I – Vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório.
II - Há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei.
III – Ante uma pena única tendo como dosimetria a pena de 5 (cinco) a 6 (seis) anos de prisão, num quadro revelador de preocupações sérias em termos de prevenção geral, como é o caso de crimes contra a autodeterminação sexual, em que o arguido incorreu em práticas repetidas, na mesma linha e tipo de atuação, sobre uma menor sua neta, aproveitando-se de uma relação familiar próxima e da confiança e ligação daí decorrentes e sem que esta nota de laços familiares o fizesse pensar / considerar / cercear no caminho encetado, agindo com dolo direto, esquecendo a idade da criança, o que esta poderia esperar de um avô, e os nefastos efeitos que todo o seu agir naquela poderia provocar em termos de marcas psíquicas, emocionais e de noção do que é um contexto familiar equilibrado e estruturado, uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, algo superior ao mínimo possível, e abaixo da mediania (5 anos e 6 meses), não apela a qualquer intervenção em termos da sua redução.
I – Relatório
1.No processo nº 483/23.0... da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., figurando como arguido AA, divorciado, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ... e do concelho de ..., nascido em ........1967, com domicílio na Rua ..., em ..., atualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional ..., realizado o julgamento, foi proferido Acórdão em 1 de outubro de 2024, onde se decidiu:
- Absolver o arguido, AA, da prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos do Código Penal;
- Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPenal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPenal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no artigo 77º, nºs 1, 2 e 3, do CPenal, condenar o arguido, AA, na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- Condenar o arguido, AA, a pagar, a título de indemnização, à menor DD a quantia de 1.000 € (mil euros).
2.Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que por Decisão Sumária proferida em 6 de janeiro de 2025 – Referência Citius ...57 – considerando que o recurso em causa visa exclusivamente matéria de direito e atendendo à pena aplicada ao arguido, aquele Tribunal carecia de competência para a apreciação do mesmo, cabendo o pronunciamento ao Supremo Tribunal de Justiça.
3.O arguido recorrente em discordância do que foi decidido em 1ª Instância e na sequência da motivação que enuncia, apresenta as seguintes conclusões: (transcrição)1
1 - O arguido vinha acusado da prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º s 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão; e um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 1 (um) ano de prisão; sendo que operando o cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Penal, foi o arguido, AA, condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão
2 - Da factualidade dada como provada resultou que o arguido praticou um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º s 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão; e um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, tendo sido condenado na pena de 1 (um) ano de prisão; sendo que operando o cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Penal, foi o arguido, AA, condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão
3 – Tendo-lhe sido aplicada uma pena efectiva de privação de liberdade de cinco anos e quatro meses de pena de prisão efectiva.
4 - O Juiz de julgamento, do Tribunal a quo, tem a árdua tarefa de dentro do quadro condicionante que lhe é oferecido pelo legislador, determinar dentro da moldura abstracta cabida aos factos dados como provados no processo, encontrar o quantum concreto da pena.
5 - Trata-se, pois, de uma actividade simultaneamente judicial discricionária, no sentido em que não se esgota numa subsunção silogístico-formal; e, juridicamente vinculada, dado que, sujeita a critérios jurídicos de determinação numa certa quantidade de pena.
6 - No caso sub judice a moldura penal prevista para o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência que o arguido vinha acusado é de pena de prisão de um a oito anos
7-Acontece que, para determinar a medida concreta da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º, nº1 do C.P.
8 - A determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção geral e especial das penas.
9 - E, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa!
10 – Através do requisito, de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, realizam-se in casu as finalidades da pena e a consideração da culpa do agente, traduz a exigência de que a vertente pessoal do crime limite as exigências de prevenção, (cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 215).
11 - A cada um dos vectores contidos no artigo 71º, nº1 do Código Penal, devem-se imputar os diferentes factores de medida da pena, referidos exemplificadamente no seu nº 2.
12 - Na verdade, é na ponderação dos diversos elementos, ou circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente os enumeradas nas diversas alíneas do nº2, do artigo 71º do C.P., que o Tribunal de julgamento deverá alicerçar a determinação da medida da pena.
13 - Entende o arguido e ora recorrente que a pena, que o Tribunal a quo lhe aplicou é excessiva, salvo o devido respeito e,
14 – Que o Tribunal a quo violou, salvo o devido respeito, o disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta (no sentido de insuficiente) aplicação do mesmo.
15 - E, porque a pena visa essencialmente fins preventivos, não podendo, no entanto, ultrapassar a medida da culpa, o Acórdão recorrido também violou, salvo o devido respeito, o artigo 40º do Código Penal.
16 - Assim, ponderando a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração, suficientemente, as circunstâncias da confissão plena, integral e sem reservas, de ser uma situação isolada na vida do ora recorrente, o facto de não ter antecedentes criminais, de estar socialmente inserido e de não ter processo algum antes ou depois dos factos, assim como as condições pessoais do arguido.
17 - Nomeadamente, no caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra inserido social e familiarmente, em nada mais é referenciado por actividade ilícita, inexistindo processos judiciais ante ou pós factos
18 – Manteve sempre um bom comportamento durante a fase do inquérito, respondendo a todas as perguntas que lhe foram colocadas em sede de audiência de julgamento, coadunando a sua conduta antes e pós factos às regras da Sociedade.
