I. O regime penal especial para jovens corresponde a um poder-dever e deve ser aplicado desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
II. A gravidade do ilícito não pode constituir, por si só, fundamento para afastar o regime penal especial para jovens, mas essa gravidade não pode deixar de ser ponderada no caso de tráfico internacional por via aérea de 19 kg de cocaína (quantidade particularmente elevada e pouco habitual em casos de tráfico internacional de estupefacientes por via aérea), atendendo ao alarme social, aos nefastos efeitos e fortes reflexos na comunidade em geral, com intensa ressonância ética inscrita na consciência comunitária.
III. Perante uma postura desculpabilizante, neste contexto justifica-se que se considere que não resultam vantagens para a sua reinserção da atenuação e, consequentemente, para o consequente afastamento da aplicação do Decreto-Lei 401/82, de 23.9.
IV. A pena fixada em cinco anos e seis meses de prisão, abaixo do 1/5 da moldura penal, num quadro de tráfico internacional por via aérea de uma quantidade inusitadamente muito significativa (cerca de 19 kg) de cocaína ponderou a idade do arguido e mostra-se justa – proporcional, adequada e necessária – e está em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal para casos semelhantes.
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido AA, solteiro, carpinteiro, filho de BB e de CC, natural da ..., Guiné Bissau, nascido em ... de ... de 2004, residente na Rua ..., em ..., actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ... foi julgado e a final condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º nº 1 do Dec-Lei 15/93, de 22.1 com referencia à tabela I- B, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.
*
Inconformado, o arguido recorreu, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
I O Recorrente foi condenado numa Pena única de 5 (anos) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º, nº1 do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro com referencia à tabela I- B, o que se revela manifestamente excessivo dado o circunstancialismo factual e de direito supra exposto nas motivações. Atente-se,
II O arguido não se conforma com o douto Acordão proferido, entendendo assim que o Tribunal andou mal ao decidir afastar a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, relativo aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos. Ora,
III O regime especial dos jovens delinquentes, consignado no Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro fundamenta-se num direito mais reeducador do que sancionador.
IV Estipula o art. 4º. do referido Diploma Legal, sob a epígrafe “Da atenuação especial relativa a jovens” que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs. 73º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
V Por sua vez, dispõe o art. 73º., nº. 1, als. a) e b) do Código Penal que sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável: o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior.
VI Actualmente, está totalmente enraizada na Jurisprudência que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, o tribunal não pode deixar de investigar se verificam aquelas sérias razões e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena.
VII O arguido entende que reúne as condições para a aplicação do regime especial para Jovens. Vejamos,
VIII O arguido à data da prática dos factos tinha 19 anos.
IX Não regista qualquer antecedente criminal. Ora,
X O arguido até ser detido encontrava-se a trabalhar na Alemanha numa fábrica de madeiras onde fazia travessas para a linha do comboio.
XI Mais, o Arguido/Recorrente encontra-se perfeitamente integrado socialmente, familiarmente e profissionalmente. Note-se que,
XII Tem beneficiado de visitas no estabelecimento prisional da sua namorada DD com quem tem um relacionamento estável e harmonioso à cerca de 3 anos e da sua amiga EE, que lhe prestam todo o apoio necessário, quer na actualidade, quer num futuro próximo. Mais,
XIII Referem que o arguido sempre adoptou um estilo de vida ajustado e consentâneo com as normas familiares e sociais.
XIV No contexto prisional o Arguido/Recorrente tem mantido um comportamento institucional correto, colaborante sem registo de qualquer situação anómala, onde mantém um relacionamento interpessoal adequado, ocupando o tempo num projecto “F...”, cujo objectivo é a capacitação dos jovens em cumprimento de pena privativa de liberdade para aquisição de novas competências pessoais e profissionais.
XV O arguido por ter autorização de residência regularizada em Portugal, onde possui laços familiares e de afecto, tendo inclusivamente já residido em Porugal, perspectiva assim no futuro permanecer no País, onde conta com o apoio da namorada e de amigos.
XVI O arguido reconhece de alguma forma os factos ainda que da sua versão resulta que tenha agido sob ameaça/coacção contudo demonstra uma atitude de quem interiorizou a sua conduta ilícita que praticou, por tal com sentido critico, e que não irá incorrer em novamente a qualquer facto ilícito.
XVII Ainda que o Tribunal “a quo” não tenha dado como provado as ameaças, que o arguido possa ter tido da parte do seu “tio” para transportar o Produto de estupefaciente, a verdade é que não merece também por parte da defesa credibilidade que o arguido tivesse agido no pais de origem (Guiné Bissau) sozinho.
XIX Resulta assim do senso comum que ninguém passaria com uma mala e com uma mochila de cabine por pórticos/vigilância de um aeroporto sem que tivesse sido detectado os 19 kg de cocaína.
XX Em situações semelhantes à do trafico de estupefaciente internacional a compensação monetária do transporte de produto estupefaciente é recebido à final, ou seja, correndo com sucesso o referido transporte, pelo que ao transportar o arguido produto de estupefaciente em mala de cabine/mão logo estaria condenado ao fracasso, não vendo assim concretizada a entrega, pelo que mais credível é que o mesmo tenha agido sobre ameaça ou coacção.
XXI Assim face ao exposto, deveria o Tribunal “a quo” ter atenuado especialmente a pena de prisão nos termos do disposto no art. 73º. do Cód. Penal por resultarem vantagens para a reinserção social do Arguido.
XXII E não o tendo feito, violou o disposto no art. 4º. do Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, e no art. 73º. do Cód. Penal.
XXIII Deve, pois, ser aplicado o regime penal de jovens regulado no Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, com a atenuação prevista no seu art. 4º., porquanto as condições pessoais e a idade do Arguido fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.
XXIV Até porque, a atenuação especial da pena prevista no artigo 4 do Decreto Lei n.º 401/82 de 23 de setembro não se funda nem exige uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente, nem contra ela poderá invocar-se a gravidade do crime praticado e/ou a prevenção da criminalidade.
XXV “(…)bastará para a conceder a presença de sérias razões para crer que, da sua aplicação, resultam vantagens para a reinserção”- Ac. Rel. Porto de 3/2/2010, relator Maria Leonor Esteves. Assim, a gravidade da ilicitude não é, por si, impeditiva de tal atenuação.
XXVI Assim sendo, e por força do disposto no art. 4, do Cód. Penal, . do Dec.-Lei nº. 401/82, de 23 de Setembro, e no art. 73º., nº. 1, als. a) e b) do Cód. Penal, a moldura abstracta, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21º., nº. 1 do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-A e 1-B anexas, que é de pena de prisão de 4 a 12 anos, deve passar a ser de pena de prisão entre 9 meses e 18 dias (limite mínimo reduzido a 1/5) e 8 anos (limite máximo reduzido de 1/3).
XXVII Dentro da moldura penal abstracta aplicável, e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível de ilicitude nas circunstâncias ambientais em que ocorreram os factos e as condições pessoais e sociais do Arguido, considera-se adequada uma pena não superior a 5 (cinco) anos.
XXVIII Ao condenar o Arguido em pena de prisão inferior ao aplicado, nos termos ora pugnados, dar-se-á grande contributo para a reintegração do agente na sociedade, cumprindo-se o disposto no art. 40.º do Cód. Penal, assim, merecendo provimento o presente Recurso.
XXIX Pelo que a pena de prisão de 5 anos e 6 meses, aplicada ao arguido é desproporcional e desadequada, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto nos artºs. 40º. e 71º., ambos do Cód. Penal.
