devia entender com a anterior redacção, muito mais razão existe agora, com a introdução do termo “análise crítica”.
20.Deve-se entender que o requisito contido no artigo 374º/2 C P Penal, “se traduz na indicação dos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência e exige não só a indicação das provas ou meio de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão.
21.A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
22.A motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do tribunal, relativamente aos factos julgados, como provados ou como não provados.
23.A razão de ser de tal vício prende-se, como parece, da mesma forma patente, com o facto de a falta de análise crítica da prova impedir que o recorrente tenha a possibilidade de em concreto, directa, fundada e eficazmente, demonstrar as razões da sua discordância – a não ser com generalidades – sobre o julgamento da matéria de facto, que não esteja alicerçado, de todo -sequer, com frases feitas ou fórmulas abstractas - sem que se surpreenda, de resto, qualquer preocupação de convencimento dos destinatários.
24.É ostensiva a falta da exigida análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, acerca do julgamento sobre o que disseram as testemunhas, desde logo, para se poder, aferir da sua credibilidade ou da falta dela.
25.Com base no que ali consta – abaixo de parco e sintético – a título de fundamento convocado para a afirmação dos factos provados, está esse Alto Tribunal da Relação impedido de proceder ao exame das razões da discordância que o arguido – com a absolutamente estranha e inesperada, concordância do MP - opõe à sentença e, em última análise, está impedido de alterar esta última, a serem procedentes aquelas razões, desde que imponham solução diversa.
26.O Tribunal de 1ª instância omitiu, pura e simplesmente, qualquer referência em termos de fundamentação, à questão da formação da sua convicção sobre aqueles concretos factos que veio a dar como provados. Não procedeu a qualquer análise crítica da prova.
27.Sobre a razão pela qual o Tribunal teve como provados os factos essenciais para a verificação ou não dos elementos constitutivos do tipo legal pelo qual foi o arguido condenado, o tribunal não se pronuncia, de todo, nem fornece qualquer subsídio expresso, sequer implícito, que permita entender ou perceber qual foi a lógica e a razão do seu raciocínio no julgamento desta materialidade.
28.A motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do tribunal, relativamente aos factos dados como provados, o que no caso concreto, não está minimamente retratado.
29.Ninguém que não tenha estado presente na audiência fica a saber, pela leitura do segmento denominado de fundamentação da decisão recorrida, a razão de ser do julgamento firmado sobre a matéria de facto.
30.Só satisfaz o dever de fundamentação decisória, inscrito no artigo 374.º/2 C P Penal, a operação que acolhe o acervo dos factos provados e não provados, devidamente enumerados, expõe as razões de facto e de direito em que se ancorou para decidir, homologando as razões desenvolvidas para a adopção de certos meios de prova, repudiando outras - no que se traduz o exame crítico das provas, então, manifesto é que, a decisão recorrida, neste segmento, se não mostra elaborada em obediência aos apontados requisitos da sentença, estando, longe, muito longe mesmo, de ser suficientemente compreensiva das razões do decidido e do iter decisório.
31.Com efeito, no caso dos autos, não estão, de todo, enunciados, especificadamente, os meios de prova - e por isso mesmo, muito menos, analisados - que serviram de base à formação da convicção do tribunal, donde, manifestamente, que não permite compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão, nem por apelo, às aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.
32.Estamos, assim, pela importância da apontada insuficiência, perante uma omissão que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º/1 alínea a) C P Penal.
33.A culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.
34.Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.
35.Com efeito, resultou provado que o Arguido aderiu ao plano da co-arguida.
36.O arguido não regista antecedentes criminais, e o seu relatório social é positivo face às precárias condições de vida e ao facto de estar num País distante e sem família.
37.Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior aos 15 anos de prisão.
38.Esta medida concreta da pena que o ora Recorrente pretende que agora lhes seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados.
39.Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene os ora Recorrentes nas penas acima expostas, o qual irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição caso a qualificação jurídica dos factos se mantenha, ou caso, a mesma venha a ser alterada.
40.Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada de 19 anos de prisão, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente.
41.Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENA INFERIOR À PENA APLICADA DE 19 ANOS DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente.
DAS NORMAS VIOLADAS:
üArt.º 410º, nº 2, a) do CPP,
üArt.º 32.º, CRP, art.º 6.º CEDH, art.º 47.º e ss. CDFUE
üArt.º 374.º/2, CPP
üArt.º 379.º/1/a, CPP
üArt.º 71º Código Penal;
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE nos, exatos termos, supra expostos, com todas as legais consequências que daí advenham.
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta Justiça.”
B- Do recurso interposto pela arguida BB:
“ I. Considera a ora Recorrente que o acórdão sob Recurso enferma de erro notório na apreciação crítica da pena principal aplicada ao caso em concreto e de contradição da fundamentação com fundamento no n..º 1 e nasalíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.° do C.P.P..
II. Acórdão recorrido incorre em erro na aplicação das normas reguladoras da escolha e determinação das penas, discordando o Recorrente da pena de prisão aplicada, no que respeita à qualificação jurídica, e caso assim não se entenda, por cautela de patrocínio, no mínimo no quantum, por considerar que se reúnem os pressupostos necessários para alterar a predita condenação.
III. A Sentença recorrida viola os artigos 40.° e 71.° do Código Penal (CP), o artigo 343.° do CPP, bem como o princípio da adequação e proporcionalidade, inscrito no n.° 2 do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), transversais a todo o Direito Penal e Direito Processual Penal.
IV. Pois que o Tribunal a quo não interpretou de forma correta o disposto nos referidos artigos e outros que abaixo melhor se desenvolverão, ao determinar concretamente a pena principal, por se considerar a mesma excessiva, desadequada e desproporcional.
V. Para este efeito, o Recorrente sustenta a sua posição, maioritariamente, nos factos considerados como provados, bem como nos não provados e a contradição evidente entre alguns deles.
VI. Por outro lado refere-se ao facto de a arguida não ter manifestado qualquer arrependimento, o que não pode de todo se concordar violação essa que desde já se invoca, tendo a arguida exercido o seu direito ao silêncio, sem que tal o possa beneficiar ou prejudicar, nos termos do n.1 doº artigo 343.° do C.P.P.,
VII. Assim, não poderá o Tribunal a quo valorar o silêncio do arguido, sob pena de violação desta citada norma, tendo de ser eliminado talprovado n.º 39
VIII. Abona ainda a favor da Recorrente o facto de o mesmo não ter quaisquer antecedentes criminais, conforme resultado provado 40.
IX. Há ainda que demonstrar a clara contradição existente na fundamentação da decisão, patente nos factos provados e não provados.
X. A nosso ver a polícia judiciária, com base no resultado final deduziu logo que se tratava de um homicídio privilegiado e inquina todaa investigação com basenisso.
XI. Para enquadrarmos a nossa defesa resulta de forma que a arguida não estava no seu estado emocional normal. como se provou neste julgamento e foi dito por algumas testemunhas.
XII. E aqui neste estado terá pedido ajuda ao também aqui arguido. CC que, teve uma conversa tentando acalmá-la e que lhe pediu ajuda.
XIII. Os arguidos concordaram em ajudar a BB para “fazer pressão ao homem” (sic). Mas não era a favor de fazer “algo de errado contra o homem”
XIV. Somos assim levados à conclusão de que se o arguido seguiu com o outro arguido atrás do carro da arguida BB é porque era para “fazer pressão” e não fazer “algo de errado contra o homem” ou seja se foram atrás do carro da BB era por uma questão de segurança, face ao conhecido temperamento, como diga-se perpassa facilmente da leitura da prova – sms do telemóvel, etc. - da vítima e para a proteger.
XV. Não houve nenhum plano prévio. Tudo se desenrola entre as 17 horas e as 22 e 30 ou seja em cinco horas.
XVI. Depois de o carro ter parado alguns minutos depois, alguma coisa correu mal e o plano de segurança ruiu, mas quem? E porquê?. Algo fugiu do controlo de alguém e “aquilo” correu mal, contudo, o que acreditamos é que aquele não era o resultado esperado.
XVII. Mas alguém acredita que duas pessoas por mera amizade vão tirar a vida a outrem? É absolutamente inverossímil.
XVIII. Não existe nos autos nada que prove que houve alguma premeditação antes daquele fatídico dia - absolutamente NADA…. Só existem contatos naquele dia. das testemunhas nenhumas refere sejam elas da acusação ou da defesa, prova documental – NADA - análise dos telemóveis dos arguidos e da vítima - NADA. Como é certamente lógico, não houve qualquer plano prévio. Tudo ocorreu entre as 17 e as 22 e 30. E o que ressalta à evidência é que seria uma ajuda, uma segurança.
XIX. Relativamente ao facto não provado V – “a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da sua viatura”, não podemos de todo em todo concordar. Da análise pericial aos vestígios da roupa da arguida, o vestido que a mesma envergava tinha muito poucos ou nenhuns vestígios – veja-se pags 330 a 335 dos autos, apenas pequenos 3 vestigios (A, B e C), ou seja, conforme analisados a perícia não correspondeu os vestígiosà infeliz vitima e visualizando os mesmos encontram-se do lado direito, isto é, na posição sentada ao endireito da manete de mudanças, forçosamente os vestígios são da sua condução após o ocorrido.
XX. Ora pelos fatos provados 21 e 22, estando a arguida dentro da viatura (21), e tendo a infeliz vítima sofrido 15 golpes com uma faca, deixando o carro “cheio de vestígios” com sangue por todo lado – cfr. relatório pericial, como é que a roupa da arguida não tinha praticamente nenhuns vestígios.;
XXI. Não tem lógica. Parece-nos que dará jeito ter a arguida dentro do carro, para assim dizer que a mesma de alguma forma contribuiu para o sucedido, mas a ser como está dado como provado, a mesma, teria de ter a sua roupa “carregada de vestígios, o que não sucedeu, é porque, por não estava dentro do carro, é a única explicação lógica e verosímil, logo, o facto não provado V, tem de ser eliminado e extraídas daí as consequências legais que daí advêm.
XXII. No caso concreto, a arguida não é acusada de praticar o homicídio, mas considerada amandante..
XXIII. O homem traz aquele que instiga (no nosso caso a mulher) e o homem da frente, aquele que aflorar concretiza o facto. A nossa ver, no nosso caso concreto, estamos num claro excesso de mandato.
XXIV. Deve ser tido em conta, a comparabilidade de cada comparticipante confrontara artigo 29.º do C.P. (adiante Código Penal). Cada participante responde pelo crime coletivo, namedida em que é objeto a sua intenção ocupa.
XXV. No caso de excesso de mandato deve ser responsabilizado aquele que se excedeu, ou seja, o agente mediato é o único responsável sem prejuízo da imputação a título de negligência, nos termos gerais do aumento de trás (no nosso caso a mulher).
XXVI. Aliás, cai por Terra mais uma vez a acusação em termos de comparticipação. Porque as autorias não se focam? Uma ao lado da outra? Autoria paralela. Em síntese arguida não pode ser considerada por um crime que nunca ordenou ou sequer planeou.
XXVII. Resolveu-se um caso de homicídio em 24 horas. Foi a opinião pública exameada com notícias com base num “ouviu dizer”.
XXVIII. De investigação temos pouco ou nada. Aliás, constatou-se no depoimento do senhor Inspetor, responsável por este caso, aqui em tribunal. Nada sabe, foram os colegas o que sabe foi por “ouvir dizer”
XXIX. Porque é que foi assim ou deixou de ser? Não se sabe…, aliás, continuamos hoje sem saber…
XXX. Não se ignora que existiu aqui o falecimento de uma pessoa e, que tal, nunca poderia ter acontecido, contudo, como é que tal aconteceu? e de que maneira? e porquê?
XXXI. Não se provou quase nada, que não seja a prova documental junta aos autos.
XXXII. Cumpre aqui sublinhar que a arguida entregou tudo à Polícia Judiciária,
XXXIII. Alias, diga-se que a mesma atitude teve o arguido de nacionalidade brasileira
XXXIV. Munido desta parca investigação, o Ministério Público acusa por homicídio qualificado ao abrigo do 131.º 132.º alíneas b), h) e i) do CP.
XXXV. Mas pergunta-se? É normal o Ministério Público acusar assim as pessoas de homicídio qualificado, só com estas provas É..
XXXVI. Um estudo científico com vista à obtenção de grau de mestre, realizado pela Doutora BB Marques Pereira e que pode ser consultado aqui https://run.unl.pt/bitstream/10362/56820/1/Pereira_2019.pdf
XXXVII. A Mestre Dra. BB conclui no seu estudo que na fase de inquérito, perante os indícios, mesmo que não suficientes
XXXVIII. Continuamos então no estudo da Dra. BB, que afirma que já o inverso seria problemático e assim, o Ministério Público joga pelo seguro, acusando sempre pelo máximo, depois em julgamento, onde, como a mesma diz, já existe contraditório, logo se vê.... Foi a conclusão do estudo científico da Senhora Doutora
XXXIX. Retornando ao autos, relativamente a imputação da alínea b) Como havíamos dito em sede de alegações, a mesma não tinha pés nem cabeça, mas também ao que aqui nos trás, a arguida foi absolvida.
XL. Já relativamente à alínea i).
XLI. Como é conhecido o que aqui foi utilizado como arma de crime foi uma faca de cozinha. Como referem os vários acórdãos dos tribunais superiores e é a jurisprudência assente. Uma faca não é um meio insidioso e como resulta claramente provado em audiência, não houve nenhuma emboscada. Houve isso, sim, como atrás referido uns amigos que se seguiram à arguida, para a proteger.
XLII. Concretamente a viagem foi arrancar, virar logo para a autoestrada e sair na primeira saída. Logo após, temos uma rotunda, corta também na primeira saída, anda cerca de 30 a 50metros e pára. Sai do carro. Foi isto.
XLIII. Alguém acredita que a premeditação é combinar um homicídio entre as 17 e 30 e as 18 e 30. É verosímil que alguém aceite matar uma pessoa numa conversa em menos de 1 hora para acontecer 3 horas depois, alguém acredita que duas pessoas aceitem isso? E qual era o troco? O pagamento, nada.
XLIV. Alguém acredita que houve premeditação de um crime e a escolha do sítio ermo era seguir para uma autoestrada que, como todos sabemos, tem câmara de vigilância, regista a passagem dos carros, mas alguém acha normal? A escolha deste sítio ermo que fala acusação que é a 30 a 50 metros de uma estrada movimentada, um local de paragem de carros, um local de passagem dito por diversas testemunhas em audiência de julgamento e que da rotunda bastava terem as luzes ligadas no local do crime para se aperceberam que estavam ali pessoas no local de paragem, é ermo? Alguém acredita?
XLV. Mas pode achar-se verosímil? Que após o triste acontecimento, se fosse um homicídio combinado/premeditado, os alegados homicidas, abandonassem o local imediatamente, de forma brusca e rápida, deixando diversos vestígios no local, como o cabo da arma do crime, peças de roupa, ou seja, um chorrilho imenso de vestígios no local do crime e não o “limpavam”, não tiveram qualquer atitude de esconder o corpo – nada, absolutamente nada. Foi só abandonar o local rapidamente e deixar lá a arguida sozinha...
XLVI. Premedita-se um homicídio e não se premedita livrarem-se do corpo e das armas, dos vestígios.. Tem alguma lógica?, não se desfizessem das armas do crime e que no mínimo ocultassem o corpo e não o deixassem à vista de toda a gente.
XLVII. É tudo de tal forma amador, e descombinado, que se torna absolutamente inverosímil, que tenha havido qualquer combinação prévia, foge completamente às regras da experiência comum e do normal acontecer.
XLVIII. Se a arguida quisesse fazer uma emboscada à infeliz vítima, ela conhece bem a localidade de ..., vive lá à quinze anos. seria fácil prometer-lhe uma noite/umas horas a dois, num local ermo perto da Vila, sítios que a mesma bem conhece, onde ela sabia que não havia movimento e que não seriam encontrados e no fim, seria fácil desaparecer ou pelo menos acondicionar facilmente com o corpo longe da vista de todos.
XLIX. Assim, nada se provou que demonstre que os arguidos entre si gizaram o propósito comum de matar a vítima, que tivessem previamente concertado a atuação com este fim e que todos se dispusessem a isso, logo, não se pode falar de um cometimento de um crime por 3 pessoas. Pelo que a qualificativa da alínea h inexiste e a conduta da arguida se reduz quando muito ao homicídio simples ou diga-se, ao negligente, como atrás já referenciámos.
L. O que diversas testemunhas arroladas vieram dizer a este Tribunal foi que a arguida era boa pessoa trabalhadora, dava-se com toda a gente de forma igual, estava bem inserida socialmente e todas achavam incapaz de cometer tal crime., foram testemunhas como o senhor Padre, boa pessoa, respeitada por todos e muito bem inserida socialmente, o Presidente da Câmara, que as suas palavras eram um casal jovem que trabalhava e que nunca recorreu aos serviços sociais, nem os menores foram alguma vez sinalizados para CPCJ, um Presidente de junta, que lidava diariamente com a BB e família, e todos foram unânimes. A BB era uma boa pessoa, uma boa mãe, uma cuidadora da avó com Alzheimer e além da dona de casa, era muito trabalhadora. Fazendo muitas vezes 10 horas seguidas ao ponto do seu patrão lhe entregar a gestão da pastelaria e dos Jogos Santa Casa, que movimentava quantias muito consideráveis de dinheiro. Tinha assim hábitos de trabalho, família constituída não tem antecedentes criminais. Tinha 30 anos dei dade e no Estabelecimento Prisional, a arguida tem tido um comportamento conforme as normas estabelecidas. Em que está a estudar e a trabalhar.
LI. Foi declarado em audiência pelas testemunhas EE, FF, GG, senhor Padre, Senhor Presidente da Câmara, pelo senhor Presidente de junta, pela testemunha HH e pela testemunha II.
LII. Depois de ouvido todos estes depoimentos e a prova produzida ou a falta dela, alguém acredita mesmo? Que a arguida era capaz de mandar matar alguém?
LIII. Quanto à alteração não substancial dos fatos no dia em que estava marcada a leitura da sentença. Saliente-se eu o julgamento decorreu, houve claramente falta de prova que sustentasse a acusação, a mesma estava manifestamente coxa e tornou-se impossível provar quaisquer atos de premeditação ou quaisquer atos que levassem o Tribunal a dar como provado que houve um qualquer mandado, qualquer que ele fosse, o que iria conduzir à absolvição da arguida.
LIV. Acontece é que, como este autos se tornaram num caso mediático, e já com condenação na praça pública… o Tribunal resolveu, já no julgamento corria para o seu epílogo, lançar mão de uma bateria de perguntas, junto das testemunhas, no sentido que se calhar a arguida teria também alguma ligação com o arguido CC… MAS, pasme-se acontece que de tais inquirições tal se revelaram exatamente contrário, - cfr. depoimento da testemunha II eu explica a relação existente entre todos, a ye não +e alheio pelo facto de o arguido CC, o DD e ele próprio residirem na mesma casa, e todos terem o mesmo tipo de relação com a arguida BB e o mesmo tipo de relação com o companheiro e pai dos filhos da BB – JJ, frequentavam os estabelecimentos comerciais de ambos, ou seja eram todos amigos e ou iam à Pastelaria (BB) ou ao café da praça (JJ).
LV. A BB e o JJ eram pessoas simpáticas e dadas e as pessoas da comunidade de uma maneira muito geral, para não dizer quase unanime, gostavam deles.
LVI. Assim aqui chegados começava a estreitar-se o caminho do julgamento e eis que surge em ultima ratio, as mensagens contantes da alteração não substancial dos fatos
LVII. O Tribunal, porque a acusação não tinha escoramento possível e estava a prestes a ruir veio dizer o o eu consta do despacho de alteração
LVIII. Diga-se desde já que, relativamente à parte nem sexual e emocional, basta ver as sms trocadas, ou para sermos mais sérios das poucas trocadas, que eram de quando em quando e com espaçamentos muitos longos, reveladores de que a infeliz vítima passava longas temporadas sem estar sequer em ... e que desde logo indicia que o que quer que fosse que se tratasse, tratava-se de algo raro e espaçado no tempo, e como salientado pelo Tribunal e data não concretamente apurada (se é sms, não se apura…)
LIX. O mencionado em ii) a iv), percebe-se que a vítima é que insistentemente queria, porque queria encontar-se com a arguida,
LX. Quantos aos fatos dos pontos v) a viii), em relação ao arguido CC, refira-se que se trata de um cidadão brasileiro, é facto notório, estes cidadãos, homens ou mulheres, têm uma forma de comunicar e tratar o “outro” de uma maneira muito mais carinhosa e atenciosa diga-se eu «e fatual os cidadãos Brasileiros tratam-se assim e são assim para todos as pessoas que gostam, , aliás a testemunha II disse que eram amigos dos arguidos e vivia na mesma casa dos arguidos num quarto ao lado, andavam normalmente todos juntos, conheciam bem a vida uns dos outros, sublinhe-se viviam na mesma casa, no quarto ao lado, sendo certo que eles eram também amigos do companheiro da arguido do JJ, e nunca presenciou nada de estranho ou de diferente entre a relação entre o CC, ou entre o arguido DD ou entre ele próprio, considerava-as iguais.
LXI. Basta perder 5 minutos nas redes sociais para se perceber que a fotografia é uma simples selfie
LXII. E quanto ao mencionado em ix) e x) entende que será de alguma prova que não a que ocorreu deste julgamento, nem consta em nenhuma prova documental junta aos autos, só se admite por hipótese de raciocínio, com a construção de uma narrativa, embora muito rebuscada e ilógica com a regras da experiencia comum e do normal acontecer, tudo em datas não concretamente apuradas, atenta as alterações sugeridas, como volte-se a dizer, para tentar ancorar uma acusação que se apresentava sem fundações e prestes a ruir.
LXIII. Questionamos mesmo “onde é que se falou neste julgamento que a arguida delineou um plano, da análise exaustiva dos telemóveis dos arguidos e da infeliz vítima concluímos alguma coisa… NADA e mais, onde é que se falou ou onde é que existe a mínima prova que seja de que a arguida BB o mandou matar?”. Conclui que “como já defendido em sede de alegações e pelo acima referido, a nosso ver falece, por falta de qualquer base factual, destituída de prova, até, diga-se e, antes pelo contrário, com vasta prova em sentido oposto, esta alteração não substancial dos fatos.
LXIV. Não se ignora que existe uma condenação na praça pública da arguida, atento as fugas de informação e assim torna-se muito difícil o Tribunal julgar.
LXV. Relativamente ao mandato ou no nosso caso o problema do excesso de mandato é necessário ter em consideração que a culpabilidade de cada comparticipante é independente dos demais, ao abrigo do artigo 29º do C.P., e cada participante responde pelo crime coletivo na medida em que é objeto da sua intenção ou culpa. Sucede que há situações em que a intenção do instigador é distinta da intenção do agente imediato, o que leva a doutrina a discutir qual a punibilidade do instigador quando o agente imediato excede o mandato executando um crime mais grave, ou, quando inversamente fica aquém do mandato executando um crimemenos grave.
LXVI. No que concerne a primeira hipótese, julgamos que deve ser responsabilizado pelo excesso aquele que se excedeu, ou seja, neste tipo de situações não tem aplicação a instigação sendo o agente imediato o único responsável, sem prejuízo da imputação do facto a título de negligência, nos termos gerais ao homem-de-trás.
LXVII. Como já atrás referimos, inexiste qualquer prova, qualquer que seja, documental, testemunhal, pericial ou outra que prove ou até vamos mais longe, que indicie que a arguida mandou matar a infeliz vítima, viola as regras da experiência comum e do normal acontecer, que, por uma pessoa mulher ter tido uma relação extraconjugal com outro homem, e, ainda por cima do que se deduz das provas documentais e periciais juntas aos autos, fugaz e muito espaçadas no tempo só porque ele lhe tenha enviado umas mensagens mais agressivas, e se tinha tidos esses tais encontros seria porque nutria por ele pelo menos alguma amizade, o resolva matar…
LXVIII. É absolutamente inverisímil, irreal, não tem lógica, Como se deduz da acusação, tal sucedeu depois da 17 horas até as 18:30 horas daquele fatídico dia. Mas cabe na cabeça de alguém que uma mulher que estaria um pouco abalada, segundo os depoimentos das testemunhas e do arguido, mesmo que fosse essa a sua ideia, que só se concebe aqui por hipótese de raciocínio, em 1,5 horas conseguia convencer dois homens a ir matar outro dali a 3 horas, sem quaisquer contrapartidas monetárias, somente, como diz a alteração não substancial dos fatos, por mandar umas selfies, toda vestida, a um só dos amigos…. Mas mais, ainda que tal tivesse alguma lógica por muito ínfima e rocambolesca que seja, tal falecia logo à partida, uma vez que se tratavam de dois homens, um ainda que por mil diabos, embora muito difícil de acreditar, poderia cair na “esparela” de poder vir a ter no futuro algo (o que só de si é extremamente temerário – então eu vou liquidar uma pessoa a mando de outra, para depois me meter com ela – é preciso ser extremamente confiante nas suas qualidades, mas seria sempre impossível deixar de estar sempre a olhar por cima do ombro, não fosse ocorrer-me o mesmo a mim – é de todo em todo descabido) mas dizíamos nós se isso serviria para ele, então e o outro, era só com base na amizade com os dois…
LXIX.Já estamos no domínio do antilogismo ou do paradoxal, o que tem lógica, nas regras da experiencia comum e do normal acontecer, e aqui já entramos no campo do direito, ou seja com a toda a prova junta aos autos, seja ela a documental, a pericial e a testemunhal, concatenadas com as regais da experiência comum, o que se poderá ter sido combinado numa conversa de pouco mais de uma hora, era uma proteção à amiga, e isso sim faz-se sem retribuição.
LXX. Depois de diversas insistências da vítima e não o contrário – que fique claro – a vítima é que foi insistente em ter a tal conversa com a arguida e ela acabou por anuir e aceitar (que também é revelador da ruína da teoria da emboscada).
LXXI. Assim aceite tal convite da vítima marca com ele um encontro na vila e arrancam no seu carro, seguidos pelos outros dois arguidos.
LXXII. Arranca no seu carro de ..., local que bem conhece, designadamente, locais ermos, ao pé de poços, ou de barreiras altas, quase inacessíveis e outros, e o que faz… segue rua abaixo e entra numa autoestrada, que como todos sabemos é um local iluminado, que tem câmaras de video-vigilância e contabiliza todos os carros e matrículas que por lá passam.
LXXIII. Voltamos a cair na linha do absurdo. Então se fosse um plano previamente delineado para ir matar uma pessoa entrava-se numa auto estrada…
LXXIV. Locais ermos tinha às dezenas em ..., com sítios para esconder o corpo às dezenas… diga-se a talhe de foice que, aquando da prova testemunhal da testemunha (patrão) que esteve no local resulta claro do seu depoimento que o mesmo cá debaixo da rotunda avistou-a no local, portanto o local de ermo tem pouco ou nada, a não ser o fato de se tratar de cerca de 30/50 metros de uma estrada de terra batida e não de asfalto.
LXXV. A mesma terá então parado a sua viatura e os arguidos logo pouco depois chegaram atrás, o que sucedeu depois, não sabemos ao certo, a não ser que aquilo terá descambado, e fugido do combinado, para algo que não se queria e viria a culminar com o falecimento da infeliz vítima, algo que nunca poderia ter acontecido.
LXXVI. Também resultou provado que os mesmos de imediato abandonaram o local, deixando diversos vestígios no local e mesmo peças de roupa, deixando a arguida sozinha no local, na companhia da vítima.se fosse um plano previamente demarcado por todos, com vista a matar a vítima, os arguidos fugiriam prontamente do local?, deixando lá a arguida sozinha!… Estão e não se desfaziam do corpo?, já não se diga elimina-lo, mas no mínimo esconde-lo? pelo mesmo numa barreira, ou debaixo de umas sebes ou coloca-lo ali para algum canavial de mais difícil acesso, nada… absolutamente nada. Não. Somente foram imediatamente embora…
LXXVII. O que aconteceu – fugiram. Por alguma razão terá sido, pelas regras da experiência comum e do normal acontecer terá sido por algo correu mal e lhes abalou o controlo, ou seja, nada daquilo foi, e tem-se de retirar essa conclusão, previamente combinado.
LXXVIII. Consta do registo telefónicos chamadas e sms, a solicitar que a arguida, que ficou sozinha no local, trouxesse objetos que foram deixados para trás…. sozinha e sem saber o que fazer, a arguida terá então contatado o patrão que se terá deslocado ao local, que a terá aconselhado a abandonar o local e a entregar-se às autoridades e, contar a verdade.
LXXIX. Por todo o exposto, não houve aqui nenhum plano prévio para matar ninguém, acreditar nisso estaríamos aqui já a crer em lógicas roçam o a incoerência absoluta, para não dizer mesmo o absurdo, reafirmamos o que terá sido combinado às 17/18:30 horas terá sido a vigilância pelos arguidos da arguida e a sua proteção.
LXXX. Assim aqui chegados, do excesso de mandato é necessário ter em consideração que a culpabilidade de cada comparticipante é independente dos demais e situações em que a intenção do instigador é distinta da intenção do agente imediato, o que leva a doutrina a discutir qual a punibilidade do instigador quando o agente imediato excede o mandato executando um crime mais grave, julgamos que deve ser responsabilizado pelo excesso aquele que se excedeu, ou seja, neste tipo de situações não tem aplicação a instigação sendo o agente imediato o único responsável, sem prejuízo da imputação do facto a título de negligência nos termos gerais ao homem-de-trás.
LXXXI. Dito de outra maneira, deverá a arguida, na qualidade de comparticipante instigadora ser condenada a título de negligência, crime p. p. pelo artigo 137.º do Código Penal.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, por mera cautela de patrocínio se equaciona,
Da nulidade da falta de fundamentação de facto.
LXXXII. É inequívoco que o exame crítico das provas como substância parte do núcleo essencial do ato da fundamentação decisória. A motivação a um ponto crítico da decisão nela reside a sua força ou fraqueza.