19 – Não lhe sendo conhecidos mais processos, o que diminui as exigências sejam de prevenção geral sejam de prevenção especial.
20 - O processo de determinação da medida da pena deriva da posição do ordenamento jurídico em matéria de sentido, limites e finalidade na aplicação das penas.
21 - As finalidades das penas são primordialmente a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente – artigo 40º do Código Penal.
22 - Factores da mais diversa origem e natureza podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos e da necessidade da pena.
23 - A necessidade de protecção dos bens jurídicos assume uma feição “a posteriori” ao facto, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, uma finalidade pública, de dissuasão, reclamada pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, & 302, Prof. Figueiredo Dias). Tendo, porém, sempre presente uma finalidade particular, de prevenção especial do agente, cuja existência deve ser prejudicada ao mínimo (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-03-2005, Processo nº 09P0490, relator Juiz Conselheiro Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt/jstj.nsf).
24 - A norma do artigo 40º do Código Penal, condensa em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena, mas não seu fundamento, (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 04P4313, relator Juiz Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt/jstj.nsf).
25 - Ou seja, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes que vão determinar, em último termo a medida da pena.
26 - A medida da pena deve servir a reintegração do agente na comunidade, alcançando-se assim, uma eficácia na protecção dos bens jurídicos, sendo de salientar que o ora arguido nada mais de processos judiciais tem e ou teve seja ante seja pós factos deste processo.
27 - Importa agora determinar o substracto da medida da pena, para o que o juiz tem como meio auxiliar o artigo 71º, nº2 do Código Penal.
28 - De acordo com o artigo 71º, nº 2 do Código Penal não devem ser tomadas em consideração na medida da pena as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime.
29 - As condições pessoais do agente encontram-se plasmadas, basicamente, no acórdão, tendo o arguido respondido a todas as questões que lhe foram colocadas nessa matéria para determinação da sanção. Porém, convém voltar a reafirmar que,
30 – O ora recorrente encontra-se inserido social e familiarmente, o que, diga-se em abono da verdade muito tem abonado a favor do juízo de censurabilidade que o recorrente tem imposto a si próprio.
31 – Por seu turno, não possui e nem é referenciado por qualquer outra actividade ilícita, aliás, ficou provado que o ora arguido encontrava-se a trabalhar e assim o espera continuar a fazer, agora e caso V. Exas. Srs. Desembargadores lhe concedam essa mesma hipótese mesmo alicerçada em forte regime de prova.
32 - Inexistem sinais de qualquer outro tipo de situação idêntica à ocorrida nos autos.
33 – O enquadramento e comportamento social do ora arguido é excelente, como aliás, transparece dos autos.
35 – Onde nada há a apontar, além deste processo e destes factos.
36 - Pela pena que lhe for aplicada, e a susceptibilidade de ser influenciado pela pena, são factores relevantes para a medida da pena apontados pela Doutrina.
37 - Tais factores podem relevar, tanto pela via da culpa, como pela da prevenção.
38 - O arguido tem consciência e embaraço aos factos dados como provados, bem como a todas as consequências que daí advieram.
39 - Tem consciência ainda que toda esta situação teve um forte impacto negativo junto dos seus familiares, ofendida e familia e que atinge as regras da convivência em sociedade.
40 - Recaindo sobre o mesmo um juízo de prognose futuro favorável, não somente porque sempre trabalhou mas também pelo seu comportamento pós cometimento do crime de absoluta colaboração não só em fase de inquérito, como pelo sua presença em toda a sua intervenção judicial.
41 - A personalidade manifestada no facto, não é apenas o carácter, no sentido de personalidade naturalística, mas o carácter e o princípio pessoal que lhe preside, nomeadamente a atitude interna, donde o facto promana e que o fundamenta.
42 - Donde, estamos perante factores que relevam para a medida da pena, em princípio pela via da culpa e só excepcionalmente pela prevenção.
43 - O Tribunal a quo, no douto Acórdão recorrido, e no que se refere à medida concreta da pena, reporta-se às características da personalidade do arguido, mas entendemos, que insuficientemente.
44 –O arguido sempre viveu uma vida quotidiana perfeitamente normal ao nível do um homem de classe média, ajudando em casa e trabalhando para ter um melhor futuro.
45 - A finalidade da pena é a protecção de bens jurídicos e, se possível, a ressocialização do agente do crime.
46 - A medida concreta da pena está subordinada aos princípios da necessidade e proporcionalidade e, consequentemente ditada por uma proibição de excesso, fundada no artigo 18º, nº 2 da C.R.P.
47 - A necessidade de protecção dos bens jurídicos assume uma feição “a posteriori” ao facto, uma finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, uma finalidade pública, de dissuasão, por ela, de potenciais delinquentes, reclamada pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção e mesmo reforço da vigência da norma infringida (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Prof. Figueiredo Dias), sempre tendo presente a prevenção especial do agente, cuja existência deve ser prejudicada ao mínimo.
