ESTADO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário

Sumário:
I. A obrigação de indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público cujo regime consta da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, prescreve, nos termos do nº1 do artigo 498.º do Cód. Civil, no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade);
II. Uma vez que por força do disposto no nº4 do art.º 33º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS), a acção se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após essa data em que o legislador ficciona ter sido proposta a acção sendo, por consequência, de se considerar que na mesma data foi requerida a citação do réu (art.º 323º, nº2 do Cód. Civil).
III. A interrupção da prescrição nos termos deste normativo é igualmente contemplada no nº1 do art.º 327ºdo Cód. Civil , i.e. nesta previsão normativa se abarcam os casos em que a prescrição se considera interrompida decorridos cinco dias após a propositura da acção (mesmo ficcionada).
IV. E, assim sendo, o prazo de prescrição só se reiniciou com o trânsito em julgado do despacho proferido na acção que veio a ser proposta pelo patrono nomeado no qual foi julgado caducado o benefício de apoio judiciário concedido ao autor, se ordenou o desentranhamento da petição inicial e se declarou extinta a instância.

Texto Integral

ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO

1. AA demandou o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor € 271.680,68, a título de danos patrimoniais, e de uma indemnização no montante de € 25.000,00, a título de danos morais em consequência de ilícito praticado em sede de função jurisdicional.


Citado, contestou o réu, excepcionando, designadamente, a prescrição da obrigação de indemnização.


2. Foi proferido despacho saneador sentença que a julgou procedente e por via disso absolveu o Réu do pedido.


3. É desta decisão que recorre o Autor, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


1ª – O Recorrente requereu, em Julho de 2008, o benefício de apoio judiciário, que lhe foi atribuído em 28 de Agosto de 2008, para instauração de uma acção contra o Estado, tendo-lhe sido nomeado patrono só em Julho de 2010;


2ª – A acção foi instaurada em 20 de Junho de 2014 e a respectiva instância foi declarada extinta por despacho de 2 de Julho de 2014, confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Janeiro de 2016;


3ª – Em 28 de Agosto de 2015, foi atribuído ao Recorrente novo benefício de apoio judiciário para instauração da acção que corresponde aos presentes autos, que veio a dar entrada em Tribunal no dia 25 de Agosto de 2017, tendo o réu sido citado em 9 de Setembro de 2017;


4ª – Nos termos do disposto artigo 33.º, n.º 4, da Lei nº 34/2004, de 29/7, a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, pelo que, tendo sido requerido Apoio Judiciário em Julho de 2008, não haviam passado três anos desde 30 de Novembro de 2005, não tendo, por isso, ainda, decorrido o prazo de três anos;


5ª – Embora a acção em que foi proferida a decisão recorrida tenha sido interposta a 25 de Agosto de 2017, tendo a nomeação de patrono oficioso acontecido a 02 de Agosto de 2016, foi pedida prorrogação do prazo para interposição da mesma, o qual veio a ser deferido pela Ordem dos Advogados, nos termos do nº 2 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, improcedendo, assim, a excepção de prescrição invocada pelo R. Estado, aqui Recorrido;


6ª – O Tribunal “a quo”, ao considerar decorrido o prazo de três anos previsto no artº 498.º do CC, ex vi do art. 5.º do DL n.º 67/2007, de 31/12, que estabeleceu o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas e, consequentemente, prescrito o direito de indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual do Estado, não teve em conta que o atraso na interposição da acção do aqui Recorrente contra o aqui Recorrido não pode ser imputado ao primeiro;


7 ª – O Tribunal “a quo” não teve em consideração que o Estado Português é responsável pelo Apoio Judiciário, ou Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, e que a Ordem dos Advogados, ao ser a entidade incumbida pelo Estado Português de designar advogados, sejam defensores ou patronos, para patrocinarem beneficiários, está a agir de acordo com o que foi pelo mesmo determinado na Lei do Apoio Judiciário, sendo responsável pelos actos e omissões dos referidos patronos nomeados;


8ª – O Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, precludiu o direito constitucionalmente consagrado do Recorrente de acesso à Justiça, plasmado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa;


9ª – O Tribunal “a quo”, ao decidir que inexistem factos não provados, está a admitir que dá como provados todos os factos alegados pelo A., ora Recorrente, nos seus articulados, incluindo os atrasos na propositura da acção onde foi proferida a decisão de que se recorre, bem como os atrasos causados pelas sucessivas nomeações de patronos, o que leva à improcedência da excepção de prescrição.


Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, requer-se a V. Exas. se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, revogando a decisão recorrida, com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA!


