Sumário (elaborado pela relatora):
I- Do despacho que estabelece o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, proferido na conferência de pais em que ambos estiveram presentes, conforme o artigo 38.º do RGPTC, cabe recurso nos termos do disposto no artigo 32.º do RGPTC, não resultando da norma do artigo 28.º, n.º 5, do mesmo diploma, qualquer restrição ao direito de interpor recurso dessa decisão.
II- A regulação do exercício das responsabilidades parentais deverá ser sempre decidida de harmonia com o interesse superior da criança, decorrendo do disposto no artigo 1906.º, n.os 5 e 8 do Código Civil que o interesse subjacente ao estabelecimento do regime de convívios é o de que a criança mantenha uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, favorecendo-se amplas oportunidades de contacto com ambos e promovendo-se as relações habituais com o progenitor com quem não resida, ressalvados os casos em que o interesse da criança justifique que os contactos sejam restringidos, condicionados ou até mesmo suspensos (artigo 40.º, n.os 2, 3 e 10 do RGPTC).
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Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Família e Menores de Faro – Juiz 2, AA, identificado nos autos, veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais contra BB, identificada nos autos, relativamente ao filho de ambos, CC.
Alegou, para o efeito, que o CC nasceu no dia ... de ... de 2015 e é filho do requerente e da requerida, os quais contraíram casamento, em ... de ... de 2017, tendo, em junho de 2019, juntamente com o filho, fixado residência permanente em Local 1.
Por sentença proferida no dia 18 de abril de 2024, o casamento entre o requerente e a requerida foi declarado dissolvido por divórcio e, pese embora já se encontrassem separados de facto desde o dia 16 de janeiro de 2023, a verdade é que, até ao dia 3 de julho de 2024, ambos residiam na casa de morada de família, sita no concelho de Local 1, data em que o requerente de lá saiu, tendo a requerida e o filho nela ficado a residir.
Pese embora as responsabilidades parentais não se encontrassem reguladas, requerente e requerida haviam acordado que o filho ficaria temporariamente a residir com a requerida na casa de morada de família do ex-casal, e que o requerente poderia ver e estar com a criança sempre que quisesse, tendo, neste contexto, o CC passado o período de 30 de agosto a 6 de setembro de 2024, juntamente com o pai, na sua residência, e, nos dias em que não esteve com ele, o requerente contactava-o diariamente através de chamada telefónica.
No dia 22 de agosto de 2024, o requerente foi notificado do procedimento cautelar de alimentos provisórios intentado pela requerida, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Local 3, Juízo de Família e Menores de Local 1 - Juiz 2, no processo n.º 1863/24.0...
Nesta senda, no dia 3 de setembro de 2024, realizou-se a audiência de julgamento no âmbito do referido processo, no qual, em sede de tentativa de conciliação, ficou acordado o pagamento pelo requerente à requerida, a título provisório, da pensão de alimentos a CC na quantia mensal de 300,00 € (trezentos euros).
Sucede que, sem que nada o fizesse prever, no dia 11 de setembro de 2024, o requerente tomou conhecimento, através de terceiras pessoas, que a requerida teria abandonado a casa de morada de família do ex-casal, levando consigo o filho de ambos.
Atento o sucedido, no dia 12 de setembro de 2024 – data em que se iniciava o ano letivo na Escola Básica de 1.º CEB de ..., Local 1, que a criança frequentava – o requerente deslocou-se àquele estabelecimento de ensino, tendo sido informado que a requerida havia pedido a transferência da criança para Local 2, estando inscrita em 5 (cinco) escolas e à espera de vaga numa delas. De igual modo procedeu a requerida em relação à Escola de Formação do Sporting Clube de Local 3, na qual a criança frequentava a modalidade de futebol, nas camadas de formação.
A requerida nunca informou o requerente da sua pretensão de se mudar para o Local 4, como sem qualquer conhecimento e autorização do requerente abandonou a cidade de Local 1 (onde residia há já 5 anos) para passar a residir no Local 4, levando consigo o filho de ambos, não mais tendo regressado a Local 1.
Perante o sucedido, no dia 13 de setembro de 2024, o requerente apresentou uma queixa-crime contra a requerida na Polícia de Segurança Pública de Local 1, e, nesse mesmo dia, deslocou-se ao Tribunal de Família e Menores de Local 1, onde apresentou uma participação por subtração da criança, a qual ficou apensa ao processo n.º 1863/24.0..., já referido.
O requerente jamais suspeitou de tal situação, isto porque contactava todos os dias com o filho, através de chamada telefónica, o qual nada lhe disse relativamente à mudança de residência para o Local 4.
Mudança de residência que veio a ser confirmada pelo mandatário da requerida, o qual transmitiu à mandatária do requerente que, na sequência do concurso nacional de professores, aquela havia sido colocada na cidade de Local 5.
O requerente pede, assim, que se decida no sentido de que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância sejam exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer um poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que seja possível, e que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho fique atribuído ao pai, com o qual aquele ficará a residir na Rua do ..., ... Local 1, fixando-se os alimentos devidos pela mãe e o regime de convívios entre esta e o filho, nos termos identificados no requerimento inicial.
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2. Realizou-se a conferência de pais, na qual, não tendo os progenitores chegado a acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Ministério Público promoveu a fixação de um regime provisório nos seguintes termos (transcrição):
“Residência:
1 - A residência da criança é fixada junto da progenitora, o exercício das responsabilidades parentais, incluindo as relativas aos atos da vida corrente da criança;
2 - As questões de particular importância na vida da criança serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência manifesta, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.
3 - Consideram-se questões de particular importância, designadamente, as seguintes:
(A) A mudança de residência para fora da região do Local 4;
(B) A mudança de escola pública para escola privada ou vice-versa
(C) A sujeição da criança a intervenções cirúrgicas que possam envolver perigos graves para a sua vida ou integridade física, bem como quaisquer cirurgias estéticas;
(D) A educação religiosa da criança até aos 16 anos;
(E) A participação das crianças em programas televisivos;
(F) A prática pelas crianças de desportos radicais que envolvam perigos especiais para a sua vida ou integridade física;
(G) A administração de bens da criança que envolva a alienação ou oneração de tais bens;
(H) A autorização para casamento da criança a partir dos 16 anos;
(l) A autorização para obtenção pela criança de licença de condução de ciclomotores;
(J) A representação da criança em juízo, bem como a apresentação de queixas/denúncias criminais em representação daquela.
Convívios:
4 - O progenitor conviverá com o menor aos fins de semana alternados, diligenciando pela recolha da criança, às sextas-feiras na escola após o período de aulas, e pela entrega da mesma na residência da progenitora, aos domingos, até às 19:00 horas.
5 - Se junto aos fins de semana, numa sexta-feira ou segunda-feira, for feriado, o menor poderá permanecer com o progenitor nesses dias por forma alargar o convívio;
6 - Nas férias da Páscoa, o menor passará uma semana com cada um dos progenitores.
Alimentos:
6 - O progenitor pagará, a título de alimentos devidos ao filho, a quantia mensal de 300,00 € (trezentos euros), até ao dia 08 de cada mês para a conta bancária da progenitora, com o IBAN ...;
7 - As despesas médicas, medicamentosas ou escolares que, na parte não comparticipada, serão suportadas na proporção de metade pelos progenitores, mediante a apresentação de cópia do respetivo recibo ou fatura com NIF do filho, as quais deverão ser pagas até ao 15º dia após a sua comunicação”.
