ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário

Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Nos termos do art. 18.º, n.º 1, da LAT, estamos perante responsabilidade agravada da entidade empregadora num acidente de trabalho, por falta de observação, por esta, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, quando a entidade empregadora possui um dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança, dever esse que incumpre, existindo um nexo de causalidade entre esse incumprimento e o acidente de trabalho.

II – A Ré empregadora violou o dever de avaliar, evitar e identificar o risco quanto ao produto químico SOLTV 381, que se encontrava na oficina, em local de fácil acesso e sem qualquer indicação específica de perigo.

III – E violou também o dever de informar os seus trabalhadores, através de instruções compreensíveis e adequadas, sobre os riscos relativos àquele produto, bem como onde poderia ser aplicado e onde não deveria ser aplicado, visto que as onze páginas colocadas dentro de uma mica, pendurada na parede, por cima do produto, não integra o conceito de instruções compreensíveis e adequadas sobre os riscos daquele produto.

IV – E violou igualmente o dever de dar formação aos seus trabalhadores sobre as características do produto e o modo de manuseamento.

V – O facto de se ter conhecimento que determinado produto é volátil e inflamável, não chega, só por si, para se considerar que se possui o conhecimento específico necessário sobre o produto e qual a forma adequada de o utilizar, até porque sempre haverá produtos mais ou menos voláteis e mais ou menos inflamáveis.

VI – A circunstância de a própria entidade empregadora desvalorizar o risco na utilização daquele produto, não só por dar instruções para utilização em locais divergentes daqueles para que se destina, como também por não facilitar a leitura das fichas técnica e de segurança do produto pelos seus trabalhadores, mostra-se adequada ao agravamento do risco de incêndio na aplicação desse produto pelos seus trabalhadores.

VII – Esta omissão da entidade empregadora agravou, assim, o risco na produção de um incêndio, tornando-o mais provável, pelo que tal omissão revela-se causa adequada para as lesões que o Autor veio a sofrer, em virtude do incêndio que deflagrou no local.

Texto Integral

Proc. n.º 1486/20.2T8STR.E1

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório


A “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”2, nos termos do art. 90.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, veio participar do acidente ocorrido no dia 29-11-2019, pela 11h45, em Local 1, na pessoa de AA,3 quando este prestava serviço para a “M1 - Produção e Comércio de Produtos Alimentares, S.A”.”





Realizado o auto de conciliação em 18-01-2023, onde estiveram presentes o sinistrado AA, a seguradora “Fidelidade” e a entidade empregadora “M2 – Alimentação, S.A.”4 5, não foi possível a conciliação porque a “Fidelidade” não concordou com a IPP de 53%, bem como considera que o acidente ocorreu devido à atuação culposa por parte do empregador, concretamente, por falta de observação das regras sobre segurança previstas na lei, pelo que a seguradora apenas é responsável nos termos do art. 79.º, n.º 3, da LAT, tendo, no entanto, direito de regresso.





Os autos prosseguiram, tendo o Autor AA apresentado petição inicial de ação emergente de acidente de trabalho com processo especial, contra a seguradora Fidelidade e a entidade empregadora “M2”, peticionando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, consequentemente, seja condenada, a título principal, a Ré “Fidelidade” a pagar-lhe as prestações devidas ou, subsidiariamente, havendo atuação culposa da Ré “M2”, sejam ambas as Rés, solidariamente, condenadas, a pagar-lhe as prestações devidas.





A Ré “M2” apresentou contestação, peticionando, a final, a sua absolvição dos pedidos contra si formulados.





A Ré “Fidelidade” apresentou contestação, peticionando, a final, a sua absolvição dos pedidos formulados.





A Ré “Fidelidade” veio responder à contestação da Ré “M2” e o sinistrado veio responder a ambas as contestações.





Proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio, enunciados os factos assentes e os temas da prova e determinado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade.