XXX O Arguido, ora Recorrente, pugnava por uma condenação em pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos de prisão. Observe-se que,
XXXI Os factos apurados, nomeadamente quanto às condições da vida do Arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, supra descritos, não permitem concluir que se deva afastar do poder-dever vinculado de suspensão da execução da pena, com regime de prova, devendo o Arguido ser acompanhado no processo de ressocialização em liberdade. Note-se que,
XXXII Com a suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, o Arguido certamente sentirá a condenação como uma advertência e que não cometa no futuro nenhum crime, tendo perante tal suspensão uma atitude de emenda cívica, de reeducação para o direito.
XXXIII E não o tendo feito, violou o Tribunal “a quo” o disposto no art. 50º., nº. 1 do Cód. Penal.”
XXXIV Atendendo ao tempo já decorrido em que o Arguido se encontra detido preventivamente, será de formular um juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento futuro do arguido. Bem como,
XXXV As condições pessoais, familiares e sociais do Arguido e a sua idade fazem crer que da atenuação especial da pena de prisão resultarão vantagens para a sua reinserção social. Assim,
XXXVI Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser alterada a Douta Decisão recorrida, considerando-se o recurso interposto procedente, e condenar o Arguido, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, numa pena nunca superior a 5 anos de prisão suspensa na sua execução, de acordo com os critérios legais previstos nos artigos 40º, 71º, 73º, 50 do Código Penal e artº 4º do Regime Especial aplicável a jovens delinquentes.
XXXVII E que a pena seja suspensa na sua execução, art. 50°, nº 1 do C. P.. sujeita a regime de prova e acompanhamento pelos serviços de reinserção social tendo assim o arguido uma oportunidade para se ressocializar em liberdade.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, V. Exas., porém, melhor apreciarão, fazendo a costumada Justiça!
O recurso foi admitido para ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, concluindo:
1º- A Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão, datado de 29.11.2024, (Ref.º...59) que o condenou na pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º/1 e 25.º, al. a) do DL 15/93 de 22.01, por referência a tabela I-B anexa ao mesmo diploma, por discordar da medida concreta da pena; segundo o mesmo, o Tribunal “a quo” devia ter aplicado a atenuação especial da pena, por força das suas condições pessoais, previsto no DL 401/82 de 23.09; em consequência disso, devia reduzir a pena de prisão a 5 anos, devendo a mesma ser suspensa na sua execução, nos termos do previsto no art.º50.º do CP.
2º- Quanto à primeira questão, o Ministério Público [à semelhança do acórdão recorrido], entende que, em concreto, não é de aplicar o regime especial penal para jovens delinquentes, previsto no DL 401/82 de 23.09, pois, não obstante a idade do recorrente na data dos factos (19 anos) e a sua situação socioprofissional, existem razões fortes para duvidar da sua possibilidade de reinserção, pois, o mesmo não assumiu, integralmente, o mal praticado dado como provado, atenta a justificação que apresentou para a prática de ilícito.
3º- Bem andou o Tribunal “ a quo” ao considerar que não estão verificados os pressupostos exigíveis para a aplicação de tal regime especial - apesar da de o recorrente não ter antecedentes criminais, ter actividade profissional sem caracter regular – porquanto as razões de prevenção geral, ligadas ao alarme social que o tráfico de estupefacientes transfronteiriço e intercontinental causam, desaconselham a aplicação do mecanismo de atenuação da pena, que seria uma benesse irrazoável para quem, apesar de ter admitido o transporte, o fez de forma descomprometida e desculpabilizante, sem relevar noção da gravidade da sua conduta criminosa
4º- Neste quadro, consideramos que, a idade do recorrente e a sua situação socioeconómica, desacompanhada de qualquer outra atenuante de relevo, não perspectiva um juízo de prognose favorável e positivo de que uma eventual atenuação especial da pena propicie sérias vantagens para sua reintegração social, pelo que, bem andou o Tribunal “a quo” ao não aplicar o regime estabelecido no DL nº 401/82, de 23.09.
5º- Quanto à segunda questão o Ministério Público defende que, o Tribunal “a quo”, na determinação da medida concreta da pena, teve em conta a culpa do agente (art.º 40.º/2 do CP), as exigências de prevenção (geral e especial), as finalidades da punição (Cfr. art.º 71.º e 70.º do CP) e os princípios de proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade (art.º 18.º/CRP)
6º- No acórdão recorrido, o Tribunal “a quo” sopesou o circunstancialismo da ação, a gravidade objetiva dos factos, a culpa evidenciada e o que contra e a favor do recorrente, tendo em vista as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e bem assim a moldura penal abstrata da infração - 4 a 12 anos de prisão – o que torna adequada, pela observância dos critérios definidores dos artigos 40.° e 71.° do CP, a pena de 5 (cindo) anos e 6 (seis) meses de prisão a que o recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21°/1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B anexa a este diploma
7º- A pena concretamente aplicada dá resposta cabal aos fins da punição, à culpa do recorrente e respeita os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, o acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura e, em consequência, deve o recurso improceder, nesta parte.
8º- NO caso concreto, os pressupostos de aplicação do art.º 50.º do CP não se mostram preenchidos, fica, pois, arredada a possibilidade de suspender a pena na sua execução.
9º- Acresce que, não existe, assim, qualquer motivo atendível para alterar, como pretende o recorrente a pena fixada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente e à medida da sua culpa.
10º- Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal os art.º 40º, 50.º, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º do CP, nem o DL 401/82 de 23.09, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.º 420.º/1, al. a), do CPP.
Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.
Porém, Vª. Exas. como sempre, farão a costumada * JUSTIÇA!
*
Nesta instância, foi cumprido o disposto no art. 417º nº 1 do Código de Processo Penal.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que pugna pela aplicabilidade do regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos nos seguintes termos:
«Como se afirma no acórdão do STJ de 21.04.2005, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, “A atenuação especial da pena para jovens delinquentes, prevista no art. 4 do Dec.-Lei n. 401/82, de 23 de Setembro, não se aplica apenas à criminalidade menor, antes se torna mais necessária para crimes de moldura penal mais elevada, quando a imagem global que se forma dos factos e da personalidade do agente nos aponta no sentido de uma futura ressocialização-1
O que acabamos de dizer torna-se mais surpreendente quando se verifica que o Tribunal recorrido valorou em termos de fixação da matéria de facto, mas aqui desconsiderou, o relatório social elaborado em relação ao recorrente onde se assinala, além do mais:
• a existência de uma dinâmica familiar adequada e de entreajuda entre todos os elementos do núcleo familiar do arguido,
• a circunstância de este manter com a sua namorada um relacionamento se apresenta estável e harmonioso,
• a existência de um percurso escolar e profissional sem percalços assinaláveis,
• o facto de apoiar financeiramente ambos os progenitores,
• o facto de, em meio prisional adotar bom comportamento [ser] colaborante e [manter] um relacionamento interpessoal adequado,
• o facto de se ter integrado no projeto “F...”, cujo objetivo é a capacitação dos jovens em cumprimento de pena privativa de liberdade para aquisição de novas competências pessoais e profissionais.
Tem entendido o Supremo Tribunal que o regime penal especial para jovens delinquentes tem como principal fundamento o reconhecimento do peculiar contexto em que ocorre e da especificidade que caracteriza a delinquência dos jovens adultos, razão pela qual, apesar de não ser de aplicação automática, a lei obriga o Tribunal de julgamento a equacionar a aplicação deste regime sempre que existam razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado, considerando a sua personalidade, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
“Não se pode deixar de ter em conta, nesta questão, que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4.º do DL 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.'2
A “prognose favorável” à reinserção social do recorrente só seria de afastar, nomeadamente, se ele tivesse antecedentes criminais, se não tivesse demonstrado qualquer arrependimento ou não tivesse confessado parcialmente e se tivesse tido, em audiência de julgamento, uma postura de indiferença pelas consequências dos seus atos.