48 - Assim e face ao que atrás se expôs, entende-se que, tudo ponderado, e nos termos do artigo 71º do C.P., atentas as circunstâncias do caso concreto, verificando-se atenuantes de significativo relevo, nomeadamente, o seu comportamento pós cometimento do crime, entende-se que se mostra excessiva a pena de cinco anos e seis quatro de prisão efectiva que foi aplicada ao recorrente, sendo que quanto a nós o mesmo deveria ter sido condenado em penas inferiores mas próximas a 5 anos de prisão em cumulo juridico e suspensa na execução com forte regime de prova., o que o arguido aceita incondicionalmente.
(…)
51 – Como se afirma neste último acórdão, são exclusivamente razões de prevenção geral e especial que decidem sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão.
52 - Posto que o Arguido, mostra-se integrado familiar e socialmente, encontrando-se a trabalhar antes dos factos deste processo, demonstrando assim competências sociais e laborais para prover e bem às necessidades económicas para se sustentar, mostram-se atenuadas as razões de prevenção especial, sobrando as razões de prevenção geral, e ainda que lhe sejam impostas fortes medidas de acompanhamento que sempre ira cumprir.
53 - Por seu turno, por ocasião da última reforma do Código Penal, optou-se por alargar a possibilidade da suspensão da execução das penas de prisão até aos 5 anos, sem fazer qualquer ressalva relativamente ao crime que ora nos ocupa.
54 – Assim, há, pois, que concluir que o legislador quis que a todas as penas de prisão aplicadas se aplicassem os mesmos critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão da sua execução, nos termos do disposto no art.º 9º do Código Civil.
55 - Vemos deste modo e no caso em concreto que a aplicação do regime de prova forte deveria ter sido aplicado, aliás, tal como ficou provado que deixa bem claro o ora recorrente dispõe de condições objectivas de reinserção social e nível familiar e habitacional e como bem se sabe a pena de prisão efectiva deverá ser aplicada em “ultimo Ratio”
56 – Pelo que, dispõe o artigo 50º do C.P. que, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo mais uma vez de realçar que o julgamento e esta própria decisão, serviram ao ora arguido para ainda mais interiorizar a sua conduta e pensar bem na sua vida futura, como confessou ao ora signatário, sendo exemplar o apoio que o ora recorrente tem de um seu filho e amigos, situação confirmada pela ora signatária in loco.
57 - Ora, no caso em apreço entendemos, face ao que atrás foi explanado, que o arguido preenche as condições impostas para poder beneficiar de uma suspensão da execução da pena de prisão.
58 - Violou, por isso, a douta decisão recorrida as normas constantes dos artigos 40º, 71º e 50º do C.P. salvo o devido respeito, que é muito mesmo.
Termos em que, tendo em conta todo o exposto, deverá (…) conceder provimento a presente recurso, o que se requer mui respeitosamente, revogando o acórdão recorrido no quantum das penas a aplicar, situando-se a mesmas no primeiro caso em 4 anos e no segundo caso em 10 meses e em cumulo abaixo dos 5 anos de prisão e suspendendo a mesma (…).
4.O Digno Ministério Público, junto do Tribunal de 1ª Instância, respondendo, e pugnando pela improcedência do recurso, vem apresentar as seguintes conclusões: (transcrição)
I. O Ministério Público considera que a pena aplicada não merece qualquer censura, devendo o recurso ser considerado improcedente.
II. Para além de, como refere a Acórdão do TRL de 11/04/2024, processo 207/23.2JELSB.L1-9 (acessível in dgsi.pt), “Mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar”, a pena concreta aplicada é adequada ao caso concreto, tendo sido valoradas todas as circunstâncias favoráveis ao condenado invocadas no presente recurso, como diremos infra.
III. Tendo em conta que o recorrente foi condenado pela prática de dois crimes, um dos quais de abuso sexual de crianças cuja moldura penal é de prisão de 4 a 13 anos e 4 meses, a pena concreta tem de ter em conta as muito elevadas exigências de prevenção geral, pela frequência com que crimes de abuso sexual de crianças têm vindo a ocorrer, sobretudo em cenários, como é o caso, de proximidade entre a vítima e o agressor, seja no âmbito familiar – o caso em análise – seja em ambientes escolares ou de atividades infantis em instituições.
IV. Neste quadro, a pena única aplicada ao recorrente de cinco anos e quatro meses até seria reduzida, pois ficaria no limite mínimo de prevenção geral exigido pelos factos praticados, tendo em conta que, partindo de uma pena mínima de 4 anos de prisão para o crime mais grave, o recorrente ainda foi condenado pela prática de um segundo crime, tendo a pena única de refletir esta censura criminal dupla.
V. Mas consideramos adequada a pena precisamente tendo em conta todos os elementos que o recorrente agora invoca e que foram tidos em conta pelo tribunal (pág. 20/22):
h) O arguido confessou os factos e revelou arrependimento pelos mesmos;
i) O arguido desenvolvia atividade laboral para a empresa há cerca de dois anos;
j) Atualmente, o arguido beneficia de algum apoio por parte do filho mais velho, com quem, em fase anterior à da prisão, não mantinha relação de proximidade;
k) O arguido tem familiares (tio e irmãs paternas) a residir no ... e na ..., respetivamente, perspetivando solicitar-lhes apoio residencial;
l) O arguido perspetiva voltar a trabalhar como padeiro;
m) Em meio prisional o arguido vem evidenciando uma conduta ajustada, respeitando os normativos instituídos;
n) O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
VI. Para além das necessidades de prevenção geral, a pena concreta aplicada tem de assegurar que o agente, no futuro, consegue controlar este seu impulso de satisfação sexual de modo a não praticar crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual de terceiros. Não está em causa a inserção familiar e profissional nem obstar à reincidência dos crimes em geral. Está em causa a prevenção especial especificamente dirigida aos crimes sexuais, assegurando que o arguido irá no futuro controlar os seus impulsos sexuais de modo a não causar lesões tão graves em terceiros, como as do caso dos autos.