No processo para fixação da incapacidade que correu no apenso A, em 16-06-2023, foi realizado o exame por junta médica que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 45,82%; e, em 06-07-2023, foi proferida decisão final, a qual deu como provado, designadamente, que as sequelas sofridas importaram para o sinistrado a IPP de 45,82%.





Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 02-04-2024, com o seguinte teor decisório:

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a presente ação e, com consequência:

1. Reconhecer que o acidente que vitimou o Autor AA, ocorrido em 22 de junho de 2019, tendo sido fixada ao sinistrado uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 45,82%, desde 20 de junho de 2020, dia seguinte à data da alta;

2. Condenar a Ré Fidelidade - Companhia de Seguros S.A. no pagamento ao Autor AA das seguintes quantias:

a) A quantia de 149,95€ (cento e quarenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), correspondente a diferenças de IT’s;

b) Uma pensão anual, vitalícia e atualizável de 5.552,98€ (cinco mil quinhentos e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos), devida desde o dia imediato ao da alta (20 de junho de 2020), a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os subsídios de férias e de Natal, naquele mesmo valor (1/14 da pensão anual) ser pagos nos meses de junho e novembro, sendo consideradas na presente data, desde já, as seguintes atualizações:

i. A partir de 1 de janeiro de 2022 a pensão é atualizada para 5.608,51€ (+1%) [cfr. Portaria 6/2022, de 4 de janeiro];

ii. A partir de 1 de janeiro de 2023 a pensão é atualizada para 6.079,62€ (+8,40%) [cfr. Portaria 24-A/2023, de 9 de janeiro];

iii. A partir de 1 de janeiro de 2024 a pensão é atualizada para 6.444,40€ (+6%) [cfr. Portaria 423/2023, de 11 de dezembro];

c) A compensação de 63€ (sessenta e três euros) referente a despesas de transportes; e

d) Os juros de mora desde a data de vencimento das prestações até integral pagamento, à taxa legal que estiver em vigor.

3. Absolver a Ré Empregadora M2 - Alimentação S.A. do pedido (subsidiário) contra a mesma deduzido pelo Autor;

*

Custas pela seguradora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho; art. 17.º n.º 8 do RCP).

Valor: montante das reservas matemáticas art.º 120.º, do Código de Processo do Trabalho.

Registe e notifique, sendo a responsável para documentar no processo o pagamento das quantias acima reconhecidas (mesmo pagas na pendência da fase contenciosa).




Não se conformando com a sentença, veio a Ré “Fidelidade” interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:6

1.

A Ré, em defesa alegou que a empregadora, não ministrou aos seus trabalhadores, incluindo o A., nem informação, nem formação quanto aos perigos decorrentes do produto químico “Sol TV”, e modo de manuseamento deste, a sentença do Tribunal “a quo” na motivação da decisão de facto (pág. 19/60), exara que não se apurou que o A. tivesse tido formação específica para lidar com o produto, mas não leva esta factualidade que ali (na motivação) tem convictamente adquirida, ao rol dos factos provados e esta contradição por um lado, e omissão por outro, consubstanciam nulidades da sentença previstas sequencialmente no artigo 615º/1 b) do CPC (deficiente estruturação da decisão de facto), no artigo 615º/1 c) também do CPC (oposição, ambiguidade e obscuridade entre a motivação, análise crítica da prova e decisão de facto) e no artigo 615º/1 d) do CPC (omissão de pronúncia sobre questão de facto que devia apreciar e conhecer).

ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

2.