Com efeito, diz o Supremo Tribunal de Justiça3 que a atenuação especial só deverá ser afastada quando os factos demonstrem que se está perante uma especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui natural capacidade de regeneração.
Num caso que permite estabelecer pontes com o dos autos, o STJ decidiu que “3. Quando existam elementos coadjuvantes e circunstâncias que permitam, na dúvida, um juízo que não seja desfavorável, e que apontem para a prevalência das finalidades político criminais que estão no fundamento do regime penal de jovens (assegurar, na maior extensão possível e compatível com as exigências de prevenção geral, as finalidades de ressocialização e de integração do jovem condenado nos valores da comunidade), o tribunal deve optar pela aplicação do regime, atenuando a pena nos termos do artigo 4º do referido diploma.
4. . A escassez de elementos que permitam uma decisão positiva e especialmente fundada sobre as características da personalidade do arguido não pode ser negativamente valorada, quando também se não provem factos que decisivamente apontem para a conformação de uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica.
5. . Tendo o arguido 18 anos à data dos factos, estando empregado e vivendo com a sua namorada, de quem tem uma filha de tenra idade, e com quem retomará a convivência após a libertação; confessando parcialmente os factos e tendo reparado os danos da sua conduta e com possibilidade, se libertado, de arranjar emprego, existem elementos suficientes para formular um juízo de prognose favorável e para considerar que resultarão vantagens da aplicação da medida prevista no artigo 4º do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro"4
O Tribunal recorrido fundou o seu juízo de desadequação do regime penal especial para jovens delinquentes, quase exclusivamente ou, pelo menos, em grande medida, nas exigências de prevenção geral que, como afirmou, desaconselham de forma exuberante a aplicação do mecanismo de atenuação da pena.
Ora, assentando este regime numa lógica de reeducação direcionada à reinserção social do jovem condenado, a prevenção especial deve impor-se aqui como elemento preponderante na definição do quadro a levar em conta na determinação da medida da pena.
Não queremos dizer com isto que não haverá aqui lugar à ponderação das exigências de prevenção geral. Muito pelo contrário, a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados não pode ser aqui minimizada.
Mas efetuado que seja um juízo de prognose favorável sobre a evolução positiva da personalidade do jovem condenado, bem como das suas capacidade de ressocialização, juízo esse resultante de uma análise prudente da sua conduta (anterior e posterior aos factos) e da sua personalidade, só em circunstâncias muito excecionais, que o Tribunal recorrido não
refere, poderiam as exigências de prevenção geral opor-se à aplicação do regime especial aqui em causa.
Analisada a matéria de facto provada, afigura-se-nos que ali encontra sustentação o juízo de prognose favorável à reinserção social do recorrente, não sendo temerário afirmar que este é capaz de avaliar criticamente a sua conduta e que é sensível aos valores tutelados pelo direito.
Ao não afastar fundamentadamente a adequação do regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos ao caso dos autos, o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do disposto nos artigos 71º n.º l e 2 alíneas a), d) e f) e 72º n.º l do Cód. Penal e nos artigos 1º e 4º do D.L. 401/82 de 23/9.
4. A aplicação ao recorrente da atenuação especial resultante do regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, do D.L. 401/82, de 23/9, imporá, necessariamente uma reponderação da determinação da medida da pena.
5. Por todo o exposto, emitimos parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, aplicando-se ao recorrente o regime jurídico aprovado pelo D.L. 401/82, de 23/9, e reduzindo-se, em conformidade, a pena de prisão que lhe foi aplicada.
*
Não foi apresentada resposta ao parecer.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal).
II – FUNDAMENTAÇÃO
Quando conhece de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos dos nºs 2 e 3 do art 410º do Código de Processo Penal (art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal), estando fixada jurisprudência no sentido de que: «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»5
Verificam-se as condições para o conhecimento do recurso directamente pelo Supremo Tribunal de Justiça porquanto a pena aplicada é superior a 5 anos e a pretensão do Recorrente, claramente expressa nas conclusões, foi a limitação do seu recurso à aplicabilidade do Decreto-Lei 401/82, de 23.9, relativo aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, medida da pena e sua suspensão.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.s 379º nº 2 e 410º nº 2 do Código de Processo Penal).
*
As questões a decidir são:
1. A atenuação especial (regime penal aplicável a jovens delinquentes);
2. A medida da pena e a possibilidade de suspensão da sua execução.
***
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica:
A) FACTOS PROVADOS
Mostram-se provados os seguintes factos:
Da Acusação (e mantendo a numeração da mesma)
1. No dia 15 de Fevereiro de 2024, pelas 18h30, AA desembarcou no Aeroporto ..., em ..., procedente de ..., Guiné, no voo ...78.
2. AA transportava consigo 2 (duas) bagagens.
3. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, AA transportava no interior das referidas bagagens, um total de 19 (dezanove) placas, envoltas em plástico transparente, distribuídas da seguinte forma:
a. 9 (nove) placas contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 9004.000 g (L);
b. 4 (quatro) placas contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 4000.000 g (L);
c. 3 (três) placas contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 3012.000 g (L);
d. 1 (uma) placa contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 1004.000 g (L);
e. 1 (uma) placa contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 1008.000 g (L);
f. 1 (uma) placa contendo, no seu interior, cocaína (cloridrato) com o peso líquido 1006.000 g (L);
4. AA tinha, ainda, consigo:
a. 1 (uma) mala de viagem de cabine, de cor azul, com marca inscrita “PACOMARTINEZ”;
b. 1 (uma) mochila, de cor preta, de marca indefinida;
c. 1 (um) cartão de embarque em nome de AA referente ao voo ...78 com origem em ... e destino ....
d. 3 (três) notas emitidas pelo Banco Central Europeu com o valor facial de € 20,00 (vinte euros) cada uma, no total de €60;
e. 1 (um) telemóvel, de marca SAMSUNG, modelo Galaxy A03s, de cor preta e capa em silicone de cor preta, SM-A037F/DS com o n.º de série ...XA, com o IMEI ...80 e o IMEI ...87;
f. 1 (um) cartão SIM, da operadora Lycamobile, associado ao contacto telefónico ...43;
g. 1 (um) telemóvel, de marca Apple, modelo Iphone 15, de cor preta e capa em silicone de cor transparente, MTP63ZD/A com o n.º de série ...CW, com o IMEI ...26 e o IMEI ...11;
h. 1 (um) cartão SIM, da operadora Orange, cujo número de telemóvel não foi possível identificar;
i. 1 (um) air Tag, da marca Apple, Ultre Wideband, de cor branco, com o n.º de série ...GV.
5. AA conhecia a natureza e as características estupefacientes da substância apreendida, que aceitou transportar por via aérea, para ser posteriormente comercializada.
7. AA agiu livre e conscientemente determinado, sabendo que a detenção, transporte e a comercialização de cocaína lhe eram proibidos e punidos por lei penal.
8. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
9. O arguido é titular de cartão de residência emitido pelo SEF ..., em 13.01.2022 e com validade até 13.01.2027.
10. Do relatório social elaborado em relação ao arguido consta:
“À data dos factos que originaram o presente processo, o arguido encontrava-se de regresso a Portugal, vindo da Guiné Bissau, onde tinha ido passar uma semana com a mãe, que se encontrava internada no Hospital.
Era sua intenção permanecer alguns dias em Portugal, com o pai, e depois regressar à Alemanha onde estava emigrado.
O arguido viveu na Guiné Bissau até aos 16 anos de idade. Enquanto viveu naquele país, o agregado era constituído pelo arguido, por 7 irmãos mais velhos, agora já autónomos e pela sua mãe, CC, atualmente com 69 anos de idade, reformada. Segundo o referido pelo arguido, o pai era militar de profissão e veio para Portugal há cerca de 40 anos, onde prestou serviço. Regressava à Guiné alguma vezes por ano, para visitar a família. Presentemente, o pai encontra-se com vários problemas de saúde e está hospitalizado há cerca de 7 meses por ter sido sujeito a uma cirurgia de amputação de um pé.