4. O Estado contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.


5. Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – a única questão cuja apreciação a mesma convoca prende-se com a (im) procedência da excepção de prescrição da obrigação de indemnizar.

II. FUNDAMENTAÇÃO


6. É o seguinte o quadro fáctico consignado na decisão recorrida:


“Julgo provados os seguintes factos:


1. A 19 de Janeiro de 2005 foi intentada contra o aqui autor uma providência cautelar pela Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA, que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo com o n.º 949/04.1....


2. Tal providência visava a entrega imediata do prédio urbano descrito na CRP do ... sob a ficha n.º ..., inscrito na matriz urbana sob o art. ..., e o cancelamento do registo do contrato de locação financeira que o autor havia celebrado com a Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, SA e que tinha por objecto aquele imóvel.


3. O autor foi citado para deduzir oposição à providência cautelar no dia 24 de Maio de 2005.


4. A 7 de Junho de 2005 o autor entregou naquele processo cópia do requerimento de pedido de apoio judiciário.


5. Por decisão proferida pela Segurança Social no dia 16 de Setembro de 2005, no âmbito do processo APJ 10298/2005, foi concedido ao autor o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos e de nomeação de patrono.


6. Tal decisão deu entrada no processo referido em 1 no dia 27 de Setembro de 2005.


7. Enquanto o autor aguardava a comunicação da Ordem dos Advogados sobre quem o iria representar, eram os autos informados por esta associação profissional, por ofício enviado por fax que deu entrada no dia 30 de Setembro de 2005, da nomeação da patrona oficiosa Dra. BB.


8. Como não recebia a notificação da nomeação da patrona oficiosa por parte da Ordem dos Advogados, o autor, no dia 17 de Outubro de 2005, requereu e obteve da Segurança Social, através do despacho de deferimento de 18 de Outubro de 2005, decisão a anular a parte do pedido de apoio judiciário relativamente à nomeação e pagamento de honorários do patrono oficioso, permanecendo em vigor apenas a modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo.


9. A 20 de Outubro de 2006 a Segurança Social comunicou ao Tribunal do Cartaxo o referido despacho.


10. Por fax de 19 de Outubro de 2005, a Ordem dos Advogados comunicou ao Tribunal do Cartaxo que havia sido dada sem efeito a nomeação da patrona oficiosa.


11. A 28 de Outubro de 2005, o autor apresentou oposição à providência cautelar.


12. A 4 de Novembro de 2005, o Tribunal Judicial do Cartaxo enviou ao Mandatário do autor o ofício constante de fls. 39, notificando-o da data da audiência de inquirição de testemunhas e de um despacho datado de 3 de Novembro de 2011, constante de fls. 108, 109, 110 e 111 daqueles autos.


13. E notificou também o mandatário do autor do conteúdo de fls. 94, 108, 109, 110 e 111 dos mesmos autos, respeitantes a conclusões de 10 e 31 de Outubro de 2005.


14. Na conclusão de 10 de Outubro de 2005, fls. 94 dos referidos autos, o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho: “Mostrando-se já decorrido o prazo para dedução da oposição por banda do Requerido, que nada apresentou, importa designar data para a inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente”.


15. O autor e o seu Mandatário foram notificados da data de 14 de Novembro de 2005 para a audição das testemunhas.


16. No dia 3 de Novembro de 2005, foi proferido nos mesmos autos despacho a não admitir a junção da oposição à providência cautelar por intempestividade, o qual se encontra junto de fls. 47 a 49 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.


17. Por despacho de 28 de Novembro de 2005, foi decretada a entrega imediata à requerente do imóvel identificado no n.º 2 e ordenou-se o cancelamento do registo do contrato de locação financeira efectuado na CRP do ... e constante da inscrição F1 – Ap. 22/20010803.


17. A 5 de Dezembro de 2005, o Tribunal Judicial do Cartaxo remeteu para o Mandatário do autor a oposição desentranhada, que foi consignada nos autos a fls. 105, 106, 106, 117, 118 e 119.


17 A- aditado ao abrigo do disposto no art.º 607º, nº4 (parte final) do CPC ex vi art.º 663º, nº2 do mesmo código- O Autor requereu em Julho de 2008 apoio judiciário, que lhe foi concedido pela Segurança Social em 7.8.2008 ( doc. 14 junto à p.i).


18. A 5 de Agosto de 2010, o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados nomeou ao autor o Advogado Dr. CC, em substituição do patrono anteriormente nomeado1, para intentar a acção pretendida.