As suscitadas nulidades e os concretos meios probatórios especificados no corpo das alegações e aqui também referenciados, impõem decisão de facto diversa da que foi tomada na sentença, e assim:

a) A seguir ao item 20) dos Factos Provados mercê do conhecimento das suscitadas nulidades da sentença, e por força do depoimento da testemunha BB [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_14-48-52 e tempo de gravação 00:00:30 a 00:02:32; 00:07:48 a 00:07:55 e 00:09:01 a 00:09:10 (nunca tiveram formação)]; depoimento da testemunha CC [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02- 20_15-44-27 e tempo de gravação 00:13:52 a 00:14:09 (formação para usar este produto não teve)]; depoimento da testemunha DD [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_16-09-19 e tempo de gravação 00:09:56 a 00:12:27 (não houve formação sobre as caraterísticas e manuseamento do produto)]; e depoimento da testemunha EE [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_16-50-13 e tempo de gravação 00:07:10 a 00:07:44 e 00:10:51 a 00:11:07], deve ter-se por adquirida, provada e como tal aditada, a seguinte factualidade:

A Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao A., nem informação sobre as caraterísticas do produto químico Sol TV e nem formação quanto ao modo de manuseamento do mesmo.

b) O item 21) dos Factos Provados, vem mal julgado, e a factualidade ali contida e tida por provada, deve ter-se por não provada porque o A não sabia que o produto químico Sol TV 381 era volátil e inflamável, a julgar desde logo pela falta de formação que lhe devia ter sido ministrada e não o foi.

c) A factualidade inserida no item 19) do Factos Provados também vem mal julgada na parte em que ali se diz que o DD (responsável do depoimento de manutenção e superior hierárquico do A), sugeriu que os trabalhadores usassem o Sol TV na limpeza do pavimento, e esta expressão deve ser substituída por ordenou/ordenava e militam em favor desta modificação os depoimentos da testemunha BB [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_14-48-52 e tempos de gravação 00:03:06 a 00:04:45; 00:06:28 a 00:06:47; 00:06:47 a 00:07:36; 00:07:54 a 00:08:11; (antes das vistorias, quem decidia, mandava e ordenava limpar o pavimento com o SolTV era o “chefe direto”, o responsável/encarregado superior DD, que respondia perante a Administração e ele próprio chegou a utilizar o produto)]; da testemunha CC [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_15-44-23 e tempos de gravação de 00:03:33 a 00:03:45; de 00:06:11 a 00:09:13 (foi a esforço que a testemunha, constrangido pela relação de subordinação que mantém com a empregadora admitiu ser sob ordens do encarregado Gabriel que utilizavam o SolTV para limpeza do pavimento em caso de necessidade, como acontecia em vésperas de auditorias)].

d) A factualidade inserida no item 2) dos Factos Não Provados (que a Ré tenha ordenado que os seus funcionários utilizassem o produto químico Sol TV 381 para limpeza das superfícies das instalações fabris) em vez de não provada, deve ter-se por demonstrada, porque, de um lado é inequívoca a contradição com o que vem provado no item 19) dos Factos Provados (e propugnamos na anterior alínea pela alteração da expressão “sugeriu” ali contida por mandou) e por outro diz-nos a experiência de vida que um encarregado ou um chefe de departamento não sugere, mas encarrega, chefia, manda e dá ordens e instruções, como se emanassem por via hierárquica, diretamente da empregadora.

e) A factualidade inserida no item 20) dos Factos Provados (a ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança estava afixada em local bem visível junto do mesmo) em vez de provada, deve ter-se por não provada e transitar para os factos não provados mercê dos excertos do depoimento da testemunha BB (depoimento de relevo pelo facto de já não trabalhar para a empregadora e fora assim dos naturais constrangimentos decorrentes dos vínculos de subordinação laboral) e sob gravação na Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_14-48-52 e nos tempos de gravação 00:00:58 a 00:01:08; 00:01:16 a 00:01:55 (trabalhou para a co-Ré empregadora, mas à data em que presta depoimento já não trabalha) e tempos de gravação 00:06:15 a 00:06:26; de 00:08:12 a 00:08:59 (nunca lá viu afixadas a ficha técnica e de dados de segurança do produto SolTV).

f) A factualidade tida por não provada e contida no item 4) dos Factos Não Provados, uma vez alterada a factualidade do item 20) – e referenciada na anterior alínea – por consequência deve, sem mais, vir a ser dali eliminada.