VII. Estas mesmas necessidades de prevenção geral e especial sempre exigiriam uma pena de prisão efetiva, mesmo que a pena concreta se situasse abaixo dos cinco anos, o que entendemos não dever ser o caso.
5. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer aderindo ao posicionamento tomado pelo Digno Ministério Público em 1ª instância, alinhando na improcedência do recurso interposto pelo arguido, opina: (transcrição)2
(…)
o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e social do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
Não descurou o Tribunal a quo nenhuma das circunstâncias atenuantes apontadas pelo recorrente, designadamente a confissão dos factos por que se encontrava a responder, o arrependimento revelado, como também não foi ignorada a inserção familiar, social e laboral do recorrente, nem a ausência de antecedentes criminais.
Mas, como não podia deixar de ser, considerou o Tribunal a quo a elevada intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, o elevado grau da ilicitude dos factos e de violação dos deveres impostos ao recorrente, as sequelas ao nível físico, emocional e psicológico sofridas pela vítima.
No que respeita às exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerados os bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras e a elevada frequência com que são praticados estes tipos de crime, e o sentimento generalizado na comunidade de grande alarme social e de repugnância pelos indivíduos que cometem este género de actos, relevando de forma média as de prevenção especial.
É, pois, de concluir que, contrariamente ao pretendido, as penas aplicadas ao recorrente, parcelares e única, se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à personalidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º e 77.º, do Código Penal, não merecendo censura.
(…)
Não foi apresentada qualquer resposta.
6. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1.Questões a decidir
Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19953, bem como a doutrina dominante4, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir5.
Posto isto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, em determinados aspetos pouco claras, entende-se serem as seguintes as questões suscitadas, ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:
- penas parcelares aplicadas – sua adequação proporcionalidade e justeza;
- pena única imposta – sua redução e possibilidade de suspensão da execução da pena.
2. Apreciação
2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1. O arguido AA, é avô paterno de DD, nascida em ... de ... de 2011, tendo fixado residência comum, na companhia dos pais desta, EE e FF, dos seus irmãos GG e HH, de 10 e 6 anos, respetivamente, dos seus avós maternos e de um tio filho destes, no Bairro da ..., em ...;
2. Aproveitando-se dos laços familiares e da relação de confiança, o arguido AA, desde data não apurada em concreto, mas certamente a partir do Verão de 2023, passou a abordar DD, sua neta, quando sabia encontrar-se sozinha, adotando comportamentos com intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos;
3. Em concreto, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas certamente no Verão de 2023, da parte da tarde, no interior da residência descrita em 1., dirigiu-se à sua neta DD, com 12 anos de idade, que se encontrava na sala, sentou-se ao seu lado e, em ato contínuo, colocou-se por cima daquela, e começou a tocar-lhe, com as mãos, na zona do peito, por cima da roupa que trajava;
4. Por causa da conduta do arguido AA, DD, sua neta, ausentou-se da sala, e deslocou-se para o interior do quarto da residência comum, onde se encontravam os seus progenitores;
5. No dia 8 de setembro de 2023, pelas 8 horas, o arguido AA, no interior da residência comum, aproveitando-se da circunstância de todos os demais habitantes se terem ausentado, dirigiu-se ao quarto de DD, sua neta, e sem bater à porta, entrou naquela divisão e perguntou-lhe se se podia deitar ao seu lado;
6. O arguido AA, vestido de pijama, ao obter uma resposta positiva por parte da sua neta, DD, deitou-se na cama onde esta se encontrava, por dentro do lençol que a mesma utilizava, e aproximou o seu corpo ao daquela;
7. De seguida, o arguido AA, com a intenção de tocar no corpo de DD, sua neta, que se encontrava deitada de barriga para baixo, colocou uma das mãos, entre o colchão e a zona do peito desta, puxou-lhe o braço que tinha debaixo do corpo a proteger a zona mamária e acariciou-lhe as mamas, num primeiro momento sobre o top que trajava e depois, por baixo do referido top, apalpando-lhe um dos seios, diretamente, na pele, manipulando-os;
8. Após, o arguido AA retirou a mão de dentro do top de DD, sua neta, e com a mesma, apalpou-lhe as nádegas por cima dos calções que trajava, e poucos segundos volvidos, introduziu a mão no interior dos referidos calções e afundando-a entre as coxas daquela, alcançou a sua zona vaginal;
9. Em ato contínuo, o arguido AA manipulou a zona exterior da vagina da sua neta, DD e introduziu 2 dedos, até à falange, no seu interior, exercendo força;
10. Enquanto o arguido AA assim agia, DD, sua neta, pediu-lhe para que cessasse a sua conduta, por não estar a gostar e lhe estar a causar dores;
11. Todavia, o arguido AA, cessando por alguns segundos a sua conduta, virou-se para DD, sua neta, e disse-lhe “desta vez vais gostar”, repetindo, então, o procedimento por si adotado, descrito em 9., exercendo ainda mais força;
