CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FATO
LEGÍTIMA DEFESA
DISPENSA DA PENA
Sumário

1 - A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando afrontar, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
2 - Sempre que a convicção firmada seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação na recolha da prova.
3 - Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
4 - Da audição da prova gravada, conjugada com os demais elementos de prova juntos aos autos, conclui este Tribunal – como concluiu o Tribunal a quo – pela prova cabal da factualidade que foi dada como assente e pela não demonstração daquela que foi dada como não provada, não oferecendo a análise dos elementos documentais e dos depoimentos gravados razões para divergir da convicção formada pelo Tribunal recorrido.
5 - A factualidade dada como provada, da qual resulta que a ora recorrente «agarrou a arguida AA com força pelo braço e empurrou-a para trás», é adequada a integrar o elemento objectivo do tipo legal de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP.
6 - Não tendo qualquer apoio na factualidade provada a narrativa da recorrente de que agiu para repelir uma agressão actual e ilícita por parte daquela, falece, desde logo, a actualidade da agressão, primeiro dos requisitos da figura da legítima defesa.
7 - Não se preenchem os requisitos de que depende a possibilidade de o Tribunal optar pela dispensa de pena, pois na factualidade provada não se divisa qualquer dúvida sobre a dinâmica e a cronologia dos acontecimentos (assim arredando a aplicação da al. a) do n.º 3 do art. 143.º, do CP., que prevê uma situação em que tenha havido lesões recíprocas e não se tenha provado quem agrediu primeiro), nem dela resulta que a ora recorrente tenha reagido ou retorquido perante uma agressão da arguida AA (afastando, pois, a verificação da previsão da al. b) do n.º 3 do referido preceito).

Texto Integral

Relator: Cristina Pêgo Branco
Adjuntos: Maria da Conceição Miranda
Alexandra Guiné

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra


Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 615/20.0PBCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3, foram submetidas a julgamento as arguidas BB e AA, identificadas nos autos, pela prática, cada uma, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP.

2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido, para além do mais (transcrição):
«1.Condena cada uma das arguidas pela autoria de um crime de ofensa à integridade física simples p. p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa de 5 (cinco) euros, o que perfaz 300 (trezentos) euros.
Desde já se consigna que as penas estão totalmente abrangidas pelo perdão previsto nos artigos. 2.º e 3.º, n.º2 al. a) da  Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, que entrou em vigor a 01.09.2023, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização, em Portugal, da Jornada Mundial da Juventude.
2.Julga improcedentes os pedidos de indemnização civil e absolve as arguidas do peticionado.
3.Custas cíveis a cargo das demandadas, sem prejuízo do apoio judiciário e do disposto no art. 4.º n) do RCJ.
4.Condena as arguidas a pagar as custas e encargos do processo, fixando no mínimo a taxa de justiça – arts. 513º nº1, 514º do Código de Processo Penal e artigo. 8º n.º 9 Regulamento das Custas Judiciais  – Tab.III, sem prejuízo do apoio judiciário. (…)»

3. Inconformada com esta decisão, interpôs a arguida BB o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Decorrida a audiência de julgamento veio a Mmª. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3 a condenar a arguida BB pela autoria de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa de 5 (cinco) euros, o que perfaz 300 (trezentos) euros, e consequente perdão aplicada a Lei da Amnistia.

2. Mais decidiu o tribunal a quo absolver a arguida AA (a BB também, mas apenas se recorre da improcedência do PIC apresentado pela ofendida BB, conforme se compreende) quanto ao pedido de indemnização civil, absolvendo-a do peticionado.

3. Salvo a melhor e mais douta opinião não pode a arguida BB, ora recorrente, conformar-se com tal decisão, atendendo a que a sentença recorrida padece de (i) insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto; (ii) errónea apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, (iii) errada interpretação e aplicação do direito aos factos; (iv) violação do princípio in dúbio pro reo; (v) nulidade da sentença por via da contrariedade entre os factos/ fundamentação e decisão e violação do princípio da proporcionalidade; (vi) erro na decisão quanto à improcedência do Pedido de Indemnização Civil, por clara contradição entre a prova produzida e a decisão.

4. Em primeiro lugar, verifica-se erro na resposta dada a alguns factos que foram objeto de julgamento, merecendo, também alguns reparos o julgamento em matéria de direito;

5. Existe desde logo, nulidade da sentença, por violação do princípio in dúbio pro reo, atendendo às dúvidas levantadas e existentes no processo, nomeadamente qual o eventual crime praticado, em que circunstâncias, ou seja, muitas dúvidas e contradições levantadas que impunham a absolvição da Arguida BB, atendendo aos princípios constitucionais da presunção de inocência e in dúbio pro reo.

6. Ficaram por apurar e provar factos que auxiliassem ou corroborassem a fundamentação do Tribunal a quo para a condenada daquele, sendo que na sua falta, importa a absolvição da arguida BB;

7. Tanto mais que cabe ao Ministério Público fazer prova da prática do crime e não à Arguida que não o praticou; sopesando a prova produzida no claro sentido de que ninguém disse que a Arguida BB ofendeu a integridade física da arguida AA e que tal atuação merecesse repúdio tal que devesse ser criminalmente sancionado.

8. Há um claro erro na valoração da prova, no julgamento e a prova produzida está em clara contradição com a decisão e fundamentação do tribunal a quo, que reconhece que não existe prova direta, que não há prova de que a Arguida BB cometeu o crime de que foi condenada.

9. Por outro lado, verificou-se erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada e a não provada;

10. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento não haviam, em nossa opinião, elementos que permitissem pensar, muito menos provar, que a arguida BB cometeu o crime de que vinha acusada;

11. Verificou-se assim um erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjetivos do respectivo normativo, tendo a Mmª. Juiz a quo violado a interpretação destes;

12. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria forte e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter-se socorrido do princípio do “in dúbio pro reo”;

13. A pena a que o arguido foi sujeito é na opinião do mesmo, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta;

14. Como acima se disse, dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento;

15. Assim, a primeira instância, com relevo para o decisório, considerou como provados os factos enumerados sob os Pontos 1 a 11 dos Factos Provados, fundando-se, salvo o devido respeito, que é muito, erradamente, à contrario de toda a factualidade produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, uma vez que, sempre apenas na parte contra a Recorrente BB, os factos, nº 2, 3 (basilar para a condenação ou absolvição da aqui Arguida), 5, 6, 9 e 11 (na parte que fundamentação em virtude de problemas de saúde anteriores) sempre deveriam ser considerados como não provados, conforme prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que o Tribunal a quo parece ter descredibilizado e valorado incorretamente.

16. Por outro lado, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos dados como não provados, nomeadamente (apenas referente à Ofendida/Arguida BB):

· “Designadamente não se provou que tivesse sido por consequência exclusiva, necessária e direta dos factos descritos nos pontos 3 e 4 que as arguidas BB (…) tivesse padecido humilhação, sofrimento, medo e desgosto e tivesse ficado durante meses a fio afetada nas suas lides, com receio, desgosto, depressão, perda de sono e de apetite;

· Não se provou que a conduta das arguidas, v.g. descritas nos pontos 3 e 4, tivessem atingido gravemente a integridade e saúde pessoal das mesas causando- lhes abalo que perduraram no tempo;

· Igualmente não se apurou que a arguida fosse conhecida por uma conduta moral irrepreensível e de exemplar postura social e familiar, sendo educada, honesta e muito estimada por familiares, vizinhos e amigos;

· Não se provou ainda que a arguida AA tivesse querido intimidar e ganhar superioridade numérica e que exclusivamente em virtude dos factos descritos nos pontos 3 e 4, as arguidas tenham despendido quaisquer quantias”.

17. Atendendo à prova produzida, nomeadamente testemunhal (e que abaixo se irá contextualizar e especificar), nenhuma prova foi feita de que a arguida BB “agarrou a arguida AA com força pelo braço e, imprimindo lanço, empurrou-a para trás”.

18. Inclusive, atendendo aos depoimentos das testemunhas, principalmente o Sr. CC e da aqui Arguida BB (uma vez que a arguida AA decidiu não prestar declarações mas que no fim endereçou um pedido de desculpas, assumindo o seu comportamento como incorreto e reprovável – facto dado como provado pelo tribunal) que de forma direta, coerente e imparcial relataram os acontecimentos dos factos, no qual aquela testemunha (CC) afirmou que não existiu qualquer agressão da Arguida BB para a AA mas apenas o inverso. Inclusive, pese embora no vídeo não seja possível verificar a totalidade da agressão, certo é que as lesões sofridas pela Arguida BB e constantes do relatório do INML (aliás o único relatório de lesões dos autos) resultam dessa agressão que foi presenciada pelo Sr. CC e pela própria filha da arguida BB.

