PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
INDEFERIMENTO LIMINAR
TRÂNSITO EM JULGADO
EFEITO DO RECURSO
Sumário

1 - Da instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à ação principal resulta que tem de haver adequação entre a providência cautelar requerida no procedimento cautelar e o pedido deduzido na ação principal.
2 - Se for fixado o efeito meramente devolutivo a determinado recurso interposto, admitir procedimento cautelar que implique ter de aguardar pelo trânsito da decisão objeto desse recurso seria subverter o sistema processual.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conferência

No presente procedimento cautelar comum que AAe BB, executados nos autos principais, movem contra CC e DD, os requerentes interpuseram recurso da decisão pela qual foi indeferida liminarmente a providência.
Na alegação de recurso, os recorrentes formularam as seguintes conclusões:
«A- Os ora Recorrentes recorrem da decisão que indeferiu liminarmente a petição de procedimento cautelar comum, por este não ser meio viável para os executados obterem a suspensão da acção executiva e que a nossa lei já acautela a possibilidade de suspensão da entrega do móvel, verificados que estejam os requisitos legais (vide artigo 863 do CPC).
B- Não podem os ora Recorrentes conformar-se com a decisão proferida nos autos.
C- O Meritíssimo Juiz, na sua decisão cometeu erro de julgamento, com violação dos artigo 362º e seguintes do CPC e do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
D- O requerimento cautelar dispunha de todos os pressupostos para o seu conhecimento e nada obsta na Lei à sua utilização como meio processual incidental nos autos de execução, quando é o único meio de evitar que o Tribunal prossiga com uma decisão precipitada de entrega do imóvel.
E- Não se trata impedir a entrega do imóvel, nem de qualquer manobra dilatória, apenas diferir o acto, de modo a que não se crie uma situação de decisões perigosas, injustas, contraditórias e caóticas.
D- E aqui o tribunal está errado no seu julgamento, e, insistentemente, está a deixar acontecer
E- Acresce que a decisão tomada é também é nula por violação do artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC - não conheceu matéria que deveria conhecer.
F- Há muitos meses que os ora recorrentes têm alertado o Tribunal para toda a situação, o qual tem feito tábua rasa dos inúmeros requerimentos, alertando para a nulidade do processo, para a necessidade de realojamento dos executados, para o perigo de vida em que se encontra o executado, com toda esta execução.
G- O Tribunal podia e devia olhar para toda esta matéria e mandar suspender a execução e a entrega do imóvel. Mas não a conheceu e inquinou os autos de nulidade.»
Citados os requeridos para os termos do recurso, nenhum respondeu à alegação dos recorrentes.
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da decisão recorrida; e
- da falta de fundamento para o indeferimento liminar.
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Importa ter presente que do requerimento inicial consta o seguinte:
«Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente procedimento cautelar ser julgado procedente e os requeridos serem notificados para:
A) Até à decisão definitiva sobre o recurso interposto, requerimento de arguição de nulidade dos autos supra identificados e recurso de revisão a interpor, os requeridos devem abster-se da prática de actos ou pedidos que conduzam à entrega do locado sito na ... ..., ... ..., ou que por qualquer forma perturbem, danifiquem, ou desvalorizem o direito de gozo dos requerentes;
Mais requerem que seja sustada a entrega do imóvel supra identificado, abstendo-se o Senhor Agente de Execução da prática de quaisquer autos tendentes à entrega do imóvel até à decisão supra identificada.»
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Os recorrentes arguiram a nulidade da decisão recorrida com fundamento no disposto no art. 615º nº 1 al. d) do C.P.C., nos termos do qual “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A causa de nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al. d) do C.P.C. está diretamente relacionada com o art. 608º nº 2 do C.P.C., segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
«é de indeferir liminarmente a presente providência pelas seguintes ordens de razão:
• A suspensão da execução até que sejam apreciadas, nos autos principais, questões suscitadas pelos executados, sejam de recurso ou de arguições de nulidade, não é viável por via de providência cautelar, sob pena de grave subversão do sistema jurídico
• A nossa lei já acautela a possibilidade de suspensão da entrega de imóvel, verificados que estejam os requisitos legais (vide artigo 863º do Código de Processo Civil).»
Assim, prejudicada ficou a questão da verificação ou não dos requisitos do procedimento cautelar comum.
Não há, pois, omissão de pronúncia.
Improcede, pois, a arguição da nulidade da decisão recorrida.
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O art. 590º nº 1 do C.P.C. dispõe o seguinte:
“Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º”.
Nos procedimentos cautelares, o requerimento inicial é apresentado a despacho liminar, por força do disposto no art. 226º nº 4 al. b) do C.P.C.
O tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento inicial, afirmando que “a suspensão da execução até que sejam apreciadas, nos autos principais, questões suscitadas pelos executados, sejam de recurso ou de arguições de nulidade, não é viável por via de providência cautelar, sob pena de grave subversão do sistema jurídico”.
Resulta do disposto no art. 364º nº 1 do C.P.C. que, “exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
Da instrumentalidade e da dependência do procedimento cautelar relativamente à ação principal resulta que tem de haver adequação entre a providência cautelar requerida no procedimento cautelar e o pedido deduzido na ação principal.
O presente procedimento cautelar foi instaurado como incidente da ação executiva e, nesta ação, o pedido foi deduzido pelos requeridos contra os requerentes.
Nos termos do art. 2º nº 2 do C.P.C., “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.
Os requerentes não pretendem que o presente procedimento cautelar acautele o efeito útil da ação principal, mas que cumpra uma finalidade exatamente oposta: a de obstar ao prosseguimento normal da ação de execução.
Se for fixado o efeito meramente devolutivo a determinado recurso interposto, admitir procedimento cautelar que implique ter de aguardar pelo trânsito da decisão objeto desse recurso seria subverter o sistema processual.
“Os procedimentos cautelares não são o meio idóneo e processualmente adequado para reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução, ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais.
Se o fim visado com o procedimento for um daqueles, deve o mesmo ser indeferido liminarmente” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido a 25 de maio de 2017, no processo 406/17.6T8FAR.E1).
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao recorrente AA.

Lisboa, 27 de março de 2025
Maria do Céu Silva
Marília Leal Fontes
Ana Paula Olivença