12. O arguido AA, minutos volvidos, cessou o seu comportamento para com a sua neta, DD, ausentando-se daquele local, para a sala da residência comum;
13. Entretanto, o arguido AA ao se aperceber que a sua neta, DD havia contactado com o pai, no momento em que esta circulava entre o quarto e a casa-de-banho para se vestir, perseguiu-a, tentou abraçá-la, ao mesmo tempo que lhe dizia “que ele mesmo se ia entregar à Polícia”, pedindo-lhe, posteriormente, desculpa “que não sabia o que deu nele…”;
14. Apesar da conduta do arguido AA, DD, sua neta, ignorou-o e logrou ausentar-se da residência, refugiando-se na casa da sua madrinha, II;
15. Em consequência das condutas do arguido AA, descritas em 9. e 11., DD, sentiu fortes dores, o que provocou o seu choro, e sofreu as seguintes lesões/sequelas:
- “Região vulvar: equimose no bordo não livre da face do introito vaginal do pequeno lábio à direita”;
16. Tais lesões/sequelas descritas, vieram a ser causa direta e necessária de um período de doença, para DD, fixável em 5 dias para a cura;
17. O arguido AA praticou os factos aproveitando-se do ascendente que tinha sobre a menor DD, sua neta, bem como, da confiança que enquanto pessoa com laços familiares próximos lhe era votada, o que lhe possibilitava estar sozinho com a mesma;
18. O arguido AA tinha consciência de que, à data dos factos, DD era menor e, apesar disso, não se coibiu de praticar tais atos, ofendendo dessa forma o sentimento de criança, de inocência, de modéstia e de vergonha daquela, bem como, a sua integridade física e psicológica, provocando-lhe pensamentos intrusivos, auto lesivos e tentativas de suicídio;
19. Ao agir como acima descrito, o arguido AA procedeu de forma deliberada, livre e consciente, praticando ato de relevo em menor de 14 anos, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais, o que conseguiu;
20. Sabia o arguido AA que os factos que praticou com e sobre DD eram adequados a prejudicar um livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade desta, e que tinha reflexos na esfera sexual da personalidade da mesma;
21. O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que sabendo que tais condutas lhe estavam vedadas e eram punidas criminalmente; Mais, provou-se que:
22. O arguido confessou os factos e revelou arrependimento pelos mesmos;
23. À data dos factos, o arguido residia numa casa camarária que lhe está atribuída pela empresa G..., S.A., situada no Bairro da ..., em ..., onde residiam consigo o seu filho EE, a nora, os três filhos do casal, menores de idade e, ainda, os pais da nora e um irmão desta, de 18 anos;
24. O arguido desenvolvia atividade laboral para a empresa PA... há cerca de dois anos, pastelaria situada em ..., com função de pasteleiro/padeiro, auferindo o vencimento de 500 € mensais, tendo assegurado o pagamento da renda da casa, no valor de 56 € mensais e das despesas pelo fornecimento dos serviços de água, eletricidade e gás, no período que antecedeu a sua reclusão;
25. Atualmente, o arguido beneficia de algum apoio por parte do filho mais velho, com quem, em fase anterior à da prisão, não mantinha relação de proximidade;
26. Com 12 anos de idade o arguido integrou-se numa padaria, em regime noturno, onde manteve atividades até ingressar no Exercito Português, com 19 anos, onde cumpriu 16 meses de serviço militar;
27. Posteriormente integrou-se na padaria do P..., onde desenvolveu atividade durante dez anos;
28. Nesta fase o arguido acabou por se demitir de forma a poder prestar apoio como cuidador informal à sua mãe, que apresentava diversos condicionalismos de saúde, tendo mantido esse apoio durante cerca de 4-5 anos, até ao falecimento da progenitora, situação que veio a provocar um expressivo desequilíbrio emocional no arguido;
29. O filho JJ não apresenta disponibilidade para acolher o progenitor;
30. O arguido tem familiares (tio e irmãs paternas) a residir no ... e na ..., respetivamente, perspetivando solicitar-lhes apoio residencial;
31. O arguido perspetiva voltar a trabalhar como padeiro;
32. Em meio prisional o arguido vem evidenciando uma conduta ajustada, respeitando os normativos instituídos;
33. O arguido tem, como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade;
34. O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
2.2. Das questões a decidir
Como se deixou antever, discute-se em sede recursiva, ao que se pensa, o quantum das penas parcelares impostas, relativamente aos dois crimes apontados ao arguido recorrente.
Na verdade, o instrumento recursivo sendo pouco elucidativo neste segmento - (…) entende-se que se mostra excessiva a pena de cinco anos e quatro meses de prisão efectiva que foi aplicada ao recorrente, sendo que quanto a nós o mesmo deveria ter sido condenado em penas inferiores mas próximas a 5 anos de prisão em cumulo jurídico e suspensa com forte regime de prova6 (…) o arguido preenche as condições impostas para poder beneficiar de uma suspensão da execução da pena de prisão7 -, pressupondo que se intervenha apenas em matéria de pena única, a verdade é que em remate final do articulado recursório se refere (…) requer mui respeitosamente, revogando o acórdão recorrido no quantum das penas a aplicar, situando-se a mesmas no primeiro caso em 4 anos e no segundo caso em 10 meses e em cumulo abaixo dos 5 anos de prisão e suspendendo a mesma.