19. Jamais poderia ter o Tribunal a quo ter CONDENADO as duas arguidas (quando não há prova de qualquer agressão da BB para com a AA mas apenas ao contrário), CONDENADO na mesma pena (quando há prova de lesões apenas para com a BB, necessidade de toma de medicação, por exemplo), NÃO TER CONDENADO a arguida AA no pagamento do Pedido de Indemnização Civil requerido pela Assistente BB, quando há prova das lesões, da necessidade de medicação, de acompanhamento, do abalo com esta situação, das noites mal dormidas que mereciam a tutela jurisdicional diferente.

20. Pese embora se possa entender ser um pouco excessivo o pedido de indemnização civil deduzido pela Assistente BB, certo é que não se pode também concordar com a absolvição neste seguimento do PIC apresentado, porquanto, em contradição, por uma lado o tribunal dá como provado a agressão da arguida AA e por outro não arbitra qualquer indemnização.

21. Por um lado existe prova de que a Assistente BB (re)começou a ser acompanhada em consultas de psiquiatria e acompanhamento na Cardiologia dos CHUC e por outro o Tribunal entende que tal acompanhamento foi ininterrupto e já existia antes deste episódio.

22. Dúvidas não há de que APENAS EXISTE PROVA DA AGRESSÃO DA AA PARA A OFENDIDA BB; APENAS EXISTE PROVA DAS MARCAS E LESÕES DA AGRESSÃO DA ARGUIDA AA PARA A OFENDIDA BB; APENAS EXISTE PROVA DE RELATÓRIOS MÉDICOS (INML E HOSPITAL) COMPROVATIVAS DAS LESÕES E DANOS SUBSEQUENTES E CUIDADOS NECESSÁRIOS COM NEXO CAUSAL COM AQUELE EPISÓDIO; APENAS EXISTE PROVA DOS GASTOS QUE A OFENDIDA BB TEVE (FATURAS) E QUE MERECEM SER RESSARCIDOS, CONFORME PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL REQUERIDO; A OFENDIDA BB ESTAVA EM INFERIORIDADE DE 4 PARA 1 E FOI A AA QUE INICIOU E CRIOU A SITUAÇÃO, MESMO ANTES DESTE EPISÓDIO COM O ENVIO DE SMS E INSULTOS GRATUITOS; CREDIBILIDADE NO EPOIMENTO DA TESTEMUNHA CC E EXCESSO DE CREDIBILIDADE ÀS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA ARGUIDA AA.

23. Por outro lado o princípio in dubio pro reo, vale só em relação à prova da questão de facto, mas aplica-se aqui sem qualquer limitação.

24. Deveria portanto o Tribunal a quo, face a toda a prova produzida, ABSOLVIDO a Arguida BB da prática do crime de ofensas à integridade física simples.

25. Caso assim não se entendendo, sempre deveria o tribunal ter lançado mão do artigo 143º, nº 3, a) ou b) do C.P, porquanto a atuação da Ofendida BB (sem qualquer agressão diga-se e que apenas afastou a arguida AA para que esta não invadisse a sua viatura) foi apenas para retorquir a atitude/comportamento da Arguida AA e nesse sentido HAVER DISPENSA DA PENA.

26. Caso assim não se entendo, sempre lançando mão do mesmo artigo, mas a alínea a), porquanto a existir apenas houve agressão da Arguida AA e a atuação da ofendida BB foi no sentido de se defender e salvaguardar a sua integridade e os seus pertences, sempre acrescido do facto da existência do instituto da LEGÍTIMA DEFESA, o que se invoca e que importaria a ABSOLVIÇÃO DA ARGUIDA BB, nos termos e para os efeitos do artigo 32º do Código Penal, porquanto a atuação da ofendida BB foi o único meio necessário, adequado e único para repelir a agressão atual e ilícita de interesses jurídicos da própria.

27. Mais, ser a Arguida AA condenada no pagamento do pedido de indemnização civil peticionado pela Assistente BB, por danos patrimoniais e danos não patrimoniais sofridos pelo ato criminoso levado a cabo pela arguida AA.

Face ao exposto, e à interpretação dada pelo Tribunal a quo, consideram-se desde logo violadas, salvo melhor opinião, e entre outras, as normas seguintes:

- Artigos 14º, 26º, 40.º, 70º, 71.º, 143º e 292.° do Código Penal;

- Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;

- Arts. 137º e 355º CPP;

- e, consequentemente, os basilares princípios de matriz constitucional do "in dúbio pro reo", presunção da inocência, da legalidade, de tipicidade e da culpa.

Termos em que,

E nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Relação, dar provimento ao presente recurso, substituindo a douta decisão condenatória, tirada em primeira instância, por outra que absolva a arguida BB da prática de um crime de ofensa à integridade física simples e condene a arguida AA no pagamento do pedido de indemnização civil formulado, fazendo deste modo a acostumada, inteira e sã, JUSTIÇA!»

4. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, na qual conclui (transcrição):
«1ª. Da análise da sentença recorrida – por si só ou conjugada com as regras da experiência comum - não resulta que enferme de qualquer dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP.
2ª. Na verdade, o Tribunal a quo apurou e fez constar da sentença recorrida todos os factos necessários para a decisão de direito alcançada.
3ª. Acresce que a sentença recorrida não evidencia qualquer erro (claro e patente), pois os factos dados como provados são o corolário lógico da prova produzida em julgamento, analisada criticamente à luz das regras da experiência comum e do normal acontecer, como impõe o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artº 127º, do CPP.
4ª. A leitura da prova feita pelo Tribunal a quo cabe na margem de livre apreciação, traduzindo-se numa leitura plausível da prova produzida em audiência de julgamento e resultando de um convencimento lógico, motivado e de acordo com as regras da experiência.
5ª. Da matéria de facto fixada - apreciada no seu conjunto e à luz das regras da experiência comum – resulta que a conduta da arguida recorrente integra os elementos típicos, objetivo e subjetivo, do crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo arteº 143º, nº 1, do CP.
6ª. A conclusão retirada pelo Tribunal a quo, em matéria de prova, tem suficiente e adequado suporte, sem qualquer dúvida quanto ao seu sentido.
7ª. Analisada a decisão sob recurso, não pode concluir-se pela violação do princípio in dubio pro reo, pois da leitura da motivação não pode concluir-se que o processo decisório tivesse conduzido o tribunal a um estado de dúvida e que, ainda assim, tivesse decidido contra o arguido, ou que a conclusão extraída pelo tribunal em matéria de prova traduza uma decisão contra o arguido, sem suficiente suporte.
8ª. Assim, concluímos que a sentença recorrida não violou quaisquer normas legais ou quaisquer princípios jurídicos – designadamente os mencionados pelo arguido - e que nenhum reparo merece, devendo ser mantida.
Termos em que, deverão Vªs Exas. negar provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida, assim fazendo, JUSTIÇA.»

5. Também a arguida AA apresentou resposta ao recurso, na qual conclui (transcrição):
«I- Não obstante impugnar a matéria de facto e pretender que esse Venerando Tribunal proceda a uma nova interpretação da prova produzida em julgamento, a recorrente não cumpriu a exigência prevista nos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do Código de Processo Penal.
II- Nos termos do art.º 412.º, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações da al. b), devem ser feitas por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
III- Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova.
IV- A impugnação da matéria de facto não se pode tornar numa repetição do julgamento da 1.ª instância, sob pena dos tribunais superiores deixarem de cumprir o que legalmente lhe está atribuído, que é julgar em sede de recurso, isto é, limitar-se a corrigir cirurgicamente o que estiver errado.
V-Não se deve repetir a prova, só porque a recorrente tem dela uma versão diferente.
VI- Para se alterar a matéria de facto com base em erro de julgamento, os depoimentos indicados têm que “impor decisão diversa da recorrida”, conforme se exige no art.º 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, não deixando alternativa ao julgador.
VII-Não tendo a arguida recorrente cumprido tal obrigação processual afigura-se-nos pois estar esse Tribunal Superior interdito de proceder a uma reapreciação da prova para aferir do erro de julgamento alegado pela arguida, pelo que deverá rejeitar-se tal impugnação.
VIII- Quanto à impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 412º C.P.P., a transcrição parcial dos depoimentos prestados apontada pelo recorrente em nada invalida ou prejudica a conclusão de que o tribunal avaliou de forma correta a prova produzida, como de resto resulta da fundamentação da decisão, lançada mão, que o foi, de todos os meios de prova produzidos.
IX- A prova produzida, tal como foi analisada e explicitada, não gerou qualquer dúvida que devesse levar à consideração dos factos assentes, ou de parte deles, como não provados.
X-O princípio in dubio pro reo afirma-se como princípio relativo à prova (e não como matéria de direito, como erroneamente o qualifica o recorrente), implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.
XI- No caso dos autos, o Tribunal a quo não invocou, na fundamentação do provado, qualquer dúvida insanável, antes da motivação da matéria de facto resulta uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando coerentemente os elementos que serviram para fundar a convicção do Tribunal.
XII- A violação do princípio em questão apenas poderia ser afirmada se, face aos factos que a 1ª instância teve como provados e aos respetivos fundamentos, se evidenciasse que, na dúvida, o tribunal recorrido tinha optado por decidir contra o arguido, o que não sucedeu já que a decisão sobre a matéria de facto foi motivada por referência às provas que fundamentaram a convicção do tribunal, efetuando a sua análise crítica com respeito pelas regras da experiência comum.
XIII- A posição da recorrente que viola o disposto no art.º 127.º do CPP, onde se consagra o princípio da livre apreciação da prova.
XIV- É certo que a livre convicção não se pode confundir com a íntima convicção do julgador, impondo a lei que o juiz extraia das provas um convencimento lógico, analisando as mesmas de uma forma conjunta, coordenada e sempre à luz da experiência geral e dos conhecimentos concretos que a situação imponha. Por outro lado, impõe que o juiz consiga fundamentar esse seu raciocínio e explanar de forma compreensível a compreensão – e o porquê da mesma – que fez da prova produzida.
XV- Não ocorre violação daquele princípio nem foi beliscado o preceito constante do art.º 32º, n.º 2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa.
XVI- O Tribunal singular fundamentou corretamente a sua decisão, face à gravidade dos factos praticados, ao desvalor da ação de cada uma das arguidas ser muito reduzida e equivalente, bem como à ausência de antecedentes criminais de ambas.
Pelo que, confirmando a SENTENÇA recorrida, nos seus exactos termos, V. Exas. farão, como habitualmente, JUSTIÇA!»

6. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer (Ref. Citius 11511588), no qual acompanha o teor da resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância e se pronuncia pela improcedência do recurso.

7. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, responderam a recorrente e a recorrida, reiterando, respectivamente, o teor do recurso e da resposta apresentados.

8. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


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II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

In casu, de acordo com as suas conclusões, a recorrente discorda, em primeiro lugar, da decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando, por um lado, que determinados factos foram incorrectamente dados como provados, em violação do princípio in dubio pro reo, e que devia ter sido absolvida do crime de ofensa à integridade física pelo qual vem condenada; e, por outro, que deviam ter sido dados como provados factos que foram tidos por indemonstrados, e a recorrida condenada no pedido de indemnização civil por si formulado.

Afirma, ainda, que ocorreu «erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito», por não se mostrarem preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenada e se verificar uma situação de legítima defesa.

Para o caso de não se concluir pela sua absolvição, entende que deveria ter sido dispensada de pena.


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2. Da decisão recorrida

Previamente à apreciação das questões suscitadas, vejamos qual a fundamentação de facto que consta da sentença recorrida.
«i.FACTOS PROVADOS
1. No dia 11 de junho de 2020, cerca das 17h00m, a arguida BB e o (então namorado) CC deslocaram-se à residência da ex-companheira de CC, a arguida AA, sita no Bairro ..., nesta cidade e comarca de Coimbra, a fim de irem buscar o filho (ainda bebé) que o referido CC tem em comum com a arguida AA.
2. Aí, por questões relacionadas com anteriores desavenças e a propósito da deslocação do bebé, filho da arguida AA, nas viagens de carro com o pai (CC) em cadeira apropriada, houve uma troca de palavras, em tom aceso, entre as arguidas.
3.Neste contexto a arguida BB agarrou a arguida AA com força pelo braço e empurrou-a para trás.
4. Por sua vez, nas referidas circunstâncias, a arguida AA agarrou com força a arguida BB pelo braço direito, causando-lhe um ponteado equimótico arroxeado no terço distal da face anterior do braço.
5. Ao agir como agiram, as arguidas tiveram o propósito, concretizado, de molestar fisicamente uma à outra, causando com as suas condutas dores no corpo uma da outra.
6. As arguidas agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei.
Mais se provou:
7.A arguida BB trabalha numa pastelaria, aufere o ordenado mínimo, reside sozinha com a sua filha menor, paga 380 euros de renda de casa.
7.A arguida AA trabalha numa clínica de Dialise, é secretaria clínica, aufere 830 euros por mês, reside sozinha com o seu filho menor, paga 300 euros de renda de casa.
8.As (jovens) arguidas não têm antecedentes criminais.
9. Á data dos factos, a arguida BB era seguida na Psiquiatria, com diagnostico de doença mental, Perturbação Depressiva Recorrente e na Cardiologia, do Hospital da Universidade de Coimbra.
10. Em sede de audiência (apenas) a arguida AA dirigiu um pedido de desculpa à arguida BB, lamentando as expressões que (no passado) a visavam.
11.Designadamente em virtude dos seus problemas de saúde, das desavenças ocorridas anteriormente entre as arguidas, das características da personalidade da arguida BB, do seu quadro clínico e da tensão sentida pela arguida BB, a mesma foi diversas vezes ao CHUC, onde é seguida.
ii.FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram outros factos acima não descritos ou com estes em contradição.
Não se provaram outros factos.
Designadamente não se provou que tivesse sido por consequência exclusiva, necessária e direta dos factos descritos nos pontos 3 e 4 que as arguidas BB e AA tivessem padecido humilhação, sofrimento, medo e desgosto e tivessem ficado durante meses a fio afetadas nas suas lides, ambas com receios, desgostos, depressão, perda de sono e de apetite.
Não se provou que a conduta das arguidas, v.g. descritas nos pontos 3 e 4, tivessem atingido gravemente a integridade e saúde pessoal das mesmas causando-lhes abalos que perduraram no tempo.
Igualmente não se apurou que a arguida fosse conhecida por uma conduta moral irrepreensível e de exemplar postura social e familiar, sendo educada, honesta e muito estimada por familiares, vizinhos e amigos.
Não se provou ainda que a arguida AA tivesse querido intimidar e ganhar superioridade numérica e que exclusivamente em virtude dos factos descritos nos pontos 3 e 4, as arguidas tenham despendido quaisquer quantias.
iii.MOTIVAÇÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada, fundou-se no conjunto das provas testemunhal e documental constantes dos autos e produzidas em audiência de julgamento, analisadas de forma crítica e conjugada, ponderada à luz dos princípios da lógica, da experiência e da livre valoração da prova (artigo 127º e 355º do Código de Processo Penal).
Tivemos assim em consideração o teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 8 e 9 (onde consta que a arguida BB “refere ter sofrido apertão no braço e unhadas” e apresentava “ponteado equimótico arroxeado” no braço), e as informações clínicas de fls. 64 a 66 (com indicação de doença mental e perturbação depressiva recorrente) bem como os demais elementos do CHUC (cfr. fls.291 e ss).
Mais ponderamos o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência em confronto e conjugação com as delcrações das arguidas e com a visualização de um vídeo colhido pela filha da arguida BB que se encontrava no local.
Como assim, a BB afirmou que fora com o seu namorado e a sua filha (de 11-12 anos) buscar o bebé filho da arguida AA e que a mesma (estando acompanhada) dissera da varanda da sua residência “a cigana já comprou a cadeira” ;ao que lhes respondera  “querem descer para me bater desçam”.
Referiu que a arguida AA tinha descido com o bebé (de 1 ano e meio) e vinha acompanhada pela mãe, irmã e uma amiga. Que a sua flha começara a filmar (porque lho pedira para o fazer) e que a arguida AA tinha aberto a porta do seu carro sem autorização pelo que a puxara pela camisola na zona do ombro.
Referiu que a mãe dela dera “um murro na mão da minha filha…” e que nas trocas de palavras tinha dito a AA que ao menos não fazia abortos.
Afirmou que a arguida lhe apertara o braço e a arranhara.
Esclareceu que anteriormente aos factos tinha recebido mensagens que lhe diziam que a sua casa era um bordel e falar da sua “banha e do seu órgão genital” e que a arguida AA e a mãe iam consumir à pastelaria onde trabalhava e se punham a olhar para si…
Que tudo a transtornara e que tomava medicação mesmo antes dos factos (Rivotril e Sertralina 50 mg) esclarecendo que desde o falecimento da sua avó (há 5 ou 6 anos) era seguida pela Psiquiatria.
Mais afirmou que era seguida há 6 anos na Cardiologia, pois fizera uma ablação em 2018 (por causa de episódios de ansiedade) e que fora novamente à Psiquiatria, um mês antes dos factos, porque “não aguentava mais”, sendo que dera várias entradas nas urgências, um mês antes dos factos da acusação. Mais afirmou que a agressão fora “o culminar de toda uma situação”.
A testemunha CC confirmou os factos referindo que a BB não agredira a AA, apenas a empurrara e fechara a porta da viatura para negar à AA o acesso ao interior do carro, e disse-lhe “eu pelo menos não faço abortos”. Afirmou que “elas não têm medo uma da outra” e que a BB não fora proibida de nada.
A testemunha DD – mãe da AA, 59 anos, assistente administrativa, referiu que estavam na varanda, e que se não houver uma cadeira adequada o bebé não ia com o pai pelo que desceram para ver se havia uma cadeira em condições.
Afirmou que a AA entregara o menino ao pai ou colocara-o no carro, e quando fora para se dirigir ao prédio ouvira a arguida BB dizer : “a tua mãe sabe que fizeste um aborto com 18 anos?”.
Disse que a BB puxara a mão da AA para trás e a AA empurrara a BB quando ela falou no aborto.
Esclareceu que CC abandonara a AA com um bebé de 5 meses, e que AA culpara a BB; que se dava muto bem com os ex sogros e que era natural que a BB tivesse ciúmes da AA e da relação desta com os pais do namorado.
A testemunha, EE, irmã da arguida AA, explicou que o bebé tinha andado sem cadeira e por isso descera com a irmã, para ver como é que era a cadeira.
Refere, sendo que a arguida BB poderia ter pensado que tinham descido todas para lhe causar algum constrangimento e que eramos quatro contra uma. Que começaram discutir entre elas e a dada altura o bebe começou a chorar e a sua irmã abrira a porta do carro para o tranquilizar ao que a BB lhe dissera que não podia abrir a porta do seu carro e puxara a sua irmã com força. E quando a BB provocou a minha irmã ao falar de uma coisa intima esta foi em direcção a ela mas colocara-se entre ambas pelo que a AA não tinha chegado a tocar na BB.
A testemunha FF, amigo da família da AA, apenas presenciou uma recolha do bebé GG onde as arguidas se insultaram mutuamente.
A testemunha HH, amiga da BB, afirmou, em suma, que os ataques de ansiedade da arguida BB, começaram com a morte da avó daquela, mas que ela melhorara, tomava ansiolíticos. Referiu que a arguida vivia para a filha. Vira mensagens da AA a insultar a BB, e esta dissera-lhe que fora à urgência, e tinha arranhões no braço.
A testemunha II, tia e madrinha da BB, não presenciou os factos; referiu que a BB ficara muito triste e sentida com tudo, tivera ataques de ansiedade, e o INEM fora lá 3 vezes.
A testemunha JJ, filha da arguida BB referiu que a mãe tomava comprimidos, ia a consultas, vivia ansiosa e com medo, e tivera um hematoma, no braço direito, na parte interior superior do braço e arranhões, sendo que a arguida AA, “ se atirara para cima da sua mãe”.  
A testemunha KK, vizinha da AA, salientou, por seu turno, que a AA sempre fora educada. Que estava na varanda aquando dos factos. Que vira “uma mãe preocupada com um filho” que dizia “só quero ver se o meu filho esta bem sentado” e a arguida BB e o Pai a tinham empurrado ao que esta empurrara depois também.
Afirmou que numa ocasião anterior vira a BB a gritar e a insultar “cá de baixo”, à porta do prédio da AA.
Da visualização das imagens foi possível ver a arguida BB “de mão na anca” em atitude agressiva, a agarrar/empurrar a arguida AA, e esta a dirigir-se a si sem que seja visível qualquer expressão de dor.
No entanto, no brevíssimo confronto físico que resulta ter ocorrido é patente que as arguidas se empurraram e agarraram.
Acresce que, por pouco plausível, verosímil e contrario ás regras da lógica e da experiencia, não se apurou o nexo causal deste muito breve contacto, com as alegadas humilhações, sofrimentos, medos, desgostos e muito menos que tal facto tivesse afetado as arguidas meses a fio – e até ao presente - a saúde pessoal das arguidas.
Com efeito, para além das questões de ego e de orgulho próprias da idade e do triangulo amoroso vivenciado, a potencialidade lesiva dos factos que constituem o objeto do processo era, cremos, bastante contida.
A prova produzida e sucintamente mencionada não teve a virtualidade de a amplificar.
Daí, no essencial, os factos não apurados, sendo que no mais (v.g. alegadas características da personalidade das arguidas) os factos não apurados resultam de insuficiência de prova.
No mais tivemos em consideração o teor dos CRCs e as declarações das arguidas sobre as condições pessoais, laborais e económicas