19. No dia 20 de Junho de 2014, o autor intentou contra o Estado Português acção de processo comum, que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo sob o n.º 730/14.0..., pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de € 202.333.40, a título de indemnização por erro judiciário


20. Por despacho proferido naqueles autos, datado de 2 de Julho de 2014, foi julgado caducado o benefício de apoio judiciário concedido ao autor, ordenou-se o desentranhamento da petição inicial e declarou-se extinta a instância, com os fundamentos constantes do mesmo e que aqui se dão por reproduzidos


21. O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 21 de Janeiro de 2016, julgou improcedente o recurso interposto pelo réu e manteve aquela decisão.


22. Em 25 de Agosto de 2015, no âmbito do processo APJ ..., foi concedido ao autor o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos.


Aditados ao abrigo do disposto no art.º 607º, nº4 (parte final) do CPC ex vi art.º 663º, nº 2 do CPC:


23. Tendo-lhe sido nomeado patrono, em substituição de um anterior, o Dr. DD, que disso foi notificado por ofício de 2.8.2016 ( doc.junto à p.i.) que, em 3.7.2017, requereu prorrogação do prazo para propositura da acção junto da O.A. para o “ final do mês de Agosto de 2017”, o que lhe foi deferido em 7.7.2017 ( cfr. documentos juntos à p.i.);


24. A presente acção de responsabilidade civil contra o Estado foi proposta em 25.8.2017 no TAC de Lisboa, o Ministério Público aí citado em 11.9.2017 e após vicissitudes várias foi remetida para o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém ( cfr. tramitação constante do citius)


7. Do mérito do recurso


Da petição inicial da presente acção resulta com clareza que o pedido de indemnização do Autor/apelante formula está conexionado com o despacho judicial de 3.11.2005 que ordenou o desentranhamento da oposição por si deduzida à providência cautelar que lhe havia sido movida, despacho esse que, no seu entender, laborou em erro na contagem de prazo e o impediu de exercer o contraditório, culminando com o seu “despejo” da casa onde residia.


Requereu, então, o Autor, em Julho de 2008, apoio judiciário para propor a competente acção de responsabilidade civil contra o Estado que lhe veio a ser concedido ainda em Agosto desse ano.


Porém, tendo-lhe sido nomeado patrono (em substituição de outro anteriormente nomeado) apenas em 5.8.2010, o certo é que tal acção só veio a ser proposta em 20.6.2014, sem que detectemos nos autos qualquer justificação para tal delonga.


Aliás, por isso, por despacho proferido naqueles autos, datado de 2 de Julho de 2014, confirmado pelo Acórdão desta Relação de 21.1.2016, foi julgado caducado o benefício de apoio judiciário concedido ao autor, ordenou-se o desentranhamento da petição inicial e declarou-se extinta a instância.


Entretanto, o Autor requereu de novo e foi-lhe concedido, em 25 de Agosto de 2015, no âmbito do processo APJ 160088/2015, o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos, vindo a propor nova acção de responsabilidade civil contra o Estado em 25.8.2017 no TAC de Lisboa que veio a ser remetida para o Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo.


Conjuguemos, então, esta resenha factual com o regime jurídico aplicável à apreciação da questão objecto do recurso.


Parece-nos evidente que a pretensão indemnizatória do Autor se alicerça na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público cujo regime consta da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.


Não há também quaisquer dúvidas que o direito de indemnização que o Autor pretende exercer contra o Estado prescreve, nos termos do nº1 do artigo 498.º do Cód. Civil, no prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade).


Percorrendo a factualidade enunciada, cremos que o início de tal prazo prescricional se computa a partir da notificação da decisão proferida em 28 de Novembro de 2005 na qual foi decretada a entrega imediata do imóvel detido pelo ora Autor, à requerente da providência cautelar.


Conquanto se desconheça em que data ocorreu tal notificação ao Autor, foi seguramente após a data do despacho.


Por isso, fácil é concluir que quando o Autor pede, em Julho de 2008, apoio judiciário (na modalidade de nomeação de patrono) para intentar a (primeira) acção de responsabilidade civil, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional.


Na verdade, o nº4 do art.º 33º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS) estatui que: “A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”.


Se assim é, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após essa data em que o legislador ficciona ter sido proposta a acção sendo, por consequência, de se considerar que na mesma data foi requerida a citação do réu (art.º 323º, nº2 do Cód. Civil).


O problema está em que a acção só foi efectivamente proposta em 20 de Junho de 2014, sendo que por despacho aí proferido, datado de 2 de Julho de 2014, foi julgado caducado o benefício de apoio judiciário concedido ao autor, ordenando-se o desentranhamento da petição inicial e declarando-se extinta a instância.