g) Os factos tidos por não provados no item 6) dos Factos Não Provados (que o armazenamento do Sol TV estivesse em contato direto com as mais diversas fontes de ignição oficinais, no caso ferramentas e equipamentos) e no item 7) dos Não Provados (que o Sol TV estivesse em contato com a máquina auto lavadora) foram mal julgados e ao invés de não provados, devem ter-se por provados, isto porque, na defesa não vem equacionado um contato físico, stricto sensu, mas um contato que ocorre através dos gases e vapores que o produto liberta e esta alteração factual decisória é uma dedução lógica e plausível do que vem provado no item 16) dos Factos Provados (o produto é volátil, deriva do petróleo, gera aerossóis e é inflamável) no item 17) do Factos Provados (a ficha técnica recomenda a sua armazenagem em locais afastados das chamas vivas ou fontes de ignição) e no item 22 dos Factos Provados (no local, dia e hora do sinistro, a explosão e incêndio foram causados por arco elétrico na fonte de ignição da auto lavadora em contato com os aerossóis do Sol TV) e além do mais concorrem para estas alterações de facto, passagens da gravação do depoimento da testemunha BB [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_ 14-48-52 e tempo de gravação 00:05:10 a 00:06:16 (o produto estava depositado na oficina, próximo/junto de rebarbadoras, tornos, aparelhos de soldar, equipamentos todos eles geradores de pontos de ignição, existindo a possibilidade dos gases inflamarem, criarem chamas e incendiarem)]; depoimento da testemunha FF [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_15-19-21 e tempos de gravação desde 00:09:08 a 00:10:03 (na oficina quando lá fui, tendo em vista a elaboração do relatório do sinistro, vi bancadas, rebarbadoras e outros equipamentos)]; depoimento da testemunha CC [Diligência_1486-20.2T8STR_2024-02-20_15-44-23 e tempo de gravação de 00:15:45 a 00:17:17 (o produto estava depositado na oficina e lá existiam bancadas, rebarbadoras, berbequins, máquinas de soldar, maçarico, máquina de lavar)].

DE DIREITO

3.

A douta sentença na aplicação da Lei aos factos, concluiu que o acidente não se verificou por atuação culposa da empregadora, mas ocorre mercê da conjugação de vários fatores, e anota a quantidade de químico utilizada, falta de ventilação, ligação imediata da auto lavadora, só que estes falados fatores concorrenciais, não constam da tábua dos factos adquiridos e “restando a monte” constituem meras conjeturas de factos e não realidades demonstradas e jamais convocáveis no âmbito substantivo.

4.

A sentença desconsidera a falta de formação dos trabalhadores da empregadora, incluindo o A, sustentando que não está em nexo causal e adequado com o acidente, argumentação esta inaceitável, porque se os trabalhadores daquela, incluindo o A tivessem recebido formação quanto ao modo de manuseamento do Sol TV e informação e formação detalhadas sobre as caraterísticas deste produto (volatilidade, projeção de aerossóis e altamente inflamáveis), jamais o A e o colega que o auxiliava na limpeza do pavimento da oficina, despejariam neste o químico em causa e fariam uso da auto lavadora, cientes que estariam de que os gases e vapores libertados, em contato com a fonte de ignição, poderiam inflamar, explodindo e incendiando o ambiente envolvente.

5.

A empregadora nunca proibiu o uso do produto nas operações de limpeza, antes tal incentivava, apesar de a ficha técnica do produto recomendar a sua armazenagem em locais afastados das chamas vivas ou das fontes de ignição, mantinha-o depositado na oficina onde proliferavam fontes de ignição de ferramentas (rebarbadoras, berbequins, máquinas de soldar, maçaricos), isto para além da máquina de lavar.

6.