Tendo a 1.ª instância proferido, então, o seguinte despacho (transcrição):
“Considerando o promovido, as declarações prestadas pelos progenitores e as atuais condições de vida do menor, designadamente a circunstância de estar a residir no Local 4 e integrado em equipamento escolar, todos elementos a ter em conta neste momento, determino a fixação do regime provisório das responsabilidades parentais de acordo com a promoção do Ministério Público, por concordar com os termos da mesma, fixando a residência da criança CC junto da progenitora.
Mais determino a remessa dos progenitores para audição técnica especializada - ATE, nos termos do artigo 38º alínea b) do RGPTC, pelo máximo de 2 meses.
Notifique”.
3. Inconformada com o decidido quanto ao regime de convívios aos fins de semana alternados, a requerida BB interpôs recurso de apelação em que, no termo das respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (transcrição):
“1ª.- Na sequência do requerimento apresentado no dia 08.11.2024 por AA, no estado de divorciado da Requerida BB, com referência ao menor CC, actualmente com 9 anos de idade, cuja residência do Requerente se situa na cidade de Local 1 e a da Requerida e do menor é na cidade de Local 5, na falta de acordo na conferência de pais de dia 16.01.2025, registada em acta, o Ministério Público promoveu que a residência do menor era fixada junto da progenitora, e, no que de relevante interessa aos presentes autos, nos pontos 4., e 5., que o menor conviverá com o progenitor em fins-de-semana alternados, diligenciado pela recolha da criança às Sextas feiras na escola após o período de aulas e pela entrega da mesma na residência da progenitora, aos Domingos até às 19h00.
2ª.- O douto Tribunal proferiu despacho de concordância nos termos da promoção e remeteu os progenitores para audição técnica especializada.
3ª.- Considerando a natureza do processo, regulado pelo RGPTC, recebido o requerimento inicial, o douto Tribunal designou para a realização da conferência de pais aquele dia de 16.01.2025, sem, contudo, apreciar factos que constam do requerimento inicial, e, não obstante não ter sido exercido o direito ao contraditório, a Requerida apresentou no mesmo Tribunal requerimento similar no dia 13.11.2024. Ambos os progenitores reclamam para cada um deles a fixação da residência do menor.
4ª.- Praticamente, os únicos factos que foram considerados naquela conferência de pais resumem-se ao exercício das profissões de cada um dos progenitores e a distância de cerca de 600km entre as duas cidades (Local 5 e Local 1).
5ª.- Subjacente aos convívios quinzenais esteve presente as datas, por norma coincidentes com fins-de-semana em que o progenitor, jogador profissional de futebol da 1ª liga no clube de futebol Clube 1 joga em casa na cidade de Local 1.
6ª.- Ao Ministério Público cabe, em nome do Estado assegurar em primeira instância o superior interesse da criança, quer dando a sua concordância ou não aos acordos firmados entre os progenitores; e/ou no caso de não haver acordo, promover o que entenda, mas sempre com o objetivo de assegurar o superior interesse do menor.
7ª.- Aquela promoção e a decisão judicial que se lhe seguiu, não tomaram em consideração que num fim-de-semana com uma viagem a ser feita de avião entre a cidade de Local 6 e a do Local 7, a qual tem a duração de 1 hora, mas com os tempos de embarque e de desembarque nunca são menos de 3 horas, a que se acrescenta o período antecedente à prática de um jogo de futebol e o período a seguir, nunca inferior a 6/8 horas, e com a viagem de retorno a ser feita ao Domingo e as respetivas horas de descanso, está-se a falar de um convívio que não é superior a 18 horas, com a violência de ter que ser o menor a se deslocar.
8ª.- Existiu sempre por parte da progenitora e existe uma abertura para que o progenitor pai veja e conviva com o menor nos dias que entender, respeitando o período escolar e as suas horas de descanso, mas, fazendo ele a viagem, o que pode suceder nos dias de folga, logo a seguir a que termine o seu jogo; ou até mesmo nas semanas que o jogo seja fora de casa, também o pai poderá conviver com o menor.
9ª.- Desta forma, o ónus da viagem passa do filho para o pai, maior de idade, com uma percepção adulta da realidade.
10ª.- Por outro lado, e devia ser orgulho do pai, encontra-se o menor CC numa situação que milhares de crianças em Portugal a invejariam, nomeadamente, por ser praticante de futebol na localidade de Local 8, do concelho de Local 5, num pólo do Clube 2.
11ª.- Ora, se é o menor que tem de fazer a viagem de 15 em 15 dias, tal implica que desista de continuar a prática daquele desporto devidamente inserida num clube de futebol organizado e que lhe pode proporcionar um futuro que o mesmo não pretende abdicar por não conseguir abstrair-se da sua vontade de continuar a praticar aquele desporto nas circunstâncias já acima descritas para puder estar com o pai.
12ª.- Não se coloca aqui em causa que o menor não pretenda conviver com o pai, que a Recorrente cause qualquer obstáculo para impedir tais convívios, o que está em causa é o respeito pela vontade de uma criança com 9 anos de idade, com capacidade suficiente para compreender os assuntos em discussão, revelando uma maturidade que a consegue colocar na posição de não pretender abdicar e abandonar a prática do futebol. Dispõe o RGPTC que a criança com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão tendo em atenção a sua idade e maturidade é sempre ouvida sobre decisões que lhe digam respeito, estabelecendo-se de forma apenas indicativa que uma criança de 12 anos tem mais probabilidades de tomar consciência dos assuntos que lhe digam respeito do que uma criança com idade inferior, porém, não exclui aquele regime que o menor seja ouvido mesmo tendo idade inferior a 12 anos, para isso basta ter capacidade de compreensão e maturidade que a possam colocar, no que é que está em causa com os presentes autos.
13ª.- No momento que se seguiu à conferência de pais de 16.11.2025, a progenitora ao ter dado a notícia ao menor que o Tribunal decidira que ele teria de viajar de 15 em 15 dias para a cidade de Local 1, e com a constatação que teria de abandonar a sua prática desportiva, começou o menor por ter ficado triste a que se seguiram conversas com o seu progenitor, mas neste momento, vendo a sua situação ainda indefinida, anda o mesmo a ficar e a dar notícias de uma revolta por não ter capacidade de abstração e por vislumbrar que está em entrar em litígio com o pai por o mesmo não o ter compreendido, não obstante a decisão do douto tribunal, que poderia ainda sensibilizar o pai para que este aceitasse o ónus de ser ele a se deslocar na sua folga à cidade de Local 5, o que pode fazer todas as semanas, em lugar de ser o menor a viajar, precavendo-se e assegurando-se desta forma os contactos com o pai e também o superior interesse da criança.
14ª.- Também não foi considerada por naquele momento ainda não existir (16.01.2025) a sua avaliação escolar, que é semestral, apresentando um elevado desempenho, sempre passível de ser melhorado, mas que revela um grande equilíbrio entre o seu gosto da prática do futebol, o seu desempenho escolar e amar ambos os progenitores.
15ª.- Alterar-se o estado de coisas quando existe uma outra alternativa que não traz qualquer consequência para o progenitor pai e para o menor, é como que estragar algo que está a funcionar na sua plenitude e mesmo que se considere que faltam os convívios com o pai, a viagem que o mesmo tem possibilidade de fazer quando quiser para conviver com o menor configura-se como a única forma da defesa do superior interesse da criança que não foi respeitada por quem tem essa obrigação, concretamente, o Ministério Público.