Aos 16 anos, por decisão própria e tento o apoio da família, o arguido decidiu vir para Portugal, com o intuito de prosseguir os estudos. Porém, segundo referiu, o pai apresentava alguns problemas de saúde e dificuldades financeiras, pelo que se viu-se forçado a procurar colocação laboral.
Apesar do pai não ter integrado o agregado familiar de forma continua, AA refere a existência de uma dinâmica familiar adequada e de entreajuda entre todos os elementos do núcleo familiar.
A nível afectivo, o arguido mantém uma relação de namoro há cerca de 3 anos com DD, de 20 anos de idade, estudante. Não obstante, terem estado alguns períodos de tempo separados, devido à emigração do arguido na Alemanha, e agora por estar preso preventivamente, tanto o arguido, como a namorada referem que o relacionamento se apresenta estável e harmonioso.
Quando AA chegou a Portugal, integrou o agregado familiar do pai, que vivia em ..., numa casa arrendada, de tipologia 1. Segundo o arguido, a casa apresentava adequadas condições de habitabilidade. Presentemente, por se encontrar internado, o pai terá deixado a habitação. Assim, no futuro, e caso permaneça em Portugal, o arguido pretende integrar o agregado familiar de uma amiga, EE, de 35 anos, na morada acima indicada. EE, confirma o apoio, referindo que mantém uma relação de amizade com o arguido desde que este chegou a Portugal. AA está habilitado com o 9.º ano de escolaridade, grau de ensino que concluiu no seu país de origem. Alude que apresentou um percurso escolar adequado e com bons resultados. Em Portugal pretendia dar continuidade aos estudos, o que não se mostrou viável.
Menciona que iniciou o percurso laboral em 2020, desempenhando funções de aprendiz numa carpintaria, tendo celebrado contrato de trabalho. Manteve esta atividade até setembro de 2022, altura em que ficou desempregado. Em 09 de outubro de 2022, emigrou para a Alemanha, alegadamente, por ter tido uma proposta de trabalho, da qual tomou conhecimento através de amigos. Na Alemanha passou a trabalhar numa fábrica de madeiras (fazia travessas para a linha do comboio), onde formalizou contrato de trabalho. Partilhava um apartamento com alguns amigos, despendendo 200€/mês de renda. Segundo referiu, na Alemanha auferia um vencimento mensal que rondava os 1500€ euros. O arguido percepcionava a situação económica da família como escassa, pelo que, canalizava uma parte do seu salário para ajudar a família, alegando que enviava 300€ para a Guiné para ajudar a mãe, e 300€ para Portugal para ajudar o pai. Segundo referiu, o pai, recebia uma pensão de reforma muito baixa (cerca de 500€), o que se mostrava insuficiente para pagar a renda da casa num valor mensal de 300€, para as despesas com medicamentos e para assegurar a subsistência do mesmo.
Em termos de ocupação de tempos livres não mantinha atividade estruturada, refere que ocupava o tempo no convívio com os colegas de casa, ou aproveitava para descansar. AA não assume qualquer tipo de comportamento aditivo.
Sendo este o primeiro contacto com o sistema de justiça penal, a actual situação jurídico-penal é vivida pelo arguido com angústia e receio do desfecho que poderá ter o presente processo. Em termos abstratos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade, bem como a existência de vítimas.
O arguido considera que o presente processo judicial não lhe trouxe alterações significativas ao nível do apoio de familiares e amigos. Apesar de, no presente, não poder contar com a ajuda do pai, porque este se encontra hospitalizado, mantem o apoio da namorada, DD e da amiga, EE. Estas mostram-se disponíveis para o auxiliar no que se mostrar necessário, visitam-no no E.P. sempre que podem e apoiam-no financeiramente, na medida das suas possibilidades.
A natureza do crime que motivou a reclusão de AA, constituiu-se uma surpresa para a namorada e para a amiga, porque consideravam que o mesmo apresentava uma postura cordata e de adesão às normas familiares e sociais.
Em meio prisional, o arguido adopta bom comportamento é colaborante e mantém um relacionamento interpessoal adequado. Por forma a manter-se ocupado foi integrado no projeto “F...”, cujo objetivo é a capacitação dos jovens em cumprimento de pena privativa de liberdade para aquisição de novas competências pessoais e profissionais.
O arguido salienta que tem a situação regularizada em Portugal (tem autorização de residência valida por cinco anos) e, no futuro, almeja permanecer neste país onde observa ter mais oportunidades e um futuro melhor.
De nacionalidade Guineense, AA veio para Portugal com 16 anos de idade com o objectivo de dar continuidade aos estudos. Integrou o agregado familiar do pai, que já vivia em Portugal há vários anos. Não logrou prosseguir os estudos, porque, segundo referiu, o pai passou apresentar alguns problemas de saúde e AA foi forçado a procurar colocação laboral para poder assegurar o seu sustento e ajudar o pai nas despesas médicas que este passou a ter.
Posteriormente emigrou para a Alemanha onde conseguiu colocação laboral. Na semana que antecedeu a prisão, foi passar uns dias à Guiné Bissau, com o intuito de visitar a mãe que se encontrava doente. Depois viajou para Portugal, para visitar o pai, sendo sua intenção regressar à Alemanha, onde tinha o seu trabalho.
Não obstante o pai do arguido ter estado afastado do agregado de origem por motivos laborais, AA destaca que cresceu num ambiente familiar harmonioso onde persistem laços afetivos entre todos os elementos do agregado familiar.
Na actual situação de reclusão, o arguido, conta com o apoio da namorada e de uma amiga que se mostram disponíveis para o apoiar, quer na actualidade, quer num futuro próximo. Tanto DD, namorada, como a amiga EE, salientam que o arguido sempre adoptou um estilo de vida ajustado e consentâneo com as normas familiares e sociais.
Em termos abstratos, relativamente a factos de idêntica natureza àqueles pelos quais se encontra acusado, o arguido reconhece o carácter danoso dos mesmos e a existência de vítimas.
Em contexto prisional apresenta um comportamento isento de reparos e frequenta um projeto que lhe pode proporcionar a aquisição de novas competências pessoais e profissionais.
Por ter autorização de residência regularizada em Portugal, no futuro, perspetiva permanecer no país, onde conta com o apoio da namorada e de amigos.”
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, concretamente que:
Da Acusação
1. pretendendo obter nessa transacção montante pecuniário, que se traduziria em lucro;
2. a quantia monetária e telemóveis supramencionados, foram obtidos e destinavam-se a ser utilizados por AA na descrita actividade;
3. o arguido não tem quaisquer amigos ou emprego em Portugal, onde apenas se deslocou para praticar a factualidade acima narrada;
4. o arguido não tem quaisquer familiares em Portugal;
Da Defesa
5 – o arguido aceitou fazer o transporte por ter sido ameaçado por vários policias, enquanto se encontrava na Guiné Bissau.
Quanto à aplicabilidade do Regime Jurídico dos Jovens Adultos, o acórdão recorrido ponderou:
Há antes de mais que ponderar da aplicabilidade do Regime Jurídico dos Jovens Adultos, uma vez que não pode esquecer-se que à data dos factos o arguido, apesar de penalmente imputável, tendo nascido em ... de ... de 2004, e tendo o crime ocorrido em fevereiro de 2024, não havia ainda completado 20 anos.