LXXXIII. Na motivação, o juiz prestar contas do julgamento que efetuou e explicar o caminho que percorreu para chegar à decisão de facto como provada ou não provada e só na medida em que se exterioriza esse itinerário e se mostra esse caminho, é que a decisão cumpre o seu dever de fundamentação. Só no conhecimento desse itinerário pode interessar decidir, em plena consciência, aceitar ou recorrer da decisão e mais se diga eu o paradigma da íntima convicção, em que o juíz escuta apenas os ditames da consciência, não é compatível com o processo penal de um Estado de direito.
LXXXIV. A imediação não pode funcionar como desculpa na elaboração da fundamentação e através da dimensão extra processual, possibilita se o controlo da decisão por parte dos intervenientes a dimensão extra processual da fundamentação concretiza a expectativa democrática do princípio da fundamentação das decisões.
LXXXV. O processo equitativo não pode prescindir de uma decisão fundamentada e motivada. Sendo uma evidência, é importante recordar que justiça e justificação tem a mesma origem.
LXXXVI. Em tema de requisitos da sentença, que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como da exposição tanto quanto possível, completa, ainda que concisa., dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal sendo eu se considera nula a sentença que não tiver as menções referidas no artigo 374, número 2 do CPP
LXXXVII. Por corrida a motivação da decisão, de facto, não se encontra a referência a um conjunto muito alargado de prova que o suporte dos factos provados. descrevendo o acórdão os factos provados sem que na motivação, em relação a uma parte deles, que se mostram fundamentais para condenar a arguida pela prática do crime de homicídio qualificado, se faça qualquer referência a meios de prova, pois da decisão da” matéria de facto” deve ser fundamentada..
LXXXVIII. Só o Tribunal proferiu a decisão recorrida, saberá por que razão os considerou provados pelo que resta a anulação do acórdão, devendo ser proferida nova decisão expurgada da apontada nulidade.
Da falta de análise crítica da prova.
LXXXIX. O Tribunal Constitucional, de resto, que, no caso concreto fez acrescentar a expressão exame crítico, julgou inconstitucional a referida norma, nem deteção, segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na primeira instância, não exigindo a explicitação do processo de formação de convicção do Tribunal, por violação do dever de das decisões dos tribunais, previsto na Constituição da República Portuguesa.
XC. Deve-se entender que o requisito se traduz na indicação dos elementos que, em razão das regras da experiência e dos e de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a uma convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ainda que concisa, dos motivos de facto, que fundamentam a decisão.
XCI. Estes motivos, de facto, fundamentam a decisão, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional.
XCII. O dever de fundamentação das decisões judiciais é a forma conseguida pelo legislador de fazer sobrepor a lógica e a verdade decisórias ao capricho e ao arbitro do seu autor, constituindo já que é em seu nome que a justiça é administrada - Constituição da República Portuguesa.
XCIII. A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão da em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinam o sentido fundamentam a decisão, pois as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes, pela razão que lhes subjaz.
XCIV. Fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade em projeção e em outra perspetiva a exigência de fundamentação está ordenada. A motivação da matéria de facto, deve ser de molde a não suscitar dúvidas prova sobre os meios de e as razões que criam convicção do Tribunal.
XCV. Definidos os pressupostos e parâmetros que devem presidir ao julgamento sobre a matéria de facto vírgula importará agora apreciar se no caso vertente da leitura da decisão recorrida vírgula se consegue saber qual foi o Ou ideológico que levou à afirmação como provados dos factos de cujo julgamento a arguida, afinal, discorda.
XCVI. Existe falta da exigida análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal acerca do julgamento sobre o que disseram as testemunhas, desde logo para se poder aferir a sua credibilidade ou falta dela.
XCVII. Isto é sobre a formação da convicção quanto a muitos factos, afinal, quanto a nós essenciais pontos concretos? O Tribunal não se pronunciou, não fornecendo a sentença qualquer subsídio Expresso que permita entender ou perceber qual foi o seu raciocínio no julgamento de tal materialidade.
XCVIII. O tipo de fundamentação utilizada não respeita o determinado na lei, havendo assim manifestamente violação de tal norma.
XCIX. Ninguém que não tenha estado presente na audiência fica a saber, pela leitura do segmento, denominado fundamentação da decisão recorrida, a razão de ser do julgamento firmado sobre a matéria de facto.
C. Estamos assim pela importância da apontada insuficiência perante uma omissão que acarreta a nulidade da sentença.
CI. Quanto ao fato provado 36 e 37, como já atrás se mencionou viola as regras da experiência comum e do normal acontecer
CII. Os factos 1 e 2, nada a opor.
CIII. Os factos provados 3 a 12, são os eu constam da acima aludida alteração não substancial dos fatos, e já sobre os mesmos nos pronunciamos, designadamente,, Diga-se desde já que, da prova junta aos autos não se entende o mencionado em i) a iv) relativamente à parte nem sexual muitíssimo menos quanto à parte emocional”;
CIV. Basta ver as sms trocadas, ou para sermos mais sérios das poucas trocadas, que eram de quando em quando e com espaçamentos muitos longos, reveladores de que a infeliz vítima passava longas temporadas sem estar sequer em ... e que desde logo indicia que o que quer que fosse que se tratasse, tratava-se de algo raro e espaçado no tempo, e como salientado pelo Tribunal e data não concretamente apurada(se é sms, não se apura…
CV. O mencionado em ii) a iv), percebe-se que a vítima é que insistentemente queria, porque queria encontrar-se com a arguida, o que com o devido respeito, contraia de forma muito elucidativa a narrativa da emboscada.
CVI. Quantos aos fatos dos pontos v) a viii), em relação ao arguido CC, refira-se que se trata de um cidadão brasileiro, que como sabemos, é fato notório, estes cidadãos, homens ou mulheres, têm uma forma de comunicar e tratar o “outro” de uma maneira muito mais atenciosa, com utilização de termos usais para o seu país, como, por exemplo, doce, amor, querido, beleza, etc.,;
CVII. É fatual os cidadãos Brasileiros tratam-se assim e são assim para todos as pessoas que gostam, como atrás referidos a testemunha II que eram amigos dos arguidos e vivia na mesma casa do arguido CC, num quarto ao lado, andavam normalmente todos juntos, sendo certo que eles eram também amigos do companheiro da arguida, o JJ, e nunca presenciou nada de estranho ou de diferente entre a relação entre o CC, ou entre o arguido DD ou entre ele próprio, considerava-as iguais.
CVIII. E quanto ao mencionado em ix) e x) entende que será de alguma prova que não a que ocorreu deste julgamento, nem consta em nenhuma prova documental junta aos autos, só se admite por hipótese de raciocínio, com a construção de uma narrativa, embora muito rebuscada e ilógica com a regras da experiencia comum e do normal acontecer, tudo em datas não concretamente apuradas, atenta as alterações sugeridas, como volte-se a dizer, para tentar ancorar uma acusação que se apresentava sem fundações e prestes a ruir.
CIX. Questionamos mesmo “onde é que se falou neste julgamento que a arguida delineou um plano, da análise exaustiva dos telemóveis dos arguidos e da infeliz vítima concluímos alguma coisa… NADA e mais, onde é que se falou ou onde é que existe a mínima prova que seja de que a arguida BB o mandou matar?”. Conclui que “como já defendido em sede de alegações e pelo acima referido, a nosso ver falece, por falta de qualquer base factual, destituída de prova, até, diga-se e, antes pelo contrário, com vasta prova em sentido oposto, esta alteração não substancial dos factos.
CX. Ponto 13, não se concorda na parte, quando se escreve Deste modo, em cumprimento do referido plano
CXI. quanto ao facto 20 - …e em execução do plano delineado entre todos…
CXII. A nosso ver, e é o eu resulta da prova junta aos autos e a feita em julgamento de e toda a análise crítica aliada às regras da experiência comum e do normal acontecer, todas estas precisões acima descritas deverão constar dos factos não provados
CXIII. O facto provado 34, deve ser dado como não provado – cfr. explicitação já acima efetuada, eu por economia processual, ou seja, não houve plano de mandar matar, nem tão pouco conjugação de esforços.
CXIV. Quanto ao facto 35, deverá ser eliminado Para alcançar tal propósito
CXV. Quanto ao facto 36 deverá ser eliminado BB
CXVI. Quanto ao facto 37 deverá ser eliminado BB, sendo certo que este facto ao incluir a arguida BB, está em contradição de outros fatos provados, dado que em nenhum momento se induz que a arguida BB perpetrou qualquer agressão à vitima – cfr. factos provados 22 e 23 por oposição ao 37
CXVII. Quanto ao facto 38 deverá ser eliminado BB
CXVIII. Quanto ao facto 39 deverá ser eliminado, como já atrás se disse, facto de a arguida não ter manifestado qualquer arrependimento, o que não pode de todo se concordar, pois isso violaria princípios básicos da Constituição da República Portuguesa (adiante CRP), questão essa já à muito estabilizada no nosso sistema jurídico, violação essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, isto quando, na verdade, tendo a arguida exercido o seu direito ao silêncio (sublinha-se direito que lhe assiste), sem que tal o possa beneficiar ou prejudicar, nos termos do n.1 do artigo 343.° do C.P.P., não poderia, como é curial, manifestar qualquer arrependimento ou ausência do mesmo. Ora uma afirmar-se que a arguida não demonstrou arrependimento – cfr. facto 39 do fatos provados, é manifestamente ilegal e inconstitucional.
CXIX. O princípio da proibição de valorar em prejuízo do arguido a não prestação de declarações constitui um corolário lógico do «direito ao silêncio», sem o qual este correria o risco de ficar esvaziado de conteúdo útil.
CXX. Quanto ao facto provado 54, por acaso é redondamente falso, mas, para os aqui presentes autos não tem relevância de maior, mas de fato é rendimento wue não chega ao destino, ou seja à família da arguida, mais concretamente aos seus filhos, mas como se disse isso terá de ser tratado noutras instâncias.
Por outro lado,
CXXI. Relativamente aos fatos não provados, no Ponto V – “a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediatoda sua viatura”,
CXXII. Não podemos de todo em todo concordar. Da análise pericial aos vestígios da roupa da arguida, o vestido que a mesma envergava tinha muito poucos ou nenhuns vestígios – veja-se pags 330 a 335 dos autos, apenas pequenos 3 vestígios (A, B e C), ou seja, conforme analisados a perícia não correspondeu os vestígios à infeliz vitima e visualizando os mesmos encontram-se do lado direito, isto é, na posição sentada ao endireito da manete de mudanças, e alegadamente, sendo da infeliz vitima, forçosamente os vestígios são da sua condução após o ocorrido (condução do local até casa).
CXXIII. Ora pelos fatos provados 21 e 22, estando a arguida dentro da viatura (21), e tendo a infeliz vítima sofrido 15 golpes com uma faca, deixando o carro “cheio de vestígios” com sangue por todo lado – cfr. relatório pericial, como é que a roupa da arguida não tinha praticamente nenhuns vestígios;
CXXIV. Não tem lógica. Parece-nos que dará jeito ter a arguida dentro do carro, para assim dizer que a mesma de alguma forma contribuiu para o sucedido, mas a ser como está dado como provado, a mesma, teria de ter a sua roupa “carregada de vestígios, o que não sucedeu, é porque, por não estava dentro do carro, é a única explicação lógica e verosímil, logo, o facto não provado V, tem de ser eliminado e extraídas daí as consequências legais que daí advêm.
Relativamente ao Direito.
CXXV. O Tribunal entendeu eu atento o facto provado 34, os arguidos cometeram o crime de homicídio
CXXVI. Ora com já supra aduzido, in casu, se fosse um plano previamente demarcado por todos, com vista a matar a vítima, os arguidos fugiriam prontamente do local?, deixando lá a arguida sozinha!…
CXXVII. Estão e não se desfaziam do corpo? já não se diga elimina-lo, mas no mínimo esconde-lo? pelo mesmo numa barreira, ou debaixo de umas sebes ou coloca-lo ali para algum canavial de mais difícil acesso, nada… absolutamente nada.
Não. Somente foram imediatamente embora… O que aconteceu – fugiram. Por alguma razão terá sido, pelas regras da experiência comum e do normal acontecer terá sido por algo correu mal e lhes abalou o controlo, ou seja, nada daquilo foi, e tem-se de retirar essa conclusão, previamente combinado.
CXXVIII. Consta do registo telefónico s chamadas e sms, a solicitar que a arguida, que ficou sozinha no local, trouxesse objetos que foram deixados para trás…. Ou seja, a arguida entende eu o facto provado 34 deverá ser eliminado porue não existir nenhum plano prévio para mandar matar a infeliz vítima, mas sim como atrás se disse um acordo falado naquele dia com vista a assegurar a sua integridade física e segurança, logo, como também atrás se disse, não restam dívidas eu a arguida cometeu um crime de homicídio, e desse deverá ser absolvida.
CXXIX. Se a nosso ver inexiste crime de homicídio, por maioria de razão, como é logico, o mesmo não pode ser qualificado.
CXXX. Contudo, por cautela de patrocínio sempre se dirá que a arguida entende, como já acima deixou amplamente pasmado dos factos provados deverá ser dado como não provado, ou seja a mesma defende, e defenderá até à morte, que não houve, nunca existiu, qualquer plano prévio, aliás, diga-se nem nunca a acusação (antes da alteração não substancial dos factos) falou em plano prévio, somente uma breve alusão …que em determinado momento… BB começou a delinear um plano para o matar
CXXXI. Assim no dia 19/07/2023 a BB (data do fatídico dia)
CXXXII. Era o eu consta da acusação.
CXXXIII. Assim em nosso entender não está verificada a alínea h) do n.º 2, por a mesma não ter sido interveniente em qualquer plano para matar.
CXXXIV. Quanto ao meio insidioso a arguida não utilizou quaisquer facas, não ordenou qualquer ataque com facas, pelo que não pode ser qualificada a sua ação, porque nada fez para ela existir, ora se não elaborou qualquer plano, se nada teve a ver com a sua execução, teremos de concluir eu também quanto a esta qualificativa não se mostram reunidos os pressupostos para a sua imputação à arguida.
Quanto à medida da Pena
CXXXV. Aqui chegados, não podemos estar mais em desacordo, se como antedito, a arguida não elaborou qualquer plano prévio para matar a a infeliz vítima, não pode ser condenada por ele, logo a medida da pena não só é extremamente excessiva, como desajustada. Ela está a ser condenada por um crime eu não cometeu, e por um crime eu não mandou cometer.
CXXXVI. Diga-se por cautela de patrocínio que ainda eu tal fosse de aceitar, eu não se aceita, foi absolutamente desconsiderada a sua situação de ser primária e os factos provados 40 a 57, com a exceção do facto 54, sendo que se deveria sempre ir para uma pena ordem do limite mínimo, dado no nosso entender não haver qualquer qualificativa imputável à arguida, sendo eu, como dizemos por cautela de patrocínio, a hipótese de ser condenada como homicídio simples na pena única 12 anos de prisão efetiva, pena esta, sublinhe-se, a nosso ver a muito mais justa e adequada.
CXXXVII. Mas aqui chegados, então, mas a arguida deve ser absolvida, netendemos que não, a mesma deverá ser condenada, mas condenada pelo crime que cometeu, e não pelo eu vem acusada ou se se quiser, acusada e alterada, isto é, o excesso de mandato é necessário ter em consideração que a culpabilidade de cada comparticipante é independente dos demais e situações em que a intenção do instigador é distinta da intenção do agente imediato, o que leva a doutrina a discutir qual a punibilidade do instigador quando o agente imediato excede o mandato executando um crime mais grave, julgamos que deve ser responsabilizado pelo excesso aquele que se excedeu, ou seja, neste tipo de situações não tem aplicação a instigação sendo o agente imediato o único responsável, sem prejuízo da imputação do facto a título de negligência nos termos gerais ao homem-de-trás.
CXXXVIII. Dito de outra maneira, deverá a arguida, na qualidade de comparticipante instigadora ser condenada a título de negligência, crime p. p. pelo artigo 137.º do Código Penal, na pena eu o Tribunal entenda por adequada.
Normas violadas
Art.º 32.º da C.R.P.
Art.º 6.º do CEDH
Art.ºs 47 e sgs. Da CDFUE
Art.º 377.º, nº 2, 379.º, 40.º todos do C.P.P.
Art.ºs 131.º, 132.º e 137.º do C.P.
Termos em que e nos mais de Direito, deve o mui douto acórdão ser revogado e consequentemente, ser a arguida condenada pela prática do crime de homicídio por negligência, na pena por vós achada justa e adequada.
Caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio se concebe
Deverá a arguida ser condenada na pena de 12 anos de prisão pela prática do crime de homicídio
Assim, farão V.ª Ex.ª a tão costumada, JUSTIÇA”
“1.ª - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido nos presentes autos, na parte em que absolveu os arguidos BB e CC da prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea m) e 3.º, n.º 2, alínea ab), ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e, bem assim, da prática de um crime de homicídio qualificado relativamente à agravação prevista no n.º 3, do artigo 86.º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
2.ª - A nossa posição é a de que, na presente situação e pelos motivos expostos, se verifica a existência de concurso efectivo entre o crime de homícidio qualificado e de detenção de arma proibida imputado aos arguidos BB e CC.
3.ª - Assim, os arguidos devem ser igualmente condenados pelo crime de detenção de arma proibida que lhes foi imputado, devendo ainda o crime de homicídio qualificado pelo qual os arguidos foram condenados ser agravado, de acordo com o previsto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas.
4.ª - Pelo que o douto Acórdão a quo não procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada, razão pela qual violou o disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 86.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, ambos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
5.ª - Devendo o mesmo, em consequência, ser substituído por outro que condene os arguidos BB e CC pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea m) e 3.º, n.º 2, alínea ab), ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e, bem assim, pela prática do crime de homicídio qualificado pelos quais foram condenados, mas agora agravado de acordo com o previsto no n.º 3, do artigo 86.º, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
A- Em relação recurso interposto pelo arguido CC:
“1.ª - Vem o presente recurso interposto pelo arguido CC do douto Acórdão proferido nos presentes autos que a condenou pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas h) e i), ambos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.
2.ª - O julgamento da matéria de facto foi efectuado de forma correcta, uma vez que do douto Acórdão recorrido resulta que o Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo seguiu um processo lógico e racional, não se mostrando o mesmo ilógico, arbitrário, contraditório ou com violação das regras de apreciação da prova.
3.ª - Na verdade, a fundamentação da matéria de facto provada e não provada tecida no douto Acórdão fazem perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal colectivo, no sentido da condenação do arguido e não da sua absolvição.
4.ª - O douto Acórdão a quo mostra, de forma clara e evidente, o processo lógico que seguiu, esclarecendo os elementos preponderantes na formação da sua convicção e que levaram a que se tenha decidido pela condenação da arguida nos exactos termos ali explanados, tendo-se procedido a um efectivo exame crítico das provas tal como se encontra legalmente determinado pelo disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
5.ª - No caso em apreço, o tribunal investigou toda a matéria que havia a investigar e as conclusões jurídicas foram extraídas com base na matéria de facto dada como provada no Acórdão proferido, não tendo sido extraída qualquer conclusão com base em factos que não foram dados como assentes, e, portanto, “inexistentes” como pretende o arguido.
6.ª - Assim, forçoso é concluir que o douto Acórdão proferido nos presentes autos, não padece de quaisquer dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.
7.ª - Por outro lado, não se mostra excessivo o quantum sancionatório aplicado, em confronto com as necessidades de prevenção geral e especial que na presente situação se fazem sentir.
8. ª - Assim, perante a factualidade dada como provada e, bem assim, o grau de ilicitude, modo de execução do crime, gravidade das consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados no cometimento do crime, fins ou motivos que o determinaram, condições pessoais dos arguidos e situação económica, conduta anterior aos factos e conduta posterior aos factos e, bem assim, atendendo às necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, reputa-se como justa a pena concreta de 19 (dezanove) anos imposta ao arguido CC pela prática do aludido crime de homicídio qualificado.
9.ª - Entendemos assim que o douto Acórdão recorrido procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o Ordenamento jurídico-penal, devendo ser integralmente mantido, excepto na parte relativa ao recurso interposto pelo Ministério Público.
B- Em relação recurso interposto pela arguida BB:
“1.ª - Vem o presente recurso interposto pela arguida BB do douto Acórdão proferido nos presentes autos que a condenou pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas h) e i), ambos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.
2.ª - O julgamento da matéria de facto foi efectuado de forma correcta, uma vez que do douto Acórdão recorrido resulta que o Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Colectivo seguiu um processo lógico e racional, não se mostrando o mesmo ilógico, arbitrário, contraditório ou com violação das regras de apreciação da prova.
3.ª - Na verdade, a fundamentação da matéria de facto provada e não provada tecida no douto Acórdão fazem perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal colectivo, no sentido da condenação da arguida e não da sua absolvição.
4.ª - O douto Acórdão a quo mostra, de forma clara e evidente, o processo lógico que seguiu, esclarecendo os elementos preponderantes na formação da sua convicção e que levaram a que se tenha decidido pela condenação da arguida nos exactos termos ali explanados, tendo-se procedido a um efectivo exame crítico das provas tal como se encontra legalmente determinado pelo disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
5.ª - No caso em apreço, o tribunal investigou toda a matéria que havia a investigar e as conclusões jurídicas foram extraídas com base na matéria de facto dada como provada no Acórdão proferido, não tendo sido extraída qualquer conclusão com base em factos que não foram dados como assentes, e, portanto, “inexistentes” como pretende a arguida.
6.ª - Assim, forçoso é concluir que o douto Acórdão proferido nos presentes autos, não padece de quaisquer dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.
7.ª - E dúvidas não existem que o crime de homicídio aqui em causa é qualificado, desde logo porque nele intervieram três pessoas, o que conjugado como a forma como o mesmo foi praticado, tendo em atenção os factos considerados como provados e dada a especial censurabilidade e perversidade inerente aos mesmos, que resultaram na morte de AA, leva a que tenha sido ajustada a decisão do Tribunal Colectivo ao condenar a arguida BB pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas h) e i), ambos do Código Penal.
8.ª - Por outro lado, não se mostra excessivo o quantum sancionatório aplicado, em confronto com as necessidades de prevenção geral e especial que na presente situação se fazem sentir.
9. ª - Assim, perante a factualidade dada como provada e, bem assim, o grau de ilicitude, modo de execução do crime, gravidade das consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo, sentimentos manifestados no cometimento do crime, fins ou motivos que o determinaram, condições pessoais dos arguidos e situação económica, conduta anterior aos factos e conduta posterior aos factos e, bem assim, como já referimos, atendendo às necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, reputa-se como justa a pena concreta de 19 (dezanove) anos imposta à arguida BB pela prática do aludido crime de homicídio qualificado.
10.ª - Entendemos assim que o douto Acórdão recorrido procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o Ordenamento jurídico-penal, devendo ser integralmente mantido, excepto na parte relativa ao recurso interposto pelo Ministério Público.
“Recursos interpostos pelo arguidos:
Visto o alegado nos recursos interpostos pelos arguidos, considera-se não deverem os mesmos merecer provimento.
Com efeito, afigura-se dever ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, quer no que se refere à justeza da condenação dos arguidos pelo prática dum crime de homicídio qualificado, quer no que respeita à escolha e medida da pena de prisão que lhes foram aplicadas – desde logo pelas razões expostas na Resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância e na própria decisão impugnada, das quais resultam com clareza as razões pelas quais não deverão merecer provimento as pretensões dos arguidos, nomeadamente em sede de impugnação da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido.
Apenas se poderá acrescentar, no que se refere ao recurso interposto pela arguida BB, não ser minimamente verosímil, tendo em conta as circunstâncias da prática dos factos que conduziram à morte da vítima, a tese propugnada por tal arguida, relativa a um putativo “excesso de mandato” por parte daqueles que terão sido os autores materiais do crime praticado.
Assim, afigurando-se despiciendo acrescentar algo mais, deverá ser negado provimento aos recursos interpostos pelos arguidos.
Visto o alegado neste recurso, nada se oferece acrescentar ao já referido na motivação apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância. “
II- Fundamentação
A) Delimitação do objeto dos recursos
Dispõe o art. 412º, nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Como decorre do preceito legal contido no citado art. 412º, nº1 do CPP, o objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º, 403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, pág. 340, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, 2009, pág. 1027 a 1122, Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 2008, pág.103).
Daí que, como expressamente afirma o Professor Germano Marques da Silva, in obra citada, “São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem que apreciar”.
E, também como referem Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros,2011, pág.113, nota 116, “ Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece as questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684º, nº3, do C.P.C. (art. 635º,nº4, do Novo Código de Processo Civil)”.
Seguindo o entendimento expendido pelo Cons. Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição revista, pag. 1306, a respeito da motivação do recurso, “ a motivação é o verdadeiro cerne, o motor do recurso, no sentido em que é ali que o recorrente invoca as razões da sua discordância e, afinal, expõe a sua pretensão. É por isso, que deve ser uma peça processual cuidada, logicamente estruturada, clara na linguagem e precisa na enunciação dos seus objectivos, sumariados nas respetivas conclusões. Uma deficiente fundamentação para além de pouco abonatória da capacidade técnica do recorrente, dificulta e pode mesmo comprometer seriamente o êxito do recurso “.
Adiantando, ainda, o mesmo autor, in ob. cit. pag. 1311 que“ A motivação do recurso é um elemento estrutural importante com vista ao seu adequado conhecimento...sendo a motivação o alicerce de todo o procedimento do recurso, convirá que esta peça seja criativa, original e assente nas circunstâncias daquele processo (…) As conclusões, como súmula da fundamentação encerram, por assim dizer, a delimitação do objecto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha pois que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação precedente, concisas, precisas e claras.”
Com efeito, e como é geralmente entendido, “ as conclusões da motivação do recurso, que constituem ónus do recorrente, têm diversas e importantes funções: a melhor defesa do recorrente, mediante o resumo incisivo, sintético, claro, completo, dos pontos de discordância da decisão recorrida e da respectiva fundamentação anteriormente desenvolvidos na parte expositiva e argumentativa da motivação; o dever de lealdade para com os outros sujeitos processuais, permitindo um completo e claro conhecimento do objecto do recurso e seus fundamentos, por forma a possibilitar o contraditório pertinente; o dever de lealdade e de cooperação com o tribunal, por forma a permitir a este que, mercê da formulação das conclusões da maneira mais clara, rigorosa, completa, segura e sintética, possa apreender rapidamente, sem objectivas dificuldades, esforços e riscos inevitáveis, o objecto e os fundamentos essenciais da impugnação do recorrente, assim se potenciando as virtualidades de uma decisão justa, em tempo útil”, – vide, neste sentido, Ac. do STJ, 29.03.2000, in CJ, Acórdãos do STJ, Tomo II, pag. 241.
Os requerimentos de interposição do recurso apresentados pelos arguidos e ora recorrentes CC e BB descuram, manifestamente, o caminho traçado legalmente quanto à motivação e às conclusões recursivas, cujo entendimento acaba de ser delineado.
Isto porque.
Na linha de argumentação apresentada pelo recorrente CC a propósito dos vícios decisórios, previstos no nº2 do art. 410ºdo CPP, extrai-se do corpo da motivação do recurso que o mesmo equaciona a existência no acórdão recorrido do vício decisório previsto na al. a) do nº2 do art. 410ºdo CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – onde, minimamente, concretiza as razões porque entende existir tal vício, referenciando a factualidade dada como provada no acórdão recorrido que entende por ele abrangida.
Já quanto aos demais vícios previstos nas alíneas b) e c) do mesmo nº2 do citado art. 410º do CPP – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, respetivamente - basta-se o recorrente por adiantar, no corpo da motivação do recurso, a densificação normativa que considera por estes abarcada, sem, todavia, adiantar qualquer argumentação donde possam extrair-se as razões pelas quais entende patentear-se a sua existência no acórdão recorrido, ou sequer, se efetivamente é esse o seu entendimento em relação a ambos, pois, limita-se, a alegar que “ …a forma como nos surgem equacionadas as matéria supra referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº2 do art.º 410.º CPP”, sem que, todavia, densifique, seja por que forma for, quais as “matérias” com base nas quais considera a verificação dos mesmos.
E se esta é a forma, pouca clara, a respeito da enunciação do objetivo visado pelo recorrente CC com a invocação dos vícios decisórios feita pelo mesmo no corpo da motivação do recurso por si apresentado, essa falta de clareza e de precisão exponencia-se em sede de conclusões, uma vez que das conclusões 1. a 4. - onde o recorrente resume as razões da discordância em relação ao acórdão recorrido a propósito deste segmento recursivo – também não se alcança qual ou quais os concretos vícios decisórios que aquele assaca ao acórdão recorrido, nem também, quais as concretas razões que, no seu entender, sustentam a existência dos mesmos, uma vez que, não só abandonou nestas as razões que adiantou na motivação do recurso a respeito do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como igualmente nelas se limitou-se a alegar “…a forma como nos surgem equacionadas as matéria supra referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº2 do art.º 410.º CPP” [conclusão 4.] donde não é possível descortinar em que razões se baseia para sustentar a existência do vício decisório previsto em tal normativo legal.
Já quanto ao recurso interposto pela arguida BB, a deficiente fundamentação e estruturação que é transversal quer ao corpo da motivação do recurso, quer às respetivas conclusões, dificulta o alcance das questões que são objeto de discordância da mesma em relação ao acórdão recorrido.
Patenteia-se no requerimento de interposição de recurso apresentado pela arguida e ora recorrente, um flagrante descuido atinente à estrutura metodológica dos segmentos recursivos que visa ver apreciados por este Tribunal de recurso (aduzindo argumentação relativamente a estes sem distinção da pertinente alegação quanto a cada um deles) o que acarreta dificuldade de apreensão das concretas razões que a levam a discordar do acórdão recorrido a propósito de cada um desses segmentos recursivos.
Desde logo, a amálgama de considerações que a recorrente tece a propósito da decisão da matéria de facto plasmada no acórdão recorrido (não distinguindo as razões que subjazem à falta de fundamentação da mesma das razões em que ancora a incorreta valoração das provas produzidas) e à forma como apresenta a sua inconformação em relação à matéria de direito (enquadramento jurídico-penal dos factos e critérios de determinação da pena), mesclando no argumentário recursivo todas essas razões, sem distinguir as que aduz relativamente a cada uma de tais questões, torna difícil o alcance sobre as concretas razões que subjazem à sua discordância em relação a cada uma das mesmas.