16ª.- Vai dar entrada requerimento nos autos principais, nos termos do nº. 2 do artigo 18º., do RGPTC, de nomeação de advogado ao menor, uma vez que neste momento existe conflitualidade entre os interesses do menor e sobretudo o interesse do progenitor pai, com requerimento de audição do menor e/ou que o mesmo seja submetido a uma avaliação psicológica perante profissional a ser designado pelo douto tribunal para que produza um relatório acerca da situação objetiva em que o mesmo se encontra.
17ª.- Não pretende a aqui Recorrente nunca na vida levantar qualquer obstáculo aos convívios entre o pai e o menor; também não pretende o menor porque não tem qualquer motivo para tal, deixar de conviver com o pai, o que ele não é responsável é por circunstâncias da vida que lhe são alheias mas de pessoas que são os seus pais e que lhe estão próximas de lhe causarem sofrimento, não conseguindo estar em dois locais em simultâneo, sendo este o quadro que se apresenta e não qualquer outro, como de um modo de certa maneira abusivo foi alvitrado, mas não transcrito em acta pelo Ministério Público ao se ter referido à jurisprudência, à alienação parental, bem como de que estava munido por exercer o cargo que exerce de fazer promoções num ou noutro sentido.
18ª.- O menino tem vontade própria, tem a sua vida escolar completamente organizada, tem uma atividade que da mesma não quer prescindir, o que quer é tão só que respeitem a sua vontade, sem que essa sua vontade venha a implicar ou se alvitrar até que resulta de uma alienação parental, que não existe nem nunca existiu, atento a que a progenitora mãe se encontra disponível para que o pai conviva com o menor todas as semanas nas circunstâncias já acima descritas.
19ª. – Revogando-se a decisão provisória do menor viajar para visitar o pai em fins-de semana alterados por outra que inverta a viagem e passar esta a ser feita pelo pai, é, estar-se a fazer a costumada Boa Justiça!”.
4. O recorrido AA apresentou contra-alegações em que formulou as seguintes conclusões (transcrição, com exclusão dos segmentos dedicados ao efeito do recurso e daqueles em que é reproduzida jurisprudência):
“1. A Recorrente alicerça o recurso interposto na opinião de que “a promoção do Ministério Público e o douto despacho judicial, não tomaram em consideração o superior interesse da criança, que constitui neste momento o único propósito de um processo desta natureza”.
2. O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artigo 38.º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…”.
3. Salvo o devido respeito por melhor opinião é, pelo menos, discutível que a Recorrente possa recorrer da decisão dos autos, pois decorre, expressamente, do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 5, do artigo 28.º ("a contrariu sensu") do RGPTC, que apenas é legítimo recorrer das decisões tomadas nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 28.º do RGPTC, "Quando as partes não tiverem sido ouvidas".
4. Ora, tendo a Recorrente estado presente na conferência de pais decorrida no dia 16 de janeiro de 2025, e após ser presencialmente notificada do regime provisório das responsabilidades parentais, de acordo com a promoção do Ministério Público para o exercício do contraditório, tendo declarado nada ter a opor ao mesmo, a interposição do recurso pela Recorrente não poderá deixar de ser consubstanciar como um flagrante e ilícito «venire contra factum próprio» da Recorrente!!
5. A interposição do recurso pela Recorrente, com a (ilícita) pretensão de fixação ao recurso de efeito suspensivo, não passa, apenas e tão-só, de mais uma manobra dilatória da Recorrente para continuar a obstaculizar ao convívio entre a Criança e o Recorrido.
6. Admitindo que a Recorrente tenha legitimidade para recorrer (o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede), sempre se dirá que a decisão, ora em crise, é justa e equilibrada, pois toma em consideração o direito de a Criança manter contacto com ambos os pais, se estiver separada de um ou de ambos - n.° 1 e n.° 3, do artigo 9.°, da Convenção sobre os Direitos da Criança - não merecendo qualquer reparo, devendo ser mantida nos seus precisos termos!!
(…)
12. Concretamente, nos dias 31 de janeiro de 2025 e 14 de fevereiro de 2025 – fins-de- semana alternados em que o Progenitor, quinzenalmente, deveria estar com o Menor após a prolação da decisão – a Recorrente, ancorando-se no argumento de que a decisão provisória proferida se encontra suspensa em virtude da interposição de recurso com efeito suspensivo, recusou-se a entregar a Criança ao Recorrido, situações que culminaram com a chamada da Polícia de Segurança Pública ao local para local para registarem o incumprimento do regime provisório de responsabilidades parentais pela Recorrente.
(…)
17. A propósito do tempo que o Recorrido passará com a Criança nos fins de semana que lhe competem, cumpre esclarecer que será o avô paterno da Criança – com o qual a Criança tem uma relação de grande proximidade desde o nascimento – quem diligenciará pela recolha da Criança na escola e pela entrega da Criança na casa da Recorrente. O avô paterno da Criança reside em Local 9, concelho de Local 2, pelo que, de modo a poder conviver com o neto, será com o avô paterno que a Criança viajará de avião entre Local 6-Local 7 e Local 7-Local 6, passando também o avô paterno, conjuntamente com a Criança e com o Progenitor, os fins de semana atribuídos ao Progenitor.
18. Acresce que, conforme a Recorrente bem o refere, a Criança começou a jogar futebol desde praticamente os 5/6 anos de idade, nos escalões de formação no Clube 3. Neste momento, a Criança joga na equipa de futebol Local 8, do concelho de Local 5, num pólo do Clube 2, ali estando integrado na equipa de futebol sub-12. Tal gosto pelo futebol foi-lhe incutido pelo Progenitor, sendo o progenitor uma figura de referência para a Criança na prática do futebol. Com isto, pretendemos igualmente relevar que o facto de a Criança ficar na companhia do avô, tanto no período que imediatamente antecede o jogo de futebol do Progenitor, assim como no decurso do jogo propriamente dito, se reveste de especial significado para a Criança, porquanto estamos não só a falar de futebol - atividade que, nos termos usados pela Recorrente, o Menor “ama” -, salientando-se que se tratam de jogos de futebol da 1.ª Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nos quais o Pai da Criança participa. Ora, a presença da Criança em tais jogos (e atenta a especial relevância que alegadamente o futebol reveste na vida da Criança) não poderá, assim, deixar de se consubstanciar como um acontecimento feliz na vida da Criança, e no respetivo convívio com o Pai, conciliando-se a paixão da Criança pelo futebol e pelo espetáculo desportivo, com o orgulho e a inspiração de ver o Pai jogar, aliados, ainda, ao facto de a Criança poder partilhar tais vivências na companhia do seu avô paterno.
19. É essencial ter em conta que o direito de visita deve abranger também os contactos entre os restantes familiares, nomeadamente, os avós, pois também estes têm o direito de obter informações relativas à criança. Por isso, não podem, e muito menos devem, os pais, sem qualquer tipo de fundamento, afastar o contacto entre os avós/ irmãos (cfr. art.1887.º-A do CC) e a criança. Conforme se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-01-2014, Relator Francisco Caetano, disponível em www.dgsi.pt): “o art.º 1887.º-A do CC estabelece uma presunção de que a relação da criança com os avós é benéfica para esta e, os pais, se quiserem opor com êxito recusa a esse convívio terão de invocar e demonstrar razões concretas para a proibição”.
20. Contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer o Douto Tribunal, não está ao alcance do Progenitor pai, deslocar-se até Local 5 para poder conviver com a Criança. Ao arrepio das considerações expendidas, apraz relevar que os jogos do Recorrido decorrem de 15 em 15 dias em Local 1 (decorrendo os remanescentes jogos fora da cidade de Local 1), sendo os jogos sempre marcados num dia entre sexta-feira e segunda-feira, inclusive. Ora, o Recorrido treina todos os dias da semana, com exceção do dia seguinte ao jogo, no qual folga. Na prática, isto significaria que apenas no respetivo dia de folga, o Recorrido teria disponibilidade para ir visitar a Criança ao Local 4, tendo para o efeito de ir de avião de manhã e de regressar, ainda nesse mesmo dia, ao final do dia, circunstância que jamais se concebe!!