Dispõe o artigo 18º/1 da NLAT que se verifica atuação culposa do empregador em acidente, quando este tiver sido provocado pelo empregador, seu representante … ou resultar de falta de observação por aqueles das regras sobre segurança e saúde no trabalho, e no caso demonstra-nos a factualidade provada, que foi o superior hierárquico do A e do seu companheiro de trabalho quem mandou que utilizassem o Sol TV na limpeza do pavimento oficinal, ressaltando à evidência que esta conduta foi/é causa adequada do acidente.

7.

No atrás citado artigo 18º da NLAT, o termo representante (do empregador) inserido no preceito, aplica-se às pessoas que gozem de poderes representativos do empregador (administradores e ou gerentes) e abrange também quem no local de trabalho exerça o poder diretivo e enquadra-se nesta abrangência o responsável do departamento de manutenção oficinal que ordenava e ordenou que o A e o colega que o auxiliava utilizassem o produto químico na limpeza do pavimento da oficina.

8.

O acidente filia no facto de a empregadora não ter ministrado formação aos seus trabalhadores, incluindo o A, quanto ao modo de manuseamento do produto químico em causa, nem lhes ter ministrado informação quanto às caraterísticas do mesmo (derivado do petróleo, volátil, gerador de aerossóis, altamente inflamáveis, devendo estar sempre afastado de chamas vivas ou fontes de ignição), não ter proibido o uso do mesmo na limpeza e desengorduramento do pavimento e ter antes ordenado que fizessem habitualmente uso do mesmo para estas últimas finalidades (e como diz o velho adágio popular tantas vezes vai o cântaro às fonte que alguma vez lá fica a asa).

9.

É por demais evidente, nos termos do artigo 563º do CC, o nexo causal entre as condutas da Ré elencadas na anterior conclusão e o verificado acidente, seja no plano naturalístico, seja no plano jurídico doutrinal do conceito de causalidade adequada consagrado na norma, na medida em que os assinalados comportamentos da Ré empregadora, em geral e em sede abstrata e de prognose, eram, como foram, aptos a desencadearem a ocorrência.

10.

De resto, nesta matéria, foi recentemente publicado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ mais exatamente aos 17.04.2024 in Proc. 179/19.8T8GRD.C1. S1-A, que firmou jurisprudência persuasiva, no sentido de que “para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18º/1 da NLAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto, tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”.7

11.

Todas as condutas da Ré empregadora levadas ao corpo das alegações e sintetizadas na antecedente conclusão oitava, consubstanciam “ut infra” violação ostensiva das regras de segurança infra elencadas, e que incrementaram sobremaneira a probabilidade e o risco de poder ocorrer sinistralidade tal como veio a acontecer.

12.

As regras de segurança violadas são/foram as constantes do Regime Jurídico da Promoção e Segurança e Saúde no Trabalho, contidas na Lei 102/2009 de 10/09 com todas as subsequentes alterações, incluindo a Lei 79/2019 de 02/09, e atentemos desde logo no conceito de perigo [(artigo 4º alínea g)], no princípio geral do direito dos trabalhadores à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e saúde [(artigo 5º/1)], na determinação das substâncias, agentes ou processo que devam ser proibidos, limitados ou sujeitos a autorização da autoridade [(artigo 5º/2 alínea c)], na educação, formação e informação para a melhoria da segurança no trabalho [(artigo 5º/2 alínea f)], nas obrigações gerais do empregador de evitar os riscos, identificá-los, incluindo substâncias e produtos [(artigo 15º/1 e 2 alíneas a) e c)], combater os riscos na origem e assegurar nos locais de trabalho que as exposições aos agentes químicos não constituem risco para a segurança dos trabalhadores e substituição do que é perigoso, pelo que é isento de perigo ou menos perigoso [(artigo 15º/2 alíneas e), f) e i)], na obrigação de informar os trabalhadores dos riscos para a segurança no trabalho [(artigo 19º/1 a) e 19º/3)] e na obrigação de formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado (artigo 20º), e constam também das Diretivas Comunitárias que visam a proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a agentes químicos e constantes do DL 24/2012 de 06/02, na medida em que o químico utilizado cabe na definição e conceito de agente químico suscetível de no seu manuseamento causar perigo para a segurança dos trabalhadores (artigo 3º) conste ele ou não dos anexos classificativos do referido diploma [(artigo 3º alíneas i) e ii)], a Ré não avaliou os riscos da utilização do químico referenciado no processo, nem da sua perigosidade, nem fez o respetivo registo em suporte de papel, ou em modo digital, nem as fichas de dados de segurança (artigo 7º), nem estabeleceu medidas gerais de prevenção e proteção (artigo 9º), nem especificação de prevenção e proteção (artigo 10º), nem medidas técnicas ou organizativas quanto à armazenagem (fora da oficina) em local isento de pontos de ignição [(artigo 11º/1 e 2 alínea a)], nem assegurou junto dos seus trabalhadores, a informação quanto ao químico em causa, avaliação de riscos, características do produto, fichas de dados de segurança disponibilizadas pelo fornecedor, precauções a ter no seu manuseamento (sempre fora do alcance de pontos de ignição), informação a ser prestada de forma adequada, verbal ou escrita, mas sempre no âmbito de formação individual dos trabalhadores e periodicamente atualizada (artigo 16º), nem promoveu a afixação na oficina, em local visível, das fichas técnica e de dados do produto e manteve este próximo das fontes de ignição próprias das ferramentas existentes na oficina que ligavam e desligavam e próxima da máquina de lavar.8