Também relativamente à invocação dos vícios decisórios previstos nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP - cuja menção vem feita, quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões – da argumentação que apresenta a recorrente essa invocação parece ter subjacente apenas a discordância da mesma em relação à ponderação da pena que lhe foi aplicada, tendo em conta a resumida alegação que a mesma adianta no sentido de que “… o acórdão sob Recurso enferma de erro notório na apreciação crítica da pena principal aplicada ao caso em concreto e de contradição da fundamentação com fundamento no n..º 1 e nasalíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.° do C.P.P..”, tornando inalcançável o intuito visado pela mesma com essa invocação.
Sendo as deficiências apontadas aos requerimentos de interposição de recurso apresentados pelos arguidos e ora recorrentes transversais ao corpo da motivação e às conclusões neles vertidas, mostra-se inviabilizada a possibilidade de lançar mão do convite ao aperfeiçoamento das conclusões, previsto no nº3 do art. 417º do CPP, uma vez que esse aperfeiçoamento implicaria a modificação do âmbito dos recursos fixado nas respetivas motivações, possibilidade esta vedada pelo disposto no nº4 do mesmo normativo legal.
Assim, com as limitações que advêm das deficiências apontadas aos requerimentos de interposição apresentados pelos arguidos e ora recorrentes, as questões que haverá que considerar como neles vindo suscitadas para apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
Do recurso do arguido CC:
- A incorreta decisão da matéria de facto, decorrente da existência de vícios decisórios;
- A nulidade do acórdão, por falta de fundamentação decorrente da não análise crítica das provas;
- A incorreta ponderação da pena de prisão aplicada.
Do recurso da arguida BB:
- A incorreta decisão da matéria de facto e suas consequências;
- A incorreta ponderação do enquadramento jurídico-penal dos factos relativamente ao imputado crime de homicídio qualificado;
- A nulidade do acórdão, por falta de fundamentação decorrente da não análise crítica das provas;
- A incorreta ponderação da pena de prisão aplicada.
Já relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Público, as questões a apreciar, balizadas pelas respetivas conclusões, são as seguintes:
- A incorreta ponderação do enquadramento jurídico-penal dos factos relativamente ao imputado crime de homicídio qualificado e suas consequências;
- A incorreta ponderação do enquadramento jurídico-penal dos factos relativamente ao imputado crime de detenção de arma proibida e suas consequências.
Com vista à apreciação das questões suscitadas nos recursos que cumpre apreciar, importa ter em conta o que deflui do acórdão recorrido, cujo teor se traz à colação, por ora e apenas, a propósito do que dele consta a respeito da decisão da matéria de facto e da respetiva motivação.
a. Nele foram considerados provados os seguintes factos:
“1- A arguida BB viveu cerca de catorze anos com JJ, como se de marido e mulher se tratassem, em ..., onde também trabalhava, como empregada de balcão, na pastelaria “A...”.
2- No decurso do ano de 2022, a arguida BB conheceu AA, residente na Rua ..., ..., também em ....
3- Em data não concretamente apurada desse ano, pelo menos não posterior a 31.10.2022, a arguida BB e AA iniciaram um relacionamento sexual e emocional.
4- Pelo menos a partir de Maio/Junho de 2023, começaram a surgir desentendimentos entre a arguida BB e AA em que este se queixava de “mentiras e promessas falsas” dela, referia-lhe a “FALTA DE RESPEITO POR QUE TE VENEROU. DÓI É DÓI MUITO, PERDI TUDO POR TI SONHEI” e que estava “farto das tuas mentiras e ilusões só causaste a minha desconfiança em ti”, dizendo-lhe “Nem a puta da conversa consegues ter directamente. Que nojo da tua postura como mulher. QUERES O QUÊ????????”.
5- Perante este desgaste do relacionamento, a arguida BB responde a AA “Já me deste provas de muita coisa … deixaste me entreguei-te o dinheiro que sempre te disse que só te dava quando tivesses mal cmg para te fazer vir ao pé de mim fizeste ameaças em que se acontecesse alguma coisa que até na estrada de ... me punhas que me fazias a vida negra”.
6- Quando, no dia 26.06.2023 AA lhe disse “NÃO FAÇAS AOS OUTROS AQUILOQUE NÃO GOSTAS QUE TE FACÃO!” e “Podes crer que vamos ter uma grande conversa, muito instrutiva para ambos!”, arguida BB respondeu-lhe “Caralho eu disse te sempre que te dava a puta da conversa … mas preferes vir com metade de ameaças … sempre o fizeste .. disse que ganhei medo de ti. Não mudaste isso..”, AA respondeu-lhe “Ou vens Hoge falar comigo, ou eu vou dar-te motivos desse medo!”
7- Por outro lado, em dia não concretamente apurado, entre 06.06.2023 e 02.07.2023, através da aplicação WhatsApp, comentando uma foto da arguida BB, o arguido CC diz-lhe “Olha vc como de uma delícia” (18:44 horas) e “Agora tira vc uma self sua pro KK” (18:53 horas).
8- De seguida, pelas 18:58 horas, a arguida BB remete-lhe uma fotografia sua abrangendo desde o rosto até à zona dos seios (parcialmente cobertos por uma peça de roupa de alça, de cor verde), com o rosto, de olhar fixo, dirigido para cima e com um braço curvo e mão atrás da cabeça.
9- Ao que o arguido CC responde, pelas 18:59 horas, “Nossa que linda ?” sendo este pictograma de rosto amarelo com corações vermelhos no lugar dos olhos (vulgo “emoji” de “olhos de coração”) utilizado normalmente com o significado de “estar cego de paixão por algo ou alguém” ou “amor intenso e afeição”.
10- Acrescentando, pelas 19:38 horas, mais onze “emojis” entre os quais, quatro são “olhos de coração” e quatro “rosto mandando beijo” (?).
11- Entretanto, face à referida degradação do relacionamento entre ambos, em momento não determinado, a arguida BB delineou um plano para matar AA.
12- Assim, no dia 19 de Julho de 2023, a arguida BB abordou o arguido CC, conhecido por “KK”, e o arguido DD, conhecido por “LL”, clientes do estabelecimento onde trabalhava, e, em conjunto, esboçaram um plano para pôr termo à vida de AA.
13- Deste modo, em cumprimento do referido plano, a arguida BB contactou telefonicamente AA, através do seu nº ...34 para o nº ...57, com o qual combinou encontrar-se nesse mesmo dia, cerca das 22:30 horas, no centro de ....
14- Antes desse encontro, a arguida BB contactou telefonicamente com o arguido CC, para o seu nº ...57, e com o arguido DD, para o seu nº ...59, com os quais combinou o encontro para seguirem o carro dela, levando cada um deles uma faca de cozinha, sendo uma da marca Faberware, com cabo em baquelite, de cor preta, com comprimento de 11cm, e lâmina de gume serrilhado na parte arredondada, com comprimento de 12,5cm.
15- Então, ficou acordado que seguiriam a arguida BB e o AA, de forma discreta, até onde ela parasse.
16- Assim, a arguida BB foi ao encontro de AA na sua viatura da marca Mazda, modelo 6, de matrícula ..-HZ-.., seguida pelos arguidos CC e DD na viatura da marca Audi, modelo A4, de matrícula ..-..-MV, propriedade do primeiro.
17- Por sua vez, à hora acordada, e na convicção de que o encontro marcado pela arguida BB se destinava a conversar sobre a relação de ambos, AA estacionou a sua viatura de marca Renault, modelo Mégane, de matrícula ..-AO-.., no largo junto à entrada da Rua ..., em ..., e entrou na viatura da arguida, ocupando o banco frontal direito.
18- A arguida BB dirigiu-se então à autoestrada A...3, sendo secundada pela viatura onde seguiam os arguidos CC e DD, conforme haviam combinado, sem que AA disso se apercebesse.
19- A certa altura, a arguida BB saiu na cortada para ..., em ..., e entrou num caminho florestal de terra batida, situado junto à primeira rotunda, onde estacionou.
20- Logo após, e em execução do plano delineado entre todos, os arguidos CC e DD pararam também aquela viatura Audi ao lado da arguida BB, de onde saíram de imediato, empunhando cada um deles uma faca.
21- De imediato, os arguidos CC e DD abeiraram-se da viatura da arguida, abriram a porta frontal direita, surpreendendo AA ainda sentado no banco frontal direito do carro da arguida BB.
22- Então, com recurso àquelas facas, CC e DD atingiram AA desferindo-lhe quinze golpes, com profundidade entre 7 e 18cm, na região do pescoço, tórax e abdómen, provocando-lhe a morte.
23- Após, os arguidos CC e DD retiraram o corpo de AA para o exterior da viatura e abandonaram o local, fazendo-se transportar no Audi, de matrícula ..-..-MV.
24- No decurso da agressão, a lâmina da faca da marca Faberware separou-se do cabo, tendo este sido deixado junto ao corpo de AA, enquanto que a lâmina ficou no interior da viatura da arguida BB, o mesmo acontecendo com o boné de pala em tecido da cor azul, pertencente ao arguido CC.
25- Sozinha no local, a arguida BB entrou em pânico e contactou telefonicamente MM, proprietário da pastelaria onde trabalhava, por diversas vezes, através do seu nº ...34 para o nº ...86.
26- Quanto MM atendeu a chamada, a arguida BB disse que precisava da sua ajuda, solicitando que fosse ao seu encontro, dando-lhe indicações para chegar ao local onde se encontrava.
27- MM acedeu ao pedido da arguida BB e foi ao seu encontro, sendo que quando chegou ao local, aquela deu-lhe conta do que tinha acontecido, ao que aquele reagiu com estupefacção, ausentando-se de imediato.
28- Posteriormente, a arguida BB, pelas 23:28 horas, contactou telefonicamente a irmã, através do seu nº ...34 para o nº ...15.
29- Então, em local e de modo não concretamente apurados, a arguida BB encontrou-se a sua irmã NN a quem entregou dois sacos de plástico:
- um, contendo o tapete e a capa do banco frontal direito da sua viatura ensanguentados; e
- outro, contendo a lâmina da referida faca, um par de óculos da marca Hugo Boss, uma garrafa térmica de cor verde com os dizeres “100% Ready” sem tampa, uma tampa de enroscar em plástico de cor preta, uma embalagem de tabaco de enrolar da marca Winston, um isqueiro da marca Obak de cor azul translúcido e uma embalagem de mortalhas da marca Brum, todos pertencentes a AA, e um boné de pala em tecido da cor azul pertencente ao arguido CC.
30- No dia 20 de Julho de 2023, a hora não concretamente apurada, NN colocou esses objectos no interior de um saco de compras do supermercado Pingo Doce e, conforme instruções da arguida BB, colocou aquele saco no interior do veículo ligeiro de mercadorias da marca Peugeot, modelo Partner, com a matrícula ..-..-BA, pertencente a MM, o qual se encontrava estacionado nas proximidades da pastelaria e a cuja chave a arguida tinha acesso.
31- Nesse mesmo dia, pelas 17:15 horas, o arguido DD foi transportado por OO para a central rodoviária de Coimbra, ausentando-se para local desconhecido.
32- A conduta dos arguidos CC e DD foi causa directa e necessária das seguintes lesões no corpo de AA:
32.1- no pescoço:
- escoriações milimétricas justapostas e dispostas em fiada, sobre o ramo esquerdo da mandíbula, medindo 3,2cmx0,5cm, oblíqua inferomedialmente até ao pescoço, compatível com ferimento superficial por faca serrilhada;
- ferida corto-perfurante, irregular, originalmente em meia-lua, no terço superior da face lateral direita, 5cm atrás e abaixo da inserção do lóbulo auricular, de orientação para baixo e para trás, medindo 2cmx1,4cm, com linguetas tecidulares no bordo posterior (ferida D);
- ferida corto-perfurante, irregular, no trígono submandibular direito, distando 2cm da linha média, oblíqua para cima e para trás, com extremidade medial romba, medindo 2,5cmx1cm e com cauda latero-superior de 3cm; da parte posterior do seu bordo inferior partia uma escoriação oblíqua para baixo e para fora, rectangular, medindo 1cmx0,5cm; esta ferida tinha continuidade subcutânea com a ferida seguinte (ferida E);
- ferida de bordos regulares, correspondente à saída da ferida anterior, ligeiramente abaixo desta, horizontal, no terço superior da face anterior, paramediana esquerda, medindo 1,3cmx0,5cm (ferida F);
32.2- no tórax:
- escoriação milimétrica sobre a linha médica clavicular esquerda, cerca de 3cm abaixo do mamilo respectivo, rodeada de equimose rosada com 2,5cmx2cm;
- duas escoriações apergaminhadas, nos dois terços inferiores da face ântero-lateral do hemitórax esquerdo, a maior medindo 1cmx0,7cm, rodeadas de área equimótica avermelhada medindo 12,5cmx7cm;
- ferida incisa superficial, sensivelmente horizontal, no bordo costal inferior esquerdo, medindo 2,5cm de comprimento;
- ferida corto-perfurante, na região escapular direita, de bordos regulares, extremidade medial angulosa e lateral romba, oblíqua para baixo e para dentro, medindo 3,3cmx0,4cmn e distando 6cm da linha média e 9cm do ombro homolateral (ferida A);
- ferida corto-perfurante, horizontal, distando 2,5cm para baixo e para dentro da ferida anterior, de bordos regulares e extremidades medial angulosa e lateral romba, com bisel no bordo superior, oblíqua para baixo e para fora, medindo 3,3cmx0,9 cm (ferida B);
- ferida corto-perfurante, no terço inferior da face lateral do hemitórax direito, de bordos regulares e extremidade posterior angulosa e anterior romba, com bordo inferior escoriado, sensivelmente horizontal, medindo 3,4cmx0,8cme distando 10cm da axila e 4,5cm da linha axilar posterior (ferida C);
- ferida no ombro esquerdo, de bordos escoriados, medindo 0,8cmx0,4cm, 3cm para trás do terço médio da clavícula homolateral (ferida G);
- ferida corto-perfurante, no terço superior da face anterior do hemitórax esquerdo, sensivelmente vertical, com bordo lateral um pouco irregular e o medial escoriado, extremidade superior em "V", medindo 3,5cmx2cm, distando 6,5cm do terço médio da clavícula esquerda e 6cm da linha média esternal, rodeada de halo equimótico avermelhado medindo 5,5cmx4cm (ferida H);
- ferida corto-perfurante, no terço médio da face anterior do hemitórax esquerdo, distando 2cm da linha média, em meia-lua com o bordo inferir escoriado, oblíqua para baixo e para fora, medindo 1,5cmx0,4cm, esternal e rodeada de halo equimótico avermelhado com 3cm de diâmetro (ferida I);
- ferida corto-perfurante, paramediana esternal direita, próxima do apêndice xifoide, em forma de semilua de convexidade infero-medial, oblíqua para baixo e para fora, com extremidade lateral aparentemente angulosa, medindo 1,4cmx0,5cm, rodeada de halo equimótico avermelhado medindo 3cm de diâmetro (ferida J);
- ferida corto-perfurante, no terço inferior da face lateral do hemitórax esquerdo, com as duas extremidades rombas, sendo a inferior escoriada, oblíqua para baixo e para fora, medindo 3,3cmx1,2cm e distando 9cm do mamilo esquerdo e 3cm da linha axilar anterior (ferida K);
32.3- no abdómen:
- ferida corto-perfurante perpendicular ao bordo costal inferior direito, com duas extremidades rombas e ambos os bordos muto escoriados, com exteriorizacão de tecido adiposo, medindo 3,7cmx1,5cm, rodeada de halo equimótico avermelhado medindo 3,5cmx2,5cm (ferida L);
- ferida corto-perfurante paralela ao bordo costal inferior esquerdo do qual distava 3cm, aparentemente sem extremidades angulosas, com exteriorização de grande epíplon, medindo 2,7cmx1cm (ferida M);
- ferida corto-perfurante com os bordos sujos de terra, fusiforme, de bordos indefinidos, no terço inferior da face lateral do abdómen, sensivelmente horizontal, medindo 2,8cmx0,4cm e distando para cima e para fora 9cm da espinha ilíaca antero-superior (ferida N);
- ferida corto-perfurante sobreposta ao terço posterior do bordo superior da ferida anterior, com a extremidade anterior indefinida e a posterior angulosa, medindo 4cmx0,7cm (ferida N1);
32.4- no membro superior direito:
- duas áreas escoriadas no terço médio da tace posterior do antebraço, a maior medindo 2,5cmx1cm e a outra 1cm de diâmetro;
- duas equimoses avermelhadas difusas no dorso da mão, a maior medindo 2cm de diâmetro na região correspondente ao 2º metacarpo;
- escoriação na face dorsal da mão, no 2º espaço interdigital, medindo 0,5cm de diâmetro;
- duas feridas cortantes, superficiais, uma na flexura medindo 2cm de comprimento, horizontal e outra no terço médio da face anterior do antebraço, com cauda lateral, medindo 2,5cm de comprimento;
32.5- no membro superior esquerdo:
- equimose arroxeada pulpar no terço inferior da face anterior do braço, medindo 1cm de diâmetro; e
- ferida corto-perfurante no primeiro espaço interdigital, atingindo a face palmar da mão, medindo 3,5cm de comprimento por 1,5cm de afastamento de bordos, por 3cm de profundidade.
33- Aquelas lesões traumáticas no pescoço e tóraco-abdominais (feridas D, B e C) foram causa directa e necessária da morte de AA.
34- Os arguidos BB, CC e DD actuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de tirar a vida a AA, em cumprimento do plano que traçaram em conjunto e que obteve a concordância de todos.
35- Para alcançar o seu propósito, a arguida BB atraiu AA, com o qual mantinha o aludido relacionamento, àquela hora da noite, seguindo para o referido local próximo da rotunda da autoestrada, a pretexto de falarem sobre o estado dessa relação, na sequência do que os arguidos CC e DD, munidos com facas, desferiram golpes no pescoço, tórax e abdómen de AA, sabendo que aí existiam órgãos vitais, com o intuito de lhe causarem a morte.
36- A actuação dos arguidos BB, CC e DD não permitiu a AA qualquer acção defensiva, não só por estarem em maior número que este, mas também devido à forma como o atacaram, surpreendendo-o naquelas circunstâncias e quando aquele julgava ir encontrar-se apenas com a arguida para conversar sobre a relação de ambos.
37- Os arguidos BB, CC e DD detiveram e usaram a referida faca, com lâmina de comprimento superior a 10 cms para atingirem AA nos moldes e com o plano e objectivo descritos.
38- Os arguidos BB, CC e DD actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
39- A arguida BB não manifesta arrependimento.
40- No registo criminal da arguida BB nada consta.
41- A arguida BB nasceu a ../../1993, na freguesia ..., ... e é solteira.
42- A arguida viveu com os avós maternos desde um ano de idade, onde decorreu o seu processo de desenvolvimento, segundo um modelo referenciado como funcional e de vinculação afectiva.
43- A ligação com a mãe manteve-se preservada através de contactos diversos e ocasionais ao longo do seu percurso de vida, mas sem que esta tivesse qualquer responsabilidade parental, considerando a delegação do poder paternal na avó materna; com esta estabeleceu uma relação de grande proximidade, sendo a sua cuidadora até à actual reclusão.
44- A arguida BB frequentou o 10.º ano de escolaridade, tendo abandonado a escola em razão da gravidez vivenciada aos 16 anos de idade.
45- Após o primeiro ano a residir junto dos pais do companheiro, também em ..., o casal arrendou casa, e em 2018, após o nascimento do filho mais novo, adquiriu habitação com recurso a empréstimo bancário, na mesma zona, que mantém.
46- A nível profissional, a arguida BB trabalhou num posto de abastecimento de combustível e há cerca de seis anos laborava na pastelaria “A...”, sendo que o respectivo proprietário elogia a sua postura profissional e depositando nela total confiança na gestão do seu estabelecimento.
47- A nível relacional, o casal assumiu algumas rupturas conjugais que se deveram, segundo o companheiro, a situações diversas, nomeadamente, aos seus hábitos de consumo de estupefacientes e à desconfiança relativamente à eventualidade da arguida manter uma relação extraconjugal.
48- A arguida estabelecia com o companheiro um relacionamento com fases de instabilidade que, segundo aquele, têm vindo a ser ultrapassadas em prol do bem-estar dos filhos; o consumo excessivo de álcool por parte do companheiro foi um factor de desentendimentos entre o casal, o que originou separações temporárias.
49- Na comunidade onde residia, a arguida projectava uma imagem de pessoa educada, respeitadora e trabalhadora, sendo-lhe reconhecidas relações interpessoais ajustadas e adequada inserção familiar e social.
50- À data dos factos, arguida BB vivia com o companheiro e os dois filhos menores do casal, com idades compreendidas entre os 6 e os 13 anos de idade.
51- O agregado residia numa moradia, de tipologia 6, situada na Vila de ..., com excelentes condições de habitabilidade.
52- Os rendimentos do agregado provinham da actividade profissional exercida pelos elementos do casal, a arguida como empregada daquela pastelaria ganhando o ordenado mínimo, acrescido do valor das horas extraordinárias realizadas, referindo que, no total, auferia cerca de 2.000 euros mensais e o companheiro, como gerente de um estabelecimento de restauração, o valor aproximado de 600 euros; beneficiavam, também, do valor do abono familiar para crianças e jovens atribuído aos descendentes de 180 euros.
53- No que respeita às despesas consideradas, assinala-se o pagamento do empréstimo da habitação no montante de 900 euros, dos consumos de energia eléctrica, de água e telecomunicações no montante de 300 euros, do empréstimo automóvel no valor aproximado de 200 euros e do valor respeitante à escola do filho mais novo do casal de 50 euros.
54- Actualmente, o agregado familiar beneficia do apoio financeiro da Acção Social da Autarquia de ... no valor de 500euros e da Santa Casa da Misericórdia daquele município com a atribuição de um cabaz alimentar mensal, encontrando-se comprometidos o pagamento dos encargos com a habitação e a renda do estabelecimento comercial.
55- A arguida BB encontra-se presa no Estabelecimento Prisional Especial ... Cruz do Bispo desde 22.07.2023, à ordem do presente processo.
56- No Estabelecimento Prisional, arguida BB apresenta “conduta ajustada”, beneficia de acompanhamento em consultas de Psiquiatria e de Psicologia e trabalha como substituta de faxina e frequenta o Ensino Secundário.
57- A ligação da arguida ao exterior tem sido mantida pelos contactos do companheiro, da mãe e dos filhos, que lhe mantêm apoio incondicional, mencionado a arguida, quando em liberdade, a intenção de reintegrar o seu agregado familiar.
58- O arguido CC não manifesta arrependimento.
59- No registo criminal do arguido CC nada consta.
60- O arguido CC nasceu a ../../1978, sendo natural de ..., Brasil, numa família de trabalhadores agrícolas, num contexto de limitações e dificuldades socioeconómicas.
61- O arguido CC realizou um trajecto escolar de ensino básico, tendo concluído o 6º ano da escolaridade.
62- Cerca dos 14/15 anos de idade, perante as fragilidades e necessidade de apoio à família e o seu desejo de autonomia pessoal, o arguido CC abandonou a escola e começou a trabalhar como ajudante numa garagem de lavagem de automóveis.
63- Posteriormente, trabalhou como operário fabril e da construção civil, actividade que manteve ao longo dos últimos anos.
64- Em Setembro de 2022, na expectativa e com objectivo de melhorar a sua condição de vida pessoal e proporcionar melhor condição à sua família, o arguido emigrou para Portugal, fixando então residência e trabalhando na zona de ... e ....
65- O arguido CC trabalhou e residiu alguns meses na localidade de ..., na construção civil, sendo referenciado como pessoa cordata e trabalhadora afirmando-se empenhado na melhoria da sua condição económica e no apoio á família residente no Brasil.
66- O arguido tem cinco filhos no Brasil sendo quatro menores, resultante de duas relações afectivas.
67- O arguido CC está sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, que lhe foi imposta a 22 de Julho de 2023, à ordem do presente processo.
68- No período de reclusão, o arguido CC não regista infracções disciplinares e apresenta “conduta adequada”.
b. Nele foram considerados não provados os seguintes factos:
“I- AA ameaçou a arguida BB de que iria revelar ao seu companheiro o relacionamento entre ambos (tal não se pode concluir das conversas documentadas nas capturas de ecrã de fls 137/8);
II- a arguida BB delineou o plano para matar AA por ter receio de que o relacionamento entre ambos fosse revelado por este;
III- o encontro entre a arguida BB e AA no dia 19.07.2023, em ... teve o pretexto de falarem sobre o término da relação de ambos;
IV- o encontro entre a arguida BB e os outros arguidos foi marcado para junto ao mercado de ...;
V- a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da sua viatura;
VI- a arguida BB se dirigiu a casa da sua irmã NN, na Rua ..., em ..., fazendo-se transportar na sua viatura de matrícula ..-HZ-.. nem que ali chegou pelas 23:28 horas;
VII- NN foi ao encontro da arguida BB nem que esta lhe relatou o que se tinha passado;
VIII- NN levou os objectos entregues pela arguida BB para a sua habitação nem que os lavou, numa tentativa de apagar os vestígios de sangue de AA;
IX- a arguida BB solicitou a NN que lhe desse um pano e água, com os quais tentou limpar o sangue existente no tablier da sua viatura, bem como no banco frontal direito.”
c. E dele consta a seguinte motivação:
“A decisão do tribunal colectivo, tomada em consciência e após livre apreciação crítica das provas produzidas em audiência, fundou-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas, dos documentos que se indicam e dos relatórios periciais.
Os arguidos optaram pelo silêncio.
NN, sendo irmã da arguida BB, optou por não prestar depoimento.
JJ viveu em união de facto com a arguida BB desde 2003/4, optou por não prestar declarações.
Os depoimentos dessas duas testemunhas poderiam ter ajudado o tribunal colectivo a uma mais intensa compreensão de algumas circunstâncias dos factos em apreço; todavia, a faculdade que o artigo 134º do Código de Processo Penal lhes confere suporta a opção que seguiram.
MM, era o patrão da arguida BB, explicou que “nessa noite” a arguida lhe telefonou várias vezes, nas primeiras chamadas não reparou devido ao barulho das máquinas da pastelaria; acabou por atender, ela estava nervosa e pediu para ir ao seu encontro, disse que estava na primeira rotunda, saiu logo da pastelaria, nessa direcção (embora se tenha enganado na rotunda) porque ela estava aflita; ela viu-o passar e voltou a ligar para lhe dizer onde estava: na primeira rotunda quando se sai da auto-estrada no corte de ..., numa saída a uns 100 metros da rotunda; a testemunha entrou com o seu carro até próximo do da BB (Mazda azul), o carro dela estava virado para cima; ela estava fora do carro, estava a chorar e disse-lhe que estava ali uma pessoa morta, ela estava muito nervosa e disse que era o “AA” (que era cliente das pastelarias); a testemunha diz que não chegou a ver onde estava o corpo pois quando ela disse aquilo, disse-lhe que se ia embora, nem chegou perto do carro dela, ficou sem saber o que havia de fazer; nem lhe perguntou o que se tinha passado, ficou assustado, ela não lhe disse mais nada; virou o carro e veio embora e ela ficou lá; voltou para ... e a meio do caminho voltou a ligar-lhe para saber o que ela tinha feito e ela disse-lhe que se estava a vir embora; a testemunha chegou a ... antes da meia noite e ainda foi para a pastelaria; não pensou em ligar para a GNR, ficou sem saber o que havia de fazer, estava com medo que o associassem por lá ter estado; ficou na pastelaria até sair às quatro horas da manhã e enquanto lá esteve não teve mais contacto com arguida; ela foi trabalhar às 07:00 horas da manhã, ela contou-lhe o que se tinha passado (mas a testemunha não lhe perguntou pelo “morto”); ela não estava em condições para trabalhar, estava muito nervosa; foi vender pão e só voltou ao meio-dia; a chave da carrinha estava na pastelaria e a arguida era a única empregada que tinha acesso à chave pois só ela é que andava com a carrinha; cerca das 10:00 horas, a arguida ligou-lhe a dizer que a irmã tinha deixado um saco dentro da carrinha, quando lhe perguntou “saco de quê?” ela respondeu-lhe “depois digo-te”, mas a testemunha nunca pensou “nisso”; regressou à pastelaria à hora de almoço, mas não foi à carrinha ver o que estaria no saco; durante o dia nunca pensou em ir à GNR relatar o caso; a Polícia Judiciária foi lá pelas 16 horas, foi ser ouvido e depois foram à carrinha que não tinha chave porque a arguida a tinha trazido na mochila; na carrinha estava um saco de plástico que ficou com a Polícia Judiciária; esclarece que a arguida tinha o Mazda havia poucos meses e ia sempre nele para a pastelaria; não contactou com a irmã da arguida, só com esta; conhecia o AA como cliente, ele morava próximo da GNR ...; também chegou a ver o DD na pastelaria; esclarece que passa no local (onde estava o corpo) várias vezes todos os dias, estão sempre lá carros de dia e de noite, reafirma que quando a encontrou ela estava completamente descontrolada, a chorar, cheia de medo, nunca a tinha visto assim; não se apercebeu de relacionamento entre arguida BB e o “AA”.
O depoimento desta testemunha mostrou-se sentido pela proximidade da arguida e pelo facto de ter ido ao local e do receio e perturbação que tal lhe causou; no entanto, a sua percepção objectiva apresenta-se credível por ser coerente e séria.
PP relatou como encontrou o cadáver no “nó de ...”, entre as 07:20 e as 07:30 horas, era um local onde estavam a vazar terras das obras e foi lá ver se ainda podia vazar mais terra; assim que lá chegou viu o corpo e nem saiu do carro deu “meia volta”, fugiu para o local de trabalho e telefonou ao engenheiro a perguntar o que havia de fazer; o corpo estava encostado à vedação, de barriga para cima, ligou para o 112 que lhe disseram para ir ao sítio; durante a semana as pessoas às vezes deixavam lá carros.