Por conseguinte, apesar do Autor ter beneficiado da referida interrupção, por via do apoio judiciário que lhe havia sido concedido, a questão que se coloca é quando é que o novo prazo prescricional começou de novo a correr.


De acordo com o nº1 do art.º 326º do Cód. Civil, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando, contudo, e em princípio, a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 327.º.


O momento em que começa a correr novo prazo prescricional será coincidente com aquele em que a eficácia da causa interruptiva cessar.


Podendo, a este respeito, a causa interruptiva ser instantânea ou permanente, conforme essa eficácia se produz em dado momento, cessando logo, e começando, portanto, logo também um novo período prescricional, ou dura por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição 2.


Vindo a lei, desde logo, a estabelecer um regime especial – o da interrupção duradoura do prazo da prescrição – no mencionado art.º 327.º nº 1, prescrevendo que: “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.


Portanto, o ponto está em saber quando é que o prazo prescricional em causa se reiniciou: se nos termos do art.º 326º ou se nos termos do art.º 327º.


Se, aplicando o art.º326º, considerarmos que o prazo se reinicia no dia seguinte ao quinto dia após o pedido de apoio judiciário (na modalidade da nomeação de patrono) isto significa que são desprezíveis todas as vicissitudes que possam ocorrer após a dedução de tal pedido junto da Segurança Social porque integradas num procedimento que o peticionante não controla e que não lhe são seguramente imputáveis ( v.g. escusas e substituições dos patronos nomeados, como aqui sucedeu), o que contraria, a nosso ver, o escopo do nº4 do art.33º da LAJ gerador de uma ficção em benefício do requerente.


Note-se que é a própria LAJ que contém mecanismos para obviar a que o prazo de propositura das acções pelos patronos nomeados pela OA se protelem indefinidamente: o patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados se não instaurar a acção naquele prazo; se não apresentar justificação, a Ordem deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente ( cfr. art.º 33º).


De igual sorte parece-nos dificilmente compaginável com qualquer que seja o fundamento da prescrição - que “uns vêem na probabilidade de ter sido feito o pagamento, outros na presunção de renúncia do credor, ou na sanção da sua negligência, ou na consolidação das situações de facto, ou na proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou sossegado quanto à não-exigência da dívida, ou na necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, ou na de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, ou na de promover o exercício oportuno dos direitos3”-


que nestas situações de apoio judiciário, o prazo da prescrição se reinicie quase em acto contínuo ao pedido de nomeação de patrono para propor a acção pois, a partir desse momento, ao beneficiário só lhe resta praticamente aguardar que esse desiderato seja alcançado pelo advogado que lhe vier a ser designado pela Ordem. E se, porventura, a demora na propositura da acção lhe for imputável, o apoio judiciário caducará volvido o prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido instaurada acção em juízo (art.º11º, b) ).


É certo que, à primeira vista, também se poderia considerar que a interrupção assim operada não se enquadraria em nenhuma das situações previstas no art.º 327º, ou seja, a interrupção não teria resultado de citação, notificação ou acto equiparado4 ou de compromisso arbitral.


Porém, se pensarmos que a interrupção em apreço, conquanto não resulte da citação efectiva do Réu, mas, sim, do decurso do prazo previsto no nº2 do art.º 323 do Cód. Civil, é inegável que a mesma é igualmente contemplada no nº1 do art.º 327º, i.e. nesta previsão normativa se abarcam, naturalmente, os casos em que a prescrição se considera interrompida decorridos cinco dias após a propositura da acção (mesmo ficcionada).


E, assim sendo, o prazo de prescrição só se reiniciou com o trânsito em julgado do despacho aí proferido, datado de 2 de Julho de 2014, no qual foi declarada extinta a instância e que transitou em julgado (pelo menos) em 21 de Janeiro de 2016.


Por isso, quando a nova acção foi proposta (25.8.2017) o prazo de três anos estava longe do seu termo (tendo o Ministério Público sido citado em 11.9.2017).


E, por consequência, o direito que o autor através dela exerceu ainda não estava prescrito.

III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, se determina o prosseguimento dos ulteriores termos do processo.


Sem custas ( art. 4º, nº1 a) do RCP).


Évora, 28 de Março de 2025


Maria João Sousa e Faro ( relatora)


Ricardo Miranda Peixoto


Ana Pessoa

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1. Aditado face ao teor do documento nº15 junto à p.i.↩︎

2. Assim, Vaz Serra, Prescrição Extintiva e caducidade, Bol. 106, pag. 248.↩︎

3. Idem, Vaz Serra, estudo citado, pag.32.↩︎

4. Que é , de acordo com o nº 4 do art.º 323º do Cód. Civil “qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”↩︎