21. Mas o que é ainda por demais e sobejamente vergonhoso e inadmissível, é que a Recorrente venha priorizar a comparência da Criança nos jogos da equipa de futebol sub-12 do Local 8, sita no concelho de Local 5, em detrimento dos convívios da Criança com o Pai. Jamais será admissível que se logre sobrepor o exercício de uma atividade extracurricular que a Criança gosta, ao direito de convívio entre Progenitor e a Criança. Tendo sempre presente o proclamado “superior interesse da criança”, mostra-se necessário assegurar a maior proximidade possível da criança com o progenitor que não tem a sua guarda. Tal proximidade será assegurada pelo reconhecimento e efetivação do direito de visita, como sucedâneo do convívio diário impossibilitado pela separação dos pais. Ademais, as deslocações quinzenais da Criança a Local 1, não impedem que o Menor deixe de continuar a jogar futebol, podendo continuar a fazê-lo quer durante a semana, quer nos fins de em que não conviva com o Pai, sem prejuízo de nos fins de semana em que se desloque a Local 1, poder continuar a jogar futebol com os amigos, com os colegas da escola de futebol de formação do Clube 3 - que frequentou cerca de 4 (quatro) anos - assim como com o Pai e o Avô. Tais convívios afiguram-se positivos para a Criança, permitindo-lhe conviver no meio onde esteve integrado desde os 4 aos 9 anos, ali tendo crescido, criado raízes, frequentando a escola, desenvolvido e fortalecido amizades e convivido com familiares.
22. O Progenitor é vítima, tal como a Criança, neste processo, e tem lutado reiterada e incessantemente para estar com a Criança, obstando, permanentemente, a Recorrente a tal convívio, situação que se tem materializado nos seguintes factos:
(v) na circunstância de a Recorrente, no início de mês de setembro de 2024, ter levado consigo a Criança para o Local 4, sem qualquer conhecimento, autorização ou consentimento do Recorrido, omitindo deliberadamente do Recorrido não só a ida da Criança para o Local 4, assim como o posterior paradeiro da mesma;
(vi) na circunstância de desde o início do mês de setembro de 2024 e até à presente data, e mesmo após ter sido proferida decisão a fixar o regime provisório da regulação das responsabilidades parentais, a Recorrente impedir e obstar qualquer convívio do Progenitor com a Criança;
(vii) não se conformando com a possibilidade de a Criança conviver, de 15 em 15 dias, aos fins de semana com o Pai e com a família paterna, na habitação do Recorrido, ter vindo interpor recurso para o Douto Tribunal da Relação de modo a obstar, uma vez mais, ao convívio e estreitar de laços entre o Progenitor e a Criança, alegando irrisoriamente, que o convívio da Criança com o Pai, nesses moldes, compromete a comparência da Criança nos jogos de futebol que decorram naqueles fins de semana;
(viii) arrogar-se a Recorrente à peticionada atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto para incumprir o regime provisório da regulação das responsabilidades parentais fixado, recusando-se a entregar a Criança ao Progenitor nos fins de semana ordenados pelo Tribunal. A este respeito, cumpre informar o Douto Tribunal que, em cumprimento do regime provisório fixado, nos dias 31 de janeiro de 2025 e 14 de fevereiro de 2025, o Pai do Recorrido foi recolher a Criança, a casa da Progenitora e à escola da Criança, respetivamente, sendo que a Criança não se encontrava naqueles locais à hora agendada para a respetiva recolha, circunstâncias que deram origem às Participações com o NPP: ... e NPP ..., levantando-se os respetivos autos pela omissão de entrega da Criança.
23. A Recorrente, não pode justificar a não entrega da Criança ao Pai, com base na interposição de recurso com pedido de fixação de efeito suspensivo, quando, nos termos o artigo 1906.º, nº 7, do Código Civil, o superior interesse da criança impõe uma relação de grande proximidade com os dois progenitores!
24. Ora, a Recorrente, não só atuou no passado com vista a privar o Filho da vinculação afetiva ao respetivo Progenitor - com quem o mesmo mantinha até à rutura conjugal uma saudável relação -, como persiste, no presente, na sua atuação de alienação da respetiva figura, em vez de promover ativamente a recuperação da presença do Pai, como referência primária, junto do Filho, conforme é seu dever funcional e direito daqueles!
25. A verdade é que os convívios entre o Progenitor e a Criança, nos moldes peticionados pela Recorrente, teriam uma única e devastadora consequência: uma irreversível quebra afetiva com prejuízo notório para o vínculo emocional que une pai e filho. Na verdade, a restrição do convívio, da partilha de afeto e de outras experiências, da Criança com o Progenitor, gera, naturalmente, um empobrecimento psicológico, emocional, relacional e pode, no limite, ser sentida pela Criança como um abandono, profundamente perturbador de um desenvolvimento saudável da Criança.
26. O direito de visita, no contexto de divórcio, significa a oportunidade atribuída ao progenitor não residente de conviver e continuar a criar laços afetivos com a criança, uma vez que não o poderá fazer normalmente, por não coabitar no mesmo espaço. Assim, dá-se a possibilidade de partilharem histórias, emoções e, até regras educativas, de modo a impedir que fique frustrado quer o superior interesse da criança, quer o direito ao convívio legalmente previsto (cfr. Maria Aglaé Tedesco V. Vilardo, e António José Fialho, (Jan.-Jun 2011), pp. 142).
27. Nesta senda, pugnou o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de setembro de 2024 (…).
28. In casu, inexistindo qualquer elemento concreto que permita afirmar que os convívios entre o Recorrido e a Criança são prejudiciais a tal desenvolvimento, a idade que a Criança apresenta aconselha a que conviva com o Recorrido, do mesmo modo que convive com a Recorrente, porque só assim estão asseguradas as relações de grande proximidade com ambos os progenitores!
29. A negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1918º do CC) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (artigo 1915º do CC), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação constituir a medida de último termo, incumbindo ao progenitor que pretende impedir as visitas, o ónus de prova de que este convívio é prejudicial para a criança.
30. No caso dos autos, o superior interesse da Criança, quer na vivência com ambos os pais, quer na convivência com a família paterna, não justifica a adoção de um regime provisório mais restrito, que implique o impedimento de pernoita da Criança na residência do progenitor não guardião.
31. É patente, sobretudo na falta de alegação de qualquer circunstância especial desabonatória do Pai, a intensidade da vontade da Recorrente de não cumprir e de não conceder à satisfação do superior interesse da Criança, com 9 anos de idade, em conviver com o Pai, ora Recorrido.
32. Não se verificando, no caso dos presentes autos, qualquer motivo para impedir ou restringir as visitas, devem ser possibilitados ao progenitor não guardião amplos contactos com a Criança que permitam que o mesmo possa continuar a exercer, cabalmente, as suas responsabilidades parentais para com o filho, circunstância que, na presente data, apenas poderá ser acautelada dando-se cumprimento ao regime provisório de convívios quinzenais entre a Criança e o Progenitor, nos moldes fixados na decisão ora recorrida!
33. No concernente à audição do Menor, importa ter presente o disposto no artigo 35.º, n.º 3, in fine, do RGPTC, que impõe a não audição da Criança sempre que a defesa do seu superior interesse o desaconselhe.