QQ, cabo da GNR do Posto Territorial ..., foi ao local (onde foi encontrado o corpo) após chamada do 112, quando chegou já lá estavam os bombeiros a tentar a reanimação, depois comunicou à Polícia Judiciária e ficou lá até à chegada destes; já conhecia o local acha que a distância até à rotunda não chega a 100 metros; confrontado com as fotografias de fls 26/7 e 103/7, confirma a localização e posição do corpo de AA.
Os depoimentos, credíveis, destas duas testemunhas relevam para a percepção das circunstâncias em que foi encontrado o corpo de AA.
RR, inspector da Polícia Judiciária, estava de serviço na brigada de homicídios e foi chamado pela GNR, confirma as diversas intervenções e diligências em que participou nos termos documentados.
II, inspector da Polícia Judiciária, teve intervenção na análise das capturas de ecrã do telemóvel da arguida BB e na elaboração do auto de diligência fazendo as capturas e redigindo o respectivo texto de fls 136/166).
Estes dois depoimentos sublinham as respectivas intervenções em sede de recolha de meios de prova documentados nos autos.
OO conhecia-os mas não tinha contacto regular com os arguidos; notava a amizade entre o arguido CC e o DD (“LL”), moravam na mesma casa e via-os a saírem juntos; cerca das “quatro e tal da tarde”, o “LL” pediu-lhe para o trazer à Rodoviária em Coimbra dizendo que ia passar o fim-de-semana a Lisboa, notou-o num estado normal e ainda o tentou convencer para o levar a Lisboa.
HH conhece a arguida BB da pastelaria e o arguido CC e o “LL” moravam em quartos de uma casa sua; vi-a os muitas vezes juntos; chegou a ver o “AA” na pastelaria, sempre sozinho.
II relatou como vivia na mesma casa em que estavam o “KK” e o “LL”, cada um tinha o seu quarto; estes davam-se bem, costumavam conviver juntos, encontrava-os também na pastelaria; o “AA” também frequentava a pastelaria; o “LL” ligou-lhe para ligar ao OO para o ir levar a Coimbra, dizendo que ia passar o fim-de-semana a Lisboa, nunca mais o viu.
Estas três testemunhas apresentaram depoimentos serenos, merecendo credibilidade quanto ao tipo de relacionamento e proximidade entre os arguidos; relevante, também, a percepção de OO ao transportar DD até à estação rodoviária de Coimbra.
As demais testemunhas apresentaram a imagem que tinham do contacto com a arguida e da dinâmica desta na sua envolvência profissional (da pastelaria) bem como a aparência da sua vida familiar.
Em geral, estas testemunhas mostraram-se envolvidas por uma onda de simpatia (resultante do modo como a arguida se relacionava com as pessoas) que as leva a somente realçarem e perceberem esse lado da mesma.
SS diz que ia ao café todos os dias de manhã, apresentou a defesa da arguida BB sustentando que era uma pessoa bastante atenta ao outro, extrovertida, simples, meiga, atenciosa, bastante carinhosa e sempre cuidadosa; procurava manter a família unida, era a base da casa; a testemunha não voltou à pastelaria desde que “isto” aconteceu; esclarece que depois do “Covid” veio trabalhar para os HUC e passou a ir lá menos vezes.
TT foi presidente da Câmara Municipal ... (2013/2021) considera a arguida BB educada, simpática, interessada nas pessoas, tratava as pessoas com educação e urbanidade.
FF conhece a arguida BB desde pequena quando ela foi estudar para ..., considera-a uma excelente funcionária, trabalhava mesmo para além do horário, “nesse dia fatídico” ela saiu da pastelaria às “dez menos dez” e saiu com a avó; o “AA” tinha ´lá casa há muitos anos, mas só há 2-3 anos é que passava lá mais tempo; o JJ (companheiro da arguida BB) explorava um Café (“...”) que antes era o ....
UU esteve em ..., como padre durante 15 anos (até Outubro de 2023) diz que a arguida BB fazia o serviço normal, conhece-a de ir lá ao café.
Em geral, os depoimentos das testemunhas foram isentos, serenos, coerentes e esforçados, tendo em conta o contexto em que cada um contactou com a realidade (vivendo ou presenciando).
Foram analisados os seguintes documentos:
- auto de inspecção judiciária de fls 26-32, efectuado pela Polícia Judiciária, no dia 20.07.2023, com início pelas 08:30 horas, contendo a descrição do local onde foi encontrado o corpo e fotografias do corpo e de vestígios recolhidos
- auto de diligência de fls 34-35: será relevante em termos de investigação, mas não pode ser valorado como meio de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, na parte em que contém opiniões dos investigadores;
- ficha de registo automóvel de Audi A4 de matrícula ..-..-MV, registado em nome do arguido CC, fls 36;
- fotos do telemóvel de NN mostrando mensagens de contactos com a arguida, fls 44;
- auto de apreensão da viatura de AA Renault, Megane, de matrícula ..-AO-.., que se encontrava no Largo ... em ..., fls 46;
- auto de apreensão do telemóvel da marca Iphone, modelo 14 PRO, com o IMEI 1 ...39 e IMEI 2 ...16, com o cartão SIM ...34 da arguida BB (correspondendo ao número que se verifica nas fotos de fls 44), fls 49;
- termo de dispensa de sigilo de telecomunicações assinado pela arguida BB relativamente ao telemóvel que lhe foi apreendido, fls 50;
- auto de apreensão da viatura de marca Mazda, modelo 6, de matrícula ..-HZ-.. (a que corresponde a ficha de registo automóvel de fls 52), propriedade da arguida BB, de fls 51;
- auto de apreensão de uma faca (sem lâmina) em baquelite, de cor preta, um cigarro por fumar de marca Austin e uma ponta de cigarro, localizados junto ao cadáver de AA, fls 68;
- auto de apreensão de 14 objectos: doze estavam na carrinha do patrão (MM): um saco de compras do Pingo Doce, um saco de plástico translucido, uma faca sem cabo, um par de óculos Hugo Boss, um boné de pala, um pacote de tabaco de enrolar (contendo uma porção de tabaco, um isqueiro e uma pequena embalagem de mortalhas), um saco de plástico com alças azul, uma tampa de enroscar em plástico, uma garrafa metálica de cor verde, um saco de plástico com alças Minipreço, um tapete automóvel correspondente ao lado direito da frente (estava no interior do saco referido em 1), uma capa de protecção de banco de automóvel (assento e costas) da marca Norauto (também estava no interior do saco Pingo Doce); além disso, um par de chinelos/ sandálias que foram entregues pela arguida BB e um vestido cavas (sem mangas) que foi entregue pela irmã da arguida BB (fls 69-70);
- auto de apreensão, no interior do carro (Mazda 6 de matrícula ..-HZ-..) da arguida BB: de três cigarros da marca Austin uma ponta de cigarro da marca Austin, um maço de cigarros (box) da marca Austin contendo no interior um cigarro por fumar da mesma marca, fls 71;
- ficha de registo automóvel da viatura de marca Mazda, modelo 6, de matrícula ..-HZ-.., em nome da arguida BB, fls 52;
- auto de diligência de abordagem e apreensão de objectos ao arguido CC, fls 75,
- auto de busca e apreensão, ao quarto do arguido CC, de um telemóvel, marca Motorola, modelo One Fusion, com o IMEI 1 ...35 e IMEI 2 ...43, com o cartão ... USO, correspondente ao número ...57; uma camisa de manga curta, de cor maioritariamente verde, com imagem e nome de Cristiano Ronaldo e um par de calções/bermudas, da marca Kerub, tamanho M, , com cordão à frente e bolso atrás, de fls 78-79;
- termo de dispensa de sigilo de telecomunicações assinado pelo arguido CC relativamente ao telemóvel que lhe foi apreendido, fls 80;
- auto de apreensão da viatura Audi, modelo A4, de matrícula ..-..-MV, pertencente ao arguido CC, bem como do DUC e certificado de matrícula, fls 81;
- auto de diligência correspondente à análise das capturas de ecrã extraídas do telemóvel da arguida BB, contendo diversas mensagens e fotografias, com contactos da mesma com “AA”, “KK”, “LL” e “...”, bem como mensagens, contactos de chamadas telefónicas e fotografias, fls 136-166; realce para as fotos de fls 164/6 respeitantes a relacionamento entre a arguida BB e AA;
- auto de exame directo aos objectos encontrados junto ao cadáver de AA, entregues pela testemunha MM, entregues pela arguida BB, entregues pela testemunha NN, localizados no automóvel da arguida BB e entregues pelo arguido CC, fls 169-171;
- auto de notícia, da GNR ... de que teve conhecimento através da GNR ..., que junto ao nó de ligação à A...3 no Lugar ... se encontrava um corpo, deslocou-se ao local, fls 310;
- ficha do CODU de fls 12 repetida a fls 312: verificação do óbito pelo médico do INEM, no local onde foi encontrado o corpo; nada permitindo concluir quanto à hora da morte, o facto de tal declaração indicar como hora da verificação as 08:20 horas de 20.07.2023; com efeito, resulta da prova testemunhal que a morte foi anterior a essa hora (apenas confirma que o INEM verificou nesse momento);
- auto de diligência de deslocação da Polícia Judiciária ao INMLCF – Delegação do Centro para assistir à autópsia do cadáver de AA, com fotografias identificativas dos locais atingidos, fls 492-505;
- informação da Vodafone, respeitante a identificação de titular e de IMEI por número de telefone, relativo ao número ...57 (AA), bem como de chamadas efectuadas e recebidas, no dia 19.07.2023 e respectiva localização, de fls. 513-519; salientando-se as chamadas entre aquele e a arguida BB pelas 22:37 e 22:41, com localização em ... (de fls 516 e 518) correspondentes às capturas de ecrã de fls 150 e 153;
- informação da Vodafone, respeitante a identificação de titular, por número de telefone, relativo aos números ...34 (BB), ...64 (VV) e ...08 (não identificado), fls 546-548;
- informação da Lycamobile respeitante ao registo de chamadas do número ...59 (que na captura de ecrã 148 aparece como “LL” no telemóvel da arguida BB), de fls 607-608;
- suporte digital de fls 609;
- relatório de inspecção judiciária efectuado pela Polícia Judiciária, com início pelas 09:00 horas de 20.07.2024, no local onde foi encontrado o cadáver, com fotografias da localização, acessos, enquadramento, corpo e vestígios encontrados, fls 101-122;
- relatório de inspecção judiciária efectuado pela Polícia Judiciária, com início pelas 10:03 horas de 20.07.2024, ao veículo de marca Mazda de matrícula ..-HZ-.., que se encontrava parqueado junto à “Pastelaria ...”, na Rua ..., em ..., com fotografias do enquadramento, da viatura e de vestígios encontrados, entre os quais sangue (na consola central do auto-rádio, na coluna frontal da porta direita e na parte de fora da porta traseira do lado direito, fls 124-134;
- relatório do exame a objectos que se encontravam no saco de compras recuperado na caixa de carga do veículo automóvel Peugeot Partner, de matrícula ..-..-BA, pertencente a “A... Unipessoal, Lda”, com fotografias de enquadramento do local onde estava o veículo e dos objectos em causa, fls 172-195; realçando-se a fls 191/2 a coincidência do encaixe entre o cabo da faca encontrado junto ao corpo de AA e a lâmina encontrada no saco dentro deste carro;
-relatório do exame às peças de roupa usadas pelo arguido CC no dia dos factos, fls 319-326;
- relatório do exame às peças de roupa usadas pela arguida BB no dia dos factos, fls 327-337;
- relatório do exame (inspecção judiciária) ao veículo Renault Megane de matrícula ..-AO-.., com fotografias de enquadramento e do interior e exterior do mesmo, fls 475/478, sendo que não foram recolhidos quaisquer vestígios; e
- relatório do exame (inspecção judiciária) ao veículo Audi A4, matrícula ..-..-MV, com fotografias do interior e exterior do mesmo, tendo sido recolhidos vestígios hemáticos, na zona interior da porta do condutor, volante, alavanca de velocidades e fita do cinto de segurança do banco frontal direito, fls 479-489.
Também foram analisados os relatórios periciais:
- relatório pericial de criminalística biológica relativamente ao material enviado para análise, fls 507 a 511; destacando-se as seguintes conclusões:
O estudo dos itens ensaiados revelou:
- nas zaragatoas vestígios D (V00072800 – vestígio hemático da consola do rádio do Mazda ..-HZ-..) (C1), F (V00072802 – mancha hemática do friso da porta traseira direita do Mazda ..-HZ-..) (C1), A (V00073357 – mancha hemática no vestido de cor preta usado pela arguida BB) (C1) e C (V00073361 – mancha hemática no vestido de cor preta usado pela arguida BB) (C1) e no cabo da faca (C1), revelando a presença do mesmo perfil genético individual masculino (XY), incompleto no Vestígio F (V00072802) (C1), coincidente com o perfil da vítima AA, não permitindo assim excluir que provenha desta vítima; note-se que o material recolhido das manchas hemáticas no carro do arguido CC não foi apurado qualquer perfil genético susceptível de permitir a realização de estudos comparativos (conforme resulta da recolha de fls 487 e relatório pericial de fls 550/1).
- nas unhas da mão esquerda da vítima AA (C1) a presença de um perfil genético de mistura (masculino, XY), compatível com os perfis da vítima AA e do arguido CC, não permitindo assim excluir que provenha desta vítima e deste arguido;
- nos calções (C1, C2), a presença de perfis genéticos de mistura, com o mesmo componente maioritário individual masculino (XY) coincidente com o perfil do arguido CC, e os componentes minoritários não compatíveis com os perfis da vítima AA ou da arguida BB, permitindo assim excluir que a vítima e a arguida tenham contribuído para essas misturas;
- na ponta de cigarro recolhida na viatura Mazda ..-HZ-.. (V00072798) (C1), a presença de um perfil genético individual feminino (XX), coincidente com o perfil da arguida BB, não permitindo assim excluir que provenha desta arguida;
- na ponta do cigarro recolhida no local onde foi encontrada a vítima (V00072691) (C1), a presença de um perfil genético individual masculino (XY), distinto dos perfis da vítima AA e do arguido CC, permitindo assim excluir que provenha desta vítima ou deste arguido.
- auto de exame forense em ambiente digital, relativo ao telemóvel, marca Motorola, modelo One Fusion, com o IMEI 1 ...35 e IMEI 2 ...43, apreendido no quarto do arguido CC, onde se vislumbra, entre o mais, uma foto da arguida BB, enviada (através do WhatsApp) pela mesma a 31.05.2023, onde esta aparece numa “selfie” abrangendo o seu rosto, e a parte superior do tronco, olhando para a câmara no sentido ascendente (fls 556 e 558 verso), bem como uma “chamada perdida”/“missed call” desta para aquele no dia 21.07.2023, pelas 10:25:35 UTC+0, de fls 553-558; e
- relatório de autópsia médico-legal, realizada a 24.07.2023, pela Delegação do Centro do INMLCF, datada de 23.11.2023 (constante de fls 635-640), apresentando as seguintes conclusões:
1- a morte de AA foi devida às lesões traumáticas do pescoço e tóraco-abdominais descritas;
2- tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte;
3- estas lesões denotam haver sido produzidos por instrumento de natureza corto-perfurante ou actuando como tal, podendo ter sido devidos a lesões por arma branca como consta da informação;
4- a localização, trajecto, orientação, direcção e dimensões de tais feridas encontram-se resumidas no capítulo respectivo deste relatório;
5- as feridas letais foram a D (pescoço), B e C (hemitórax direito);
6- as lesões traumáticas cortantes observadas no membro superior esquerdo são compatíveis com atitude de defesa;
7- as lesões traumáticas cortantes observadas são compatíveis com, pelo menos, uma arma de 1 fio cortantes, serrilhado e com ricasso, não se excluindo a possibilidade de terem sido usadas outras armas brancas;
8- a profundidade estimada destas feridas variou entre 7 a 18 cm, com a média entre os 12 a 15 cm, compatível com a lâmina que nos foi presente;
9- a multiplicidade de feridas, formas, dimensões, localizações e orientação das feridas admite a possibilidade de mais do que um agressor como o sugerido na informação;
10- as restantes lesões traumáticas (escoriações e equimoses torácicas e dos membros superiores, laceração e fractura de costela esquerda) denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, podendo ter sido também devidas à agressão referida (pontapé?);
11- do ponto de vista médico-legal nada se opõe à etiologia homicida referida na informação;
12- as análises toxicológicas foram negativas para o álcool, drogas de abuso e para os medicamentos pesquisados no serviço de Química e Toxicologia Forense do INMLCF;
13- o estudo de polimorfismos do ADN autossómico realizado nos cortes ungueais colhidos na vítima revelou a presença de perfil genético de mistura (XY) de, no mínimo, 2 contribuintes, tendo já o Serviço de Genética e Biologia Forense recebido as amostras de referência dos arguidos para estudo comparativo.
*
Concretizando, em relação aos diversos factos, os meios de prova essenciais, na sua atinente conjugação, temos:
- facto 1: relatório social e testemunhas MM e FF a vivência e ocupação laboral da arguida BB;
- facto 2: fotografias de fls 164/6, onde a arguida BB e AA surgem desnudados, trocando beijos e num quarto iluminado por velas; bem como as capturas de ecrã de fls 137/138 em que AA diz à arguida que “tudo por ti sonhei”, “nunca iria prejudicar quem realmente AMO” ou “a minha entrega a ti”;
- factos 4 a 6: capturas de ecrã de fls 137/8;
- factos 7 a 10: capturas de ecrã de fls 139;
- facto 25: resulta do depoimento da testemunha MM e da captura de ecrã de fls 151, 154 e 157 onde estão registadas as diversas chamadas;
- factos 26 e 27: testemunha MM;
- facto 28: consta da captura de ecrã de fls 158; note-se que a “Quengaaa” (referida a fls 158) é a irmã da arguida BB como resulta do número indicado (na identificação) por NN quando foi inquirida a fls 42;
-parte do facto 29 (dois sacos e respectivo conteúdo) e facto 30 (colocação dos sacos no Peugeot Partner, mediante instruções da arguida BB) resultaram do depoimento de MM; o conteúdo dos sacos consta do respectivo auto de apreensão;
- facto 31: depoimentos das testemunhas OO e HH;
- facto 32: as lesões e a causa da morte resultam do relatório de autópsia de fls 635/640; quanto a tal resultar da actuação dos arguidos CC e DD se explanará de seguida.
No que respeita aos factos alinhados sob os números 3, 11 a 24, 29 (encontro entre a arguida BB e a irmã) e 34 a 38, uma vez que ninguém relatou as actuações dos arguidos que conduziram à morte de AA, a conclusão do tribunal colectivo acaba por se fundar na chamada “prova indirecta”.
*
A jurisprudência dos Tribunais Superiores mostra-se firme relativamente à admissibilidade da prova indirecta e aponta o percurso que deve seguir o tribunal no caminho da busca da verdade através da análise de diversos indícios à luz das regras de experiência da vida.
O Senhor Conselheiro WW, cujos ensinamentos seguiremos,[1] começa por salientar que a prova indiciária não está incluída nos métodos proibidos de prova, segundo o artigo 126º, do Código de Processo Penal, tanto bastando, desde logo, para ser admitida, porque não proibida, não se referindo, no entanto, a ela o Código de processo Penal, ao contrário do que sucede noutras legislações, devendo reputar-se uma prova inominada, avaliada de acordo com o princípio da livre convicção probatória, sem dispensar fundamentação motivada, objectiva e racional.
A prova indiciária é largamente usada, actualmente, face ao valor dos indícios se revestidos de valor que os credibilizem, corroborando outras provas, à desconfiança que certos meios de prova suscitam, particularmente a prova testemunhal[2] e à extrema dificuldade em conseguir-se prova directa, em certo tipo de infracções.
O indício apresenta-se de grande importância no processo penal porque nem sempre se tem ao alcance a prova directa que autorize a perseguir a conduta, sendo necessário, pelo recurso ao esforço lógico-jurídico, intelectual, para a partir de factos certos deduzir, inferir outros, antes que se gere a impunidade, até porque quem comete um crime busca intencionalmente o sigilo da sua actuação.
Tradicionalmente -se exige que sejam veementes, no sentido de que dada a sua natureza permitam razoavelmente afastar as hipóteses favoráveis ao acusado, bastando uma sucessão de pequenos indícios, coerentes e concatenados para assentar a condenação,[3] concordantes, convergentes, no sentido de aqueles que procedendo ou não da mesma fonte, se constituem de circunstâncias coerentes que se orientam no sentido do facto que se investiga, graves, resultantes de uma intima conexão entre o facto conhecido e o desconhecido, levando dedutivamente ao conhecimento deste ou seja à conclusão daquilo que se investiga, resistindo a contraindícios geradores de uma desarmonia que leva à perda de clareza e ao poder da prova indiciária[4].
Em Espanha tem-se feito largo uso da prova indiciária, como elucida o Senhor PGA Euclides Simões[5], decidindo o seu Tribunal Supremo que para que o juízo de inferência resulte em verdade convincente é imperioso que os indícios devam ser plurais, embora excepcionalmente um se admita se determinante, que mantenham a credibilidade em confronto com contraindícios e que a argumentação sobre que assenta a conclusão probatória resulte inteiramente razoável, face a critérios lógicos de discernimento humano.
O Tribunal da Relação de Coimbra também já afirmou, a este propósito[6]: “São bastantes os indícios quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados; por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele.
A associação que a prova indiciará proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho[7].
De acordo com André Marieta (La Prueba em Processo Penal, pág. 59) são dois os elementos da prova indiciária:
a. - Em primeiro lugar, o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. Na definição de Delaplane será o vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido.
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa.
b. Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício-premissa menor - permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova a capacidade de convicção.
A nossa lei processual penal não faz qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, cujos funcionamento e creditação estão dependentes da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Porém, o facto de também relativamente à prova indirecta funcionar a regra da livre convicção não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova.
Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si[8].
Na situação em apreço, como se explanaram relativamente a cada um desses factos, estão reunidos elementos sérios e firmes de convergência formal e material, sem possibilidades de afirmar um sentido contrário, sem ficar desgarrado do normal entendimento das coisas, da vida e das reacções das pessoas.
Na verdade, a prova produzida permite uma afirmação para lá de qualquer dúvida razoável; com efeito, é possível afirmar a ocorrência daqueles factos com certeza porque existem elementos de convergência formal e material com força suficiente para sedimentar ilações com firmeza processual acima de uma qualquer dúvida razoável.
Convém, desde já, esclarecer como o tribunal colectivo concluiu pela actuação dos arguidos CC e DD.
O arguido CC tinha motivação para aceitar a proposta da arguida BB tendo em conta a proximidade e esperança de cativação que resulta das mensagens dos referidos “emojis” e das fotografias (“selfie”) que esta lhe envia (fls 139 e 556); depois, existem os elementos probatórios que mostram que este arguido actuou sobre o AA como resulta dos vestígios de ADN encontrados nas unhas da mão esquerda de AA e no cabo da faca, bem como a circunstância de o seu boné estar entre os objectos que a arguida BB guardou no saco de plástico (juntamente com os tapetes do carro e a lâmina da faca) que colocou no carro de MM (este explicou como a arguida lhe disse que tinha sido lá colocado o saco), note-se ainda o facto de terem sido encontrados vestígios de sangue (embora não apurada cientificamente a sua origem) no seu veículo Audi. Por isso, não restam dúvidas acerca da actuação deste arguido.
A participação de DD infere-se, essencialmente, dos seguintes factos: a amizade e convivência com o arguido CC (viviam na mesma casa, eram ambos “deslocados” em termos familiares --- pois não tinham família em ... nem em Portugal e andavam ‘sempre’ juntos, como salientou a testemunha OO); a arguida BB efectuou telefonemas para DD (que estava registado na sua lista de contactos com a alcunha pela qual todos o conheciam – “LL”), tal como para o arguido CC, na mesma proximidade de minutos da noite dos factos (o que outro modo não faria sentido nem teria justificação); o comportamento posterior de DD ao “fugir”, sem justificação, nem aviso deixando os seus pertences no quarto onde dormia (como resulta dos depoimentos das testemunhas OO e HH), sem não mais ser localizado; o relatório da autópsia admite a hipótese de terem sido duas pessoas a atingir AA; ora, não poderia ser outra pessoa que não DD pois desse modo não fariam sentido os aludidos telefonemas, sendo que não existem contactos para pessoas desconhecidas e nada permite inferir que tivesse sido a irmã da arguida que também consta da lista de chamadas efectuadas nessa noite, sendo também de afastar a participação do patrão MM.
O facto 3 infere-se a partir das fotografias de fls 164/6, onde a arguida BB e AA surgem desnudados, trocando beijos e num quarto iluminado por velas, bem como as capturas de ecrã de fls 137/138 em que este lhe diz que “tudo por ti sonhei”, “nunca iria prejudicar quem realmente AMO” ou “a minha entrega a ti”; a data surge nas capturas de ecrã e o teor e envolvência não deixam dúvidas acerca do relacionamento sexual e emocional.
O facto 11 assume a degradação do relacionamento entre ambos face ao teor das mensagens trocadas que são claras a esse respeito. A demonstração do plano da arguida BB para matar AA infere-se da conjugação dessa situação com os desenvolvimentos posteriores: é certo que a arguida BB estava junto do corpo de AA (o que foi observado pela testemunha MM quando foi ao local chamado pela mesma), não poderia ter sido outra pessoa a conduzir o seu carro e a levar o AA para o local (de outro modo a arguida teria referido isso ao patrão quando o chamou ao local), AA foi esfaqueado no banco da frente do carro da arguida (como resulta dos vestígios hemáticos recolhidos no veículo e no tapete), a mesma contactou o “KK” e o “LL” (como resulta os contactos telefónicos registados nas capturas de ecrã e na informação da operadora respectiva), naturalmente que tal é suficiente para concluir pela formulação de um plano porquanto nada disso ocorreu fora do âmbito da sua vontade e domínio de actuação (de outro modo, ela teria referido/salientado tal ao patrão quando o chamou ou teria contactado as autoridades).
A abordagem e plano conjunto a que se alude no facto 12 decorrem dos contactos telefónicos que constam das capturas de ecrã e da informação da operadora telefónica e da actuação posterior; com efeito, o facto de serem clientes da pastelaria onde a arguida trabalhava (testemunhas MM, OO e HH), o modo como decorreu a actuação (surgirem naquele local para onde a arguida levou o AA) só pode resultar de um plano de actuação combinado pois os arguidos CC e DD não surgiriam nem agiriam naqueles moldes se tal não tivesse estabelecido entre os três; sendo manifesto que AA representava um incómodo/obstáculo para qualquer um dos três (embora em diferentes perspectivas e anseios).
O facto 13 resulta da conjugação dos contactos estabelecidos entre a arguida BB e AA plasmados nas capturas de ecrã e nas informações das operadoras telefónicas bem como do local onde foi encontrado o veículo deste; que foi cumprimento do plano decorre do modo como se desenvolveram as actuações posteriores.
O facto 14 apura-se da conjugação das horas dos contactos plasmados nas capturas de ecrã e informações das operadoras telefónicas, sendo normal que tivessem seguido o carro da arguida tendo em conta o plano já estabelecido.
A faca ‘Faberwre’ foi usada nos golpes diferidos pelo arguido CC sobre AA (como resulta do relatório da autópsia e dos vestígios de ADN) e foi apurada a hipótese de utilização de outra faca (tendo em conta o tipo de golpes); ora a única possibilidade razoável (tendo em conta a actuação de surpresa que nem permitiu a AA sair do carro) teria que ser a de os agressores levarem logo consigo as (duas) facas utilizadas (das quais uma – a ‘Faberware’- ficou o cabo junto ao corpo e cuja lâmina a arguida BB recolheu, sendo encontrada no saco deixado na carrinha de MM).
Os factos 15 e 16 são a decorrência normal – em termos de regras de experiência e do normal acontecer – da concretização do acordo estabelecido entre os três, nos termos já explicitados; além disso, não tendo DD meio de transporte (resulta dos depoimentos das testemunhas OO e HH) e sendo o arguido CC dono do Audi ..-..-MV não existe (nem faria sentido) qualquer outra possibilidade (para se deslocarem ao local onde iriam atacar o AA) que não fosse seguirem nesta viatura.
Que a arguida BB foi ao encontro de AA na sua viatura Mazda parece manifesto, desde logo porque este deixou a dele em ... e pelos vestígios de sangue que ficaram nos tapetes e no Mazda.
Também o facto 17 resulta do mesmo circunstancialismo, sendo que AA já havia manifestado, insistente, vontade de falar com a arguida BB (acerca do estado do relacionamento entre ambos – como consta das capturas de ecrã) e do facto de ter deixado a sua viatura (no Largo ..., em ...) e ter seguido no Mazda da arguida, bem como o local para onde esta o conduziu e o banco onde estava quando foi esfaqueado.
Os factos 18 e 19 decorrem do percurso normal entre ... (onde ficou o carro de AA) e o local onde a arguida BB chegou com o seu carro e onde se encontrava (tal como o corpo de AA) quando chamou o seu patrão MM, como registam as fotografias de fls 102 a 105; naturalmente que, pelo modo de actuação sobre AA, a única possibilidade era que CC e DD seguissem o carro da arguida, conforme haviam combinado, sem que AA disso se apercebesse.
A convicção do tribunal colectivo quanto aos factos 20 e 21 resulta do contexto da actuação (sendo que o plano e a deslocação já foram explicitados), o estacionamento e a abordagem correspondem ao ‘normal’ comportamento perante aquelas circunstâncias e objectivos: atacar de tal modo rápido que AA (perante tantas facadas) apenas tentou defender-se com a mão esquerda (de onde resultou um golpe descrito no relatório de autópsia), pelo que teria que parar, ao lado junto à porta (para não permitir reacção) e sair empunhando já as facas, de modo a que AA não pudesse sair ou reagir (e por isso não teve tempo de qualquer reacção), sendo manifesto que ficou sentado enquanto foi golpeado, como o demonstra a localização dos golpes, os pontos onde foi encontrado sangue e de somente ter esboçado defesa com os braços.