Em face de tal, será assim de enfrentar sobre a bondade do decidido quanto às penas parcelares.
A suportar a discordância do caminho seguido pelo Tribunal recorrido, para além de diversas referências gerais sobre as linhas a seguir na escolha e determinação da medida concreta das penas, e de apelos a doutrina e jurisprudência, aduz o arguido recorrente, em concreto, a existência (…) da confissão plena, integral e sem reservas, de ser uma situação isolada na vida do ora recorrente, o facto de não ter antecedentes criminais, de estar socialmente inserido e de não ter processo algum antes ou depois dos factos, assim como as condições pessoais do arguido8 (…) em nada mais é referenciado por actividade ilícita, inexistindo processos judiciais ante ou pós factos9 (…) inexistem sinais de qualquer outro tipo de situação idêntica à ocorrida nos autos10 (…) tem consciência e embaraço aos factos dados como provados, bem como como a todas as consequências que daí advieram11 (…) consciência ainda que toda esta situação teve um forte impacto negativo junto dos seus familiares, ofendida e família e que atinge as regras da convivência em sociedade (…)12.
De seu lado, a decisão em dissídio, em matéria de penas parcelares reza (…) SÃO MUITO ELEVADAS AS EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO GERAL porquanto estamos nos autos perante uma infração penal que exige uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo (…) a gravidade do conjunto dos factos ora em julgamento é significativa, impondo-se colocar um sério travão ao comportamento do arguido, e transmitir, de forma absolutamente clara, que este tipo de comportamento não pode ser repetido quer pelo próprio, quer por outrem (…) Considerando a violência emocional, psicológica, sexual e física utilizada pelo arguido relativamente à ofendida, a natureza, intensidade e duração dos atos praticados sobre aquela e as consequências para a sua saúde física, emocional e psicológica, o grau de ilicitude é elevado (…) dolo é direto (…) confessou os factos e revelou arrependimento pelos mesmos (…) residia numa casa camarária que lhe está atribuída pela empresa G..., S.A., situada no Bairro da ..., em ..., onde residiam consigo o seu filho EE, a nora, os três filhos do casal, menores de idade e, ainda, os pais da nora e um irmão desta, de 18 anos (…) desenvolvia atividade laboral para a empresa PA... há cerca de dois anos, pastelaria situada em ..., com função de pasteleiro/padeiro, auferindo o vencimento de 500 € mensais, tendo assegurado o pagamento da renda da casa, no valor de 56 € mensais e das despesas pelo fornecimento dos serviços de água, eletricidade e gás, no período que antecedeu a sua reclusão (…) beneficia de algum apoio por parte do filho mais velho, com quem, em fase anterior à da prisão, não mantinha relação de proximidade (…) com 12 anos de idade o arguido integrou-se numa padaria, em regime noturno, onde manteve atividades até ingressar no Exercito Português, com 19 anos, onde cumpriu 16 meses de serviço militar (…) integrou-se na padaria do P..., onde desenvolveu atividade durante dez anos (…) o arguido acabou por se demitir de forma a poder prestar apoio como cuidador informal à sua mãe, que apresentava diversos condicionalismos de saúde, tendo mantido esse apoio durante cerca de 4-5 anos, até ao falecimento da progenitora, situação que veio a provocar um expressivo desequilíbrio emocional no arguido (…) O filho JJ não apresenta disponibilidade para acolher o progenitor (…) arguido tem familiares (tio e irmãs paternas) a residir no ... e na ..., respetivamente, perspetivando solicitar-lhes apoio residencial (…) perspetiva voltar a trabalhar como padeiro (…) em meio prisional o arguido vem evidenciando uma conduta ajustada, respeitando os normativos instituídos (…) arguido tem, como habilitações literárias, o 6.º ano de escolaridade (…) não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
Cotejando estes posicionamentos, observe-se, então, o matiz de questionamento em causa.
Em pronto passo, retenha-se que vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório.
Por outro lado, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu nesta vertente.
Verdadeiramente, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável13.
Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada14.
Há, também que atender que, ao que se vem defendendo, no exercício a realizar para se determinar a medida concreta da pena a fixar e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do CPenal, como primeira operação que urge levar a cabo é, se aplicável, a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva - se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Mostra-se evidente que aqui essa alternatividade, relativamente a qualquer um dos crimes imputados o arguido recorrente não desponta.
Por outro lado, do que plasma o artigo 40º, nº 1 do CPenal, os fins visados com a imposição de uma pena consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade sendo que, escolhido o tipo de penalidade adequado e apto ao alcance de tal, demanda-se a observância articulada do disposto nos 40º e 71º do CPenal.
Sublinhe-se, também, que o limite máximo da pena a impor está balizado pela culpa do agente pois, no sistema penal vigente impera o princípio basilar que assenta na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico–normativo de culpa concreta (artigo 13º do CPenal), o que sempre terá como consequência que se admita ainda a ausência de pena sem culpa, e se condicione os seus limites máximos à intensidade daquela15.