34. A audição da a Criança justifica-se perante a existência de perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, ou enquanto se diagnostica a situação da criança, com vista a definir o pertinente âmbito de intervenção, o que manifestamente não é o caso dos autos.
35. A audição da criança cede face à defesa do seu Superior Interesse, i. é, estando este em causa afastada/desaconselhada está a audição da criança. E no caso vertente, o superior interesse da Criança prossegue-se com a manutenção e estreitamento de relações de grande proximidade e conivência familiar com o Pai e com a família paterna, e não a jogar futebol ao fim de semana, conforme a Recorrente o pretende!
36. No caso dos autos, face à alegação - desadequada, desrazoável e inquinada de bom senso - apresentada pela Progenitora, e à inexistência de quaisquer elementos que desaconselhem afastar o direito de visitas (provisoriamente fixado) do Recorrido à Criança, afigura-se-nos desnecessária a audição da criança, devendo a argumentação tecida pela Recorrente neste conspecto improceder!!
TERMOS EM QUE,
Deve o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a douta decisão provisória proferida pelo Tribunal a quo, que fixou o regime provisório relativo ao exercício das responsabilidades parentais em referência à Criança CC”.
5. Nas contra-alegações que apresentou, o Ministério Público concluiu do seguinte modo (transcrição):
“1.ª - Os presentes autos têm por objeto a regulação das responsabilidades parentais da criança CC, nos termos dos artigos 1878.º e 1906.º do Código Civil e 35.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível;
2.ª - O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é considerado de jurisdição voluntária, razão pela qual não está o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. arts. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC);
3.ª - Nas ações de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a prolação de decisão provisória constitui um ato obrigatório para o juiz, caso os pais não alcancem acordo no decurso da conferência, nos termos do artigo 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível;
4.ª - Nesta matéria o interesse da criança assume-se, pois, como o valor fulcral ou fundamental do processo que deve presidir a qualquer decisão no âmbito da regulação das responsabilidades parentais;
5.ª - Salvo melhor opinião, o facto de a criança praticar futebol com a sua equipa todos os fins-de-semana, não se deve sobrepor ao interesse da criança em conviver com o pai, em Local 1, cidade onde viveu até setembro de 2024;
6.ª - E também a distância a percorrer entre Local 6 e Local 1 não poderá ser considerado um impedimento aos convívios face à existência de viagens de avião, forma através da qual a criança se deslocará sempre acompanhado por adulto;
7.ª - No caso concreto, a alternativa trazida pela Apelante vai contra o superior interesse da criança CC pois não assegura as rotinas diárias da criança e o seu bem-estar físico e psíquico face à instabilidade e certeza nos convívios com o seu pai, nunca sabendo a criança ao certo e quando irá conviver com o pai, e não assegura a manutenção das relações com familiares, amigos, colegas e de futebol e que mantém na cidade de Local 1;
8.ª - Não foi tida em consideração a avaliação escolar semestral da criança, porquanto tal elemento não constava nos autos, tendo sido apenas junto pela Apelante em sede de recurso, não podendo, salvo melhor entendimento, a questão ser analisada com base neste documento superveniente que não era do conhecimento do Tribunal;
9.ª - Não dispondo o Tribunal de elementos nos autos que atestem e lhe permitem concluir que a criança tem capacidade, discernimento e maturidade para compreender o assunto em discussão e, não dispondo a criança de idade superior a doze anos, salvo melhor entendimento, não era exigível que Tribunal procedesse à sua audição;
10.ª - Foi com base na valoração da matéria indiciada nos autos e nas declarações dos pais que a Mm.ª Juiz alcançou, provisoriamente, os convívios do pai com a criança, não se entendendo ser necessário proceder à audição da criança para saber que é do interesse desta os convívios com o pai na cidade onde a mesma residia aquando da decisão unilateral da Apelante, e sem conhecimento do progenitor, de alterar a residência da criança para o Local 4;
11.ª - Não resultava dos autos a pretensão da criança, no sentido de lhe ser nomeado advogado, do mesmo modo que não se justificava a sua nomeação, dado que não se mostra que os interesses da criança e do pai sejam conflituantes;
12.ª - Efetivamente o Ministério Público informou a Apelante que a tentativa de obstaculização de convívios seria certamente e oportunamente analisada aquando da fixação da regulação do exercício das responsabilidades parentais, atenta à jurisprudência e doutrina existente nesse sentido, sendo que não se compreende sequer, Ministério Público agiu no cumprimento das suas funções, e a decisão recorrível é a decisão judicial e não a promoção ou a intervenção do Ministério Público na referida diligência;
13.ª - Impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse a decisão recorrida tendo por base os elementos disponíveis à data da realização da Conferência, o que efetivamente fez, fazendo uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que deve ser mantido por ser este ser o regime provisório que melhor salvaguarda o superior interesse da criança CC”.
6. A Mma. Juíza a quo admitiu o recurso, indeferindo, contudo, a pretensão da recorrente quanto à atribuição ao mesmo de efeito suspensivo, antes lhe atribuindo o efeito meramente devolutivo.
7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas nas alegações, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, para além das que forem de conhecimento oficioso, ressalva feita àquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
A este respeito, importa começar por referir que a 1.ª instância atribuiu efeito devolutivo ao recurso, o qual, em sede de intervenção preliminar, não foi alterado pela relatora. Significa isto que se mostra dirimida a questão relativa ao efeito do recurso, suscitada nas contra-alegações do recorrido, nada mais havendo, pois, a determinar quanto a este assunto.
Assim, atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, e ao que, tendo sido invocado nas contra-alegações do recorrido, cumpre a esta Relação conhecer, são as seguintes as questões a decidir:
- Irrecorribilidade da decisão impugnada.
- Admissibilidade da junção do documento apresentado com o recurso.
- Se o regime de convívio de CC com o pai, AA, constante dos pontos 4 e 5 do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, fixado pelo tribunal a quo na conferência de pais, deve ser revogado por postergar o interesse superior da criança.
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III – Fundamentação
1. Fundamentação de facto.
Para além do que consta enunciado em 1. e 2. do relatório deste acórdão, dos presentes autos (3513/24.5...-B), do processo principal (3513/24.5...) e do apenso (3513/24.5...-A), consultados através da funcionalidade “Citius Viewer”, resulta ainda o seguinte:
1.1. CC nasceu em ... de ... de 2015 e é filho do requerente AA e da requerida BB (documento n.º 2 junto com o requerimento inicial).
1.2. Requerente e requerida contraíram casamento em ... de ... de 2017 (documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).
1.3. Por sentença proferida no dia 18 de abril de 2024, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Local 3, Juízo de Família e Menores de Local 1 - Juiz 1, o casamento entre o requerente e a requerida foi declarado dissolvido, por divórcio (documento n.º 3 junto com o requerimento inicial).
1.4. Na sentença de divórcio foi fixada como data do começo da separação, para efeitos do disposto no artigo 1789.º, n.º 2 do Código Civil, o dia 16 de janeiro de 2023 (documento n.º 3 junto com o requerimento inicial).
1.5. Requerente, requerida e o filho CC residiam em Local 1, na Rua do..., onde o requerente ainda reside (documentos n.os 3 e 5 juntos com o requerimento inicial).
1.6. No ano letivo 2023/2024, o CC frequentou o 3.º ano do 1.º Ciclo na ..., em Local 1 (documento n.º 5 junto com o requerimento inicial do apenso n.º 3513/24.5...-A).