Na verdade, a existência de lesões cortantes nos membros superiores são compatíveis com atitude de defesa (e a localização dos ferimentos bem como o facto de as calças não apresentarem manchas ou sujidade) bem como não se encontrarem relevantes pingas de sangue no chão conjugado com as peças do carro da arguida, mostra que AA foi surpreendido e atacado dentro do veículo, no banco do pendura e depois largado no chão.
Assim, a localização, trajecto, orientação, direcção e dimensões das facadas, como consta do relatório de autópsia, permitem concluir pelo modo como AA foi atacado e o seu posicionamento sentado, bem como a posição de agressão a partir do seu lado direito, o que permite concluir que se encontrava sentado e foi surpreendido, sem possibilidade de reacção, a não ser procurar defender-se com o braço (do que resultou o referido golpe, compatível com atitude de defesa).
O facto 22 quanto ao recurso às facas resulta do relatório de autópsia e infere-se do modo com os golpes estão espalhados pelo corpo de AA; já foi explicitado o modo se conclui terem sido estes arguidos. Não seria possível à arguida BB ter desferido qualquer golpe tendo em conta o posicionamento de AA e a circunstância da actuação de surpresa, bem como a diferença física e o contexto da actuação (o mais normal é que ela estivesse no banco do condutor, pois a sua saída iria alertar AA e, por outro lado, estando ali, ela impedia que ele fugisse por esse lado).
O facto 23 corresponde à decorrência normal da anterior actuação bem como às capacidades físicas de cada um (não faria sentido deixarem o corpo dentro do carro da arguida BB nem que fosse esta a retirá-lo); neste tipo de circunstâncias, o comportamento previsível seria deixarem o corpo e abandonarem todos o local; neste caso, a arguida BB ao perceber o estado ensanguentado do seu carro, a intensidade das facadas e perante a visão do estado em que ficou o corpo da vítima, acabou por ficar em estado de choque e, em vez de abandonar o local começou a telefonar para o patrão (como resulta da conjugação das chamadas plasmadas nas capturas de ecrã com a situação de desespero em que a mesma se encontrava quando lá chegou a testemunha MM).
Naturalmente, é manifesto que o arguido CC e DD abandonaram o local do mesmo modo que ali haviam chegado.
O facto 24 resulta de o cabo da faca ter sido encontrado junto ao corpo de AA (conforme auto de apreensão de fls 68), a lâmina ter sido encontrada dentro do saco que a arguida fez colocar no interior do Peugeot Partner, onde também estava o boné do arguido CC) e o encaixe, entre ambos as peças, referido no relatório de fls 183/4 e 191/192.
O encontro entre a arguida e a sua irmã NN (facto 29) infere-se a partir do depoimento de MM e de os sacos terem sido encontrados no interior do Peugeot Partner deste; a arguida disse à testemunha que irmã tinha deixado aí o saco, ora para entregar o saco à irmã, a arguida BB tinha que se encontrar com esta.
O teor dos factos 34 e 35 são decorrência (e normal desenlace) do anteriormente demonstrado.
Também o facto 36 se infere e resulta da actuação já anteriormente justificada, sendo que é claro que AA pensava que ia encontrar-se apenas com a arguida para conversar sobre a relação de ambos, pois de outro modo não o teria feito.
O facto 37 quanto à detenção da faca resulta de ela ter sido utilizada na agressão perpetrada, como resulta dos locais e circunstâncias em que foram encontrados o cabo e a lâmina bem como dos vestígios de sangue encontrados nos mesmos e do respectivo exame directo de fls 169 e 183 (quanto às características da faca).
Relativamente ao facto 38 é sabido que o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da causalidade ou das regras gerais da experiência[9] .
Este é um dos casos em que os elementos de estrutura psicológica (relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa) só são susceptíveis de prova indirecta[10].
Com salienta Nicola Framarino dei Malatesta[11], exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.
Na prática, como refere este mesmo autor [Ibidem, p. 176 e 177], afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
Neste caso, o contexto em que os arguidos actuaram e o tipo de crime em causa é suficiente para se concluir pelo preenchimento dos elementos subjectivos deste crime.
Com efeito, o modo e o sentido como acordaram na actuação conjunta, o objectivo e a maneira como a arguida BB conduziu AA para o local, a intensidade com que o esfaquearam e o modo como deixaram o corpo são (mais do que) suficientes para concluir pelo preenchimento dos elementos subjectivos do crime de homicídio.
A convicção do tribunal colectivo acerca da falta de arrependimento dos arguidos resultou da sua atitude em audiência de discussão e julgamento ao não assumirem os seus comportamentos, o que não nos permite concluir que tenham interiorizado a gravidade dos seus comportamentos.
Isso não significa uma valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal colectivo tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento, o que não sucedeu. O tribunal colectivo afastou o arrependimento porque os arguidos não o verbalizaram convincentemente (antes remetendo-se ao silêncio, que não os pode prejudicar, mas também não os beneficia), nem praticaram qualquer acto material donde o arrependimento pudesse ser deduzido. Tal não corresponde a considerar provada a falta de arrependimento[12].
A ausência de antecedentes criminais dos arguidos resulta dos certificados de registo criminal de fls 843 (arguida BB) e 844 (arguido CC).
A situação pessoal dos arguidos resultou da análise do teor dos relatórios sociais de fls 845/847 (arguida BB) e fls 801/802 (arguido CC) e das testemunhas de defesa.
No que respeita aos factos não provados, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não permite concluir pela sua ocorrência ou resultam de diferente perspectiva da realidade.
Com efeito, não se pode afirmar que AA ameaçou a arguida BB de que iria revelar ao seu companheiro o relacionamento entre ambos, pois tal não se pode concluir das conversas documentadas nas capturas de ecrã de fls 137/8; tal como nada permite concluir que a decisão da mesma (de matar AA) tenha resultado de receio de que esse relacionamento fosse revelado por este.
Também não se pode concluir das capturas de ecrã (sendo esse o único meio de prova quanto a estes factos) que o encontro entre a arguida BB e AA no dia 19.07.2023, em ... teve o pretexto de falarem sobre o término da relação de ambos; na verdade, o que resulta é o desgaste dessa relação e a exigência dele para terem uma conversa, não se podendo, daí, concluir se seria acerca do término da mesma.
Nada permite concluir acerca do local para onde foi marcado o encontro entre a arguida BB e os outros arguidos.
Nada permite afirmar que a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da sua viatura.
Não existe prova de que a arguida BB se dirigiu a casa da sua irmã NN nem que ali chegou pelas 23:28 horas; provou-se que se encontraram (como demonstrado supra), mas nada permite definir as circunstâncias desse encontro.
Assim, igualmente nada mostra que NN tenha ido ao encontro da arguida nem que esta lhe relatou o que se tinha passado.
Também nada se pode concluir a fim de apurar se NN levou os objectos entregues pela arguida BB para a sua habitação nem que os lavou, numa tentativa de apagar os vestígios de sangue de AA, nem sequer que a arguida tenha solicitado à irmã que lhe desse um pano e água, nem que com os mesmos tentou limpar o sangue existente no tablier da sua viatura, bem como no banco frontal direito.”
Na apreciação das questões suscitadas nos três recursos interpostos, supra elencadas, seguiremos a ordem que, em termos sistemáticos, se impõe, conhecendo, em conjunto, as questões que se apresentem comuns aos mesmos.
- Da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação decorrente da não análise crítica das provas [questão comum aos recursos interpostos pelos arguidos CC e BB]
Ambos os arguidos e ora recorrentes assacam ao acórdão recorrido a falta de fundamentação, por falta de análise crítica das provas produzidas e nele valoradas, resumindo as suas razões atinentes a este segmento recursivo, o arguido CC nas conclusões 5. a 32., e a arguida BB nas conclusões LXXXII, a C., com base nas quais pretendem que o mesmo padece da nulidade prevista no art. 379º, nº1, al. a) do CPP, por referência ao art. 374º, nº2 do mesmo diploma legal.
A abordagem da questão assim suscitada pelos arguidos e ora recorrentes remete-nos para o regime das nulidades da sentença estatuído no art. 379º do Código de Processo Penal doravante CPP, cujo elenco consta do seu nº1.
A nulidade prevista no citado Art. 379º, nº1, a), por remissão para o normativo contido no Art. 374º nº2 do mesmo diploma legal pressupõe que a decisão em causa não contenha fundamentação, da qual deverá constar: a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, fundamental à decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 374.º, sob a epígrafe Requisitos da sentença “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional prevista no art.º 205º da CRP, que prevê que, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pag. 290, “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autocontrolo.”
Densificando o conteúdo do preceito legal contido no citado Art. 374º, nº 2, normativo legal este em que os recorrentes se ancoram para sustentar a falta de fundamentação que assacam ao acórdão recorrido, apenas e só na vertente de falta de exame crítico das provas, diremos, seguindo de perto o Ac. do STJ, de 16-03-2005, disponível in www.dgsi.pt, que:
“ A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão;
(… ) A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual) a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão.
(.. ) O tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido numa decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.
(…) O ‘’exame crítico" das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular a fundamentação em matéria de facto - mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência.
(…) A noção de "exame crítico" apresenta-se como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
(…) O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
(…) A integração das noções de ‘’exame crítico" e de "fundamentação envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.”.
A nulidade elencada no citado Art. 379º nº1 a) pressupõe, assim, que a decisão (sentença ou acórdão) não contenha fundamentação com a abrangência imposta por aquele citado Art. 374º, nº2.
Em causa está apenas saber se o acórdão recorrido padece da nulidade prevista na alínea a) do nº1 do citado art. 379º por falta de exame crítico das provas.
Alcança-se da argumentação recursiva, feita quer no corpo da motivação dos recursos, quer nas respetivas conclusões, que os recorrentes alavancam a falta de exame crítico das provas em argumentação genérica com base na qual pretendem sustentar que no acórdão recorrido se não mostra feita ou suficientemente feita a análise crítica das provas nele valoradas que sustenta a decisão da matéria de facto que veio a ser decidida, sem, contudo, evidenciarem, por referência a quais das provas ou a quais dos factos, essa falta de análise crítica se verifica.
Pois bem.
O acórdão recorrido contém a enumeração dos factos provados e não provados.
Quanto à indicação das provas que serviram de base à convicção do Tribunal recorrido para decisão dos factos provados e não provados, mostra-se exarado na motivação a esse propósito expendida no acórdão recorrido quais as concretas provas que serviram para o tribunal a quo alcançar a convicção que firmou quanto aos factos que nele considerou provados e não provados, nele se indicando os elementos probatórios de índole documental, pericial e os que, por terem sido produzidas oralmente – em resultado dos depoimentos das testemunhas que foram inquiridas na audiência de julgamento – contribuíram, conjugadamente e analisados à luz das regras da experiência comum, para firmar a convicção do tribunal relativamente à factualidade provada e não provada.
Com efeito, ao contrário do que parece propender a recorrente BB, o tribunal a quo destacou o conteúdo probatório que extraiu dessa prova produzida oralmente, adiantando a razão de ciência das testemunhas cujos depoimentos valorou, explicando, não só, a credibilidade que lhes conferiu, como, igualmente, explicitou a forma como concatenou o conteúdo probatório desses depoimentos com a demais prova de índole documental e pericial carreada para os autos, de forma que facilmente se percebe para que concretos factos provados e não provados contribuíram, direta ou indiretamente, isolada ou conjuntamente tais meios de prova.
Enfatizando-se, neste particular, que, apesar de tal lhe não ser legalmente imposto, na fundamentação dessa matéria de facto (provada e não provada) o tribunal recorrido aduziu, por referência aos vários segmentos da mesma, os concretos meios de prova que sustentaram a sua convicção e o raciocínio lógico-dedutivo que deles fez com recurso às regras da experiência comum.
Tudo isto, assim feito, relativamente aos meios de prova que sustentam a convicção alcançada pelo Tribunal a quo a respeito da matéria de facto fixada, de forma que permite a efetiva compreensão do raciocínio lógico que o conduziu à decisão sobre a mesma nos termos consignados no elenco factual provado e não provado constante do acórdão recorrido atinente à atuação que vem imputada aos arguidos na acusação, diremos até, de forma exemplar e digna de registo, com particular enfoque no que tange ao raciocínio lógico-dedutivo que inferiu da prova indireta com base nas regras da experiência comum, que outorgam a esses elementos probatórios a capacidade de convicção.
Não existe um ‘padrão’ e também não existem ‘fórmulas’ para o cumprimento da fundamentação da decisão (sentença ou acórdão), a qual, como é evidente, variará em função de fatores tão diversos como a complexidade do thema probandum, a extensão dos meios de prova produzidos, a sua relevância ou irrelevância, a maior ou menor capacidade de síntese e de expressão do julgador. Porém, o que, em qualquer caso, é imprescindível é a sua aptidão para assegurar a função primordial supra referida, a plena compreensão da decisão, a total compreensão do que se decidiu e por que razão assim se decidiu, que no caso concreto se mostram, sobejamente, alcançados.
De salientar, ainda, que quanto ao raciocínio lógico-dedutivo que o tribunal recorrido inferiu da prova indireta, a motivação exarada no acórdão recorrido exprime com clareza o juízo de valoração e de apreciação da prova que permitiu aos julgadores da primeira instância, com recurso às regras da experiência comum, sustentar parte da factualidade que nele se considerou provada e não provada, feito a partir da análise crítica e conjugada de todos os meios probatórios trazidos aos autos, explicitando como as regras da lógica e do normal acontecer conferem sustentabilidade ao raciocínio lógico dedutivo que conduziu a essa decisão.
Poderá concordar-se ou discordar-se, e os arguidos e ora recorrente parecem discordar da valoração feita pelo tribunal recorrido relativamente aos meios de prova em que este se ancorou para sufragar a sua convicção em relação à factualidade que considerou provada e não provada, razão pela qual ensaiaram impugnar – pela forma que adiante apreciaremos - inverter o sentido dessa decisão, mas, esta divergência de perspetiva não significa que não seja apreensível quais os meios probatórios levados em conta e o juízo de valoração que sobre eles incidiu.
Ao contrário do que os recorrentes propendem com base na argumentação vaga e genérica que espraiam nos seus discursos recursivo, alcança-se da fundamentação esgrimida no acórdão recorrido, com evidente clareza, porque resultou provada e não provada a factualidade nele elencada, razão pela qual, por falta ou insuficiência de análise crítica das provas que serviram para o tribunal recorrido formar a sua convicção sobre a matéria de facto que nela se deu como provada e não provada, não estão os recorrentes impedidos de fazer valer a sua discordância em relação à decisão sobre a mesma.
Donde, sem necessidade de maiores considerações, se conclui que o acórdão recorrido não padece da nulidade que lhe vem assacada, prevista na alínea a) do nº 1, do art. 379º do mesmo diploma.
Soçobrando, assim, neste segmento o recurso interposto pelos arguidos recorrentes.
- Da incorreta decisão da matéria de facto [questão comum aos recursos interpostos pelos arguidos CC e BB]
Tendo em conta as considerações supra adiantadas a respeito da falta de clareza e de deficiente fundamentação que apresentam os requerimentos de interposição dos recursos apresentados pelos arguidos CC e BB, à luz do que impõe o disposto no art. 412º, nº1 do CPP, por forma a tornar menos fastidiosa a abordagem da questão relacionada com os vícios decisórios a que estes neles fazem menção e que no requerimento de interposição do recurso apresentado pela arguida BB se mostra, ainda, incindível da demais argumentação esgrimida em que sustenta a sua discordância em relação ao acórdão recorrido no que à decisão da matéria de facto diz respeito, começaremos por traçar, nesta sede, os parâmetros do conhecimento das questões que neste segmento recursivo vêm submetidas pelos recorrentes ao conhecimento deste Tribunal da Relação.
A impugnação, por via de recurso, da decisão da matéria de facto pode processar-se por uma de duas vias: através da arguição de vício de texto previsto no art. 410º nº 2 do CPP, dispositivo que consagra um sistema de reexame da matéria de facto por via do que se tem designado de revista alargada, ou por via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, previsto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP.
O sujeito processual que discorda da “decisão de facto” da primeira instância pode, assim, optar pela invocação de um erro notório na apreciação da prova, que será o erro evidente e visível, patente no próprio texto da decisão recorrida (os vícios da sentença poderão ser sempre conhecidos oficiosamente e mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito, conforme acórdão uniformizador do STJ, de 19.10.95) ou de um erro não notório que a sentença, por si só, não demonstre.
Ao enveredar pela primeira hipótese, a sua discordância traduz-se na invocação de um vício da decisão recorrida e este recurso é considerado como sendo ainda em matéria de direito; optando pela segunda hipótese, o recorrente terá de socorrer-se de provas examinadas em audiência, que deverá então especificar.
Na forma de reagir – por invocação dos vícios do Art. 410º, nº2 do CPP - contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto – a denominada “revista alargada” - o tribunal de recurso limita-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art.426, nº1).
Os vícios previstos no art. 410º nº2 do CPP são do conhecimento oficioso – conforme jurisprudência fixada no acórdão nº7/95, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série – A, de 28/12/1995 - e constituindo um defeito estrutural da decisão têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Tais vícios decisórios traduzem, pois, defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e, por isso, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e ser de tal modo evidente que uma pessoa normalmente dotada os pode detetar – neste sentido, vide ac. da Rel. de Coimbra, de 12.06.2019, Proc. 1/19.5GDCBR.C1, in www.dgsi.pt.
O respetivo regime legal não contempla a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto – limitando-se a apreciação pelo tribunal de recurso a incidir sobre defeitos presentes na sentença suscetíveis de serem detetados, e, na impossibilidade de sanação, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento, como impõe o citado art. 426º nº1 do CPP, relativamente ao qual se impõe esclarecer o seguinte:
Nele prevê-se que «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio».
Ressumando da argumentação recursiva esgrimida pelos arguidos e ora recorrentes, com as dificuldades anotadas supra, que esta tenha sido a via por eles encetada para pôr em causa a decisão da matéria de facto que veio a ser considerada no acórdão recorrido, desçamos, então, à concreta forma como por eles vem equacionada.
O arguido e ora recorrente CC enveredou no seu discurso recursivo por fazer menção à abrangência normativa que o vício previsto na alínea a) do Nº 2, do art. 410º do CPP comporta relacionando-a, no corpo da motivação do recurso (mas não também nas conclusões recursivas) com a factualidade dada como provada no acórdão recorrido que referencia “O arguido CC tinha motivação para aceitar a proposta da arguida BB tendo em conta a proximidade e esperança de cativação que resulta das mensagens dos referidos “emojis” e das fotografias (“selfie”) que esta lhe envia (fls 139 e 556)”.
Já em sede das conclusões que dedica ao resumo desse segmento recursivo (1. a 4.) queda-se pela argumentação referente à abrangência normativa que aquele vício e os demais previstos nas alíneas b) e c) do Nº2 do art. 410º do CPP comportam, adiantando, ainda, de forma incongruente, “Do exposto se conclui que a forma como nos surgem equacionadas as matérias supra-referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº.2 do art.º 410º. CPP.”
Perante o que se evidencia ser uma deficiente fundamentação a respeito dos vícios decisórios que pretende assacar ao acórdão recorrido, pouco abonatória da capacidade técnica do recorrente, fica sem saber-se qual ou quais os vícios decisórios dos previstos nas alíneas a) e b) do nº2 do art. 410º do CPP o mencionado arguido pretende invocar.
Mas, ainda que pudesse aventar-se a hipótese dessa invocação se direcionar para o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do nº 2 do citado art. 410º, o segmento por ele trazido à colação - “O arguido CC tinha motivação para aceitar a proposta da arguida BB tendo em conta a proximidade e esperança de cativação que resulta das mensagens dos referidos “emojis” e das fotografias (“selfie”) que esta lhe envia (fls 139 e 556)” – respeitando à fundamentação exarada no acórdão recorrido tem o sentido de explicar, apenas, a ligação de proximidade existente entre esse arguido e a arguida BB, justificativa da intervenção que aquele teve nos factos, a qual não se sustentou, unicamente, nessa relação de proximidade entre os dois arguidos, mas sim no conteúdo probatório emergente da prova pericial carreada para os autos, que, indiscutivelmente, suporta a atuação que lhe vem imputada na acusação, desde logo, pela inegável ligação do mesmo à faca que foi utilizada nos golpes desferidos contra a vítima e que lhe vieram a causar a morte, como o tribunal da 1ª instância bem assinalou na motivação da decisão da matéria de facto exarada no acórdão recorrido.
Da mesma forma que, a ter sido intenção do recorrente assacar ao acórdão recorrido o vício decisório da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na b) do mesmo nº2 do art. 410º, a inexistente concretização das razões que a possam suportar, não poderão adivinhar-se da mera alegação das “diversas situações “ que a este possam ser subsumíveis nem do “atropelo às regras da lógica e da experiência”, porque, simplesmente, por aí se ficou o recorrente quanto à invocação desse vício.
Quanto à arguida BB, também a deficiente fundamentação a respeito dos vícios decisórios que pretende assacar ao acórdão recorrido, previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP - cuja menção por ela vem feita, quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões – igualmente pouco abonatória da capacidade técnica da recorrente, não permite sequer aventar se a invocação desses vícios tem subjacente razões relacionadas com a decisão da matéria de facto feita no acórdão recorrido, ou apenas, com a ponderação dos critérios que nortearam a fixação da pena de prisão que lhe foi aplicada, tendo em conta a singela e incongruente alegação por ela produzida a respeito da existência desses vícios, consistente em que “… o acórdão sob Recurso enferma de erro notório na apreciação crítica da pena principal aplicada ao caso em concreto e de contradição da fundamentação com fundamento no n..º 1 e nasalíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.° do C.P.P..”.
Sendo tais considerações, só por si, elucidativas de que a pretensão recursiva dos arguidos ancorada na existência de vícios decisórios do acórdão recorrido estaria votada ao fracasso, o conhecimento oficioso dos mesmos impõe, ainda assim, que se diga a respeito da densificação normativa destes, o seguinte:
- quanto ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do citado normativo legal – verifica-se a existência do mesmo quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada, designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria, com a segurança necessária, à solução legal e à prolação de uma decisão justa. (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69, e, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49).
Tal vício verifica-se, pois, quando da factualidade vertida na decisão se deteta a falta de dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
- quanto ao vício decisório da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na alínea b) do mesmo normativo legal, nesta previsão contemplam-se dois vícios distintos:
- A contradição insanável da fundamentação; e
- A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
No primeiro caso incluem-se as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis. Ocorre, por exemplo, quando se dão como provados dois ou mais factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados ou quando o mesmo facto é considerado como provado e como não provado. Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível” – vide, neste sentido, - Ac. do STJ de 18-02-1998, nº convencional JSTJ00034535.
Por seu turno, a contradição entre a fundamentação e a decisão abrange as situações em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão. É o vício que se verifica, por exemplo, quando a decisão assenta em premissas distintas das que se tiveram como provadas.
Por fim, o erro notório na apreciação da prova da prova, previsto na alínea c) do citado normativo – verifica-se quando o tribunal procede à valoração contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341).
Pode, pois, dizer-se que ocorre erro notório na apreciação da prova quando, através da leitura do texto da decisão, por si só, ou, quando disso seja caso, conjugado com as regras da experiência comum [portanto, com o que é normal acontecer em circunstâncias idênticas], o homem médio imediatamente se apercebe da sua existência, por ser evidente que o julgador fez uma apreciação da prova manifestamente ilógica e/ou arbitrária, aqui se incluindo as situações de desrespeito de prova tarifada e das leges artis, ou, dizendo de forma mais simples, existe erro notório na apreciação da prova quando se deu como provado o que, ostensivamente resultou, não provado, ou quando se deu como provado o que, manifestamente, não podia ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 81).
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
Existe, designadamente, “... quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”. - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 740 e, no mesmo sentido, entre outros, AC. do STJ de 4.10.2001 ( in CJ, AC. STJ, ano IX, 3º, pág.182 ), Ac. da Rel. Porto de 27.09.95 ( in C.J. , ano XX , 4º, pág. 231)., Ac. do T. Rel. Coimbra, de 10.07.2018, in www.dgsi.pt.
E, uma vez balizada a densificação normativa dos vícios decisórios cuja previsão se contem nas alíneas a) a c) do nº2 do art. 410º do CPP, fácil é de concluir, pela inexistência de qualquer um deles.
Com efeito, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bastas vezes confundida com a insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto nada tem que ver com esta, porquanto, a primeira refere-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, enquanto que a segunda se refere à insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto, no âmbito, portanto, da apreciação da prova.
A esboçada invocação feita pelos recorrentes com vista a assacar ao acórdão recorrido a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, deixa antever, apesar do seu difícil alcance, que se prende com juízos de erro de análise da prova a partir da diferente valoração que os próprios fazem dos elementos probatórios carreados para os autos – que não foi a seguida pelo tribunal recorrido e que este exprime na decisão recorrida pela forma nela exarada - da qual se não descortina que tenha ficado por apurar matéria contida no objeto do processo relevante para a decisão.
Também quanto à existência de contradições na fundamentação ou entre esta e a decisão, nenhuma destas se descortina no acórdão recorrido a partir do texto deste, sendo certo que também os recorrentes as não concretizam, pois, apesar da arguida BB fazer alusão no seu discurso recursivo à “clara contradição existente na fundamentação da decisão, patente nos factos provados e não provados “ [Conclusão IX.] não densifica motivação que a sustente, antevendo-se que a alegação assim feita pela recorrente se sustentará em factualidade que a mesma pretenderia ver decidida em sentido contrário ao daquele que o tribunal recorrido decidiu, o que, manifestamente, não poderá ancorar a existência do vicio decisório previsto na al. b) do nº2 do art. 410º do CPP.
Por fim, quanto ao erro notório na apreciação da prova, com frequência vem o mesmo sendo confundido com o erro de julgamento, contudo, tal erro decisório não se confunde com o erro de julgamento.
O que se nos afigura ser no caso em vertente o fundamento da discordância da recorrente BB em relação à matéria fáctica apurada pelo tribunal recorrido que consta do acórdão que vem posto em crise, assenta na divergência entre a convicção pessoal de tal recorrente sobre a prova produzida em audiência de julgamento e a convicção que o tribunal recorrido alcançou com base nela, sobre os factos que considerou provados, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP.
Na verdade, face ao que a argumentação adiantada pela recorrente BB permite alcançar, a admitir-se a existência de erro, este consistiria, em termos processuais, num erro de julgamento, na medida em que não tem a característica imprescindível para o colocar ao abrigo do referido regime legal, a sua notoriedade, com o sentido supra definido, e necessariamente revelado no texto da decisão.
Pois, como se descortina de toda essa argumentação plasmada no corpo da motivação e nas conclusões do recurso, a razão de ser da sua discordância que nela se patenteia quanto à decisão da matéria de facto radica na valoração dos meios de prova carreados para os autos, os quais, na perspetiva da recorrente, não sustentam a prova da matéria de facto que o tribunal recorrido considerou resultar demonstrada, por força do que concluiu pela sua condenação pelo crime de que a mesma vinha acusada.
Mas, tal erro, só poderá lograr correção no âmbito do regime da impugnação ampla da matéria de facto, com base no erro de julgamento, da qual nos parece ter também a recorrente pretendido lançado mão e sobre o qual, de seguida, nos pronunciaremos.
Face ao que se concluiu pela inexistência de vícios decisórios no acórdão recorrido.
A via do recurso amplo ou recurso efetivo da matéria de facto, tem suporte normativo no disposto no art. 412º, nºs 3, 4 e 6 do CPP, ao qual a recorrente nem sequer faz alusão, e exige o cumprimento pelo recorrente dos ónus de impugnação especificada nele previstos, de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorretamente provados e a alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida - als. a) e b) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4).
Com efeito, impõe o art. 412º, nº3 do CPP que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas.
Esta especificação deve fazer-se, quando se trate de declarações gravadas, por referência ao consignado na ata, indicando-se concretamente as passagens em que se funda a impugnação (art. 412º, nº4 do CPP). Na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla. Mais do que uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma real impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.
O erro de julgamento, ínsito no citado artigo 412º, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
O que se visa com a impugnação ampla é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Tal reapreciação por parte do tribunal de recurso deverá, porém, ser feita com a necessária ponderação, atentos os princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova que nortearam a decisão do tribunal recorrido.
Com efeito, conforme jurisprudência constante, esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como nela se apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente - vide, neste sentido, Acs. do STJ de 18-01-2018 (Proc. n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (Proc. n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 ( Proc. n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (Proc. n.º 07P21) e de 23-05-2007 (Proc. n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (Proc n.º 110407), in www.dgsi.pt.
E, nessa medida, como já referido, impõe-se, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do artigo 412º, nº3 do C.P.P., o qual dispõe o seguinte:
«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados e só se se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Como bem defende Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134 -1135, «… o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado»
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc., o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo destas, quais as particulares passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem aos factos impugnados.
A concretização das passagens da prova por declarações pode ser feita, designadamente, pela indicação dos tempos de gravação dos segmentos em causa ou pela transcrição das mesmas.
O recorrente terá pois de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Exige-se que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 4/5/2016, proferido no processo 721/13.8TACLD.C1, “Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das regras da experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorreção decisória, mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção”.
Ao Tribunal da Relação, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado ou por não provado o que se deu por não provado.
E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão – neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009,10/3/2010,25/3/2010, in www.dgsi.pt./stj.
Concretamente a respeito da exigida especificação dos “concretos pontos de facto”, esta só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da decisão recorrida e que o recorrente considera incorretamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.
Diz, a propósito, o Sr. Desembargador Sérgio Gonçalves Poças, «como o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas (…) apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo (…).
Assim, nesta especificação – as palavras valem – serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão» - in Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, págs. 31 e 32.
Assim, se o tribunal a quo deu como provado determinados pontos da matéria de facto (provada ou não provada), se o recorrente entende que tais factos foram incorretamente julgados (porque deveriam ter sido dados como não provados ou como provados) tem, no mínimo, de dizer clara e expressamente sob o título de “Pontos de facto incorretamente julgados” quais são esses pontos da matéria de facto.