A significar que deve proceder-se à aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro, e ponderar-se da eventual aplicação da atenuação especial prevista no art. 4º do citado diploma legal. Aliás, a importância dos interesses públicos inspiradores também deste regime e nele imanentes implica que, conforme entendimento estabilizado, a questão da sua aplicabilidade seja de conhecimento oficioso pelo Tribunal decisor e que a falta de pronúncia sobre ela importa nulidade da decisão (art. 379º, nº 1, al. c), do C.P.P.).
Tal regime especial resulta da consideração por parte do legislador deste período existencial como de especial vulnerabilidade biológica, psíquica e social, manifestando uma opção por medidas e ou sanções que promovam a responsabilização e socialização sem os riscos de estigmatização e marginalização. Como é sabido, subjazem aos objectivos do regime especial dos jovens imputáveis, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos, constante desse diploma, relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal.
Estão relacionados com as conhecidas características das fases de desenvolvimento dos jovens nessas idades, que integram períodos de intensa reorganização dialéctica, implicando frequente vulnerabilidade biológica, psíquica e social. Repita-se, vulnerabilidade que sublinha a importância, no interesse individual e comunitário, de se tentar proporcionar ao jovem, tanto quanto possível, uma moratória de ajustamento social, facilitando e promovendo condições de ressocialização responsabilizante, mas com o menor risco possível de estigmatização. O que passa pela cautela de não se encarar a reacção à passagem ao acto em função da consideração excessiva do plano do desvalor objectivo desse acto, esquecendo as referidas características de quem não se encontra ainda numa fase de suficiente maturidade, tendo por isso acrescidas virtualidades de ressocialização, as quais constituem vantagem que é premente tentar aproveitar não só, em benefício do jovem, mas também, visando o sempre muito relevante aspecto, dos interesses fundamentais da comunidade.
Resulta expressivamente do preâmbulo do Dec.-Lei nº 401/82, que esses objectivos se traduzem no intuito de, sempre que possível e adequado às exigências concretas de prevenção especial e geral, se optar, relativamente aos jovens imputáveis, por medidas ou sanções que, tendo em conta o processo real de desenvolvimento do jovem, promovam a sua responsabilização e socialização ou ressocialização sem os referidos riscos evitáveis de efeitos criminógenos de estigmatização e de marginalização frequentemente ligados às medidas institucionais, designadamente às penas de prisão. Tudo em harmonia com os instrumentos e recomendações da O.N.U. e do Conselho da Europa, os nossos valores e princípios constitucionais e os dados mais significativos da criminologia relativa à delinquência juvenil, que inspira a filosofia do nosso sistema.
Em harmonia com tais objectivos, esse regime especial prescreve, além do mais, no seu art. 4º que, no caso de ser de aplicar pena de prisão, ela deve ser especialmente atenuada, - independentemente da verificação das circunstâncias com os efeitos previstos na segunda parte do nº 1 do art. 72º do C.P., indicadas, a título exemplificativo, no nº 2 deste artigo -, sempre que o Tribunal tenha sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Concretamente, só pode proceder-se a tal atenuação, nos termos dos art. 72º e 73º do C.Penal se for possível efectuar um juízo de prognose positiva relativamente à satisfação das finalidades subjacentes às sanções penais. Para apurar de tal juízo, é necessário ponderar dos antecedentes criminais, do ambiente familiar, dos sentimentos manifestados por parte do jovem relativamente à sua conduta, e claro os seus objectivos de vida.
Como resulta do que acima se expôs quanto aos fundamentos do regime especial prescrito no referido diploma, o Tribunal, ao fazer o juízo sobre a aplicabilidade dessa disposição prescrevendo a atenuação especial, não pode atender de forma exclusiva ou desproporcionada à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido.
Tem o Tribunal de considerar a globalidade da actuação e da situação do jovem, por forma a avaliar, em primeira linha, se no caso é viável, na consideração equilibrada dos fins das penas, efectivar o objectivo, que fundamentalmente inspira esse regime especial, de evitar, na medida do possível, a aplicação de penas de prisão a jovens adultos; e, seguidamente, se for porventura de concluir pela necessidade da prisão para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, ponderar a possibilidade de adequar a pena concreta aos seus fins de protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art. 40º do C.Penal), na consideração ajustada das exigências especiais dessa reintegração resultante de o agente ser um jovem imputável, num período de latência social.
Deverá, designadamente, avaliar se a pena concreta derivada da aplicação dos critérios legais no quadro da moldura abstracta normal prevista para o crime ou cúmulo de crimes não será excessiva, por limitativa dos objectivos da reinserção, consideradas as especiais exigências de socialização ou ressocialização do jovem agente (ainda no limiar da maturidade, com uma noção de tempo e uma necessidade de perspectiva de futuro muito próprias, a respeitar e a aproveitar no estímulo à interiorização dos valores ínsitos nos bens jurídicos com protecção penal). Salvaguardas que sejam, naturalmente, as exigências de prevenção geral ligadas à protecção dos bens jurídicos; porém com a clara consciência da importância fundamental que para essa protecção assume a reinserção do agente.
Tal reinserção pode, pelas referidas características do jovem, ser injustificadamente dificultada ou mesmo comprometida, para mais tendo em conta as bem conhecidas dificuldades para a sua efectiva consecução no ambiente prisional comum, por uma pena de reclusão que importe um período de afastamento da vida individual e social em liberdade desproporcionado relativamente às exigências de reintegração do jovem. O que, em cada caso, tem de ser avaliado, na ponderação adequada das duas aludidas finalidades da pena, por forma a que, quando for de concluir resultar aquele excesso da determinação da pena concreta no quadro da moldura abstracta geral, se opte, em obediência ao espírito da disposição do art. 4º do citado diploma, pela atenuação especial da pena nos termos do art. 73º do C.P.
Ora, resulta dos autos, que o arguido não tem antecedentes criminais registados e tem actividade profissional embora não com caracter regular (tanto assim que pôde viajar). Além do mais, as razões de prevenção geral, intrinsecamente ligadas ao alarme social que o tráfico de estupefacientes transfronteiriço e intercontinental, desaconselham de forma exuberante a aplicação do mecanismo de atenuação da pena, que seria uma benesse irrazoável para quem, apesar de ter admitido o transporte, o fez de forma descomprometida e desculpabilizante, sem relevar noção da gravidade da sua conduta criminosa, sem nunca reverter o seu erro, nem assumindo a sua concreta posição.
Pelo que, não pode senão concluir-se que não estão verificados os pressupostos exigíveis para a aplicação de tal regime especial, a que subjaz a não consideração excessiva do desvalor objectivo, o que não é adequado face ao tipo do crime sub iudice, que aliás sempre exige na jurisprudência a aplicação de pena de prisão efectiva, pois o desvalor objectivo da conduta do arguido é incontornavelmente elevado e a sua conduta posterior em nada reverteu a gravidade das consequências do seu acto.
Quanto à pena e à determinação da sua medida concreta, o acórdão recorrido procedeu à seguinte análise:
Assim, e procedendo à escolha e determinação da medida da pena, há que ter em conta, desde logo, a moldura penal abstracta prevista no artigo 21º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, estando em causa a punição com pena de prisão, podendo variar esta entre quatro a doze anos.
O Tribunal reger-se-á, desde logo, pelo artigo 40º do Código Penal, nos termos do qual se preceitua que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Já de acordo como disposto no artigo 71º, n.º 1, do C.Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
A determinação da pena concreta fixar-se-á, portanto, em função:
- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do princípio político-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana;
- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites (vide Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa, 1993, pág. 213 e seguintes).