1.7. No dia 10 ou 11 de setembro de 2024, a requerida e o filho CC passaram a residir no Local 4, tendo como morada a Rua ..., Local 5 (facto alegado por ambos: pelo pai no requerimento inicial e pela mãe no requerimento com a ref.ª 13175637, junto em 12-12-2024, bem como no requerimento inicial do apenso n.º 3513/24.5...-A).
1.8. No corrente ano letivo (2024/2025), o CC frequenta o 4.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico no ..., em Local 5 (documento n.º 6 junto com o requerimento inicial do apenso n.º 3513/24.5...-A).
1.9. A requerida é professora do ensino básico (1.º ciclo) e, no ano letivo 2024/2025, passou a lecionar no ..., em Local 5 (documento n.º 4 junto com o requerimento inicial do apenso n.º 3513/24.5...-A).
1.10. O requerente exercia e exerce a profissão de jogador profissional de futebol ao serviço do Clube 1, sediado em Local 1 (facto alegado pelo pai no requerimento inicial e pela mãe no requerimento inicial do apenso n.º 3513/24.5...-A, sendo referido por ambos na conferência de pais).
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2. Fundamentação de direito.
2.1. Irrecorribilidade da decisão impugnada.
2.1.1. Nas suas contra-alegações o recorrido veio suscitar a inadmissibilidade do presente recurso, uma vez que, segundo o disposto no artigo 28.º, n.º 5 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível1 (doravante, RGPTC), não é admissível a interposição de recurso da decisão provisória proferida no processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, quando ambos os progenitores tenham estado presentes em conferência de pais.
Pois bem.
É verdade que o artigo 28.º do RGPTC estabelece o seguinte no seu n.º 5:
“Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:
a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução”.
Preceito este cujo teor é, aliás, em tudo semelhante ao que o artigo 372.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil (doravante, CPC) prevê para as providências cautelares decretadas sem contraditório prévio do requerido (quando este não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência).
Ora, ao contrário do que sustenta o recorrido, o artigo 28.º, n.º 5 do RGPTC não se destina a restringir o direito de recurso das medidas provisórias, limitando-o aos casos em aquelas sejam decretadas sem audição dos progenitores, antes serve para consagrar possibilidade de, não tendo eles sido ouvidos, poderem, em alternativa ao recurso do despacho que decretou a medida, deduzir oposição quando pretendam alegar factos ou produzir meios de prova que não foram tidos em conta pelo tribunal.
Por sua vez, quando os progenitores tenham sido ouvidos antes do decretamento do regime provisório, não existe já o direito de oposição, restando o direito de interporem recurso nos termos previstos no artigo 32.º do RGPTC, o qual estabelece a recorribilidade de qualquer decisão que se pronuncie definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação das medidas tutelares cíveis.
Assim sendo, do despacho que, embora a título provisório, fixou o regime de exercício das responsabilidades parentais, cabe recurso, nos termos do disposto no citado artigo 32.º, mesmo quando tenha sido proferido no âmbito de conferência de pais em que ambos estiveram presentes e foram desse modo ouvidos.
Admitir-se o contrário seria uma restrição intolerável ao direito de ver reapreciada uma decisão provisória, quando é certo que o regime fixado nesse contexto exorbita o âmbito do exercício de um poder discricionário e contende com poderes-deveres dos pais, em ordem à prossecução de direitos fundamentais da criança, sendo, por isso, suscetível de impugnação perante tribunal superior.2
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2.1.2. Ainda a propósito da recorribilidade da decisão sub judice, o recorrido vem invocar que à recorrente não deve ser permitido interpor recurso do despacho que fixou o regime provisório, uma vez que esteve presente na conferência de pais, realizada no dia 16 de janeiro de 2025, e, após ser presencialmente notificada do regime provisório das responsabilidades parentais constante da promoção do Ministério Público, para exercer o contraditório, declarou nada ter a opor, consubstanciando, assim, a interposição do presente recurso um flagrante e ilícito venire contra factum proprium por parte da recorrente.
Sem razão, porém.
Com efeito, na ata da conferência de pais realizada na data referida, logo após a promoção que o Ministério Público formulou, no sentido da fixação de um regime provisório, consta indicado que “Seguidamente, nada a opor ou a requerer pelos presentes, pela Mmª Juiz foi proferido” o despacho recorrido.
Conforme dispõe o artigo 632.º, n.os 1 e 4 do CPC, exceto quanto ao Ministério Público, é lícito às partes renunciar aos recursos, sendo que a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.
A renúncia ao recurso, enquanto declaração expressa de que não se interporá recurso contra determinada decisão, distingue-se da aceitação da decisão, formulada depois de esta ter sido proferida, a qual tanto pode ser expressa, como tácita, sendo tácita quando deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (artigo 632.º, n.os 2 e 3 do CPC).
Ora, in casu, a recorrente não só não emitiu qualquer declaração de renúncia ao recurso contra a decisão judicial que fixou o regime provisório em que se estipularam os impugnados convívios do pai com a criança, como, após o decretamento de tal medida provisória, não manifestou qualquer aceitação da respetiva decisão, sendo que a posição adotada na conferência de pais, ao afirmar “nada a opor ou a requerer”, teve lugar antes da prolação da decisão posta em causa no recurso, o que, por si só, a coloca fora das condições previstas no artigo 632.º, n.º 3 do CPC, para além de que não se refere a qualquer ato jurisdicional e, pelo caráter genérico que reveste, assume-se como uma tomada de posição com uma abrangência tal que não pode ter interpretada como um comportamento cujo sentido objetivo comum é o de quem inequivocamente aceita a decisão em questão.
Pelo que forçosamente se conclui que também aqui não assiste razão ao recorrido nesta sua pretensão de se considerar irrecorrível o despacho impugnado pela recorrente.
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2.2. Admissibilidade da junção do documento apresentado com o recurso.
A recorrente vem dizer que na conferência de pais, realizada na data referida (16 de janeiro de 2025), não foi considerada a avaliação escolar da criança, que é semestral e naquele momento ainda não existia, sendo que dela resulta que o CC apresenta um elevado desempenho, sempre passível de ser melhorado, mas revela um grande equilíbrio entre o seu gosto da prática do futebol, o seu desempenho escolar e amar ambos os progenitores.
Com a alegação a recorrente apresenta um documento que consiste na indicada avaliação escolar da criança, datada de 30 de janeiro de 2025.
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Conforme dispõe o artigo 651.º, n.º 1 do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Segundo o artigo 425.º do mesmo diploma, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Ora, a recorrente nada alega que justifique a junção tardia do apontado documento, nem do seu teor se retira qualquer elemento que fundamente a sua relevância para efeitos do que foi provisoriamente decidido na conferência de pais, tornando necessária a respetiva junção nesta fase recursória.
Assim, face ao exposto, não será o documento aqui considerado.
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2.3. O despacho recorrido inscreve-se no âmbito da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevista no artigo 3.º, alínea c), do RGPTC, e regulada nos artigos 34.º a 40.º do mesmo diploma.
O processo inicia-se com a apresentação em juízo do requerimento inicial, após o que tem lugar a conferência de pais, sendo que, conforme já foi dito, o presente recurso foi interposto do despacho que fixou o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, nos termos previstos no artigo 38.º do RGPTC, uma vez que na conferência os pais não chegaram a acordo quanto à definição do apontado regime.
Neste contexto, o artigo 28.º do RGPTC, a que já nos referimos no presente acórdão (cf. supra 2.1.), institui um princípio geral destinado às providências tutelares cíveis, ao dispor no seu n.º 1 que, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir, provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
Por sua vez, o artigo 38.º do RGPTC, estabelece para o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais a seguinte disciplina especial:
Falta de acordo na conferência
Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para:
a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou
b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.