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3. Da análise dos fundamentos do recurso

Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:

Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.

Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação ampla, se tiver sido suscitada e, depois dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Por fim, das questões relativas à matéria de direito.

Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.


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A recorrente insurge-se, em primeiro lugar, contra a matéria de facto dada como provada e não provada na decisão recorrida.

Alega, em síntese, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento relativamente a determinados pontos, que foram dados como assentes em violação do princípio in dubio pro reo, e que a prova produzida é insuficiente para fundamentar a sua condenação pelo crime de ofensa à integridade física pelo vem condenada.

E que, em contrapartida, deviam ter sido dados como provados factos que foram tidos por indemonstrados, daí decorrendo a condenação da recorrida no pedido de indemnização civil por si formulado.

No que se refere à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre, antes de mais, referir:

Em sede de recurso para o Tribunal da Relação, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: quer por arguição dos vícios a que faz referência o art. 410.º, n.º 2, do CPP (a que se convencionou chamar “revista alargada”), quer pela impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.

No primeiro caso, os mencionados vícios decisórios têm de resultar do texto da decisão recorrida, encarado por si só ou conjugado com as regras gerais da experiência comum – sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo – visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova registada e produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º s 3 e 4 do art. 412.º do CPP.

De acordo com este normativo, sempre que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar:

- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

- as provas que devem ser renovadas;

A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação individualizada dos factos que constam da decisão recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

Por seu turno, a especificação das “concretas provas” corresponde à indicação do conteúdo específico de meio de prova ou de obtenção da prova, com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretende, dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cf. art. 430.º do CP).

E o n.º 4 do art. 412.º estabelece que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», acrescentando o seu n.º 6 que «no caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.»

Como se lê no Ac. do STJ de 12-06-2008, Proc. n.º 4375/07 - 3.ª[1], esta possibilidade de sindicância da matéria de facto sofre quatro tipos de limitações:

«- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;

- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;

- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;

- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.»

No caso, a recorrente indica – na motivação e nas subsequentes conclusões – os pontos de facto constantes da decisão recorrida que considera incorrectamente julgados (concretamente, os pontos 2, 3, 5, 6, 9 e parte do 11, da matéria provada, apenas na parte contra a recorrente, bem como todos os factos dados como não provados, também apenas quanto à recorrente), e refere os elementos que, também na sua perspectiva, impunham decisão diversa, a saber, o relatório do INML constante dos autos, o relatório do CHUC datado de 04-12-2020 e os relatórios datados de 12-07-2020, de 09-08-2020, de 25-11-2020, de 15-04-2022 e de 15-08-2022, facturas juntas aos autos «comprovativas da compra e toma de medicação», as declarações da própria recorrente e os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, II e HH, aludindo (apenas na motivação[2]) a excertos dessas declarações e depoimentos e concretizando a sua localização nos suportes digitais da gravação da audiência de julgamento.

Irá, assim, este Tribunal conhecer da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Mas, como com clareza se explica no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-03-2014[3], «O recurso com base no disposto no art. 431º do CPP poderá ter como fundamento:

- a atribuição, pelo tribunal recorrido, aos meios de prova convocados como suporte da decisão, de conteúdo diverso daquele que efectivamente têm ou daquele que foi realmente produzido em audiência; ou

- a violação de critérios legais de valoração e apreciação da prova incorporada nos autos ou produzida oralmente em audiência): - pela valoração de meios de prova ilegais ou nulos; - pela violação de critérios de apreciação da prova vinculada (vg. prova documental e pericial) - pela violação de princípios gerais de apreciação da prova, designadamente o princípio da livre apreciação previsto no art. 127º do CPP e o princípio in dubio pro reo.

A reprodução da gravação dos depoimentos, no tribunal de recurso, como instrumento de garantia/comprovação da genuinidade dos mesmos e da eventual divergência entre o conteúdo material do depoimento prestado em audiência e o pressuposto na decisão recorrida, apenas tem sentido no caso de, segundo a motivação do recurso, a decisão recorrida ter atribuído, aos depoimentos prestados oralmente em audiência, conteúdo/afirmações relevantes, materialmente diversas daquelas que foram efectivamente produzido em audiência. Afinal quando o fundamento do recurso é o de que a testemunha ou o depoente afirmou em audiência “coisa” materialmente diversa daquela que é reportada/valorada como suporte da decisão recorrida e que, como tal, inquinou a decisão, impondo, por isso, a sua correcção pelo tribunal de recurso. Pois que, como instrumento de reprodução, apenas permite corrigir erros de “audição” do tribunal recorrido.

Competindo ao recorrente, em tal situação, especificar as “passagens” que confirmam a apontada desconformidade entre aquilo que foi dito em audiência e aquilo que foi valorado pelo tribunal recorrido como suporte da decisão impugnada.