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do C.Penal: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a gravidade das consequências bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior e posterior; a falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, tomar-se-á em consideração o seguinte conjunto de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, depõem contra ou a favor do arguido:
- no caso em apreço, o grau de ilicitude é elevado, tendo em conta a quantidade e qualidade de droga que o arguido detinha, bem como a forma evidente de transporte do produto, assumindo o arguido a qualidade de elo essencial na cadeia de comercialização de estupefacientes;
- o dolo do arguido foi directo, pois que este tinha plena consciência de que trazia consigo substâncias proibidas e das consequências que poderiam advir de tal conduta, tendo, mesmo assim, persistido na sua conduta criminosa;
- a favor do arguido está a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais relacionados com este tipo de criminalidade ou outro, encontrando-se social e familiarmente integrado;
- tem ainda de considerar-se o facto de o arguido ter 19 anos à data da prática dos factos e de nada se ter apurado quanto à motivação da sua actuação, concretamente nada resultou apurado quanto à retribuição pelo transporte realizado.
Na ponderação da dosimetria da pena deste tipo de ilícitos criminais têm de tecer-se diversas considerações, sempre sem perder de vista que uma das finalidades das penas é a protecção dos bens jurídicos (arts.50, nº. 1 in fine e 40, n.º1, ambos do C.Penal).
Seguindo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.02.2009, no âmbito do processo de recurso n.º 11235 (Relator Manuel Saraiva), “ não pode olvidar-se que nos casos, como o dos presentes autos, está em causa pessoa que aceitou ser uma peça na cadeia que leva a droga do produtor aos consumidores, ultrapassando continentes, desse modo participando na globalização deste crime e não se importando de ser usado como instrumento descartável nas mãos dos grandes traficantes, tendo como única motivação o lucro, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, o que não abona em favor da sua personalidade. (…)
A legislação nacional em matéria de combate à droga, apoia-se nas Convenções das Nações Unidas de 1961 (Convenção Única sobre os Estupefacientes), de 1971 (Substâncias Psicotrópicas) e 1988 (Contra o Tráfico Ilícito), ratificadas por Portugal, estando os seus desenvolvimentos mais recentes consolidados na reforma de 1983 e na revisão de 1993, o Decreto-Lei n. ° 15/93, de 22 de Janeiro, ainda em vigor, com algumas alterações. No âmbito do combate a esta criminalidade, foi constituída em 1998, a denominada Comissão para a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga (CENCD) que teve como objectivo genérico propor ao Governo linhas de acção susceptíveis de auxiliar na formulação de uma estratégia global de intervenção no domínio das drogas e toxicodependências.
O relatório final contendo as suas propostas e recomendações veio a ser aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n. º 46/99 que, reconhecendo a necessidade de medidas humanistas, através da garantia de acesso a meios de tratamento a todos os toxicodependentes, ao mesmo tempo constatou a dimensão mundial da droga, reclamando respostas à escala internacional e continental e sublinhou a necessidade de reforço do combate ao tráfico ilícito de drogas, como imperativo para o Estado de Direito, a bem da segurança, da saúde pública e da própria estabilidade das instituições.
Este fenómeno não passou despercebido às instituições da União Europeia, como decorre da Decisão-Quadro 2004/757/JAI do Conselho, de 25 de Outubro de 2004, que adopta regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infracções penais e às sanções aplicáveis no domínio do tráfico ilícito de droga, prevendo, além do mais, a obrigação de cada Estado membro tomar medidas para garantir sanções efectivas, proporcionais e dissuasoras, nomeadamente contra o transporte de drogas que causem maiores danos à saúde (arts.2º e 4º).
Estes princípios vieram a ser reafirmados no Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/06, de 18 de Setembro (DR 1ª Série, n.º 180) onde, além do mais, foi sublinhado o objectivo de desenvolver e participar em actividades de cooperação e intercâmbio com outros países da União Europeia e países terceiros, ao nível do controlo da importação, exportação e trânsito de precursores, consolidando e reforçando as estruturas de prevenção e investigação do tráfico internacional de estupefacientes instalados nos aeroportos nacionais.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, cumprindo o dever de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (art.202º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa). “
Na verdade, o tráfico de estupefacientes é um flagelo das sociedades hodiernas sendo responsável, directa ou indirectamente, pela morte de milhares de pessoas, atingindo muitas outras na sua integridade física pelas sequelas, físicas e psíquicas, permanentes e irreversíveis, que o seu consumo ocasiona.
Tal tipo de crime alarma ainda a sociedade por ser fracturante da organização familiar, estando associado à ruptura do tecido social e à crescente criminalidade contra o património, sendo causa de taxa considerável de morbilidade e a mortalidade, o que sem dúvida reclama um reforço dos mecanismos de coordenação internacionais e a intensificação das acções preventivas contra a criminalidade ligadas à droga. Como refere o acórdão do STJ datado de 06-09-2017, acessível em www.dgsi.pt. com o n.º de processo 4029/15.6TDLSB.L1.S1: “o crime de tráfico de estupefacientes, para além dos efeitos deletérios e erosivos do vivenciar social e pessoal, induz e desencadeia a produção de outra criminalidade, não só rotineira, com furtos, roubos, violência doméstica, etc., como criminalidade mais violenta e sofisticada, como seja o financiamento de terrorismo, o branqueamento de capitais, a corrupção, homicídios (assassinatos), subversão da ordem social e da organização administrativa burocrática (veja-se o que acontece em países como o México (cidades como Culiacán, por exemplo, totalmente tomada pelos grupos de narcotraficantes (Sinaloa) e Juárez (cartel de Juarez), a Colômbia e mais perto na Itália, mormente em cidades como Nápoles e na Sicília)”.
A tipificação de tal crime visa, pois proteger a vida e a integridade física das pessoas, a liberdade individual, a sua capacidade de autodeterminação, a estabilidade e harmonia familiar e social mas também a economia dos Estados, afectada por negócios paralelos e subterrâneos, levados a cabo por verdadeiras redes tentaculares e com forte carácter organizado.
Tudo a reclamar que se assegure um nível elevado de segurança dos cidadãos comunitários, adoptando medidas de luta contra a produção de droga e o tráfico internacional,
Ademais, o tráfico de droga é, actualmente, a actividade mais importante do crime organizado ao nível internacional, afirmando-se como o 2° maior negócio do mundo, a seguir ao das armas, neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, n.º processo 514/09.7JELSB.L1-5.
Estamos perante um crime de tráfico de droga, – cocaína –, cuja modalidade de transporte é efectuada através de correios de droga, os quais se deslocam entre continentes, sendo que as necessidades de prevenção geral são fortíssimas, atenta a danosidade social que se mostra associada ao consumo deste tipo de estupefaciente (decadência física e desinserção social, profissional e familiar dos consumidores, a que acresce o aumento da prática de vários tipos de ilícitos contra o património, tão frequentemente associados ao consumo de estupefacientes, como forma de financiar o mesmo).
Logo, entra-se no âmbito da criminalidade grave, com o arguido detido no aeroporto ..., vindo de país africano, com cerca de dezanove quilogramas de cocaína, o que não é sinónimo de conduta individual e ocasional (para o que, no caso concreto, manifestamente não teria meios), mas de uma conduta inserida no âmbito de criminalidade organizada, em que o arguido conscientemente aceitou participar e que razões de política criminal impõem seja punido por forma suficientemente dissuasora.
Ora, tal objectivo não será minimamente alcançado com uma pena próxima do limite mínimo, susceptível de criar a sensação de impunidade, ao mesmo tempo que daria a ideia de um poder punitivo enfraquecido, tolerante com este tipo de conduta, em matéria que a comunidade, o Estado e as Instituições Internacionais reconhecem ser necessária uma reacção penal dissuasora.
Perante o transporte internacional de quantidade significativa de cocaína (repita-se, produto estupefaciente dos mais perniciosos), é manifesto que a pena de prisão tem de ser proporcionalmente longa, por forma a defender adequadamente o valor jurídico-penalmente consagrado e para estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
O caso em apreço é de uma manifesta simplicidade, sendo evidente o elevado grau de ilicitude dos factos, emergente da droga detida pelo arguido (cocaína, considerada droga dura), como "correio de droga" no contexto de um transporte intercontinental.