Feitas estas considerações, com pertinência para traçar os requisitos a que deve obedecer a impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento, a primeira observação que a argumentação recursiva esgrimida pela recorrente BB não pode deixar de concitar, prende-se com a deficiência da fundamentação que a mesma encerra neste segmento recursivo, que, nalgumas partes do mesmo, chega a raiar a ininteligibilidade, o que, para além de pouco abonatória da capacidade técnica do recorrente, dificulta e compromete seriamente o êxito da modificação da decisão da matéria de facto (provada e não provada) por ela almejada.
Vejamos, então.
Desde logo, quanto ao requisito da especificação dos concretos pontos da matéria de facto constante do acórdão recorrido que a recorrente pretender ver modificada, o emaranhado argumentativo que a recorrente espraia a esse propósito, quer no corpo da motivação, quer nas conclusões, indissociável das razões que também aduz com vista a pôr em causa o enquadramento jurídico-penal dos factos decidido no acórdão recorrido, não permite a cabal perceção de qual a concreta matéria, provada e não provada, que a mesma entende ter sido incorretamente julgada.
Isto porque.
Com efeito, a factualidade decidida como provada no acórdão recorrido mostra-se vertida nos pontos numerados de 1- a 68-, já a factualidade decidida como não provada integra-se nos pontos numerados de I- a IX. do mesmo.
Na indicação dos concretos factos impugnados pela recorrente feita pela mesma com referência a numeração romana – que foi a seguida no acórdão recorrido para nele se elencarem os factos não provados – consta a menção feita, nas conclusões LXII e CVIII, ao facto X, que não se encontra integrado nesse elenco, uma vez que este abrange apenas os factos nele numerados de I a IX.
Por outro lado, relativamente a um conjunto de factos, cuja menção vem feita nas conclusões LIX, LX, LXII, CIII, CV, CVI, CVIII – abrangendo os numerados com I, II, III, IV, VI, VII, VIII e IX - na argumentação que, por referência a estes, vem aduzida pela recorrente tecem-se considerações que não se prendem com factualidade naqueles contida, antes sim, respeitando a factualidade que se mostra vertida em factos que fazem parte do elenco da factualidade provada. Podendo, embora, antever-se que a indicação assim feita pela recorrente decorrerá do despacho proferido pelo Tribunal Coletivo na audiência de julgamento que teve lugar no dia 11.10.2024 [ata refª 95313285] ao abrigo do disposto no art. 358º do CPP, no qual procedeu à comunicação da factualidade nele inserta, certo é que sobre essa factualidade incidiu decisão no acórdão recorrido e a impugnação deveria ter sido dirigida à factualidade que neste se mostra decidida por referência à numeração que esta veio a assumir no acórdão e não à factualidade que, naqueles termos, foi comunicada porque esta, assim como a que constava da acusação, é que veio a ser objeto de decisão.
Porque não compete ao Tribunal de recurso adivinhar qual é a factualidade decidida pelo Tribunal recorrido que a recorrente pretende impugnar, a lei impõe a este que seja claro e assertivo relativamente à indicação da mesma, só assim se podendo ter por cumprido o ónus de indicação dos concretos factos incorretamente julgados previsto na a) do nº3 do art. 412º do CPP, o que a recorrente não fez.
Daí que, para efeitos de impugnação dos factos não provados, apenas se possa ter por cumprido tal requisito relativamente à indicação do facto V, que consta da conclusão XIX, porquanto, só em relação a este facto, quer pela concreta indicação, quer pela argumentação em que se esteia a impugnação, resumida nas conclusões XX e XXI, é possível estabelecer a necessária correspondência com a factualidade dada como não provada no acórdão recorrido e perceber as razões da respetiva impugnação.
Já quanto aos factos provados a indicação feita pela recorrente para efeitos de impugnação deve entender-se direcionada para a factualidade vertida nos pontos 13, 20, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 54 do elenco factual provado.
E, quanto aos demais ónus de especificação previstos no citado normativo legal, vejamos:
Quanto à exigência de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, a atuação da recorrente BB pautou-se pela seguinte forma:
- Em relação ao facto V do elenco dos factos não provados, convocou a análise pericial feita aos vestígios do vestido que a arguida envergava, remetendo para fls. 330 a 335 dos autos, conexionando o conteúdo desse meio de prova especificado com o teor daquele concreto ponto impugnado, por forma a permitir entender por que razão considera que o mesmo impõe decisão diversa.
- Em relação à factualidade provada vertida nos impugnados pontos 13, 20, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 54, limitou-se a recorrente a convocar quanto à factualidade contida no ponto 39. o silêncio exercido pela mesma em sede de audiência, pretendendo que dele não pode inferir-se a sua falta de arrependimento; já quanto à factualidade vertida nos demais pontos (13, 20, 34, 35, 36, 37, 38,e 54) por si impugnada, quer no corpo da motivação, quer nas conclusões recursivas, limitou-se a defender a inversão da decisão da mesma para não provada, apenas com base na valoração que a própria faz dos elementos probatórios carreados para os autos e de outros que nem sequer foram coligidos para o processo, construindo a partir da valoração que a própria faz destes uma narrativa fática conducente a uma diferente versão da sua participação nos factos que levaram à morte da vítima AA, sem contudo, convocar as concretas provas que, no seu entender, imporiam decisão diversa em relação a essa factualidade.
Do que vem dizer-se, fácil é de ver, que o ónus de impugnação exigido pelo disposto na alínea b) do nº 3 do art. 412º do CPP, apenas se poderá ter por, minimamente, cumprido em relação à factualidade que vem impugnada pela recorrente vertida no ponto v. do elenco factual não provado e no ponto 39. do elenco factual provado, e não também em relação à demais factualidade que se entendeu ter sido por ela corretamente indicada para efeitos de impugnação com base em erro de julgamento, a qual, por incumprimento do referido ónus de impugnação, não poderá ser objeto de conhecimento por parte deste Tribunal de recurso.
Nada impedindo o conhecimento da impugnação da matéria de facto com base em erro de julgamento quanto a estes dois pontos da factualidade decidida no acórdão recorrido, nele avançaremos, revisitando, para o efeito, a factualidade que neles se encontra vertida:
Do elenco factual não provado:
“[v] V- a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da sua viatura”
Do elenco factual provado:
[39] A arguida BB não manifesta arrependimento.”
A factualidade impugnada pela arguida e ora recorrente contida no referido ponto V. do elenco factual não provado insere-se no circunstancialismo de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram descrito na acusação deduzida nos autos contra os três arguidos.
De acordo com a narrativa da acusação, concretamente do ponto 11º da mesma, nas circunstâncias de facto que aí se descrevem, a arguida BB estacionou o carro que conduzia (no qual era transportado o ofendido AA, ocupando o banco frontal direito) e saiu de imediato da viatura.
A respeito dessa concreta factualidade o tribunal recorrido não se convenceu que a arguida BB tenha saído de imediato da viatura, e, por isso, deu como não provado, no ponto V. do elenco factual não provado que “a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da sua viatura”, mantendo como provada, no ponto 19. do elenco factual provada, toda a demais factualidade descrita naquele ponto 11º da acusação.
O tribunal recorrido fundamentou na motivação que deixou exarada no acórdão recorrido a razão de ser dessa sua decisão, explicitando na análise crítica e conjugada que fez dos meios de prova carreados para os autos, porque alcançou a convicção a respeito de que “nada permite afirmar que a arguida BB após parar na cortada para ... saiu de imediato da viatura”.
E, para tanto, aduziu, que “ninguém relatou as actuações dos arguidos que conduziram à morte de AA “ e que “a conclusão do tribunal coletivo acaba por de fundar na chamada “prova indirecta”, adiantando na mesma como logrou alcançar a convicção que firmou sobre a concreta intervenção dos arguidos nos factos que conduziram à morte daquele AA, escalpelizando o conteúdo probatório que extraiu dos elementos de prova que analisou, de índole documental e pericial, para, a partir destes e com recurso às regras da experiência, se convencer quanto à dinâmica de atuação dos arguidos pela forma que considerou demonstrada.
E da conjugação desses elementos probatórios com recurso às regras da experiência inferiu não ser possível afirmar que a arguida BB, após estacionar naquele local o veículo por si conduzido (e onde seguia, no banco da frente do lado direito, o ofendido AA) tenha saído do veículo, admitindo a possibilidade da mesma continuar dentro desse veículo quando os outros dois arguidos desferiram os golpes ao ofendido AA, aduzindo que “Não seria possível à arguida BB ter desferido qualquer golpe tendo em conta o posicionamento de AA e a circunstância da actuação de surpresa, bem como a diferença física e o contexto da actuação (o mais normal é que ela estivesse no banco do condutor, pois a sua saída iria alertar AA e, por outro lado, estando ali, ela impedia que ele fugisse por esse lado).”.
O juízo de inferência assim feito pelo tribunal recorrido encontra respaldo nos elementos probatórios de índole documental e pericial por este valorados com recurso às regras da experiência comum, inferência essa que, não só não resulta posta em causa pelos vestígios hemáticos encontrados no vestido que a arguida BB envergava aquando dos factos, como ainda, por eles se mostra suportada e também por aqueles que foram encontrados no veículo por ela conduzido conjugados com as caraterísticas das lesões que resultaram para o ofendido AA em consequência dos golpes que lhe foram desferidos.
Na verdade, a argumentação esgrimida pela recorrente com vista à prova de que a mesma estava fora do veículo quando foram desferidos, pelos outros dois arguidos, os golpes ao ofendido AA, ancorada apenas nos vestígios hemáticos encontrados no vestido que naquele momento envergava, remetendo para fls. 330 a 335 dos autos, não tem consistência para rebater a convicção alcançada pelo tribunal recorrido relativamente à não prova desse facto, porque, sendo embora verdade que dessa prova e de outra também de índole pericial decorre serem apenas esses os vestígios hemáticos (correspondentes ao perfil genético da vítima) encontrados no vestido da arguida, daqui não poderá inferir-se que, só por isso, esta se devesse encontrar fora do veículo quando a vitima foi golpeada.
Tal assim é porque, ao contrário daquilo que a recorrente pretende extrair dessa prova, não poderá deduzir-se, sem mais, que tais vestígios hemáticos tenham resultado “forçosamente” da condução posterior que a mesma veio a empreender do veículo onde foram desferidos os golpes ao ofendido AA e no interior do qual ficaram vestígios hemáticos correspondentes ao perfil genético deste, porque do relatório de inspeção judiciária efetuado pela PJ a esse veículo resulta que os vestígios hemáticos que foram encontrados no mesmo se situam na consola central do auto-rádio, na coluna frontal da porta direita e na parte de fora traseira do lado direito, locais esses que, como bem se vê, não dizem respeito ao local destinado ao condutor, não podendo antever-se qual a ligação destes com os vestígios hemáticos encontrados no vestido da arguida, antes sim podendo ter, como explicação lógica, a de que os mesmos são compatíveis com o facto da arguida se encontrar sentada no banco do condutor enquanto a vítima estava a ser esfaqueada no banco ao lado deste, até porque esses vestígios encontrados no vestido da arguida se localizam na parte da frente do vestido e no lado direito deste, precisamente no lado mais próximo do vestido por ela envergado do concreto local ( banco da frente do lado direito do veículo ) onde a vítima se encontrava sentada e aí foi por várias vezes esfaqueada.
Por outro lado, a circunstância dos vestígios hemáticos estarem apenas no lado direito do veículo, para além de permitirem demostrar que foi por esse lado que os arguidos CC e DD investiram contra o ofendido AA, conjugada com as lesões traumáticas observadas no membro superior esquerdo da vítima que são compatíveis com atitude de defesa por parte desta, permite depreender que à vitima só restou a possibilidade de evitar, com o braço, os golpes que lhe estavam a ser desferidos pelo seu lado direito, e não também desviar-se deles – por ex. inclinando-se para o lado do condutor e/ou tentando escapar do interior do interior do veículo por este lado do veículo – o que pressupõe, à luz das regras do normal acontecer em situações idênticas, que a vítima se viu impedida de se defender por qualquer uma dessas ou de outras vias alternativas, pela impossibilidade resultante do banco do condutor se encontrar ocupado pela arguida.
Para além disso, também não se vê qualquer razoabilidade para a arguida ter saído do veículo depois de o estacionar naquele local e de nele ter ficado apenas o ofendido AA, uma vez que a convicção deste era a de que aquele encontro com a arguida se destinava a conversar sobre a relação de ambos (ponto 17. do elenco factual provado), e, para tanto, lógico seria que ambos se encontrassem próximos um do outro para essa conversa poder ter lugar, designadamente no interior do veículo onde se fizeram transportar para aquele local onde ambos se mantivessem, ou no exterior do veículo para onde ambos saíssem.
De tudo resulta, pois, a conclusão de que o meio de prova convocado pela arguida e ora recorrente BB não tem a virtualidade de impor decisão diversa em relação à factualidade vertida naquele ponto V. do elenco factual não provado, a qual por se mostrar ter sido decidida pelo tribunal recorrido com base na valoração das provas recolhidas, com recurso às inferências que a prova indireta permite e às regras da experiência comum, e, por isso, com observância do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do CPP, deverá permanecer inalterada.
Vejamos agora se a factualidade vertida no ponto 39. do elenco factual provado padece do erro de julgamento que a recorrente BB lhe assaca.
Nele deu-se como provado que “A arguida BB não manifesta arrependimento.”
A alegação da recorrente BB com vista à modificação da referida factualidade, plasmada nas Conclusões VI, VII, CXVIII e CXIX, é a seguinte:
“VI. Por outro lado refere-se ao facto de a arguida não ter manifestado qualquer arrependimento, o que não pode de todo se concordar violação essa que desde já se invoca, tendo a arguida exercido o seu direito ao silêncio, sem que tal o possa beneficiar ou prejudicar, nos termos do n.1 doº artigo 343.° do C.P.P.,
VII. Assim, não poderá o Tribunal a quo valorar o silêncio do arguido, sob pena de violação desta citada norma, tendo de ser eliminado talprovado n.º 39
CXVIII. Quanto ao facto 39 deverá ser eliminado, como já atrás se disse, facto de a arguida não ter manifestado qualquer arrependimento, o que não pode de todo se concordar, pois isso violaria princípios básicos da Constituição da República Portuguesa (adiante CRP), questão essa já à muito estabilizada no nosso sistema jurídico, violação essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, isto quando, na verdade, tendo a arguida exercido o seu direito ao silêncio (sublinha-se direito que lhe assiste), sem que tal o possa beneficiar ou prejudicar, nos termos do n.1 do artigo 343.° do C.P.P., não poderia, como é curial, manifestar qualquer arrependimento ou ausência do mesmo. Ora uma afirmar-se que a arguida não demonstrou arrependimento – cfr. facto 39 dos fatos provados, é manifestamente ilegal e inconstitucional.
CXIX. O princípio da proibição de valorar em prejuízo do arguido a não prestação de declarações constitui um corolário lógico do «direito ao silêncio», sem o qual este correria o risco de ficar esvaziado de conteúdo útil.”
O tribunal coletivo fundamentou a decisão da factualidade provada vertida no referido ponto 39. da seguinte forma:
“A convicção do tribunal colectivo acerca da falta de arrependimento dos arguidos resultou da sua atitude em audiência de discussão e julgamento ao não assumirem os seus comportamentos, o que não nos permite concluir que tenham interiorizado a gravidade dos seus comportamentos.
Isso não significa uma valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal colectivo tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento, o que não sucedeu. O tribunal colectivo afastou o arrependimento porque os arguidos não o verbalizaram convincentemente (antes remetendo-se ao silêncio, que não os pode prejudicar, mas também não os beneficia), nem praticaram qualquer acto material donde o arrependimento pudesse ser deduzido. Tal não corresponde a considerar provada a falta de arrependimento”.
Apesar de alguma ambiguidade que esta fundamentação do tribunal recorrido poderá concitar – relacionada com a falta de arrependimento e a não manifestação de arrependimento por parte dos arguidos - a explicitação do raciocínio que lhe permitiu alcançar a convicção para dar como provado que a recorrente BB não manifesta arrependimento sustenta-se na atitude da mesma em audiência de discussão e julgamento, pelo facto de não ter assumido, efetivamente, o seu comportamento e de tal não permitir concluir que tenha interiorizado a gravidade do seu comportamento, com o esclarecimento de que a não assunção dos factos pela mesma não decorre de ter optado por exercer na audiência de julgamento o direito ao silêncio que a lei lhe confere, o que só teria acontecido se o tribunal tivesse deduzido desse silêncio o seu não arrependimento, o que, como reforça, não sucedeu, e, ainda, que tal não corresponde a considerar provada a falta de arrependimento por parte da mesma, raciocínio esse que estendeu também ao arguido CC que, igualmente, exerceu na audiência de julgamento o direito ao silêncio.
Tal como o entendemos, esse raciocínio não merece reparo, pois, como se defende no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30.05.2012, disponível, in www.dgsi.pt, “…O arrependimento é um acto interior, devendo essa demonstração ser visível de modo a convencer o tribunal que se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir”, e, na verdade, da postura da arguida, ao não ter prestado declarações na audiência de julgamento, não resulta que a mesma tenha interiorizado a desconformidade da sua conduta à lei ou que tenha assumido, por qualquer forma, atitude demonstrativa de contrição pelo seu envolvimento nos factos, como se imporia se tivesse refletido, com sentido de pesar e de remorso pelo mal praticado.
Daí que se deva concluir que a decisão do tribunal a quo, ao dar como provado que a arguida BB não demonstrou arrependimento, não evidencia que tenha sido valorado negativamente contra a mesma o direito ao silêncio que exerceu na audiência de julgamento – que a lei lhe confere nos termos e com o alcance previstos no art. 343º, nº1 do CPP - porque desse silêncio e também da ausência de manifestação pela mesma de qualquer sentimento de pesar perante os factos por ela cometidos e a gravidade das suas consequências, evidencia-se a demonstração de falta de arrependimento, ainda que, acrescenta-se, dela não tenha sequer inferido o tribunal coletivo a sua falta de arrependimento como, aliás, decorre que não ter sopesado esta como circunstância agravante na ponderação da pena que decidiu aplicar-lhe.
Donde, não poderá censurar-se a decisão da factualidade vertida naquele ponto 39.
Em suma, a recorrente BB, quanto à globalidade da factualidade que por ela vem impugnada, sem apontar um verdadeiro erro de julgamento, insurge-se contra a valoração feita pelo tribunal a quo dos meios probatórios produzidos e mencionados na motivação da decisão de facto, ou seja, com o que deles foi retirado à luz do princípio da livre apreciação da prova e criou na convicção do tribunal recorrido o juízo que expressou ao dar como provados e não provados os factos que a ora recorrente agora veio impugnar.
O que a recorrente vem fazer mais não é do que impor a sua própria convicção, a qual se mostra ser diferente da que foi alcançada pelo tribunal recorrido com base nos elementos probatórios que analisou crítica e conjugadamente, convicção essa da recorrente que, mais do sustentar-se nesses meios de prova carreadas para os autos, propende por respaldar-se em elementos probatórios que não foram trazidos aos autos, uma vez que só agora, em sede recursiva, ensaia esclarecer a sua participação nos factos, quando, podendo tê-lo feito na audiência de julgamento, o não fez, privando o tribunal recorrido de conhecer a sua versão e de a analisar criticamente em concatenação com os demais meios de prova, não podendo agora em sede de recurso valer-se dela, quando, em audiência de julgamento, decidiu remeter-se ao silêncio quanto aos factos que sabia serem-lhe imputados na acusação, no exercício do direito que a lei lhe confere.
A verdade é que, na motivação da decisão de facto que fez constar na fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal a quo elencou as razões da valoração que efetuou, identificando a prova que relevou na formação da sua convicção a respeito da factualidade que considerou demonstrada e não demostrada que a recorrente vem pôr em causa, indicando os aspetos da mesma que, conjugadamente, o levaram a concluir no sentido de a considerar provada e não provada, para além de ter assinalado de forma lógica e racional os fundamentos que, no seu entendimento, justificam a credibilidade que reconheceu e a força probatória que conferiu a esses elementos de prova, beneficiando da oralidade e da imediação que o julgamento em primeira instância lhe permitiu.
Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.” Cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.
Observa, a este respeito, o Prof. Germano Marques da Silva, que «Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.». Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186.
Como é sabido, e bem vincado se mostra pelo tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto, a prova indireta, cuja admissibilidade em processo penal não se questiona, pressupõe que a factualidade conhecida permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não diretamente demonstrado, observando-se para tanto um procedimento lógico de indução apoiado nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que determinados factos são a consequência de outros, tendo presente que a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indireta exige uma consistência apta a validar a inferência efetuada.
Como pode ler-se no sumário do ac. do STJ de 27-05-2010 (proc n.º 86/06.0GBPRD.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt: “Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. (…) Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC)”.
A admissibilidade da prova por presunções em processo penal é propensa a dúvidas pela sua articulação com o princípio da presunção de inocência do arguido, tutelada constitucionalmente. No entanto a presunção de inocência constitui um critério normativo de aplicação da lei, não constituindo uma presunção em sentido técnico – cfr. Alexandre Vilela, in Considerações Acerca da Presunção de inocência em Direito Processual Penal, Coimbra Editora, reimpressão, 2005, p. 89.
A presunção de inocência situa-se em um patamar diferente da admissibilidade dos meios de prova - a presunção de inocência impede apenas a produção de efeitos da decisão antes do respetivo trânsito em julgado, não tomando posição sobre os meios de prova legalmente admissíveis, como sucede com as chamadas presunções judiciais, previstas especificamente no art. 351º do C. Civil. Resultando ainda da admissibilidade da apreciação da prova de acordo com as regras da experiência comum, como previsto no art. 127º do C.P.P.
A reserva em aceitar nas motivações probatórias em que se utilizam presunções dever-se-á, como refere Climent Durán (La Prueba Penal, ed. Tirant Blanc, p. 575), à circunstância de se “crer erroneamente que tal maneira de proceder não é propriamente jurídica e que supõe a introdução de alguma dose de arbitrariedade no conteúdo das suas decisões”.
Mais esclarecendo o mesmo autor, com propriedade, que “A razão da divergência entre os conceitos vulgar e jurídico de presunção há que encontrá-la em que o conceito vulgar de presunção está referido à presunção em abstrato, ou seja, à norma ou à regra de presunção in genere, que, ao admitir a prova em contrário, se pode considerar ainda como algo inseguro ou incerto; em contrapartida, o conceito jurídico de presunção refere-se à presunção em concreto, uma vez que deixou de ser uma norma ou regra abstrata, por ter-se praticado, ou podido praticar-se, a prova do contrário, com o que então a presunção deixa de ser uma conjetura e se converte em certeza plena” – cfr. ob. cit., p. 577-578.
A respeito da prova por recurso a presunções em processo penal, também o Tribunal Constitucional se vem pronunciando no sentido da sua admissibilidade não ser inconstitucional, de que é exemplo o Ac. n.º 391/2015, de 12-08-2015, disponível em www.tribunalconstitucional, segundo o qual “a interpretação da norma constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal não viola qualquer parâmetro constitucional”.
Para que a prova indireta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exige-se: pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; - a expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência – cfr. FRANCISCO ALCOY, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência sobre o tema. No mesmo sentido, desenvolvidamente, cfr. CARLOS CLIMENT DURÁN, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch p. 626 e segs., em especial p. 633.
Como decidiu o Ac. do T. Constitucional de 24.03.2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. «A decisão da matéria de facto não constitui uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo”»
Por outro lado, em termos de valoração da prova, a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615. Ou como ponderava Castanheira Neves (Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, pp. 48 e 49) “a verdade a que se chega no processo não é a verdade absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial e prática, uma «verdade histórico-prática», em que a sua modalidade «não é a de um juízo teorético, mas a daquela vivência de certeza em que na existência, na vida, se afirma a realidade das situações, como tudo o que nestas de material e de espiritual participa”.
Por último, a dúvida razoável, que determina a impossibilidade de ter como provada a realidade de um facto, por um lado, não é a dúvida abstrata, meramente possível ou hipotética. Mas antes a dúvida concreta, que resulta da discussão exaustiva da prova, devidamente objetivada na fundamentação da decisão. Devendo ainda apresentar-se como séria e razoável em face da análise da prova efetuada. A dúvida deve ser argumentada, coerente e razoável – cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (1966), p. 25.
Assim, se o princípio da livre apreciação exige a formação, objetivada na motivação da decisão, de uma convicção para lá da dúvida razoável, o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável – devendo também ser objetivada na motivação da decisão. Assim o princípio da livre convicção e o princípio in dubio pro reo constituem a face e o verso da mesma realidade, constituindo o critério da decisão judicial sobre a prova do facto. Em ambos os casos, quando a apreciação não é vinculada, é a razoabilidade dessa apreciação, à luz dos critérios da experiência comum, objetivada na motivação da decisão, que constitui o critério da decisão.
No caso em vertente, para decidir a factualidade pertinente à participação dos arguidos nos factos que conduziram à morte da vítima AA o tribunal recorrido, como bem o evidenciou, lançou mão da chamada prova indireta, explicitando o procedimento lógico de indução apoiado nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que determinados factos são a consequência de outros, a conexão causal entre o que se conhece e o que se apurou de uma forma indireta, com a consistência necessária para validar a inferência efetuada plasmada na análise crítica que fez das provas carreadas para os autos, de índole pericial e documental, e, também, das que foram produzidas oralmente, estas com as limitações decorrentes do legítimo direito ao silêncio exercido pelos arguidos na audiência de julgamento e da recusa válida a depor por parte de algumas testemunhas.
E tal recurso à prova indireta e por presunções apresenta-se legítimo, por estas serem admitidas em processo penal, conforme decorre dos artigos 127º e 125º do Código de Processo Penal, sendo de recordar que o Código Civil estabelece que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigos 349º e 355º do Código Civil).
Como se perfilha no ac. do STJ, de 17.06.2021, Proc. 806/03.TBMGD.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt , “o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção”.
Daí que, nesta perspetiva, se a decisão proferida, devidamente fundamentada, plasmar uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, porquanto foi proferida em obediência à lei, que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, o raciocínio analítico da 1ª instância feito com base nos elementos probatórios que para o efeito valorou e com recurso às presunções e regras da experiência comum de que lançou mão, não nos merece reparo, bem pelo contrário, mostra-se suportado plenamente pelos elementos probatórios que para o efeito foram devidamente valorados, de forma segura, devidamente fundamentada, estando explicada de forma lógica e racional, não se vislumbrando que tenha sido violada uma qualquer regra da experiência comum, por ter sido estritamente observado o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do C.P.P., conducente à decisão atinente à intervenção dos arguidos nos factos e ao circunstancialismo de tempo, modo e lugar em que estes ocorreram, que, sem êxito, a arguida BB visa atacar.
Assim sendo, não se detetando omissões relevantes, factos inconciliáveis, juízos entre si incompatíveis, ilógicos, que inculquem uma apreciação à margem das regras da experiência comum, ou, sequer, que tenha o tribunal recorrido tomado a sua decisão perante um quadro factual desprovido de certezas quanto ao factos que considerou como provados; não se assistindo à preterição dos momentos vinculados da prova, à valoração de prova proibida; patenteando-se na fundamentação uma análise cuidada, detalhada, lógica e racional dos diferentes meios de prova, por si e em conjugação entre si, criteriosamente analisada, não nos suscitando o juízo de convicção observado pelo tribunal recorrido a mais ténue inquietação quanto à sustentação da decisão na abundante e, no essencial de sentido unívoco, prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, considera-se, tal como se mostra consignado no acórdão recorrido, definitivamente fixado o acervo factual que dele consta.
Concluindo-se, assim, pela improcedência da pretensão recursiva dos recorrentes BB e CC no segmento da incorreta decisão sobre a matéria de facto.
... em diferente argumentação, quer a arguida BB, quer o Ministério Público, discordam da ponderação feita no acórdão recorrido quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos no que diz respeito ao imputado crime de homicídio qualificado, e, também, o Ministério Público em relação ao imputado crime detenção de arma proibida.
Aos arguidos vinha imputada na acusação a prática dos seguintes crimes:
- um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas b), h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02; e
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
A respeito desta incriminação a ponderação que foi feita no acórdão recorrido atinente ao enquadramento jurídico-penal dos factos saldou-se pela condenação dos arguidos apenas pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, por nele se entender não estar verificada a qualificativa prevista na alínea b) do nº 2 do art. 132º do Código Penal, que apenas vinha imputada à arguida BB, nem a agravação emergente do artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02, que vinha imputada aos três arguidos, esta decorrente do decidido não preenchimento dos elementos constitutivos do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02 de que também todos os arguidos vinham acusados.
A fundamentação de direito exarada no acórdão a propósito do enquadramento jurídico-penal mostra-se assim feita:
“O artigo 26º do Código Penal[13] estabelece, quanto à autoria, que é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto; desde que haja execução ou começo da execução.
A actuação dos arguidos preenche a imputada co-autoria.
Na verdade, provou-se que actuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de tirar a vida a AA, em cumprimento do plano que traçaram em conjunto e que obteve a concordância de todos.
O facto de a arguida BB não ter desferido qualquer facada não significa que a mesma seja “mandante” (autoria mediata), mas corresponde somente à definição da actuação de cada um dos intervenientes; a ela cabia-lhe levar AA para o local onde se desenvolveu a actuação dos outros intervenientes.
*
Dolo
O artigo 14º define:
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.
*
A)- Crime de homicídio qualificado
Comete o crime de homicídio quem matar outra pessoa; é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos (artigo 131º).
Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos (artigo 132º, nº 1).
*
Os factos provados preenchem todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio.
Com efeito, em síntese, provou-se que:
CC e DD atingiram AA desferindo-lhe quinze golpes, com profundidade entre 7 e 18 cm, na região do pescoço, tórax e abdómen, provocando-lhe a morte (facto 22).
Aquelas lesões traumáticas no pescoço e tóraco-abdominais (feridas D, B e C) foram causa directa e necessária da morte de AA (facto 33).
Os arguidos BB, CC e DD actuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de tirar a vida a AA, em cumprimento do plano que traçaram em conjunto e que obteve a concordância de todos (factos 34).
Todos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei (facto 38).
Perante estes factos não restam dúvidas que os arguidos cometeram um crime de homicídio.