A gravação (como instrumento de garantia da genuinidade dos depoimentos) nada adiantará quando o fundamento do recurso radica na violação de critérios de valoração – não reproduzidos pela gravação. Pois que, pela sua natureza, a gravação apenas reproduz e comprova o teor dos depoimentos gravados. Nada adiantando para efeito de apreciação da obediência aos critérios (legais) de ponderação/avaliação/valoração da prova - que resultam da lei e dos princípios gerais de direito processual penal.»

É precisamente esse o caso dos autos, em que a recorrente não afirma que o Tribunal não tenha compreendido ou tenha subvertido o teor ou sentido dos escritos, das declarações ou dos depoimentos a que alude.

O que põe em questão é a convicção formada pelo Tribunal, com base na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, da qual diverge, limitando-se a tecer considerações sobre a forma como foram valorados os diversos elementos de prova, contrapondo a sua própria interpretação/valoração dos mesmos.

Impõem-se, assim, antes de mais, algumas considerações no que respeita ao princípio da livre apreciação da prova.

«A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo. (…) A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros»[4].

«Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;

- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;

- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;

- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis – como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..

A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.»[5]

Por outro lado, é um dado assente que a gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite o controlo e a fiscalização, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência, mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão dos outros meios de prova, a oralidade e a imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício permanente do contraditório[6].

Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 374.º, n.º 2 do CPP[7].

Exigindo-se a convicção do julgador sobre a prática dos factos da acusação para além da dúvida razoável e radicando o princípio in dubio pro reo na mesma dúvida razoável, este situa-se no âmago da livre apreciação da prova, constituindo como que o “fio da navalha” onde se move a missão de julgar. Convicção “para lá da dúvida razoável” e “dúvida razoável” legitimadora do princípio in dubio pro reo limitam-se e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova de apreciação vinculada e da livre apreciação dos restantes em conformidade com o critério do art. 127.º do CPP, sujeitos ambos à mesma exigência de legalidade da prova e da sua apreciação motivada e crítica, da objectividade, racionalidade e razoabilidade dessa apreciação.

No mesmo sentido podem ver-se diversos autores, designadamente Rodrigues Bastos[8], que refere que ao juiz «…não é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, mas antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação», Cavaleiro de Ferreira[9], que escreve que «o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no direito probatório», e ainda Germano Marques da Silva[10]: «O juízo sobre a valoração da prova faz-se em diversos níveis. Num primeiro dependente da imediação, nele intervindo elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo intervindo as declarações e induções que realiza o julgador a partir de factos probatórios, que hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios de experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”».

De entre abundante jurisprudência quanto a tal matéria, quer das Relações quer do Supremo Tribunal de Justiça, cita-se apenas, pela sua particular clareza, o proferido por este último Tribunal em 23-04-2009, no âmbito do Proc. n.º 114/09 - 5.ª[11]: «(…) a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo apuramento global do acontecido, ou a reapreciação do objecto do processo, porque a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, antes visando, apenas, a detecção e correcção de pontuais, concretos, e em regra excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da dita matéria de facto.

Quanto ao julgamento de facto pela Relação, uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.

Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.»

À luz destas considerações analisemos, então, a ponderação conjugada e exame crítico das provas de que resultou a fixação da «verdade histórica» vertida no texto da decisão recorrida, com vista a apurar se, como a recorrente sustenta, ocorreu erro de julgamento[12], ou seja, se foram dados como provados factos dos quais não foi feita prova bastante e se, por outro lado, foram dados como não provados factos que resultaram demonstrados.

Porque o erro de julgamento se reporta à matéria de facto, o mesmo analisa-se em momento anterior à produção do texto, a fim de verificar se existem ou não os dados objectivos que se apontam na motivação ou se foram violados os princípios para a aquisição desses mesmos dados.

Assim, cabendo ao Tribunal proceder à audição das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (cf. art. 412.º, n.º 6, do CPP), procedeu-se à audição das declarações da recorrente, a arguida BB, e da arguida AA (na segunda sessão da audiência, após produção de parte da prova testemunhal) e dos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, II, HH e KK, na sua integralidade, por se afigurar relevante para a boa decisão da causa (e não apenas das pessoas e passagens indicadas pela recorrente), confrontando-os com a sentença recorrida e a restante prova junta aos autos, quanto aos factos e sua motivação, a fim de analisar as razões de discordância daquela.

Os pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados são os n.ºs pontos 2, 3, 5, 6, 9 e parte do 11, da matéria provada, apenas na parte contra a recorrente, bem como todos os factos dados como não provados, também apenas quanto à recorrente, já cima transcritos.

E esgrime essa sua discordância, apontando à decisão, na parte que impugna, insuficiências de ponderação, utilizando e valorizando/desvalorizando (partes d)o que diz terem sido as declarações e os depoimentos a que alude, bem como elementos da prova documental, de acordo com a sua própria interpretação ou “leitura” da prova e discordando da maior ou menor credibilidade que o Tribunal lhes atribuiu e das conclusões a que chegou.

Sustenta, em síntese, que os factos provados que impugna não têm suporte suficiente na prova produzida e que, por outro lado, resultaram demonstrados factos que o Tribunal não deu como assentes.

Mas, como já referimos, não afirma que o Tribunal tenha compreendido erradamente ou subvertido o teor das declarações e depoimentos prestados ou qualquer outro elemento de prova.

O que sucede é que não aceita que, perante os meios de prova que indica, o Tribunal tenha formado convicção diversa da que é a sua, pretendendo, no fundo, que aquele desvalorize determinados elementos e valorize outros, ao sabor da sua própria interpretação, sustentada na indicação desgarrada de excertos de depoimentos, de forma isolada e sem conjugação com a demais prova existente nos autos e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas.

É, afinal, nessa discordância da análise global que foi feita dos elementos de prova disponíveis, à luz das regras da experiência comum, que se esgota o objecto do recurso.

Como já acima sublinhámos, a reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª Instância, levando à modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quando se verifique que essa decisão não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes dos autos, quer porque os dados objectivos em que se apoia não existem ou o seu sentido/teor foi subvertido, quer porque se violaram os princípios legais para a aquisição desses mesmos dados, quer porque não houve liberdade na formação da convicção.

Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando afrontar, de forma manifesta, as regras da experiência comum.

Sempre que a convicção firmada seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação na recolha da prova.

Ora a prova pessoal (testemunhal e por declarações), que continua a ser a ser, fatalmente, no nosso sistema processual penal, considerada a “prova rainha”, é uma prova sobejamente falível, deteriorável pelo decurso do tempo e facilmente contaminada pelas demais circunstâncias que envolvem o modo como cada ser humano estriba a forma de elaborar o seu processo de entendimento da realidade.

Por isso, o Tribunal a quo, ao apreciar a prova (o que tem de fazer de uma forma lógica e racional, sempre segundo as regras da experiência comum), deve fazer uma análise dos elementos disponíveis, de forma conjugada e crítica, nada impedindo que, nessa conjugação, atribua crédito a parte de determinado depoimento mas já não estribe a sua convicção noutra parte do mesmo.

Por outro lado, também nada obsta a que a convicção do Tribunal se funde num único depoimento, desde que o mesmo ofereça credibilidade bastante.

Como é evidente, não é pelo facto de o arguido negar determinado facto ou pura e simplesmente não prestar sobre ele declarações e não haver testemunhas do sucedido, que esse facto deve ter-se por indemonstrado, pois que, não sendo o Tribunal um receptáculo acrítico de declarações e depoimentos, tudo depende da credibilidade que as diversas declarações lhe merecem e da sua conjugação com outros elementos de prova que no caso existam.

De igual modo, não é por determinada versão ser sustentada por mais de uma pessoa que ela oferece necessariamente mais credibilidade do que uma outra, mesmo que “solitária”.

Nas sábias palavras de Bacon: «os testemunhos não se contam, pesam-se»[13], não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus.

No caso em apreço, basta atentar na sentença sob recurso para encontrar a sua fundamentação de facto – que acima transcrevemos –, que inclui, como se impunha, o elenco dos factos dados como provados e não provados e o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal relativamente à matéria factual descrita.

E nela verteu-se, de forma bastante e explícita, a forma como o Tribunal chegou a determinadas conclusões sobre os factos em causa nos autos, à luz da avaliação de um homem médio, ou seja, de acordo com as regras da racionalidade e da experiência comum, permitindo concluir também que não houve uma apreciação e interpretação dos meios de prova que possa ser tida como ilógica ou arbitrária, efectuada à margem dessa exigível análise racional ou das regras da experiência.

Como se constata pela leitura dessa fundamentação, o Tribunal fez referência, para além do teor da documentação e prova pericial junta aos autos (concretamente, o relatório de exame pericial de fls. 8-9, as informações clínicas de fls. 64-66, os elementos recebidos do CHUC que figuram a fls. 291 e ss., o vídeo colhido pela filha da arguida BB, visualizado – por duas vezes – na audiência de julgamento, e os CRC das arguidas), às declarações das arguidas e aos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, LL, HH, II, JJ e KK, explicando em que medida foram ou não valorados e por que motivos lhe ofereceram ou não credibilidade.