Trata-se de uma prática criminosa frequente, sendo Portugal um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de estupefacientes provindos dos países produtores de cocaína, normalmente da América do Sul e África, por vezes recorrendo os “correios” a uma rota indireta, com passagem por terceiros países, para tentar iludir a vigilância policial.
Os “correios de droga” costumam ser pagos por cada transporte efetuado, sendo normalmente recrutados em meios sociais economicamente desfavorecidos. Embora não sejam donos da droga transportada, acabam por ter um papel relevante de fazer a conexão entre a produção e os armazenistas mais próximos dos consumidores, sem a qual o tráfico não teria lugar.
Ainda neste seguimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 03-05-2018, publicado em www.dgsi.pt, processo n.º 249/17.7JELSB.L1-9 onde se refere “o chamado “correio de droga” é uma peça importante no mercado de estupefacientes. É através dele que, a determinado nível claro está, se processa a circulação dos estupefacientes sendo, por conseguinte, peça relevante no acesso às drogas pela generalidade dos consumidores. É ele que assume um papel intermédio no circuito de distribuição contribuindo de forma determinante para a difusão alargada de drogas tal como hoje ela se faz. Os chamados “grande e médio traficante” precisam de montar o seu circuito de distribuição para levar a cabo o seu objetivo e dele fazem parte, não sendo dispensáveis, tanto os “correios” como os “dealers de rua”, salientando-se também que a “o tráfico internacional de estupefacientes é, legalmente, considerado criminalidade altamente organizada (artigo 1º, al. m), do Código Processo Penal).
A conduta do arguido que, como "correio", transporta cerca de dezanove kilogramas de cocaína do continente africano para a Europa, com total indiferença para os malefícios que do produto adviriam para a vida e saúde dos futuros consumidores, suas famílias e sociedade em geral, não abona em favor da sua personalidade.
Além do mais, tem de salientar-se a natureza do produto estupefaciente por ele transportado e detido (cocaína), sendo precisamente das mais perigosas e com fortíssimo poder aditivo no plano psíquico, fonte de ampla criminalidade direta e indireta.
Indubitavelmente que cerca de dezanove quilogramas de cocaína serão consumidos por um número elevado de consumidores, afectando aqueles valores e representam um valor económico importante. Especificamente, e considerando os indicadores constantes de documentos oficiais, a cocaína no caso vertente, representaria o suficiente para aproximadamente 90.000 consumos diários/média.
A necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional é, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, interiorizada na consciência da generalidade das pessoas, a que os tribunais não podem ficar indiferentes ao administrar a justiça, pelo que razões de política criminal impõem que este tipo de condutas ilícitas seja punido por forma suficientemente dissuasora.
As necessidades de prevenção especial são medianas, atenta a inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais do arguido, que beneficia de apoio familiar. Pese embora seja impressiva a quantidade de cocaína transportada, o facto de o arguido ter 19 anos à data do transporte e de nada ter resultado quanto ao intuito lucrativo, tem de operar compensatoriamente na dosimetria da pena.
Tudo ponderado, e não menosprezando o enfoque das razões de prevenção geral, uma vez que o tráfico de droga é um fenómeno que a ordem jurídica quer erradicar da sociedade, pois que tal crime atenta directamente com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, entende o Tribunal ser de aplicar ao arguido uma pena de cinco anos e seis meses de prisão.
***
1. A atenuação especial (regime penal aplicável a jovens delinquentes)
O Recorrente apela a que se pondere as circunstâncias da sua vida para decidir pela atenuação especial por força da aplicação do regime penal aplicável a jovens delinquentes.
Salienta que não regista qualquer antecedente criminal, que trabalhava até ser detido, que está integrado socialmente, familiarmente e profissionalmente, com apoio e visitas da namorada com quem tem um relacionamento estável e harmonioso à cerca de 3 anos e apoio de uma amiga, que sempre adoptou um estilo de vida ajustado e consentâneo com as normas familiares e sociais e que no contexto prisional tem mantido um comportamento institucional correcto, colaborante, ocupando o tempo num projecto “F...”, cujo objectivo é a capacitação dos jovens em cumprimento de pena privativa de liberdade para aquisição de novas competências pessoais e profissionais.
O acórdão recorrido, se bem que sinteticamente, reconhece a sua inserção social – dizendo que “resulta dos autos, que o arguido não tem antecedentes criminais registados e tem actividade profissional embora não com caracter regular (tanto assim que pôde viajar)”.
Porém, não deixa de equacionar que o arguido “apesar de ter admitido o transporte, o fez de forma descomprometida e desculpabilizante, sem relevar noção da gravidade da sua conduta criminosa, sem nunca reverter o seu erro, nem assumindo a sua concreta posição”. Basta ler a parte do acórdão recorrido relativa à fundamentação da matéria de facto para compreender que as declarações do Recorrente estão pejadas de “lacunas e inconsistências… afirmações genéricas”. Também não pode deixar de se registar com estranheza que uma das testemunhas, inspector da Polícia Judiciária, referisse que «o arguido, quando foi abordado por si, lhe perguntou baixinho “não me estás conhecer?”».
O acórdão recorrido afastou a aplicação do mecanismo de atenuação da pena por essas razões que se prendem com a postura desculpabilizante do Recorrente em julgamento, que o acórdão recorrido bem retrata, a que se aliam “as razões de prevenção geral, intrinsecamente ligadas ao alarme social que o tráfico de estupefacientes transfronteiriço e intercontinental” e ainda “a sua conduta posterior em nada reverteu a gravidade das consequências do seu acto”, sendo “o desvalor objectivo da conduta do arguido (…) incontornavelmente elevado”.
Apresenta-se, assim, suficientemente fundamentada a impossibilidade de realizar um juízo de prognose positivo relativamente à reinserção social do arguido, ora Recorrente.
E é de manter essa posição.
Na realidade, o regime penal especial para jovens corresponde a um poder-dever e deve ser aplicado desde que se verifiquem os respetivos pressupostos - ter o agente entre 16 e 21 anos de idade à data dos factos e haver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do condenado - nos termos dos art.s 4º do Decreto-Lei 401/82, de 23.9 e 72º e 73º do Código Penal se o tribunal, em decisão fundamentada, tiver sérias razões para crer que dela resultam vantagens para a reinserção social do jovem, em face das concretas circunstâncias dadas como provadas.
É certo que a gravidade do ilícito não pode constituir, por si só, fundamento para afastar o regime penal especial para jovens, mas essa gravidade não pode deixar de ser ponderada e, in casu, o tráfico internacional por via aérea de 19 kg de cocaína que o arguido praticou, é dos crimes que mais preocupa e alarma a nossa sociedade pelos seus nefastos efeitos, à custa da saúde e liberdade dos consumidores, com trágicas consequências na coesão familiar destes e fortes reflexos na comunidade em geral. As penas previstas para o crime de tráfico de estupefacientes, evidenciam a intensa ressonância ética daquele tipo penal inscrita na consciência da comunidade.
Pese embora a posição assumida pelo Digno Procurador-Geral Adjunto, entendemos que a postura desculpabilizante do Recorrente, neste contexto – crime particularmente grave no âmbito do tráfico internacional de estupefacientes, atendendo à quantidade (particularmente elevada e pouco habitual em casos de tráfico por via aérea) e qualidade da droga e às elevadíssimas necessidades de prevenção – justifica que se considere que não resultam vantagens para a sua reinserção da atenuação e, consequentemente, há fundamento bastante para as reservas expressas no acórdão recorrido e para o consequente afastamento da aplicação do Decreto-Lei 401/82, de 23.96.