Assim, ao contrário da regra estatuída no artigo 28.º, que supõe a formulação de um juízo de conveniência ou necessidade da decisão provisória, no caso da norma especial do artigo 38.º o juiz, na conferência de pais em que estes estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo, tem sempre de decidir provisoriamente sobre o pedido.
Regime provisório esse que deve ser estabelecido em função dos elementos obtidos no processo, ou seja, sem qualquer obrigatoriedade de se diligenciar pela recolha de outros meios de prova, para além de ouvir as partes, naturalmente sem prejuízo de posterior alteração da decisão, em função dos elementos que, entretanto, sejam recolhidos, conforme resulta, aliás, do princípio geral consagrado no artigo 28.º, n.º 1 do RGPTC e da natureza de jurisdição voluntária que carateriza os processos tutelares cíveis, nos termos previstos no artigo 12.º do RGPTC, com referência às disposições gerais do artigo 987.º a 988.º do CPC.
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2.3.1. O presente recurso versa unicamente sobre os pontos 4 e 5 do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais fixado na conferência de pais realizada no passado dia 16 de janeiro, cingindo-se, assim, aos seguintes termos dos convívios estabelecidos para o pai da criança:
4 - O progenitor conviverá com o menor aos fins de semana alternados, diligenciando pela recolha da criança, às sextas-feiras na escola após o período de aulas, e pela entrega da mesma na residência da progenitora, aos domingos, até às 19:00 horas.
5 - Se junto aos fins de semana, numa sexta-feira ou segunda-feira, for feriado, o menor poderá permanecer com o progenitor nesses dias por forma alargar o convívio.
E, mesmo quanto a estes termos, a recorrente insurge-se apenas na parte em que eles implicam a deslocação da criança de onde atualmente reside – Local 5 – para o local de residência do pai e que, até setembro de 2024, foi também o do filho – Local 1 – pois, conforme se alcança da pretensão deduzida no recurso, este tem em vista a revogação da decisão provisória de CC viajar para visitar o pai em fins de semana alternados, substituindo-a por outra que inverta a viagem, de modo a que a mesma passe a ser feita pelo pai.
No essencial e para o que aqui cumpre apreciar, tendo por referência a situação existente à data da conferência de pais, a recorrente faz assentar a sua pretensão nas seguintes razões, vertidas nas conclusões 4.ª a 13.ª da sua peça recursória:
Praticamente, os únicos factos que foram considerados na conferência de pais resumem-se ao exercício das profissões de cada um deles e a distância de cerca de 600 km entre as duas cidades (Local 5 e Local 1).
Subjacente aos convívios quinzenais, esteve a circunstância de as datas das visitas coincidirem com os fins-de-semana em que o progenitor, jogador profissional de futebol da 1.ª liga no clube de futebol Clube 1, joga em casa na cidade de Local 1.
Na fixação do regime dos pontos 4 e 5 não foi tomado em consideração que num fim-de-semana com uma viagem a ser feita de avião entre a cidade de Local 6 e o Local 7, a qual tem a duração de 1 hora, mas com os tempos de embarque e de desembarque nunca são menos de 3 horas, a que se acrescenta o período antecedente à prática de um jogo de futebol e o período a seguir, nunca inferior a 6/8 horas, e com a viagem de retorno a ser feita ao domingo e as respetivas horas de descanso, está-se a falar de um convívio que não é superior a 18 horas, com a violência de ter de ser o CC a se deslocar.
O CC é praticante de futebol na localidade de Local 8, do concelho de Local 5, num Pólo do Clube 2.
Se é o CC que tem de fazer a viagem de 15 em 15 dias, tal implica que desista de continuar a prática daquele desporto, devidamente inserida num clube de futebol organizado e que lhe pode proporcionar um futuro que o mesmo não pretende abdicar por não conseguir abstrair-se da sua vontade de continuar a praticar o referido desporto para poder estar com o pai.
Deve ser respeitada a vontade de uma criança com 9 anos de idade, com capacidade suficiente para compreender os assuntos em discussão, revelando uma maturidade que a consegue colocar na posição de não pretender abdicar e abandonar a prática do futebol, por ter de viajar de 15 em 15 dias para a cidade de Local 1.
Existe uma alternativa que não traz qualquer consequência para o progenitor e para o filho, é como que estragar algo que está a funcionar na sua plenitude, mesmo que se considere que faltam os convívios com o pai.
Como é sabido, a regulação, a título provisório ou definitivo, do exercício das responsabilidades parentais, deverá ser sempre decidida de harmonia com o interesse superior da criança, decorrendo do disposto nos artigos 1906.º, n.os 5 e 8 do Código Civil que o interesse subjacente ao estabelecimento do regime de convívios é o de que a criança mantenha uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, favorecendo-se amplas oportunidades de contacto com ambos e promovendo-se as relações habituais do filho com o progenitor com quem não resida, ressalvados, claro está, os casos em que o interesse da criança justifique que os contactos sejam restringidos, condicionados ou até mesmo suspensos (artigo 40.º, n.os 2, 3 e 10 do RGPTC).
Em termos mais amplos, o conceito do interesse superior da criança visa assegurar a fruição plena e efetiva de todos os direitos reconhecidos na Convenção sobre os Direitos da Criança3 e o seu desenvolvimento global.
Neste sentido, a aplicação plena do conceito do interesse superior da criança requer uma abordagem assente em direitos, envolvendo todos os intervenientes, de modo a garantir a integridade física, psicológica, moral e espiritual da criança e a promover a sua dignidade humana.
Nas decisões relativas às responsabilidades parentais, o critério a considerar deverá ser o interesse superior da concreta criança a que o processo diz respeito, cuja avaliação exige que o juiz tenha em conta o direito da criança a preservar a sua relação com ambos os pais, para além de outros elementos relevantes para o caso.
Assim, quando separada de um dos progenitores, em virtude da rutura do casal que exige a tomada de uma decisão sobre o lugar da sua residência, a criança tem o “direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao seu interesse superior” (artigo 9.º, parágrafos 1 e 3, da Convenção).4
As relações pessoais e contatos diretos da criança com o progenitor com quem não reside habitualmente constituem o meio privilegiado de proporcionar a partilha de afetos e a desejada proximidade entre ambos, promovendo, assim, a qualidade das suas relações afetivas e o seu bem-estar aos mais vários níveis, inseridos no domínio mais abrangente do bem-estar moral e material da criança5 que, no fundo, define o seu desenvolvimento global harmonioso.
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2.3.2. Revertendo ao caso dos autos e começando pela questão da audição da criança, com nove anos de idade, relativamente ao tema dos convívios, audição que a recorrente sustenta dever ser respeitada, pois o CC tem capacidade suficiente para compreender os assuntos em discussão, revelando uma maturidade que o consegue colocar na posição de não pretender abdicar e abandonar a prática do futebol, por ter de viajar de 15 em 15 dias para a cidade de Local 1, entende a Relação que não lhe assiste razão.
Com efeito, tal como justificadamente refere o Ministério Público nas contra-alegações que apresentou, por um lado, face ao que dispõe o n.º 3 do artigo 35.º do RGPTC, a criança tem menos de doze anos de idade, não sendo obrigatória a sua audição pelo tribunal.
Por outro lado, conforme acima foi referido, o artigo 38.º do RGPTC estabelece que o regime provisório deve ser fixado na conferência de pais, em função dos elementos que constem no processo nesse momento, sem prejuízo, claro está, de posterior alteração da decisão em resultado de outros elementos que venham a ser carreados para os autos. Isto sem qualquer obrigatoriedade de o juiz diligenciar pela obtenção de quaisquer outros meios de prova, para além de ouvir as partes, tal como se verificou no caso concreto.