A convicção do Tribunal está, pois, explicada, de forma racional e motivada e formou-se, importa frisá-lo, para lá de qualquer dúvida fundada em razões adequadas.

É que se a prova tem como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341.º, n.º 1 C.Civil) ela não pressupõe, como vem afirmando a melhor jurisprudência que aqui se segue de perto, uma certeza absoluta, lógico-matemática, bastando que ela permita alcançar «um grau de certeza que as pessoas mais exigentes reclamariam para dar como verificado um certo facto» ou que permita afastar toda a dúvida razoável, não qualquer dúvida mas a dúvida fundada em razões adequadas.

Como se reafirma no acórdão do STJ, proferido em 23-11-2017 no Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5[14], «Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum».

E, como é sabido – apesar de não ser o caso – não é decisivo para se poder concluir pela realidade dos factos descritos na acusação ou na pronúncia que haja provas directas do seu cometimento pelo arguido, designadamente que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticá-los ou que o próprio arguido os assuma expressamente.

Condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que os factos se passaram da forma ali narrada.

Ou seja, dentro do quadro probatório global a apreciar existem, para além da prova directa, «os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções[15].

Ouvida a referida prova gravada e analisados os demais elementos de prova juntos aos autos, há que reconhecer, antes de mais, que a explanação pelo Tribunal recorrido, na fundamentação da sua convicção, do que resultou dos elementos probatórios disponíveis corresponde rigorosamente ao respectivo conteúdo.

E da audição e avaliação conjugada desses mesmos dados conclui este Tribunal – como concluiu o Tribunal a quo – pela prova cabal da factualidade que foi dada como assente e pela não demonstração daquela que foi dada como não provada, não oferecendo a análise dos elementos documentais e dos depoimentos gravados razões para divergir da convicção formada pelo Tribunal recorrido.

Pese embora as críticas que a recorrente alinha, com base na sua própria interpretação da prova, aludindo a excertos de determinados depoimentos mas “esquecendo” outros, ficaram claramente demonstrados os factos provados que pretende pôr em causa e não provados os que assim foram considerados pelo Tribunal a quo, em conformidade com uma apreciação conjugada e crítica dos diversos elementos, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas, como vem devidamente explicado na fundamentação da sentença recorrida, em moldes que merecem a nossa concordância e que dispensam, por isso, inúteis repetições.

Assim, e atentando apenas nas objecções vertidas na motivação de recurso que possam justificar que algo mais se acrescente a essa fundamentação, diremos em primeiro lugar que não assiste razão à recorrente quando se insurge por terem sido julgados provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 5, 6, 9 e parte do 11, da matéria dada como assente, apenas na parte contra a recorrente.

No que respeita ao ponto 2, não se alcança sequer qual a discordância da recorrente, já que o mesmo se refere apenas às circunstâncias de lugar em que os factos ocorreram, às anteriores desavenças e à troca de palavras entre as arguidas, factos que a própria recorrente admitiu e foram corroborados por outras das pessoas presentes (designadamente pela testemunha CC, que mencionou uma «troca de argumentos» entre as duas arguidas).

Relativamente aos factos descritos em 3, adequados a preencher os elementos objectivos do crime de ofensa à integridade física imputado à ora recorrente, não lhe assiste razão quando afirma que nenhuma prova foi feita de ter agarrado a arguida AA com força pelo braço e a ter empurrado.

Na verdade, apesar da negação da recorrente, é clara a prova nesse sentido.

A recorrente admitiu apenas ter puxado a arguida AA.

O seu então companheiro, CC, afirmou que a recorrente apenas empurrara aquela.

As testemunhas DD e EE (respectivamente mãe e irmã da arguida AA) referiram que a recorrente puxou a AA.

A testemunha KK, que merece particular credibilidade, por ser a única que não é familiar ou amiga de nenhuma das intervenientes, também afirmou que a BB empurrou a AA.

E existe ainda um elemento objectivo de prova, trazido aos autos pela própria recorrente: o vídeo filmado pela sua filha com o telemóvel (a cuja visualização/audição também nós procedemos) que, para além evidenciar a troca de palavras e o choro do filho da arguida AA, permite observar, tal como o Tribunal recorrido explica, a ora recorrente a agarrar a arguida AA, a puxá-la, com força, por um braço e a empurrá-la para a afastar do veículo (onde o filho da AA, GG, já estava sentado, tendo a dado momento começado a chorar), sendo posteriormente (mas não de imediato) que a AA se dirige à recorrente (após esta ter mencionado a suposta realização de um aborto por parte daquela), não se vendo que a tenha agarrado mas sendo de admitir que aí tenha existido contacto físico[16] (dadas as marcas produzidas no braço da recorrente, descritas no relatório da perícia médico-legal efectuada em 12-06-2020), apesar de não se vislumbrar por parte da recorrente qualquer expressão de dor, interpondo-se de imediato uma outra jovem que, segundo resulta da demais prova, seria a testemunha EE, irmã da arguida AA.

No que respeita aos factos provados sob 5 e 6, sabendo-se que a verificação dos elementos subjectivos do ilícito, que correspondem a uma realidade do foro íntimo, na ausência de confissão por parte do agente terão de ser aferidos através de factos objectivos que apontem nesse sentido, apreendendo-se a intenção daquele a partir da materialidade assente, em conformidade com aquelas regras da normalidade das coisas, dúvidas não há de que, no caso vertente, os factos conhecidos que resultam dos elementos de prova disponíveis nos autos constituem uma base segura e consistente para, mediante um raciocínio lógico, baseado na experiência comum, nas regras de normalidade da vida e das coisas, deles se retirar a conclusão de que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era criminalmente punida.

No que se refere aos pontos 9 e 11 da matéria provada, que a recorrente afirma impugnar «na parte que fundamentação em virtude de problemas de saúde anteriores» (sic), não se compreende a discordância da recorrente, já que a própria relatou ao Tribunal que factos anteriores aos aqui em causa a traziam transtornada, e referiu que já há muito tomava medicação para a ansiedade, tendo acompanhamento clínico em Psiquiatria desde o falecimento da sua avó, há 5/6 anos, bem como em Cardiologia (tudo explicado em detalhe na fundamentação da convicção do Tribunal), tendo a testemunha HH também afirmado que os problemas de ansiedade da BB haviam começado com a morte da avó, tomando desde então ansiolíticos.

Relatos que não são minimamente contrariados nem pela demais prova testemunhal nem pela documentação clínica junta aos autos, que evidencia, para além do mais, que a recorrente já muito antes da ocorrência do episódio a que se reportam os autos era seguida nas mencionadas especialidades clínicas e estava medicada para a ansiedade.

Relativamente aos factos que foram dados como não provados, e que a recorrente impugna, nenhuma prova foi produzida susceptível de demonstrar que, como alegado, a recorrente «é conhecida por uma conduta moral irrepreensível e de exemplar postura social e familiar, sendo educada, honesta e muito estimada por familiares, vizinhos e amigos» nem que «a arguida AA tivesse querido intimidar e ganhar superioridade numérica».

No que respeita aos demais, que são o contraponto, no que à ora recorrente respeita, do que foi dado como provado em 9 e 11, vale o que quanto a estes acima deixámos dito, reiterando-se que dos elementos clínicos a que alude, que abrangem um período de mais de dois anos (entre Junho de 2020 e Agosto de 2022), não se retira que os padecimentos alegados pela recorrente tenham sido causados pelo episódio a que se reportam os autos ou estejam com ele directamente relacionados.

Apesar de a recorrente não ter cuidado de explicar em que medida tais elementos imporiam conclusão diversa daquela a que o tribunal chegou, sempre se dirá que seria absolutamente destituído de lógica e de razoabilidade, contrário às regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, considerar existir um nexo de causalidade adequada entre o concreto episódio aqui em apreciação (e só esse importa), ocorrido em 11-06-2020 e consistente num agarrar do braço direito, causador de «um ponteado equimótico arroxeado no terço distal da face anterior do braço», e o extenso rol de padecimentos invocados pela recorrente, bem como com a toma da medicação a que as facturas de aquisição de medicamentos que juntou (datadas de 25-03-2020, 06-10-2020, 21-11-2020, 03-01-2021, 24-01-2021, 15-03-2021, 06-05-2021, 17-05-2021, 04-06-2021 e 11-08-2021) dizem respeito.

Em suma, da audição integral das mencionadas declarações e depoimentos – que são por demais eloquentes e que ainda melhor se alcançam na sua audição (pois que a transcrição não conseguiria espelhar com exactidão), e da sua análise conjugada com a demais prova junta aos autos, e pese embora a ausência de imediação, não temos dúvidas em concluir que a “leitura” dos elementos de prova efectuada pelo Tribunal recorrido não se mostra incongruente ou violadora das regras da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas, não colhendo as objecções que a recorrente lhe dirige (designadamente uma alegada contradição entre a prova produzida e a decisão) para infirmar o sentido em que aponta a análise global e crítica da prova, escorada nos elementos objectivos de prova constantes dos autos e nos depoimentos testemunhais que foram considerados credíveis.