*
A questão que se coloca é a de saber se tal crime de homicídio será qualificado nos termos imputados na acusação, por referência, aos artigos 132º, nº 2, alíneas b), h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
Nos termos do nº 2 deste artigo 132º, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, a circunstância de o agente:
b) praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau;
h) praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
i) utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso.
*
Por isso, há que apurar se as circunstâncias em que foi cometido o crime são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade dos arguidos.
As circunstâncias contempladas no nº 2 do artigo 132.º não são taxativas nem implicam só por si a qualificação do crime, não sendo o seu funcionamento automático.
Como referia o acórdão de 13.03.1997[14], a enumeração das circunstâncias com “qualidade” para revelarem especial censurabilidade ou perversidade é exemplificativa e não taxativa. Por si mesmo não determinam a qualificação do crime, uma vez que elas afirmam-se de modo vivencial e essencial como elementos da culpa e não do tipo.
Para Margarida Silva Pereira, “quem preenche uma das alíneas do art. 132º não «entra» automaticamente no âmbito da norma”, só entrando quando, sujeito ao «crivo normativo» do nº 1, se ajuíze que “há mesmo uma culpa especial”[15].
Segundo o acórdão de 16.02.2005, para detecção de qualquer dos efeitos – padrão enumerados no n.º 2 do artigo 132.º, usa-se o método que atende ao princípio da ponderação global do facto e do autor[16].
O Senhor Professor Figueiredo Dias refere: «…a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2»[17].
Adianta este Professor que a verificação desses elementos, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; por outro lado, a sua não verificação não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. E finaliza: “Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador - o Leitbildtatbestand (…) – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º- 2”.
Teresa Serra refere “dominantemente entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto”, reportando ainda a necessidade da apreciação global das circunstâncias relativas ao facto e ao autor presentes no caso concreto[18].
Como refere Augusto Silva Dias, o indício de presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade dado pela verificação de um exemplo padrão tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias do facto e da atitude do agente nelas expressa, uma ponderação final da atitude do agente[19].
*
Relação de namoro
A acusação assenta a qualificativa agravante prevista na alínea b), do nº 2, do artigo 132º na circunstância de a arguida BB ter “mantido uma relação de namoro” com AA.
Sem grandes desenvolvimentos, podemos aceitar que “uma relação amorosa não fortuita ou de carácter puramente sexual, onde a intimidade dos afectos está associada a alguma continuidade na ligação, é uma relação de namoro”.[20]
Ou, na perspectiva do Tribunal da Relação de Évora[21], as relações de namoro “terão que ser relações sentimentais, afectivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas, não se exigindo, todavia, um projecto futuro de vida em comum, na medida em que as relações de namoro não têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja o futuro de vida em comum; a existência de duas pessoas numa relação de namoro exige a dualidade, por parte dos seus dois membros, da aceitação e vontade real de participação e permanência nesse vínculo sentimental e afectivo, não bastando que só um dos intervenientes o pretenda e aceite.”
Qualquer que seja o entendimento, o conceito “relação de namoro” terá que ser preenchido a partir de factos concretos de onde se conclua que estamos perante uma relação “não fortuita”, que exista “alguma continuidade na ligação” e que seja “tendencialmente estável ou duradoura, que ultrapasse a mera amizade ou relação fortuita”.
Neste caso, dos factos provados apenas se apurou que em data não concretamente apurada de 2022 (mas anterior a 31 de Outubro), a arguida BB e AA iniciaram um relacionamento sexual e emocional.
Este facto infere-se a partir das fotografias de fls 164/6, onde a arguida BB e AA surgem desnudados, trocando beijos e num quarto iluminado por velas, bem como as capturas de ecrã de fls 137/138 em que este lhe diz que “tudo por ti sonhei”, “nunca iria prejudicar quem realmente AMO” ou “a minha entrega a ti”.
Salvo o devido respeito por diferente entendimento, não se pode afirmar, neste caso, que, apesar do carácter sexual e emocional, seja uma relação “não fortuita” nem que exista “alguma continuidade na ligação”, ou sequer que se verifique “aceitação e vontade real de participação e permanência nesse vínculo sentimental e afectivo” podendo até acontecer “que só um dos intervenientes (AA) o pretenda e aceite.”
Não se podendo afirmar a “relação de namoro”, fica afastada a qualificativa agravante prevista nesta alínea b), do nº 2 do artigo 132º.
*
O Ministério Público imputa a qualificativa agravante prevista na alínea h), do nº 2, do artigo 132º, no segmento “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”.
Neste caso, os arguidos BB, CC e DD actuaram em conjunto e de modo conjugado de maneira que surpreenderam AA que não teve possibilidade de sair do carro nem de se defender.
Com efeito, provou-se que:
- os arguidos BB, CC e DD actuaram em conjugação de esforços e intentos, com o propósito concretizado de tirar a vida a AA, em cumprimento do plano que traçaram em conjunto e que obteve a concordância de todos (facto 34).
- para alcançar o seu propósito, a arguida BB atraiu AA, com o qual mantinha o aludido relacionamento, àquela hora da noite, seguindo para o referido local próximo da rotunda da autoestrada, a pretexto de falarem sobre o estado dessa relação, na sequência do que os arguidos CC e DD, munidos com facas, desferiram golpes no pescoço, tórax e abdómen de AA, sabendo que aí existiam órgãos vitais, com o intuito de lhe causarem a morte (facto 35).
- a actuação dos arguidos BB, CC e DD não permitiu a AA qualquer acção defensiva, não só por estarem em maior número que este, mas também devido à forma como o atacaram, surpreendendo-o naquelas circunstâncias e quando aquele julgava ir encontrar-se apenas com a arguida para conversar sobre a relação de ambos (facto 36).
O contexto, o modo como AA foi conduzido ao local e a maneira como os três se conjugaram, para o surpreender, sem lhe permitirem qualquer defesa, preenche a especial perversidade e censurabilidade exigida pela alínea h).
Na verdade, a “ponderação global das circunstâncias do facto e da atitude do agente nelas expressa, uma ponderação final da atitude dos agentes, é determinante o facto de terem levado AA para aquele local, àquela hora e terem actuado (cada um deles) “com mais duas pessoas” do modo como o surpreenderam quando ele pensava que ia conversar apenas com ela.
Por isso, deve ser considerado o preenchimento da qualificativa agravante prevista na alínea h), do nº 2, do artigo 132º, no segmento “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas”.
*
Meio insidioso
A acusação imputa aos arguidos a agravante qualificativa prevista na alínea i), na parte em que prevê a utilização de “meio insidioso”.
Acerca desta qualificativa seguiremos o estudo desenvolvido no acórdão de 30.11.2011 do Supremo Tribunal de Justiça[22].
Como se colhe dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2002 e de 11-07-2007, a noção de meio insidioso, embora tenha recebido contributos úteis da doutrina e jurisprudência, não é unívoca, girando sempre à volta de uma ideia que envolve elementos materiais e circunstanciais, estes ligados a uma certa imprevisibilidade da acção[23].
Há que avaliar a conduta global do arguido com vista a perscrutar uma especial censurabilidade da sua culpa, que o faça distinguir dos casos vulgares[24].
Na análise a efectuar há que ter presente, por um lado, a “natureza do meio/instrumento/arma, que é utilizado”, e por outro, averiguar as “circunstâncias acompanhantes”, isto é, o real, o naturalístico modo de execução do facto, e o conjunto concreto de circunstâncias em que aquela concreta arma/meio/instrumento de agressão, no caso de bens eminentemente pessoais, foi utilizada: a distância a que o agressor se encontrava da vítima (a curta distância, com disparo à queima roupa, ou não), a situação em que esta se encontrava (prevenida ou desprevenida, desprotegida, descuidada, indefesa, com possibilidade de resistência ao agressor ou não), a zona do corpo atingida, o momento e o local escolhido para a agressão, com actuação em espaço fechado, ou aberto, com ou sem espera, com ou sem emboscada, com ou sem estratagema, com ou sem traição, com ou sem perfídia, disfarce, surpresa, dissimulação, engano, abuso de confiança, ou distracção da vítima, ou não, de forma subreptícia, ou não, de forma imprevista ou não, com ataque súbito, inesperado, sorrateiro, ou não, com ou sem possibilidade de a vítima oferecer resistência, enfim, todo o conjunto de factores envolventes e circunstâncias acompanhantes/determinantes do evento letal, ou quase letal, no traço de um desenho panorâmico, de uma imagem multifacetada, de supervisão, de síntese, a final, de um retrato vivencial, de uma fotografia, guardadora de eventos ocorridos, condensada, definida, a juzante, com todos os contornos e pormenores, independentemente dos retoques, e que mais do que a natureza da arma ou instrumento utilizado, indiciam o meio utilizado naquele analisado concreto agir, como particularmente perigoso ou insidioso.
Daí que, a análise da jurisprudência não se possa ficar apenas pelo que é dito a propósito da (ir)relevância configuradora do instrumento utilizado, de per si, desligado do contexto da, por vezes, complexa, acção em que determinado meio é empregado.
No que respeita à qualificação do instrumento utilizado como integrando a expressão de “meio insidioso”, há diferenças no enquadramento.
No sentido de que a arma ou outro instrumento utilizado na prática do crime não constitui só por si um meio insidioso, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça por várias vezes.
No acórdão de 11-06-1987[25], num caso em que a mulher mata marido batendo-lhe com um pé de cabra, salienta: “Quando a lei (artigo 132.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal) fala em «meio insidioso» não quer necessariamente abarcar os instrumentos usuais de agressão (o pau, o ferro, a faca, a pistola, etc.), ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, como aos que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo passo tornam difícil ou impossíveis a defesa da vítima.
A título exemplificativo e enquanto extravasam o que se prevê no âmbito dos crimes de perigo comum, estão previstos na referida alínea f) a utilização de certas armadilhas, as instalações eléctricas em casas de banho adrede preparadas para matar logo que se ligue o chuveiro, a introdução de ar ou de vírus mortais no sistema venoso sob o pretexto de se injectar um medicamento, a narcotização do paciente para depois o matar, o acto de conduzir enganosamente a futura vítima a local isolado para aí ser abatida, etc.
Esses e outros “meios” similares não deixarão de ser insidiosos e susceptíveis de revelarem a especial censurabilidade do arguido ou a sua perversidade”.
Noutros casos, o Supremo Tribunal de Justiça não atende apenas à natureza do meio utilizado mas salienta que não é o instrumento em si que constitui o “meio insidioso”, mas antes o seu uso em determinadas circunstâncias, que revelam uma carga de perfídia e tornam difícil ou impossível a defesa da vítima[26].
No acórdão de 13-12-2000[27], o Supremo Tribunal de Justiça salienta: “É que, por vezes, a insídia não se situa no tipo de arma que é utilizada na acção, mas no conjunto de circunstâncias que envolvem tal utilização, residindo aí sim, a especial censurabilidade ou perversidade do agente”.
Por outro lado, no acórdão de 25-09-1997[28], num caso de uxoricídio --- após salientar que a jurisprudência e a doutrina têm considerado que o meio insidioso tem uma grande amplitude, compreendendo os meios aleivosos, traiçoeiros e desleais, mas que tem-se defendido que tal amplitude não abarca desde logo as formas comuns de agressão, só devendo considerar-se como meio insidioso o instrumento incomum de agressão que deixa à vítima uma margem de defesa reduzida --- afirma: “Tratando-se de um meio incomum de agressão que deixa à vítima uma margem de defesa reduzida, o uso de um martelo de orelhas, em ferro, como arma deve considerar-se meio insidioso, qualificando o crime de homicídio (art. 132.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado abrangidos nesta alínea os casos particulares de disparos à traição ou quase à queima roupa, onde a surpresa somada à posição tomada pelo arguido tornam praticamente impossível qualquer defesa da vítima.
No acórdão de 07-12-1999[29], reafirma que são meios insidiosos aqueles que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos, ou em que haja a ideia de estratagema, de disfarce ou artimanha daquele que o usa.
No acórdão de 19.12.1989[30], insiste: quando fala em meio insidioso, a lei quer aludir não só às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, mas também aos que são particularmente perigosos, e que não pondo em risco o agente, do mesmo passo torna difícil ou impossível a defesa da vítima. O conceito abrange os meios aleivosos, traiçoeiros ou desleais, abarcando, atentas a sua latitude e elasticidade, os crimes cometidos com emboscada, traição, aleivosia ou estratagema.
No acórdão de 4-07-1996[31], considera que “a surpresa e a deslealdade do ataque deram origem à completa desprotecção da ofendida, aumentando seriamente as probabilidades de lesão do bem jurídico vida”.
No acórdão de 9-10-1997, num caso de ofensa à integridade física corporal qualificada, considera que “Uma pedra, mesmo utilizada na mão, porque meio objectivamente apto a provocar ferimentos ou lesões graves, é de considerar insidioso”[32].
No acórdão de 29-10-1997[33], diz que meio insidioso é o que utiliza a insídia; esta é aleivosia, traição, o mesmo é dizer, ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada, antes de perceber o gesto criminoso.
No acórdão de 28-10-1999[34], analisa um caso em que o arguido dispara uma caçadeira, alta noite, contra uma pessoa que assoma a uma janela, a cerca de 10 metros de distância.
No acórdão de 27-09-2000[35], considera que meio insidioso é aquele que, tal como o veneno, a que a lei actual o equipara, tem, em si mesmo ou na forma por que é utilizado, um carácter enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para a vítima, constituindo para esta uma surpresa ou colocando-a em situação de especial vulnerabilidade ou desprotecção que torna para ela especialmente difícil a sua defesa.
No acórdão de 28-02-2002[36], diz que meio insidioso é aquele “cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas às do veneno – do ponto de vista do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto”.
No acórdão de 15-05-2002,[37] é meio insidioso aquele que tem em si mesmo ou na forma por que é utilizado um carácter enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para a vítima, constituindo para esta uma surpresa ou colocando-a em situação de especial vulnerabilidade ou desprotecção que lhe dificulta a defesa.
No acórdão de 20-05-2004[38], o meio é insidioso quando corresponde a um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida. Age de forma desleal e traiçoeira, apanhando a vítima desprevenida, quem, utilizando uma arma de fogo que apenas exibiu junto desta última, logo efectuando o correspondente disparo, não permitiu à mesma qualquer tipo de reacção.
No acórdão de 17-03-2005[39], diz que no conceito de meio insidioso cabem todos aqueles meios que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos. A traição constitui um meio insidioso e pode ser definida como um ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso.
Em termos doutrinais, dentro da elasticidade do conceito, Nelson Hungria[40], refere que meio insidioso é uma expressão com grande amplitude, que pode ser um “meio dissimulado na sua influência maléfica”, podendo também ser um “meio fraudulento ou subreptício por si mesmo”, que inclui traição (“ataque súbito e sorrateiro, atingida a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso”), emboscada (“dissimulada espera da vítima em lugar onde terá de passar”), ou simulação (“ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa e para lhe diminuir e retirar toda a possibilidade de defesa”).
Para Fernanda Palma[41], a possibilidade de qualificação deriva da circunstância de os meios utilizados, dado o seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto, tornarem especialmente difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídicos.
Defende a delimitação do outro meio insidioso por referência à utilização do veneno, afirmando: “O insidioso tem a função de exprimir aqueles meios que actuam com a mesma intensidade, facilidade e dificuldade de serem descobertos que o veneno, não tendo pois a função de exprimir uma atitude do agente, mas a eficácia objectiva de um meio”.
Para o Professor Figueiredo Dias[42], meio insidioso será “todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno - do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto”.
Teresa Serra[43] --- a propósito da questão de saber em que medida o desamparo da vítima pode ou não apresentar uma estrutura valorativa próxima da imagem do exemplo padrão então contido na alínea f), ao contrário de Fernanda Palma para quem o insidioso tem a função de apenas exprimir a eficácia objectiva de um meio, --- propende a efectuar uma interpretação com sentido amplo, de modo a incluir a função de exprimir uma atitude do agente, que explora e aproveita a vulnerabilidade física e ingenuidade da vítima, revelando uma personalidade especialmente perversa. Refere que “… reconhece-se geralmente que a noção de meio insidioso abrange não apenas meios materiais especialmente perigosos de execução do facto, mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de modo mais eficaz, dada a situação de vulnerabilidade e de desprotecção da vítima em relação ao agressor: é o caso da facada traiçoeira pelas costas ou do disparo de arma de fogo em emboscada, meios que retiram à vítima qualquer capacidade de protecção. Aliás, o fundamento da qualificação contida nesta alínea reconduz-se precisamente à utilização de meios pelo agente, por forma a aproveitar-se dessa desprotecção da vítima”.
Maria Margarida Silva Pereira[44], ao referir-se ao homicídio por traição ou por insídia, para usar a expressão do Código, diz que “Trair é aproveitar distracção, enganar a vítima, criar uma situação que a coloque em posição de não poder resistir com a mesma facilidade”.
Fernando Silva diz a propósito: “Está em causa o modo de execução do crime, nomeadamente através de uma actuação insidiosa. Ou seja, o agente utiliza um meio traiçoeiro, enganador, que expõe a vítima para que se reduzam as suas possibilidades de defesa. A vítima desconhece que o agente está a empreender um processo casual com vista à produção da sua morte, por isso torna-se numa “presa” fácil e desprotegida, sem hipótese de defesa. (…) A pedra de toque que nesta circunstância faz pressupor a maior censurabilidade é a traição, por esse motivo o envenenamento da vítima surge apenas para demonstrar o espírito que a norma pretende alcançar, abrindo a hipótese de utilização de outros meios insidiosos.
A análise do meio insidioso passa por abordar a forma como a vítima se encontrava, e o modo como o agente empreendeu a sua conduta. Assim, por exemplo, uma faca pode ser utilizada de forma insidiosa, se, no meio de uma multidão, alguém atingir outro pelas costas, ou se a vítima se encontrar a dormir”[45].
Neste caso, para além de terem sido três pessoas (já analisado supra quanto à alínea h)), a utilização das facas e o modo como o atacaram, quando AA ainda estava dentro do carro da arguida, desprevenido, constituiu um meio traiçoeiro, enganador, que o expôs a tal ponto que lhe retirou todas as possibilidades de defesa (ou até de fuga), tornando-o, assim, numa “presa” fácil e desprotegida, sem hipótese de defesa. A pedra de toque que nesta circunstância faz pressupor a maior censurabilidade é a traição, a surpresa e o modo como foram utilizadas as facas.
Assim, impõe-se concluir que o ataque com as facas se tratou de um acto dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para AA, por constituir para este uma absoluta surpresa.
Por isso, se deve concluir pelo preenchimento desta circunstância (utilização de meio insidioso) prevista na alínea i), do nº 2, do artigo 132º.
*
É entendimento sedimentado que o homicídio pode qualificar-se pela verificação de uma das circunstâncias catalogadas que seja suficiente para integrar a cláusula da especial censurabilidade ou perversidade.
Nesse caso, concorrendo outras qualificativas, entende-se que estas devem funcionar como agravantes, por emprestar maior gravidade à conduta do agente e, consequentemente, ao crime como um todo relevando, por isso, na determinação da medida da pena.[46]
Assim, consideraremos, para efeitos de qualificação do crime de homicídio a alínea h), do nº 2, do artigo 132º, remetendo o desvalor da outra qualificativa como agravante em sede de determinação da pena concreta.
**
B)- Crime de detenção de arma proibida
Nos termos do artigo 86º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desactivar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
(…)
c)- arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d)- arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, excepto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de Julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com multa até 480 dias;
e) Silenciador, moderador de som não homologado ou com redução de som acima dos 50 dB, freio de boca ou muzzle brake, componentes essenciais da arma de fogo, carregador apto a ser acoplado a armas de fogo semiautomáticas ou armas de fogo de repetição, de percussão central, cuja capacidade seja superior a 20 munições no caso das armas curtas ou superior a 10 munições, no caso de armas de fogo longas, bem como munições de armas de fogo não constantes na alínea anterior, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
O Ministério Público imputa aos arguidos a prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
Sustenta tal enquadramento jurídico por considerar que os arguidos não podiam deter e usar a faca descrita no artigo 7º, atendendo ao facto de o comprimento da respectiva lâmina ser superior a 10 cm e de ter sido encontrada fora do local do seu normal emprego, sem que aqueles tenham qualquer justificação para a sua posse naquelas circunstâncias.
Tendo em conta que a faca foi detida e usada por ter sido levada já com o objectivo de matar AA.
Tal significa que tinham justificação para deter e usar a faca; e tal justificação e crime constituem actos executivos do crime de homicídio pelo qual os arguidos vão condenados.
Desse modo, será em sede de definição da pena concreta que a danosidade deste comportamento será, juridicamente, valorado.
Por isso, sem autonomia desse facto, não se pode concluir pelo cometimento deste crime.”
Da argumentação recursiva que a recorrente BB espraia, quer no corpo da motivação, quer nas conclusões do recurso, depreende-se que a mesma não só discorda de ter sido decidido no acórdão recorrido que a sua atuação e a dos demais arguidos preenche a alínea i) do nº 2 do art. 132º do CP, como também, que a sua discordância se prende com a decisão relativa à sua intervenção nos factos como co-autora dos mesmos.
Pois bem.
Quanto ao preenchimento da alínea i) do nº 2 do art. 132º do C. Penal, para além de tudo quanto, exaustivamente, vem adiantado no acórdão recorrido, pouco mais se imporá adiantar para sedimentar o acerto da decisão.
Na verdade, a circunstância qualificativa prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, segundo a qual é suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente utilizar «meio insidioso», entendido este como o meio cuja forma de atuação sobre a vítima torne difícil a sua defesa por assumir características análogas à do veneno, na perspetiva de possuir um carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto, não poderá deixar de ter-se como representado no modo de execução empreendido pelos arguidos de que resultou a morte da vítima AA.
O meio insidioso compreende não somente o meio particularmente perigoso usado pelo agente mas também as condições escolhidas pelo mesmo para utilizá-lo de jeito a que, colocando a vítima numa situação que a impeça de resistir em face da surpresa, da dissimulação, do engano, da traição, lhe permita tirar vantagem dessa situação de vulnerabilidade.
Não oferece quaisquer dúvidas de que o condicionalismo em que os arguidos praticaram os factos – a utilização das facas pelos arguidos CC e DD e o modo como estes atacaram a vítima quando esta ainda estava dentro do carro da arguida qua para ali o conduzira com o pretexto de conversarem sobre a relação existente entre ambos – se patenteia meio insidioso, porque se revela traiçoeiro e enganador, expondo a vitima a uma situação desprevenida, a tal ponto que lhe retirou todas as possibilidades de defesa (ou até de fuga), tornando-a, assim, numa “presa” fácil e desprotegida, sem qualquer hipótese de defesa – o qual não pode deixar de reclamar um especial juízo de censura, encontrando-se adequadamente preenchida a circunstância prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, porque os arguidos manifestaram em todo o processo executivo do crime uma vontade firme dirigida ao facto e à concretização do resultado final, uma intensidade, energia e vigor que impressionam negativamente revelando total desprezo pela vida da vítima, para além de uma acentuada crueldade.
Tanto bastando, por isso, para considerar verificado o preenchimento da citada alínea i) do nº 2 do art. 132º do C. Penal, a par também do preenchimento da alínea h) do mesmo preceito legal por integração no segmento deste “ praticar o facto juntamente com, pelo menos, duas pessoas “, como, e bem, decidiu o tribunal recorrido, concordando-se inteiramente como os fundamentos sufragados no acórdão recorrido que dispensam acrescidas considerações.
Adiantando-se, ainda, não se descortinar qualquer interesse em esmiuçar a argumentação da recorrente BB tendente à não demostração de que os arguidos agiram com premeditação, porque esta circunstância qualificativa nem sequer se integra em nenhuma das duas que lhe são imputadas - h) e i) do nº2 do art. 132º do CP – antes sim, integrando-se na que se mostra prevista na j) do mesmo normativo legal.
Também quanto à argumentação adiantada pela recorrente visando pôr em causa a sua comparticipação nos factos como co-autora, a mesma não tem qualquer razão de ser.
A primeira nota que tal argumentação concita prende-se com a versão dos factos que a recorrente traz à liça para fazer valer o seu entendimento de que os co-arguidos CC e DD, enquanto executores materiais do homicídio da vítima, “excederam o mandato”, e que, por isso, a arguida não pode ser responsabilizada pelo excesso de atuação daqueles, versão essa que, a todas as luzes, não pode subsumir-se à factualidade dada como provada pelo tribunal da 1ª instância como já decidido, que, como já decidido, permanece inalterada.
Na verdade, a tese nela delineada a respeito de que o acordo entre os três arguidos foi no sentido de que os arguidos CC e DD anuiram em ajudar a arguida BB a “ fazer pressão ao homem” mas que esta não era favor de fazer “ algo de errado contra o homem”, é de tal forma descabida - em face do que a propósito da atuação dos três arguidos que conduziu à morte da vítima resultou provada - que dispensaria acrescidas considerações.
Ainda assim, não deixaremos de dizer, para que a recorrente bem o compreenda, que o apuramento do plano delineado pelos três arguidos e a atuação que cada um deles desenvolveu para o pôr em prática, resulta cabalmente dos elementos probatórios carreados para os autos que o tribunal coletivo analisou, critica e conjugadamente, não podendo ter contado, como não contou, com o contributo das declarações dos arguidos BB e CC, por se terem remetido ao silêncio, privando, assim, o tribunal de conhecer os exatos contornos da combinação havida todos os arguidos, o que se é certo os não poderá prejudicar, também é certo que os não poderá beneficiar.
E do apuramento que o tribunal fez dos elementos probatórios que lhe era legítimo valorar, torna-se impossível inferir que a arguida BB não estivesse concertada como os outros dois arguidos quanto ao modo de execução dos factos que conduziram à morte da vítima, uma vez que esta esteve presente, do princípio ao fim, na execução do homicídio, assistindo a que os outros dois arguidos desferissem os sucessivos golpes no corpo da vítima, não interferindo durante o desenrolar da atuação destes, o que torna impossível conceber que a mesma apenas quisesse que aqueles fizessem “ fazer pressão ao homem”, porque, evidentemente, se assim fosse, bastaria à mesma ter posto cobro a essa atuação e, assim, evitar que fosse desferido qualquer golpe ou, pelo menos, a quantidade golpes no corpo da vítima - num total de 15 ( quinze) - que outro resultado não poderiam ter, como não tiveram, se não o de conduzirem à morte da vítima, atitude essa, de passividade, que é demonstrativa de que a arguida também quis esse resultado, não fazendo qualquer sentido vir agora a mesma a alegar que não queria que os outros arguidos fizessem“ algo de errado contra o homem”.
Na comparticipação criminosa, sob a forma de coautoria, são essenciais uma decisão e uma execução conjuntas.
Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes. A decisão conjunta, pressupondo um acordo que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.
Na coautoria não é necessário que o comparticipante pratique todos os atos conducentes à realização do facto típico; basta que a atuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado.
A participação da arguida BB na morte da infeliz vítima, traduziu-se em ter atraído a vítima para o local onde a mesma veio a ser golpeada pelos arguidos CC e DD, em cumprimento do papel que lhe cabia de acordo com o plano que os três arguidos traçaram em conjunto com o propósito de tirar a vida a AA e com que todos concordaram.
Como o tribunal recorrido bem salientou, o facto de a arguida BB não ter desferido qualquer golpe no corpo da vítima não significa que a mesma seja “mandante” (autoria mediata), porque a sua atuação não se quedou por ordenar aos arguidos CC e DD que desferissem esses golpes, antes tendo também tomado parte na execução dos atos praticados por esses arguidos que desferiram os 15 golpes no corpo da vítima, que conduziram à morte desta, cabendo-lhe a ela, de acordo com o plano por todos delineado, o papel de levar a vítima para o local onde haveria de desenrolar-se a atuação daqueles, tendo, tanto ela como os demais, o domínio funcional do facto que desencadeou a morte da vítima.
Razão pela qual, como bem decidiu o tribunal recorrido, não poderá a mesma deixar de ser responsabilizada, como coautora, do crime de homicídio qualificado, em relação ao qual se mostram preenchidas as qualificativas previstas nas alíneas h) e i) do nº 2, do art. 132º do Código Penal.
Em face do que soçobra, também, neste segmento recursivo a pretensão da arguida recorrente BB.
O entendimento do tribunal recorrido sustentou-se em que a faca de cozinha detida e usada pelos arguidos foi por estes já levada para o local com o objetivo de matar a vítima AA, daí retirando que os arguidos tinham justificação para deter e usar a mesma e que tal justificação, assim como a detenção da mesma, constituem atos executivos do crime de homicídio pelo qual os arguidos vão condenados.
Temos para nós que assim não é, porque, da factualidade provada resultam preenchidos os elementos constitutivos – objetivos e subjetivos - do crime de detenção de arma proibida que aos arguidos vinha imputado na acusação, previsto e punido pelo art. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23.02, por referência aos arts. 2º, nº1, al. m) e 3º, nº2, al. ab) da Lei 5/2006, de 23.02.
Comete um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, usar ou trouxer consigo arma branca sem aplicação definida que possa ser usada como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse.
Para efeito do disposto na Lei n.º 5/2006, de 23.02, entende-se por «Arma branca», entre os demais ali mencionados na al. m) do n.º 1 do art.2.º, todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm. (…).
Uma vez que, os arguidos detiveram e usaram uma faca cuja lâmina de gume serrilhado na parte arredondada tinha o comprimento 12,50 cm, com a qual (e também outra) golpearam a vítima, provocando-lhe a morte, dúvidas não poderão restar de que essa faca integra a classificação de arma branca prevista na al. m) do nº 1 do art. 2º da Lei 5/2006, de 23.02.
Perfilhando do entendimento sufragado no ac. do STJ de 21-03-2024, proc. 648/22.2PHAMD.L1.C1, disponível in www.dgsi. pt., que seguiremos de perto, diremos, como nele se adianta, o seguinte:
“Em primeiro lugar, importa trazer à colação, as normas relevantes para a decisão que constam da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprovou o Regime Jurídico das Armas e suas Munições (RJAM), entretanto objeto de diversas alterações e aditamentos.