Ademais, nenhum dos progenitores requereu a audição do CC que, repete-se, tem 9 anos de idade, nem a necessidade de a ela se proceder foi suscitada pelos respetivos mandatários.
Assim, como conclui o Ministério Público, não dispondo o tribunal a quo de elementos nos autos que atestem e lhe permitam concluir que a criança tem capacidade, discernimento e maturidade para compreender o assunto em discussão, a que acresce que este aspeto não foi aflorado na diligência, não era exigível que se procedesse à sua audição na conferência de pais, a qual, aliás, não se revelava necessária para saber que, como adiante melhor se verá, é do interesse do CC os convívios com o pai no seu meio habitual e onde aquele também viveu, até a recorrente ter decidido alterar a sua residência para o Local 4.
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2.3.3. No que concerne à nomeação de advogado a CC (cf. conclusão 16.ª), diz a recorrente que vai dar entrada nos autos principais de requerimento nesse sentido, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RGPTC, uma vez que existe conflitualidade entre os interesses da criança e, sobretudo, o interesse do pai.
Isto porque, segundo alega, à luz da referida norma é obrigatória a nomeação de advogado à criança quando os seus interesses e os dos seus pais sejam conflituantes e ainda quando a criança com maturidade adequada o solicitar ao tribunal, sendo que o CC manifestou à mãe o seu desejo em não se deslocar nos termos que se encontram decididos, tendo ele capacidade para compreender os assuntos em discussão, em função do que a recorrente irá requerer, como já foi dito, que lhe seja nomeado um advogado.
Ora, colocada a questão desta forma, resulta claro que estamos perante algo que não diz respeito à decisão que aqui cumpre sindicar, antes se afigura ter surgido em momento posterior ao da sua prolação, quando chegou a altura de a progenitora dar cumprimento ao decidido quanto aos convívios com o progenitor, pelo que, sendo uma matéria que extravasa o âmbito do recurso, não há que dela conhecer no presente acórdão.
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2.3.4. Aqui chegados, e incidindo agora a apreciação sobre o mérito do que o tribunal a quo decidiu, em 16 de janeiro de 2025, verifica-se que as objeções suscitadas pela recorrente em relação aos contactos pessoais do CC com o seu pai, no meio habitual deste e que, até setembro de 2024, foi também o do filho, não fundamentam a invocada conclusão de que o regime fixado nos pontos 4 e 5 da decisão provisória impugnada, é, de algum modo, contrário ao interesse superior da criança em manter relações próximas e regulares com o progenitor com o qual não reside.
Com efeito, não consta dos autos nem foi alegada qualquer circunstância ligada à saúde física e mental do CC, agora com 9 anos de idade (no dia ... próximo, celebra o seu 10.º aniversário), ou a necessidades educacionais relacionadas com a atividade escolar que, no interesse da criança, obstaculize a sua deslocação ao meio habitual do progenitor, sito em Local 1, para com ele permanecer em fins de semana alternados.
Isto sendo certo que, como a própria recorrente afirmou, o estipulado calendário de convívios quinzenais coincide com os fins-de-semana em que o progenitor, jogador profissional de futebol da 1.ª liga no clube de futebol Clube 1, joga em casa na cidade de Local 1, a que acresce que, como sustentou o recorrido e é razoavelmente de admitir como certo e justificado, à luz das regras da experiência e do normal acontecer, os restantes jogos em que o mesmo participa decorrem fora da cidade de Local 1, sendo sempre marcados num dia, entre sexta e segunda-feira, inclusive, sendo que aquele treina todos os dias da semana, com exceção do dia seguinte ao do jogo, no qual folga, o que, na prática, significaria que apenas no respetivo dia de folga teria disponibilidade para ir visitar a criança ao Local 4, tendo para o efeito de ir de avião de manhã e de regressar, ainda, ao final desse mesmo dia. O que manifestamente se revela impraticável e inadequado como alternativa à deslocação do CC a Local 1 para estar com o pai no meio habitual que até há pouco era também o da criança.
Por outro lado, não se concebe, e nisso o recorrido tem razão, que a recorrente venha priorizar a comparência da criança nos jogos da equipa de futebol sub-12 do Local 8, sita no concelho de Local 5, em detrimento dos convívios com o progenitor, sobrepondo, assim, o exercício de uma atividade extracurricular que aquela gosta ao direito de convívio entre pai e filho, sendo aqui inequívoco que o superior interesse da criança passa pela necessidade de promover a maior proximidade possível com o progenitor com quem não reside.
Verificando-se ser ainda dotado de toda a razoabilidade o que o recorrido sustenta quando afirma que as deslocações quinzenais do CC a Local 1 não implicam que a criança deixe de jogar futebol, podendo continuar a fazê-lo, quer durante a semana, quer nos fins de semana em que não conviva com o pai, sem prejuízo de nos fins de semana em que se desloca a Local 1, poder continuar a jogar futebol com os amigos, com os colegas da escola de futebol de formação do Clube 3 – que frequentou cerca de quatro anos – assim como com o pai e o avô paterno, o que se afigura positivo para o CC.
Também não se divisa existir qualquer elemento que, no interesse superior da criança, contrarie o invocado pelo recorrido no sentido de que foi este que lhe incutiu o gosto pelo futebol, sendo ele uma figura de referência para a criança na prática dessa modalidade desportiva, pelo que o facto de o CC ficar na companhia do avô, tanto no período que imediatamente antecede o jogo de futebol, como no decurso do jogo propriamente dito, reveste especial significado para a criança, porquanto estamos a falar de jogos de futebol da 1.ª Liga Portuguesa de Futebol Profissional em que o pai participa e, como tal, a presença da criança não deixa de consubstanciar um acontecimento feliz na sua vida e no convívio com o pai, para além de poder partilhar essas vivências na companhia do avô paterno.
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Em suma, de todo o exposto decorre que, no caso vertente, o regime provisório de convívios fixado nos pontos 4 e 5 da decisão recorrida se apresenta como a solução que, face aos elementos então disponíveis, melhor serve o superior interesse de CC, pelo que se conclui que o presente recurso deve improceder.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela requerida BB e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527.º, n.os 1 e 2 do CPC).
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Évora, 27 de março de 2025
Helena Bolieiro – relatora
Rosa Barroso – 1.ª adjunta
Renata Whytton da Terra – 2.ª adjunta
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1. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível foi aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, e alterado pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que lhe aditou os artigos 24.º-A e 44.º-A.↩︎
2. Cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de novembro de 2019, proferido no processo n.º 10352/14.0T2SNT-CL1-6 (relatora Cristina Neves), disponível na Internet em . Cf. ainda Acórdão da Relação de Guimarães, de 1 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 1806.17.7T8GMR-C.G1 (relator José Amaral), disponível em .↩︎
3. Convenção assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, em 8 de junho de 1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro, e publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 211 (suplemento), de 12 de setembro de 1990.↩︎
4. Cf. Comentário geral n.º 14 (2013) sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja primacialmente tido em conta, adotado pelo Comité dos Direitos da Criança na sua décima-segunda sessão (14 de janeiro – 1 de fevereiro de 2013), edição da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, 2017, disponível na Internet em .↩︎
5. Recomendação R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de fevereiro de 1984: “responsabilidades parentais são o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa do filho, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens”. Cf. ainda Rui Epifânio e António Farinha, OTM, Contributo para uma Visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, Livraria Almedina, 1987, págs. 326-327.↩︎