Quanto às finalidades das penas, colhe ainda fazer notar que o vetor da proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva), significando, também, essa proteção, a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente16.
Assim, para a aferição da medida concreta da pena haverá que considerar primeiro a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao caso concreto, determinando, nos limites mínimos e máximos daquela, a pena concretamente a aplicar, em consonância com o vetor axiológico-normativo que atrás se deixou exposto.
E, neste percurso, há que atender a todos os elementos que, não fazendo parte integrante do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, atendendo-se, de entre outras circunstâncias, às vertidas no nº 2 do artigo 71º do CPenal.
Neste ensejo, apelando ao dito normativo, cabe sopesar, designadamente:
- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Isto posto, in casu, parece indubitável que são elevadas as necessidades de prevenção geral, considerando o bem jurídico em questão – autodeterminação sexual -, o estar em causa menor que é neta do arguido recorrente, diversos atos à mesmo dirigidos, sendo visíveis as repercussões que este tipo de comportamento desencadeia na vítima e sequencialmente no tecido social.
Todo este tipo de comportamentos envolvendo e dirigido a crianças, sem qualquer hesitação, é realidade que repugna à consciência coletiva, tanto no plano ético como moral. Assume-se como um grave e evidente atentado a seres indefesos pois, é salutar e desejável, em termos de interesse comunitário, que as crianças cresçam e se desenvolvam harmoniosa e equilibradamente.
Acresce que a prática de crimes desta natureza, gerando graves consequências à pessoa das vítimas provocam alarme e intolerância social, ataque à paz social, denotando a necessidade de intervenção firme dos tribunais, como forma de apaziguar o panorama social afetado, e demover potenciais delinquentes da ideia / vontade de incorrerem neste tipo de estar17.
São efetivamente prementes e de significado as razões de prevenção geral que se fazem especialmente sentir nestas infrações, tendo em conta o bem jurídico violado nos crimes em questão – a autodeterminação sexual de crianças – e impostas pela frequência de condutas desta envergadura e do conhecido alarme social e insegurança que em geral tais comportamentos causam na comunidade, mormente, face à atual realidade em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando uma resposta punitiva firme, sendo ainda de salientar os danos que são suscetíveis de desencadear na formação da personalidade e desenvolvimento afetivo e emocional das vítimas.
Note-se que, tal tanto se torna mais evidente quando este agir passível de causar lesões / marcas / registos em toda a esfera emocional e física de crianças, advém de um avô, de quem se espera e acalenta proteção, apoio, carinho, sossego e até apego.
Sopesando no matiz da prevenção especial.
Como notas negativas, a intensidade do dolo, porque situado no patamar mais elevado (dolo direto), a forma de execução dos crimes – uso e procura de situações em que a menor nenhuma possibilidade tinha de procurar socorro -, a elevada ilicitude traduzida no tipo de atos cometidos – mormente quando após introdução de dois dedos na vagina da criança e depois de esta lhe pedir para o deixar de fazer por não gostar e estar em sofrimento, nisso insistir – o quadro de aproveitamento da relação familiar próxima existente.
Soltam-se como aspetos positivos a ponderar, tal como o denotado em 1ª Instância, a inserção social, familiar e laboral do arguido recorrente, o facto de não exibir antecedentes criminais e, de sublinhar, o ter confessado os factos e ter revelado arrependimento pelos seus atos.
Mensurando, conclui-se que as penas parcelares encontradas para cada um dos crimes -, 5 anos de prisão, numa baliza entre 4 e 13 anos e 4 meses de prisão (crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), do CPenal) e 1 ano de prisão, num leque entre 40 dias e 4 anos de prisão (crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nº 3, alínea a) e 177º, nº 1, alínea a), do CPenal), correspondendo a um quantum albergado pelo primeiro terço das molduras abstratas possíveis e bastante próximo do mínimo fixado, revelando alguma brandura, não merecem qualquer censura e / ou intervenção em termos de redução, sendo que todo o argumentário trazido pelo arguido recorrente, nesta sede, socorrendo-se de aspetos que o Tribunal recorrido atentou e considerou, não tem virtualidade bastante e suficiente para abalar o decidido, e por isso, não reclamam qualquer intervenção por parte deste STJ.
*
Recursivamente, apresenta-se, igualmente, como pretensão do arguido recorrente, reagir contra a pena única que lhe foi arbitrada, aspeto este que, como se viu anteriormente é aquele que mais se revela no pedido recursivo.
Aquele, neste segmento, avocando todas as razões já atrás enunciadas, entoa que lhe deveria ser aplicada uma pena (…) em cumulo abaixo dos 5 anos de prisão e suspendendo a mesma.
Por seu turno, a decisão revidenda afirma (…) somando as penas parcelares aplicáveis aos crimes que o arguido cometeu obtém-se o valor de 6 anos. O limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 5 anos de prisão (…) a pena única é determinada de acordo com a parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal (…) ponderada a gravidade dos factos na sua globalidade e a personalidade do arguido espelhada nos factos que praticou, dando -se por reproduzidos os fatores acima referidos em sede de apreciação dos critérios elencados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, entende-se que se mostra adequada à culpa e às exigências de prevenção geral e especial de socialização do arguido, fixar a pena única em que se condena o mesmo em 5 anos e 4 meses de prisão.