O Tribunal justificou a sua opção, alicerçando a sua convicção numa interpretação plausível das provas produzidas e segundo uma lógica que faz sentido, e que aqui este Tribunal subscreve sem qualquer hesitação, pois que nada nesses elementos de prova se vislumbra que imponha (ou sequer permita) decisão diversa da que foi tomada relativamente à factualidade que foi dada como provada e não provada ou sequer, quanto à primeira, uma dúvida razoável susceptível de desencadear a aplicação do princípio in dubio pro reo.

Na verdade, contrariamente ao que a recorrente afirma, não se vislumbra que o Tribunal tenha violado o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32.º, n.º 2, da CRP, ou o princípio in dubio pro reo, sua emanação processual.

«O princípio da presunção de inocência é antes de mais um princípio natural, lógico, de prova. Com efeito, enquanto não for demonstrada, provada, a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação. Por isso que o princípio da presunção de inocência seja identificado por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, e que efectivamente o abranja, no sentido de que um non liquet na questão da prova deva ser sempre valorado a favor do arguido»[17].

Acerca do princípio in dubio pro reo, diz Maia Gonçalves[18]: «este princípio estabelece que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o réu. É um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário».

E o Prof. Figueiredo Dias refere que «um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido»[19].

Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, a mesma só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção[20].

Como expressivamente se afirma no Acórdão do STJ de 14-04-2011[21], «A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido.»

Analisado o texto da decisão recorrida, designadamente a passagem relativa à fundamentação da convicção do Tribunal, nele não perpassa qualquer dúvida sobre a matéria de facto que foi dada como assente.

E tendo o Tribunal a quo ponderado cuidadosamente todos os elementos de prova disponíveis, de forma conjugada e crítica, no exercício do poder/dever que a lei lhe confere – de livre apreciação da prova, vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório, decidindo – e bem, a nosso ver – que a prova produzida era cabal no sentido da verificação dos factos que deu como provados e insuficiente para demonstrar os que assim não considerou, e evidenciado o percurso lógico utilizado para chegar às conclusões que alcançou, não merece tal apreciação qualquer censura nem tem cabimento pretender a recorrente substituir pela sua própria valoração das provas a efectuada pelo julgador, a quem incumbe, de acordo com o estabelecido no art. 127.º do CPP.

Não se detecta, pois, qualquer erro de julgamento, não havendo motivo para alterar a matéria de facto, seja a provada, seja a não provada, em qualquer dos pontos acima referenciados, pelo que improcede a impugnação da decisão proferida sobre essa matéria.

E, analisado o texto decisório, nele não vislumbramos qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP, pois que a decisão se mostra coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para suportar um juízo seguro de direito.

É, assim, de considerar a matéria de facto definitivamente fixada nos termos em que o foi pelo Tribunal recorrido.


*

A recorrente questiona a qualificação jurídico-penal operada, afirmando que ocorreu «erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito», por não se mostrarem preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenada e se verificar uma situação de legítima defesa, conducente à sua absolvição, por a sua actuação ter sido «o único meio necessário, adequado e único para repelir a agressão atual e ilícita de interesses jurídicos da própria».

Sobre o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados expendeu o Tribunal recorrido (transcrição):
«Cumpre agora proceder ao enquadramento jurídico-penal da factualidade descrita a fim de determinar se a conduta das arguidas preenche o tipo legal em apreço e pelos quais vêm acusadas.
Para que a conduta seja passível de censura penal é necessário que a mesma seja simultaneamente típica, ilícita e culposa.
O facto é típico quando a conduta do agente preenche objectiva e subjectivamente os elementos do tipo legal de crime.
Se a tipicidade se reconduz ao próprio tipo legal de crime, devendo a conduta do agente preencher os seus elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, já a ilicitude consubstancia um juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar ou pôr em perigo bens jurídicos de relevância criminal.
Finalmente, não há pena sem culpa, sendo que a culpa, exprime o juízo de reprovabilidade sobre a vontade do agente e pode revestir as formas de dolo ou de negligência.
As arguidas vêm acusadas da prática, de um crime de ofensa à integridade física previsto e punível nos termos do artigo p.p. pelos art. 143.º, n.º 1, do Código Penal.
O crime fundamental encontra-se integrado no Capítulo III da Parte Especial do Código Penal, onde o legislador, recorrendo a uma técnica de fragmentação, optou por não esgotar toda a descrição típica da conduta proibida num só tipo legal, elaborando antes, a partir do tipo fundamental, as derivações correspondentes ao privilegiamento, à qualificação e à agravação.
A tutela penal em sintomia com o figurino constitucional (vd. artigo 26º da CRP) dirige-se à proteção do direito à integridade física e à consequente incriminação dos comportamentos violadores de tal direito.
Trata-se ainda, no dizer de Paula Ribeiro de Faria (in Comentário Conimbricense, ao Código Penal, Tomo I, p. 204), de um crime material, de dano e de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (op. cit. p. 205).
Nos termos do disposto no artigo. 143º do Código Penal comete o crime de ofensa à integridade física quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa.
O bem jurídico protegido neste normativo é a integridade física da pessoa humana, entendida esta como abrangendo a integridade corporal e a psíquica.
Tais conceitos devem ser entendidos em sentido médico-legal, como ofensa pessoal, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Por ofensa no corpo poderá entender-se todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante.
Como lesão da saúde deve considerar-se “(...) toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a; pertence a este âmbito toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” - vide Paula Ribeiro de Faria in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, 1999, p. 207.
É um crime que se apresenta, como um crime material e de dano, sendo que o tipo legal abrange um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva desse resultado à conduta do agente.
Dito isto, é indiferente, para a subsunção de um comportamento na norma em causa, o meio pelo qual o resultado foi produzido. Com efeito, estamos perante um crime de realização livre em que é igualmente irrelevante a duração da ofensa (que pode consistir um mero empurrão) e os meios empregues pelo ofensor.
São elementos objectivos do ilícito em apreço: ofender o corpo; ou a saúde; de outra pessoa.
No que tange ao elemento subjectivo, aparece-nos o mesmo como um tipo doloso, podendo este integrar qualquer das modalidades previstas no art. 14º do Código Penal.
No caso em apreço, resultou apurada uma lesão e ingerência ilícita na integridade física de cada uma das arguidas. O tipo legal mostra-se preenchido quer ao nível dos elementos objectivos quer ao nível do elemento subjectivo.»

Diremos, antes de mais, que, não tendo a pretensão da recorrente de ver substancialmente alterada a matéria de facto merecido acolhimento por parte deste Tribunal, a apreciação da correcção da qualificação jurídica terá de fazer-se à luz da factualidade fixada pelo Tribunal a quo.

E, a essa luz, adiantamos desde já que subscrevemos, na íntegra, a apreciação levada a cabo pelo Tribunal recorrido, pelo que pouco haverá a acrescentar.

Limitar-nos-emos, por isso, a algumas observações, focando-nos nas objecções alinhadas pela recorrente que justifiquem que algo se acrescente à fundamentação de direito da sentença posta em crise.

Assim, em primeiro lugar, e como já decorria do ali expendido, não é condição da relevância típica a provocação de dor ou mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho, aleijão ou marca física, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-1991[22], segundo o qual «Integra o crime do artigo 142.º do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.»

Por isso, a factualidade dada como provada, da qual resulta, na parte que ora importa, que a ora recorrente «agarrou a arguida AA com força pelo braço e empurrou-a para trás», é adequada a integrar o elemento objectivo do tipo legal de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP.

Por outro lado, a propósito dos propósito dos requisitos da invocada figura da legítima defesa, e sem necessidade de nos determos em mais alargadas considerações teóricas, que a simplicidade do caso não requer, apenas transcreveremos (parcialmente) o sumário do Acórdão do STJ de 12-06-2008[23], que nos parece particularmente ilustrativo do que é, há muito, o entendimento seguido por esse Alto Tribunal, que sufragamos.

Ali se lê:

«XV - A legítima defesa apresenta-se como uma causa de exclusão da antijuridicidade do facto, tendo por base uma prevalência que à ordem jurídica cumpre dar ao justo sobre o injusto, à defesa do direito contra a sua agressão, ao princípio de que o direito não deve recuar ou ceder nunca perante a ilicitude.

XVI - Constitui legítima defesa, nos termos do art. 32.º do CP, o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores, não pré-ordenada – ou seja, com o fito de, sob o manto da tutela do direito, obter a exclusão da ilicitude de facto integrante de crime –, actual, no sentido de, tendo-se iniciado a execução, não se ter verificado ainda a consumação, e necessária, ou seja, quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa adequado – menos gravoso, por a todo o direito corresponderem «limites imanentes» – a sustar o resultado iminente – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, págs. 45 e 59.