Não pode deixar de se registar que, apesar de não se justificar a atenuação especial, a idade, pode e deve ser considerada como atenuante geral e, in casu, foi efectivamente ponderada e sublinhada no corpo do acórdão recorrido.
4. Medida da pena e possibilidade de suspensão da sua execução
Para justificar simultaneamente as razões da atenuação especial, redução da medida da pena e suspensão da execução da pena de prisão, o Recorrente alude às ameaças e coacção a que o arguido teria sido sujeito para ser obrigado a fazer o transporte, invocando que “resulta assim do senso comum que ninguém passaria com uma mala e com uma mochila de cabine por pórticos/vigilância de um aeroporto sem que tivesse sido detectado os 19 kg de cocaína”.
Quanto a essa versão alternativa, as dúvidas sobre a factualidade assente que o Recorrente suscita não têm qualquer suporte probatório, sendo certo que dos factos provados resultam evidentes os contornos da sua conduta. O tribunal a quo apreciou essa versão dos factos e considerou avisada e fundamentadamente que a mesma não tinha qualquer suporte, de acordo com os princípios da livre apreciação da prova, sem que se denote a violação do princípio in dubio pro reo e em termos que não denotam a existência de qualquer vício da decisão, de conhecimento oficioso. Por isso, tendo o Recorrente limitado o seu recurso à questão da pena (atenuação especial, medida da pena e suspensão da sua execução) e não tendo impugnado a matéria de facto, não podem tais questões ser consideradas nesta instância recursiva na apreciação
Para sustentar a redução da pena fixada, o Recorrente apela também a aspectos com ressonância na factualidade provada: a sua idade, a ausência de antecedentes criminais, a sua integração social, familiar e profissional, apoio exterior e comportamento institucional correcto e colaborante em reclusão, estilo de vida pretérito normativo, como factores a ponderar na determinação da medida da pena.
Nos termos supra transcritos, o acórdão recorrido atendeu à culpa como limite superior da pena e às exigências de prevenção geral e especial, ponderando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, respeitando o disposto nos art.s 40º e 71º do Código Penal, ao contrário do alegado. Salienta em desfavor do arguido, o grau de ilicitude elevado, tendo em conta a quantidade e qualidade de droga e a sua posição como “elo essencial na cadeia de comercialização de estupefacientes”; o dolo directo, assinalando a persistência da conduta criminosa; A favor, destaca a ausência de antecedentes criminais, a integração social e familiar, a idade (19 anos à data da prática dos factos).
Depois, fundamentou as razões para a necessidade de combate ao tráfico de droga, em particular o tráfico internacional ser, indiscutivelmente, uma exigência da comunidade internacional, com suporte em convenções e instrumentos internacionais, nacionais e jurisprudência pertinente para destacar a relevância dos correios de droga e a necessidade de “uma reacção penal dissuasora”, com penas de prisão proporcionalmente longas, por forma a defender adequadamente o valor jurídico-penalmente consagrado e para estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Acaba ponderando devidamente as necessidades de prevenção geral elevadas e as necessidades de prevenção especial medianas com especial enfoque no “facto de o arguido ter 19 anos à data do transporte e de nada ter resultado quanto ao intuito lucrativo” que “tem de operar compensatoriamente na dosimetria da pena”.
Constata-se, assim, que o tribunal a quo respeitou os princípios gerais que presidem à determinação da medida da pena e as operações de determinação impostas por lei, com a indicação e consideração dos factores de medida da pena, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias atendíveis.
Dir-se-á mesmo que só a relevância concedida a factores atenuantes como a idade, a inserção social, familiar e profissional, explicam a dosimetria da pena nos cinco anos e seis meses de prisão, apesar das fortes exigências de prevenção geral e do elevado grau de ilicitude, atendendo designadamente à qualidade de estupefaciente transportada e, sobretudo, à quantidade inusitada neste tipo de tráfico internacional por via aérea por “correio de droga”.
O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena e a sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas, de acordo com Figueiredo Dias7 não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se “tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”8 reconhecendo-se, assim, uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar9.
Resta, então apreciar se a pena definida pelo tribunal a quo é excessiva, como sustenta o Recorrente, ou se, ao invés, se mostra justa, adequada e proporcional, sendo certo que não sendo caso de manifesta desproporcionalidade10, não se justifica qualquer compressão.
A pena foi fixada em cinco anos e seis meses de prisão, abaixo do 1/5 da moldura penal, sendo particularmente impressivo que a conduta do arguido ocorreu num quadro de tráfico internacional por via aérea de uma quantidade inusitadamente muito significativa (cerca de 19 kg) de cocaína. A pena está em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal para casos semelhantes11.
Consequentemente, a pena está plenamente fundamentada, mostrando-se justa – proporcional, adequada e necessária – e conforme aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal, não merecendo qualquer censura, a condenação na pena fixada.
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Face à manutenção da pena concreta em medida superior aos cinco anos de prisão, fica prejudicada a possibilidade de ponderação da suspensão da execução da pena, por inadmissibilidade legal (art. 50º nº 1 do Código Penal).
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UC.
Jorge Raposo (Relator)
Carlos Campos Lobo
José Carreto
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1. Texto integral em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2005:05P658.20?search=pljWPxQpq hqqjYfjG2E
2. Ac. STJ de 05.07.2007, relator Simas Santos, texto integral em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2007:07P2055.EE?search=pljWPxQpqhqqjYfjG2E
3. Ac. STJ de 14.07.2004, relator Sousa Fonte, consultável em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2004:04P1787.BC?search=pljWPxQpqhqqjYfjG2E
4. Ac. STJ de 03.03.2005, relator Henriques Gaspar, texto integral em:
https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2005:04P4706.6A?search=pljWPxQpqhqqjYfjG2E
5. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 5/2017, publicado no Diário da República n.º 120/2017, Série I de 23.6.2017.
6. Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.9.2022, proc. 178/20.7PALGS.S1; sobre o regime penal aplicável a jovens delinquentes, no caso de crime de tráfico de estupefacientes, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2012, no proc. 298/11.9JELSB.L1.S1; de 11.10.2023, no proc. 648/23.5JAPRT.S1; ainda sobre o regime penal aplicável a jovens delinquentes (outros crimes), o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.9.2024, no proc. 19/22.0PEPRT.P1.S1, em que se afirma: “O regime especial para jovens delinquentes, ainda que possa ser entendido numa lógica de prevenção especial, condicionada à vantagem na sua aplicação da reinserção social do jovem condenado, não pode deixar de ter, na sua ponderação e aplicação, exigências de prevenção geral nas suas duas dimensões, sob pena de fragilização do sistema jurídico”.
7. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, 2009, §255, pg. 197.
8. Neste sentido também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2008 e 11.7.2024, respectivamente nos proc.s 08P1964 e 491/21.6PDFLSB.L1.S1.
9. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, CJ 2004, 1, pg. 220 e de 20.2.2008, proc. 07P4639.
10. “A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na justa medida, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2020, proc. 565/19.3PBTMR.E1.S1)
11. Em situação com contornos semelhantes, embora com quantidades de estupefacientes francamente inferiores, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2023, proc. 504/22.4JELSB.L1.S1; de 28.10.2020, no proc. 475/19.4JELSB.S1; de 24.3.2022, no proc. 134/21.8JELSB.L1.S1; de 6.7.2023, no proc. 2332/22.8JAPRT.S1; de 11.10.2023, no proc. 40/23.1JELSB.L1.S1; de 8.11.2013, no proc. 8/21.2F1PDL.L1.S1; por fim, de 13.9.2023, no proc. 176/22.6JELSB.L1.S1, em que se salienta que a bitola habitual para casos semelhantes “tem vindo a estabilizar-se desde já há algum tempo, com a aplicação de medidas concretas de penas que vão variando entre os 5 e os 7 anos de prisão”.