O art.86.º do RJAM, na redação vigente à data dos factos e atualmente em vigor - dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, e entrada em vigor a 24 de janeiro de 2020 (art.120.º) -, estatui, sob a epígrafe «Detenção de arma proibida e crime cometido com arma», com interesse para a decisão:
«1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, (…) , é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;».
A definição legal do que seja uma «arma branca» é fundamental para o entendimento deste tipo penal.
O art.2.º, n.º 1, al. m), define para efeitos do RJAM, a «arma branca», como «todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;».
Na definição de «armas brancas» cabem, assim:
- O objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm;
- As facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, e os estiletes, independentemente do cumprimento do objeto ou instrumento, pois a perigosidade está nas suas características específicas e facilidade de manuseamento; e
- Os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões.
No caso concreto, dúvidas não existem de que a faca de cozinha, utilizada pelo arguido, sendo um instrumento portátil dotado de uma lâmina de comprimento superior a 10 cm constitui, nos termos da primeira parte da alínea m), n.º1 do art.2.º, do RJAM, uma arma branca.
Decorre, porém, da descrição do art.86.º, n.º1, alínea d), do RJAM, na redação ora transcrita que não são todas as «armas brancas» que relevam para a tipificação do crime de detenção de arma proibida.
Com particular relevância para esta questão, importa considerar a referência no tipo penal “a outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse”, e às “armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º”.
O art. 86.º, nº 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação originária e nas que sucessivamente lhe foi dada pelas Leis n.ºs 17/2009, de 6 de maio, 12/2011, de 27 de abril e 50/2013, de 24 de Julho – portanto anteriores à redação atualmente em vigor – o tipo penal considerava como elemento do tipo, nomeadamente, o uso e detenção de «…outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse,…», mas não fazia referência às “armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º”.20
Perante a redação do art. 86.º, nº 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, anterior à atualmente vigente, a jurisprudência entendia que para o uso ou a detenção das “outras armas brancas” descritas no tipo constituírem crime, era necessária a verificação cumulativa de três requisitos:
a) que essas armas não tenham aplicação definida;
b) que revelem aptidão para serem usadas como arma de agressão e;
c) que o portador não tenha justificação para a sua posse.
A jurisprudência, pelo menos maioritária, dos Tribunais da Relação, interpretava esta norma, no sentido de que o uso ou detenção de uma arma branca, que tenha uma aplicação definida, não constituía crime, mesmo que essa detenção ocorresse fora do âmbito da atividade doméstica, agrícola ou industrial em que normalmente era utilizada e o seu portador não justificasse a sua posse no local.
Toda a jurisprudência indicada pelo ora recorrente, e que decidiu que uma faca de cozinha com uma lâmina de comprimento igual ou superior a 10 cm, sendo uma arma branca, que podia ser usada como arma de agressão, não integra a prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.86.º, n.º1 , al. d), da RJAM, por tal arma não poder ser considerada como “sem aplicação definida”, tem subjacente a redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho.
Uma vez que o art. 86.º, n.º1, al. d) do RJAM, na redação vigente à data dos factos e atualmente em vigor, dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, integra como elemento constitutivo do tipo objetivo, designadamente e ainda, o uso e detenção, das «armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º», importa atender ao que se estabelece no art.3.º.
Com interesse para a presente questão, estabelece o art.3.º do RJAM:
«1 - As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização.
2 - São armas, munições e acessórios da classe A:
(…)
f) As armas brancas sem afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objeto de coleção;
(…)
ab) As armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse;
(…).».
Com a atual redação do art. 86.º, n.º1, alínea d), do RJAM, o uso e detenção, de armas brancas, sem aplicação definida, sem afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, continuou a ser elemento do tipo objetivo do crime de detenção de arma proibida.
Mas com o aditamento da expressão “armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º”, ao art. 86.º, n.º1, alínea d), do RJAM, também o uso e detenção de armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, passou a ser tipificado como crime de detenção de arma proibida.
Neste particular, são elementos do tipo objetivo de ilícito:
- O uso ou detenção de armas brancas, com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção;
- quando ocorra fora dos locais do seu normal emprego; e
- os seus portadores não justifiquem a sua posse.
Os locais normais de seu normal emprego, não suscitam, em geral, grandes dificuldades.
Se está em causa uma faca de cozinha, o local do seu normal emprego é a cozinha.
Já a justificação da posse da arma branca depende do contexto dos factos, conjugado com as regras da experiência comum.
Sendo uma faca de cozinha com mais de 10 cm de lâmina detida numa situação de transporte da loja em que foi adquirida, para a residência do seu detentor, a sua posse estará justificada.
Já se uma arma branca, com afetação ao exercício de uma das práticas descritas na alínea ab), n.º 2 do art. 3.º do RJAM, é detida e utilizada fora dos locais do seu normal emprego, como meio de agressão, não existe causa que justifique essa posse.”
A justificação que o tribunal recorrido considerou para a detenção e utilização mesma – por a mesma ter sido levada pelos arguidos para o local com o objetivo de matar a vítima AA, daí retirando que os mesmos tinham justificação para a deter e usar - não poderá constituir uma justificação juridicamente atendível para efeitos do não preenchimento do crime de detenção de arma proibida imputado nos autos aos arguidos.
Considerando que no caso em vertente, no dia 19 de julho de 2023, de acordo com o plano entre todos previamente combinado, os arguidos CC e DD, levando cada um deles uma faca de cozinha, uma das quais com cabo medindo 11 cm e com lâmina de gume serrilhado na parte arredondada medindo 12,50 cm, seguiram atrás do veículo conduzido pela arguida BB, quando esta estacionou num caminho florestal de terra batida, pararam também o seu veículo, saíram deste empunhando as ditas facas e, com recurso a elas, desferiram 15 (quinze) golpes com profundidade entre 7 e 18 cm, na região do pescoço, tórax e abdómen da vítima, vindo com esta conduta a causar-lhe a morte, bem sabendo que a detenção e o uso dessas facas, uma delas com as referidas caraterísticas, o modo de atuação assim descrito, não pode traduzir qualquer razão para não se encontrarem preenchidos todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 alínea d), do RJAM, por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. m) e 3.º, n.ºs 1 e 2 alínea ab), do mesmo diploma legal, que lhes vem imputado na acusação, punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, pelo qual, por isso, deverão ser condenados os arguidos BB e CC.
E, assim decidido o cometimento pelos arguidos do imputado crime de detenção de arma proibida, não pode a moldura penal abstrata do crime de homicídio qualificado por eles cometido deixar de ser agravada nos termos do disposto no art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, ao estabelecer este que «As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.».
É que, como se adianta no citado ac. do STJ “A agravação da punição não se destina aqui a sancionar a detenção da arma proibida, mas sim o desvalor da ação que advém da sua utilização no cometimento de um crime.
Esta regra só assim não se aplicará nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada.
O homicídio é crime de execução livre e o uso da faca pelo arguido não é elemento do crime, nem a lei prevê agravação mais elevada para o crime em função do uso ou porte daquela arma branca.”
Deste modo, tal como defende o Ministério Público, também não poderá a pena aplicada ao crime de homicídio qualificado cometido pelos arguidos deixar de ponderada à luz da agravação prevista no art. 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, porque a detenção e o uso de uma dessas facas tem de ser considerada por referência a “arma branca”, e estes não levaram ao preenchimento do tipo qualificado do artigo 132º do Código Penal.
Ou seja, não ocorrendo “dupla valoração” do uso da arma branca, há que aplicar o artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas quando se mostre preenchido o tipo de crime de homicídio qualificado (artigos 131.º e 132.º do Código Penal), o que, neste caso, resulta da verificação das circunstância previstas na alínea h), esta no segmento “ praticar o facto juntamente com, pelo menos, duas pessoas “, e na alínea i), esta no segmento “outro meio insidioso”, reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade.
É este o entendimento que o Ministério Público pretende ver refletido no caso concreto e, a nosso ver, com razão, o qual também para além de se mostrar sufragado no já citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça, é igualmente perfilhado no ac. do mesmo STJ, de 29-06-2023, proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, disponível in www.dgsi.pt, reportado a um caso de utilização de arma de fogo na prática de crime de homicídio qualificado resultante da verificação das circunstâncias das alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 132.º, no qual se adianta, que “ O uso de arma, comportando um fator de agravação da ilicitude em função da perigosidade para um bem jurídico ou para uma série de bens jurídicos criminalmente protegidos, não constitui elemento típico do crime de homicídio – sendo um crime de execução livre, ao tipo de homicídio é indiferente a forma como o resultado morte é provocado – e não leva ao preenchimento de circunstância qualificativa do tipo de crime do artigo 132.º do Código Penal.”
Razão pela qual, no caso concreto se impõe a agravação do crime de homicídio qualificado cometido pelos arguidos decorrente do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, com o inerente reflexo na moldura penal abstrata correspondente ao mesmo, que deixará de ser a de 12 anos a 25 anos de prisão, para passar a ser a de 16 anos a 25 anos de prisão.
Assim, devem os arguidos BB e CC ser condenados, em co-autoria, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02, e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2º, nº 1, alínea m), e 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
Punição essa que no caso em apreciação se impõe, a nosso ver, ser ponderada à luz do concurso efetivo de crimes porque os bens jurídicos tutelados no crime de homicídio e no crime de crime de detenção de arma proibida, são diversos.
Na esteira do primeiro dos citados arestos do STJ, que nesta parte continuamos a seguir de perto, o critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, plasmado no art. 30º do C. Penal, condensado na referência a crimes «efetivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efetivo (pluralidade de crimes através de uma mesma ação ou de várias ações) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efetivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
No crime de homicídio o bem jurídico protegido é a vida humana, consistindo o tipo objetivo de ilícito em matar outra pessoa, o homicídio é definido como um crime de dano, pois a realização do tipo tem como consequência uma lesão efetiva do bem jurídico.
Já o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, tutela os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, sendo pacífico o entendimento de que o mesmo está construído como crime de perigo abstrato.
Como crime de perigo, a realização do tipo não pressupõe a lesão, bastando-se com a mera colocação em perigo de bens jurídicos.
Nos crimes de perigo distinguem-se os crimes de perigo concreto, em que o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo.
Já nos crimes de perigo abstrato, como é o crime de detenção de arma proibida, o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. Os comportamentos são tipificados em nome da sua perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que esta necessite de ser comprovada no caso concreto.
Havendo, como resulta das palavras de Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª ed., C.E., pág. 309, “como que uma presunção inelidível de perigo, e por isso dispensa-se a criação de perigo efetivo para o bem jurídico.”
O crime de detenção de arma proibida, como crime de perigo, fica preenchido, autonomamente, logo com a detenção, independentemente do uso da arma que o agente possa ter feito posteriormente.
Perante o critério teleológico supra descrito, dúvidas não existem de que na situação em vertente, em que estão em causa diferentes bens jurídicos tutelados, ocorre um concurso efetivo de crimes entre o crime de homicídio qualificado, agravado pelo disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas, e o crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com referência ao art. 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea ab), do mesmo diploma.
Dela decorre, inquestionavelmente, que os arguidos não se limitaram a deter e usar as facas de cozinha, para atingir o resultado que almejaram, que foi tirar a vida ao ofendido AA, e, também, que a arguida BB levou consigo do local onde os factos acontecerem a lâmina dessa “arma proibida “, procedendo à entrega desta à sua irmã NN e dando-lhe instruções para que a escondesse no veículo ligeiro de mercadorias pertencente a MM, o que a mesma fez (pontos 29. e 30, do elenco factual provado), prolongando, assim, a posse e detenção de parte da dita “arma branca” depois da mesma ter sido utilizada na prática do anterior crime de homicídio, deixando no local, junto ao corpo da vítima, o cabo da mesma.
Por isso, entendemos que o sentido de ilícito da “detenção da arma proibida” não se esgotou com o homicídio, pois perdurou para além da sua utilização no homicídio, uma vez que a arguida BB permaneceu na posse da lâmina da faca de cozinha utilizada após o cometimento do crime de homicídio, retirando-a do local onde ocorreu o homicídio, guardando-a e entregando-a, posteriormente, à sua irmã para que este a escondesse, não havendo, por isso, qualquer justaposição ou interceção entre as condutas punidas por ambos os tipos.
Deste modo, entendemos que mesmo para quem siga o critério da unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica existente no comportamento global do agente, existirá no caso concreto um concurso de crimes real, efetivo, entre os crimes de homicídio e de detenção de arma proibida – neste sentido, veja-se também o ac. do STJ, de 15-01-2015, proc. n.º 92/14.5YFLSB, in www.dgsi.pt.
Resta, pois, concluir pela procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.
Concluindo este Tribunal da Relação pela responsabilidade criminal dos arguidos nos termos que se deixaram decididos, importa agora não só reponderar a pena aplicada aos arguidos BB e CC pela prática do crime de homicídio qualificado por eles praticado, à luz da moldura penal abstrata de 16 a 25 anos de prisão, como também escolher e dosear a pena a aplicar-lhes pela prática do crime de detenção de arma proibida, tendo em conta a moldura penal abstrata a este correspondente, de prisão até 4 anos ou pena de multa até 480 dias.
Começando por este último, já se vê que o crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão ou com pena de multa.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 40º do C. Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo) pois esta, exprimindo a responsabilidade individual do agente pelo facto, constitui o fundamento ético daquela. De forma concordante, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Deste modo, prevenção geral e especial e culpa são os tópicos a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida. A primeira reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto, constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). Pode, assim, dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “ finalidades da punição “ são exclusivamente preventivas.
Na ponderação da escolha da pena a aplicar quando ao caso couber a aplicação de pena de prisão ou de multa, em alternativa, o tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite.
Importa referir que o critério orientador, fixado no art.70.º do Código Penal, nos casos em que se preveja pena de multa em alternativa à pena de prisão, é o da prevalência da multa desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A articulação entre as referidas necessidades de prevenção impõe que, em princípio, o tribunal deva optar pela pena alternativa mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão.
No caso em vertente a questão que, então, se coloca é a de saber se será ajustada, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa aos arguidos e ora recorrentes pela prática do crime de detenção de arma proibida por eles praticado.
Na ponderação a fazer haverá que levar em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, e, por outro lado, o da opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece, por referência à ao que se dispõe no art. 70º.
Neste caso, as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, sendo digno de nota o grande número de situações de detenção de arma proibida em circunstâncias semelhantes às nele verificadas, a associação entre a detenção de arma proibida, designadamente de faca, e a prática de crime de homicídio, de verificação cada vez mais frequente no nosso país, o que justifica a correspondente necessidade de afirmação das normas violadas.
Quanto às exigências de prevenção especial, posto que ambos os arguidos não tenham antecedentes criminais, a sua postura processual revela reduzido juízo crítico e falta de interiorização da desconformidade das suas condutas à lei.
Importa, ainda, no juízo a fazer sobre a preferência pela aplicação de uma pena de multa, em detrimento da pena privativa da liberdade, referir que não é indiferente saber que face à prática de outro ou outros crimes é certo o cumprimento de uma pena de prisão.
E, também, que o crime de detenção de arma proibida se encontra, no caso em vertente, em estreita conexão com o crime de homicídio qualificado, infração criminal da mais elevada gravidade por atentar contra o bem supremo da pessoa, que é a vida, bem demonstrada na moldura penal abstrata definida pelo legislador.
Por fim, ainda, que os arguidos não se limitaram a deter e possuir uma arma proibida, no caso uma faca de cozinha com lâmina de 12,50 cm de comprimento, o que não teria quaisquer consequências para terceiros, tendo enveredado, para além da posse e detenção da mesma, também pela respetiva utilização, servindo-se dela para desferir com golpes na região do pescoço, tórax e abdómen da vítima, tirando, por este meio, a vida a outra pessoa.
Perante as circunstâncias apontadas referentes às exigências de prevenção geral e especial, a opção deste Tribunal não poderá ser outra se não a de aplicar aos arguidos BB e CC, uma pena de prisão, em detrimento da pena de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida, tendo em conta que uma pena de multa não se afigura adequada, nem suficiente, perante as exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.
Estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Um dos princípios basilares do C. Penal vigente reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Tal princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.
A este propósito, e conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, pag. 229, dentro do binómio culpa-prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso, pois, a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação; sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social.
Há decerto, uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias: medida, pois, que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto ótimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Nesta aceção, poderá até afirmar-se que é a prevenção geral positiva, ela sim (e não a culpa), que fornece um «espaço de liberdade ou de indeterminação, uma «moldura de prevenção», dentro da qual podem e devem atuar considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização.
Assim, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, proteção que assume um significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena.
De acordo com o direito vigente, na fixação da pena deve partir-se da teoria da união, a qual exige que se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins da pena.
A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo, deste modo, o fim da prevenção especial.
Além disso, a defesa do ordenamento jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ele de exemplo, de contra motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exata.
A pena concreta é assim fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinado em função da culpa, intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e prevenção especial – dentro daqueles limites – neste sentido, vide Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevencion em Derecho Penal, 94-113.
Com vista à sua determinação, e para além da culpa do agente e das exigências de prevenção, geral e especial, o nº 2 do art. 71º, do C. Penal manda atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo deponham a favor ou contra aquele.
São elas, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
j) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Com efeito, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou seja, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível.
Como expressivamente se diz no acórdão do STJ de 16.01.2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª, disponível in www.dgsi.pt, «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) proteção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.»
Nessa graduação sufragaremos a ponderação das circunstâncias levadas em conta para esse efeito no acórdão recorrido (nele, apenas, com pertinência para fixar a pena a aplicar aos arguidos pela prática do crime de homicídio qualificado, sem agravação decorrente do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei das Armas) e ainda as que se concitam em relação aos dois crimes por eles cometidos nos termos já decididos, a saber:
- o grau de ilicitude do facto é muitíssimo elevado tendo em conta a intensidade da atuação perpetrada sobre AA e o número de golpes desferidos com facas com que o mesmo foi atingido, por duas pessoas, bem como o estado em que o corpo foi abandonado;
- o modo de execução dos crimes, concertada entre os arguidos, com distribuição de tarefas para cada um deles, levando a vítima para um local que não era de circulação de veículos, a coberto da noite, aí a surpreendendo, quando estava sentada no banco da frente do carro da arguida BB (onde tinha feito a viagem até ali depois de deixar o seu carro em ... e na convicção de que ali se encontrava para conversar com a mesma), os outros dois arguidos, empunhando cada uma deles uma faca de cozinha de que previamente se haviam munidos e levaram para o local, desferindo-lhe, em simultâneo, 15 golpes na região do pescoço, tórax e abdómen;
- a gravidade das consequências: a morte da vítima, com um número de golpes muito superior ao que seria necessário para esse resultado;
- o grau de violação dos deveres impostos ao agente: um supremo desrespeito pela vida humana e o abandono da vítima de forma desprezível;
- a intensidade do dolo, na modalidade de dolo direto, representativo da energia criminosa com que os arguidos atuaram;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime, evidenciadores do desprezo pela vida humana;
- os fins ou motivos que determinaram atuação concertada levada a cabo pelos arguidos, dirigida para afastar o ponto de desgaste e de incómodo em que se encontrava a relação da vítima com a arguida BB, comungando o arguido CC dessa motivação aparentemente pelo empenho que colocava na relação que mantinha com a arguida, da qual não decorrem especiais razões que o justifiquem;
- as condições pessoais dos arguidos e a sua situação económica, ambos inseridos laboral e socialmente, e ainda que a arguida BB vivia com o companheiro e com os filhos de ambos, de 6 e 13 anos de idade, e o arguido CC vivia sozinho em Portugal, tendo família no Brasil, sendo pai de cinco filhos, quatro dos quais menores de idade;
- a ausência de antecedentes criminais por parte de ambos os arguidos, posto que não inculque especial preocupação ao nível das exigências e prevenção especial, o seu pendor, ainda que de natureza atenuativa, não poderá deixar de assumir reduzido valor por ser exigível a todos quantos vivem em sociedade que cumpram as normas nela vigentes;
- a conduta posterior aos factos manifestada pelos arguidos, evidenciada pela postura assumida pelos mesmos na audiência de julgamento e durante o período de reclusão, que decorreu sem incidentes, não pode deixar de ser reveladora de que os mesmos não interiorizaram a desconformidade da sua conduta à lei e ausência de juízo crítico sobre a gravidade da sua atuação, traduzida em tirar a vida a um ser humano, suprimindo-lhe o seu bem mais valioso, sem assunção de qualquer remorso ou contrição.
Tendo em conta tudo quanto se deixa exposto, ponderadas que se mostram todas as circunstâncias que cumpre levar em conta e nelas já também refletidas as alegadas pelos arguidos CC e BB em sede recursiva (o primeiro nas Conclusões 33. a 41., e a segunda, designadamente, nas Conclusões VIII, L., LV. e CXXXV), é manifesto que a pretensão recursiva de tais arguidos com vista à redução da pena que lhes foi imposta pela prática do crime de homicídio qualificado pelo tribunal da 1ª instância – de 19 anos de prisão – perde toda a pertinência, porque, tendo a mesma sido fixada em função de uma moldura penal abstrata de 12 a 25 anos de prisão, terá agora que ser reponderada face à agravação desse crime decidida por este Tribunal da Relação com base no disposto no artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02, a qual eleva a moldura penal abstrata correspondente ao mesmo, cifrando-a entre 16 e 25 anos de prisão.
Assim, não havendo razões para distinguir a pena a fixar em relação a cada um dos arguidos, aplicam-se aos arguidos BB e CC as seguintes penas parcelares:
- pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02, a pena de 22 anos de prisão.
- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23.02, por referência aos arts. 2º, nº1, al. m) e 3º, nº2, al. ab) da Lei 5/2006, de 23.02, a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Penas parcelares estas que consideramos necessárias, adequadas, proporcionais, e, sempre, plenamente suportadas pela medida da culpa de cada um dos mesmos.
A punição do concurso de crimes é, pois, feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa –, havendo que ponderar na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (cfr. art. 77º. nºs 1 e 2 do C. Penal).
Assim, estando em causa nos autos a prática pelos arguidos de dois crimes cujas penas parcelares, para cada um deles, vão fixadas em 22 anos de prisão e 1 ano e 6 meses de prisão, a moldura abstrata a considerar para efeitos de cúmulo jurídico tem como limite mínimo o de 22 (vinte e dois) anos de prisão e como limite máximo o de 23 ( vinte e três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O elemento aglutinador dos crimes em concurso, determinante da pena única, é a personalidade do agente.
Para tanto, impõe-se relacionar todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de concluir se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal acumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Pois bem.
Tendo em conta as circunstâncias levadas em conta aquando da determinação da medida concreta das penas parcelares, a imagem global do facto é reveladora de uma ilicitude muito elevada, as necessidades de prevenção a nível geral relativamente a crimes desta natureza, impõem uma resposta enérgica do sistema de justiça que deverá refletir-se no quantum da pena única, e, quanto à personalidade dos arguidos, não sendo, embora, reveladora de uma tendência criminosa, surpreende negativamente pela sua não interiorização da desconformidade das suas condutas à lei e pela ausência de juízo crítico sobre a gravidade da sua atuação, por dela se não evidenciar qualquer assomo de remorso ou contrição tendo em conta que dela resultou a morte de um ser humano.
Face que se reputa adequado e justo, condenar cada um dos arguidos BB e CC, na pena única de 23 anos (vinte e três) de prisão.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
1. Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos BB e CC.
2. Julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente:
a) Revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu os arguidos BB e CC da prática do crime de detenção de arma proibida e do crime de homicídio qualificado relativamente à agravação prevista no nº 3, do artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23.02.
b) Condenar cada um dos arguidos BB e CC:
- pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, nº 2, alíneas h) e i), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, por referência ao artigo 3º, nº 2, alínea ab), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 22 anos de prisão.
- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23.02, por referência aos arts. 2º, nº1, al. m) e 3º, nº2, al. ab) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
c) Condenar cada um dos arguidos BB e CC na pena única de 23 anos (vinte e três) de prisão.
d) confirmar, no mais, o acórdão recorrido.
3. Custas dos recursos:
a) Condenar a arguida BB nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (artigos 513.º e 514.º do CPP e 8.º do RCP, com referência à Tabela III).
b) Condenar o arguido CC nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artigos 513.º e 514.º do CPP e 8.º do RCP, com referência à Tabela III).
c) Recurso do Ministério Público, sem tributação.
*
*
*
Coimbra, 26 de março de 2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários – art. 94º, nº2 do CPP )
(Maria José Guerra – relatora)
(Cândida Martinho – 1ª adjunta)
(João Abrunhosa – 2º adjunto)
[1] nomeadamente a partir dos acórdãos do STJ de 26.09.2012, pº 101/11.0PAVNO.S1 e de 22.01.2013, pº 184/11.2GCMTJ.L1.S1.
[2] cfr. Marta Morais Pinto , R e v M.º P.º , ano 128 , Outubro Dezembro 2011.
[3] cfr. Camargo Aranha, Da Prova em Processo Penal, ed. 2004, 213.
[4] cfr. Acs. do STJ, de 9.2.2012, Pº nº 233/08.5PBGDM.P3 .S1 e de 26.1.2011, Pº nº 417/09 .5YRPTR .S2 e estudo subordinado ao tema “Prova indiciária e Novas Formas de Criminalidade”, Macau Novembro de 2011, da autoria do Exm.º Cons.º Santos Cabral (acessível in www.stj.pt).
[5] no seu estudo publicado na Revista Julgar, Ano 2007 , nº 2.
[6] acórdão TRC, de 06.02.2013, relator Senhor Desembargador Jorge Dias.
[7] Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.
[8] Especialmente relevante acerca do tema é a comunicação do Senhor Conselheiro Santos Cabral0 “prova directa e indirecta”, in “Direito probatório, substantivo e processual penal”, pág.s 23 a 34, edição e-book do Centro de Estudos Judiciários, 2019.
[9] cfr., entre outros, acórdãos: Tribunal da Relação de Évora de 26.02.2013 (processo 9/06.0TAAVS.E1), e de 6.09.2011 (processo 241/07.0PCSTB.E1), Tribunal da Relação de Coimbra de 13.12.2011 (processo 41/10.0JACBR.C1), e de 9.12.2009 (processo 1873/09.7PTAVR.C1).
[10] Professor Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II, 1981, pág. 292.
[11] “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173, citado no acórdão de 13.04.2005 do Tribunal da Relação do Porto (processo 0540750).]
[12] Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 12.09.2012, no processo 4/10.5FBPTM.E1.S1; mais recentemente: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.05.2019 (processo 183/18.3T9FIG.C1).
[13] ao qual pertencem todos os artigos sem indicação de origem.
[14] processo n.º 1138/96-3.ª, SASTJ n.º 9, pág. 74.
[15] Direito Penal II - Os Homicídios, págs. 40 e 41.
[16] processo n.º 3131/04-3.ª, CJSTJ, 2005, 1, pág. 196.
[17] “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, pág. 26.
[18] “Homicídio Qualificado”, Almedina, 1990, págs. 63, 56, 105 e 106.
[19] “Crimes contra a vida e a integridade física”, 2.ª edição, AAFDL, 2007, págs. 24 e 29.
[20] Tribunal da Relação do Porto, acórdão de 24.01.2024 (processo 1496/21.2PIPRT.P1).
[21] acórdão de 26.07.2018 (processo 9/17.5GBABF.E1).
[22] processo 238/10.2JACBR.S1.
[23] processo n.º 1214/02-3.ª e processo n.º 1583/07-3.ª, respectivamente.
[24] acórdãos de 03-04-1991, CJ1991, tomo 2, pág. 15 e BMJ n.º 406, pág. 314; de 18-10-1991, processo n.º 42116, BMJ n.º 410, pág. 367.
[25] processo n.º 39009, BMJ n.º 368, pág. 312.
[26] Acórdão de 19-06-1996, processo n.º 203/96-3.ª, SASTJ n.º 2, pág. 51.
[27] processo n.º 2753/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 3, pág. 241.
[28] processo n.º 611/97-3.ª, SASTJ 1997, n.º 13, pág. 141 e BMJ n.º 469, pág. 359.
[29] , processo n.º 1034/99-3.ª, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234, e BMJ, n.º 492, pág. 168.
[30] processo n.º 40392, BMJ n.º 392, pág. 243.
[31] processo n.º 48774, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 222, seguindo aqui os acórdãos de 11-06-1987 e de 19-12-1989, publicados no BMJ, n.º s 368 e 392, a págs. 312 e 243.
[32] processo n.º 1319/96, BMJ n.º 470, pág. 217.
[33] processo n.º 647/97-3.ª, SASTJ n.º 14, pág. 162.
[34] processo n.º 843/99-5.ª, SASTJ 1999, n.º 34, pág. 84.
[35] processo n.º 292/00-3.ª, SASTJ, Edição Anual 2000, pág. 126.
[36] processo n.º 226/02-5.ª.
[37] processo n.º 1214/02 – 3.ª.
[38] processo n.º 1127/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 195.
[39] processo n.º 546/05 – 5.ª, SASTJ, n.º 89, pág. 106.
[40] in Comentário ao Código Penal Brasileiro, volume V, págs. 167 a 169.
[41] Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, 1983, pág. 65.
[42] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, § 27, págs. 38-39.
[43] in Homicídios em Série, conferência integrada em Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal (de 1995), CEJ, 1998, volume II, págs. 153-154, e Jornadas sobre a revisão do Código Penal, em edição da AAFDL, 1998, págs. 131 a 133.
[44] in Textos, Direito Penal II. Os Homicídios, volume II, AAFDL, 1998, pág. 42.
[45] Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, 2.ª edição, Quid Juris, 2008, pág. 79.
[46] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2021 (processo 1634/20.2JABRG.G1.S1), citando os acórdãos de 9.10.2019 (processo 24/17.9JAPTM-E1.S1), de 18.01.2012 (processo 306/10.P1.S1), de 12.09.2012 (processo 1221/11.6JAPRT.S1), de 25.03.2015 (processo 1504/12.8PHLRS.L1.S1), de 07.05.2015 (processo 2368/12.7JAPRT.P1.S2) e de 3.11.2021 (processo 3613/19.3JAPRT.P1.S1)