Importa então um debruce sobre este vetor de insurgimento.
A punição do concurso de crimes emergente do artigo 77º do CPenal encara o sistema da pena conjunta, rejeitando uma visão atomística da pluralidade de crimes, e nessa medida, obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.
Nesse trajeto, encontradas as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
Em termos de segundo passo, importa essencialmente atender à unicidade / visão de conjunto, abandonando a ideia de compartimentação em que se fundou a construção de cada uma das molduras singulares que, não apagando a pluralidade de ilícitos perpetrados, antes a converte numa nova conexão de sentido, entendendo-se que a este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação.
Ou seja, a pena única deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento18.
Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si19.
Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente20.
Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)21.
Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, contudo, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador.
Debruçando um olhar no caso sub judice, em termos de pena única principal, tem-se como dosimetria a pena de 5 (cinco) a 6 (seis) anos de prisão.
O quadro em presença, como se salientou, revela preocupações sérias em termos de prevenção geral, face ao valor em causa – autodeterminação sexual- e às consequências que este tipo de agir desencadeiam nas vítimas e, naturalmente, no todo da comunidade em geral.
Ressalta que o arguido recorrente, incorreu em práticas repetidas, na mesma linha e tipo de atuação, sobre uma menor sua neta, aproveitando-se por isso de uma relação familiar próxima e da confiança e ligação daí decorrente, sem que esta nota de laços familiares o fizesse pensar / considerar / cercear no caminho encetado, agiu com dolo direto, esquecendo a idade da criança, o que esta poderia esperar de um avô, e os nefastos efeitos que todo o seu agir naquela poderia provocar em termos de marcas psíquicas, emocionais e de noção do que é um contexto familiar equilibrado e estruturado.
Há a registar, a circunstância de o arguido recorrente não exibir antecedentes criminais, estar profissional, social e familiarmente inserido, e essencialmente, o ter confessado os factos, assumindo-os integralmente, e ter revelado arrependimento, o que pode inculcar a ideia, face ao sucedido, de ter exercitado algum sentido crítico, capacidade de autocensura e de ter efetivamente dimensionado e entendido a gravidade do seu estar / posicionar nesta vertente da sexualidade.
Ora, concatenando estes traços ponderativos, a pena única encontrada - 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão - algo superior ao mínimo possível, e abaixo da mediania (5 anos e 6 meses), de evidente benevolência, não apela a qualquer intervenção deste Alto Tribunal, em termos da sua redução.
Ante tal, desde logo por falha do requisito objetivo expresso no artigo 50º, nº 1 – primeira parte – do CPenal (pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos), cai por terra o intento recursivo de utilização da pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão.
III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida.
*
Comunique de IMEDIATO ao Tribunal recorrido, enviando cópia.
*
Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 (cinco) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.
*
O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.
*
Supremo Tribunal de Justiça, 19 de março de 2025
Carlos de Campos Lobo (Relator)
Maria Margarida Ramos de Almeida (1ª Adjunta)
Antero Luís (2º Adjunto)
_____________________________________________
1. Expurgadas de referências doutrinárias e jurisprudenciais.
2. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão propalado em 1ª instância e transcrição de jurisprudência que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão.
3. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
4. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p. 335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p. 113.
5. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.
13. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11/04/2024, proferido no Processo nº 2/23.9GBTMR.S1 (…) em conformidade com a jurisprudência uniforme do STJ no sentido da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto das penas fixadas em tais circunstâncias, por não se verificar qualquer desvio daqueles critérios e parâmetros de que resulte uma situação de injustiça das penas, por desproporcionalidade ou desnecessidade -, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1 – (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1- (…) justifica-se uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa - , disponíveis em www.dgsi.pt.
14. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
15. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15/04/99, proferido no Processo nº 243/99, disponível em www.dgsi.pt.
16. Neste sentido, PALMA, Maria Fernanda, in Casos e Materiais de Direito Penal, 2.ª edição, 2022, Almedina, p. 32.
17. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 10/10/2012, proferido no Processo nº 617/08.5PALGD.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
18. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 28/4/2010, proferido no Processo 4/06.0GACCH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.
II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
III - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pg. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.
IV - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.
19. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 27/05/2015, proferido no Processo nº 173/08.4PFSNT-C.S1, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 36/15.7PDCSC-A.S1 - para a determinação da medida da pena única, como já acima se disse, há que ponderar o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, procedendo-se a uma avaliação da gravidade da ilicitude global dos mesmos (tendo em conta o tipo de conexão entre os factos em concurso), e a uma avaliação da personalidade do agente (aferindo-se em que termos é que a mesma se projecta nos factos por si praticados), de forma a apurar se a sua conduta traduz já uma tendência para a prática de crimes, ou se a sua conduta se reconduz apenas a uma situação de pluriocasionalidade (…) -, de 24/03/2021, proferido no Processo nº 536/16.1GAFAF.S1 - (…) na determinação da pena única devem considerar-se todos os factos, crimes e penas aplicados, para a obtenção da imagem do “comportamento global” e da personalidade do agente (…), disponíveis em www.dgsi.pt.
20. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 290-292.
21. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 292.