XVII - Mesmo quando é enormíssima, mediante o recurso a um só meio, a desproporção entre o dano causado por esse meio e o interesse por ele defendido, tem de entender-se que a agressão é legítima, suportando aquela causa de exclusão da ilicitude.

(…)

XIX - Sem previsão na lei, a legítima defesa não dispensa a verificação do pressuposto de impossibilidade de recurso à autoridade pública, atenta a sua natureza subsidiária face à defesa actuada pelos órgãos do Estado, e do animus defendendi, requisitos não enunciados no CP de 82, em contrário da versão de 1886, mas de que a jurisprudência não abdica.

XX - Essencial, pressuposto estrutural, à legítima defesa, é mesmo o animus defendendi, a intenção de, pelo contra-ataque a uma agressão, se suspender uma agressão ilegítima: o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir uma agressão ilícita actual.

XXI - A intenção de defesa, correspondendo a um estádio de espírito, inapreensível sensorialmente, há-de ser a resultante de factos objectivos que a indiciem; tal como a intenção de matar, integrando matéria de facto, há-de derivar de factos dos quais se infira.

XXII - Segundo a jurisprudência deste STJ, o agente há-de ter consciência da legítima defesa, enquanto elemento subjectivo da acção, de afirmação de um seu direito, de realização, no conflito de valores e interesses jurídicos, de um interesse mais valioso, pese embora com aquela vontade ou intenção de defesa legítima possam concorrer outros motivos como o ódio, vingança ou indignação.

(…)

XXIV - E sem actuação em legítima defesa, de excluir é actuação com excesso, como, entre outros, se decidiu nos Acs. deste STJ de 12-06-1997, in CJSTJ,1997, tomo 2, pág. 238, e de 19-04-1989, BMJ 386.º/222, neste se afirmando que o excesso diz, apenas, respeito aos meios necessários para repelir a agressão, não aos requisitos iniciais de legítima defesa, dos quais se não pode abdicar.»

Tendo presentes estes ensinamentos, e devendo a verificação dos requisitos necessários à existência de legítima defesa ser aferida à luz da factualidade dada como assente – que este Tribunal não viu motivo para alterar – e não em função daquela que, de acordo com a sua própria leitura da prova produzida, a recorrente entende que deveria tê-lo sido, é manifesto que da matéria de facto provada não resulta a existência de qualquer agressão, actual ou iminente, à recorrente ou a terceiro, por parte da arguida AA.

Não tendo qualquer apoio na factualidade provada a narrativa da recorrente de que agiu para repelir uma agressão actual e ilícita por parte daquela, falece, desde logo, a actualidade da agressão, primeiro dos requisitos da figura da legítima defesa.

Em suma, todos os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, se mostram plasmados na matéria de facto dada como provada, não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude da conduta da ora recorrente, nem de exclusão da sua culpa.

Não ocorre, por isso, qualquer fundamento para a sua absolvição e não merece reparo a qualificação jurídico-penal operada na sentença condenatória.


*

Para o caso de não se concluir pela sua absolvição, entende a recorrente que deveria ter sido dispensada de pena.

Para tanto, faz apelo ao preceituado nas duas alíneas do n.º 3 do art. 143.º do CP, alegando, singelamente, que «a atuação da Ofendida BB (sem qualquer agressão diga-se e que apenas afastou a arguida AA para que esta não invadisse a sua viatura) foi apenas para retorquir a atitude/comportamento da Arguida AA» e que «apenas houve agressão da Arguida AA e a atuação da ofendida BB foi no sentido de se defender e salvaguardar a sua integridade e os seus pertences».

Ora, também esta sua pretensão não se coaduna com a factualidade provada.

Na verdade, nesta não se divisa qualquer dúvida sobre a dinâmica e a cronologia dos acontecimentos (assim arredando a aplicação da al. a) do n.º 3 do art. 143.º, que prevê uma situação em que tenha havido lesões recíprocas e não se tenha provado quem agrediu primeiro), nem dela resulta que a ora recorrente tenha reagido ou retorquido perante uma agressão da arguida AA (afastando, pois, a verificação da previsão da al. b) do n.º 3 do referido preceito).

Não se preenchem, pois, os requisitos de que depende a possibilidade de o Tribunal optar pela dispensa de pena, prevista no n.º 3 do art. 143.º do CP, improcedendo, também este segmento do recurso.


*

A recorrente pugna, ainda, pela condenação da arguida AA no pedido de indemnização civil por si formulado, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos «face à prova produzida, aos medos e receios demonstrados, à agressão perpetrada, aos vários episódios levados a cabo pela arguida AA».

Mas tal condenação dependeria da alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, pretensão que, como vimos, não mereceu acolhimento.

É que, não tendo resultado provado, no que ora importa, o nexo causal entre a apurada conduta da arguida AA (estando em causa nos autos, relembra-se, um único episódio) e os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados pela recorrente, falece um dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no art. 483.º, que como é sabido, faz depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário, controlável e dominável pela vontade), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), que tenha provocado danos (dano) e que estes sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).

Por isso, o pedido de indemnização civil da recorrente não podia proceder, tal como decidiu, com acerto, o Tribunal recorrido.

Perante tudo o que se deixa exposto, improcede integralmente o recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que não violou qualquer norma legal ou princípio constitucional, designadamente os mencionados pela recorrente[24].


*

III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida BB, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).

Notifique.


*
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pelos demais signatários, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

*
Coimbra, 26 de Março de 2025


[1] In www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[2] O que, em nosso entender, não invalida que se tenha por devidamente cumprido o ónus de impugnação especificada, em consonância com o entendimento expresso no acórdão do STJ de 17-02-2005, proferido no Proc. n.º 4716/04, in www.dgsi.pt, segundo o qual «A redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.». Cf. no mesmo sentido o acórdão do STJ de 16-06-2005, Proc. n.º 1577/05, ibidem.
[3] Proferido no Proc. n.º 811/12.4JACBR.C1, in www.dgsi.pt.
[4] Cf. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, pág. 202.
[5] Cf. Ac. do TC n.º 198/2004, de 24-03-2004, in www.tribunalconstitucional.pt.
[6] Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, págs. 233-234.
[7] Cf. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, págs. 126-127, que, por sua vez, cita o Prof. Figueiredo Dias.
[8] In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 221.
[9] In Curso de Processo Penal, vol. I, Reimpressão da Universidade Católica.
[10] In Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, págs. 126-127.
[11] In www.dgsi.pt.
[12] «O erro de julgamento existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem que ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP», lê-se no Acórdão do STJ de 12-03-2009, Proc. n.º 3781/08 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[13] Psicologia do Testemunho, in Scientia Iuridica, pág. 337.
[14] In www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[15] Como se refere no Ac. do STJ de 11-11-2004, proferido no Proc. n.º 3182/04 - 5.ª, in www.dgsi.pt, «O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção.»
[16] Apesar de ser inócuo relativamente ao objecto do recurso em apreço (sendo que a arguida AA não interpôs recurso), por uma questão de rigor sempre se dirá que não corresponde à verdade a afirmação da recorrente de que a arguida AA terá no final da audiência de julgamento endereçado «um pedido de desculpas, assumindo o seu comportamento como incorreto e reprovável». Ouvidas as declarações em causa, o que se constata é que a arguida AA afirmou pedir desculpas à arguida BB pelas mensagens que enviou ao CC a dizer mal dela, assumindo ter sido um momento infeliz e tê-la culpado pelo final da sua relação com o CC. Contudo, expressamente questionada sobre o episódio aqui em apreço, negou ter praticado os factos descritos na acusação.
[17] Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª ed., pág. 105.
[18] Em anotação ao art. 126.º do Código de Processo Penal, 9.ª ed., pág. 320.
[19] In Direito Processual Penal, 1.º Vol., pág. 213.
[20] Cf. entre muitos outros, os Acs. do STJ de 08-07-2004, Proc. n.º 1121/04 - 5.ª, de 30-03-2005, Proc. n.º 552/05 - 3.ª, de 22-10-2008, Proc. n.º 215/08 - 3.ª, de 27-05-2009, Proc. n.º 484/09 - 3.ª, e de 07-04-2010, Proc. n.º 2792/05.1TDLSB.L1.S1 - 3.ª, todos in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[21] Proferido no Proc. n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1 - 5.ª, ibidem.
[22] Proferido no Proc. n.º 41618 e publicado in DR 33/92 SÉRIE I-A, de 1992-02-08.
[23] Proferido no Proc. n.º 1782/08 - 3.ª, in www.dgsi.pt.
[24] Entre os quais se contam, certamente por lapso, o art. 292.º do CP, que prevê a condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, e o art. 137.º do CPP, que se reporta ao «Segredo de Estado».