13.

Perante tudo quanto fica exposto, no caso sob apreço, verifica-se atuação culposa da Ré empregadora, prevista no artigo 18º da NLAT e sob todas as legais consequências, incumbindo à Ré seguradora, nos termos do artigo 79º/3 da NLATA, satisfazer (já satisfez) o pagamento das prestações normais (não agravadas) que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo sempre do direito de regresso.

LEGISLAÇÃO

14.

A sentença que foi proferida fez incorreta interpretação e aplicação do que vem estatuído nos artigos 615º/1 alíneas b), c) e d) do CPC, nos artigos 18º/1 da NLAT, 563º do CC, e nos artigos da Lei 102/2009 de 10/09 com as subsequentes alterações incluindo as introduzidas pela Lei 79/2019 de 02/09, artigos esses enumerados na anterior conclusão 12. e de todos os artigos do DL 24/2012 de 06/02 e também referidos na mesma anterior conclusão 12.9 e a correta interpretação e aplicação destes normativos ditam a proferição de decisão que responsabilize a co-Ré empregadora por atuação culposa no acidente, nos termos do artigo 18º da NLAT e tudo de acordo com a Jurisprudência Uniformizada pelo recente AU do STJ de 17.04.2024.10

São termos em que deve o presente recurso ser aceite, dando-se provimento à Apelação com proferição de Acórdão que modifique e altere a decisão de facto e considere no seio da fundamentação jurídica que o acidente de Trabalho ocorreu fruto de atuação culposa da empregadora e tudo sob as legais consequências [mormente a verificação de direito de regresso póstumo da Apelante relativamente às prestações normais (não agravadas)] decisão esta que deve sempre ser proferida, (antecedida ou não de modificação da decisão de facto) e que no limite decida anular a sentença e o julgamento, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para sanação das contradições e nulidades detetáveis na decisão de facto e supra aludidas.

Só assim se decidindo se fará Justiça.




A Ré “M2” apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, terminando com as seguintes conclusões:

a) A Ré, entidade empregadora, não teve qualquer actuação culposa na ocorrência do acidente de trabalho;

b) A Ré, entidade empregadora nunca ordenou ao A. e outros trabalhadores a utilização do produto SOLTV 381 no pavimento, assim como nunca ordenou que fosse utilizada a autolavadora que não era propriedade da mesma;

c) As fichas de segurança e técnicas do produto, ou seja, a informação sobre as características do produto, encontravam-se afixadas na oficina de manutenção, por cima do local onde o mesmo estava armazenado;

d) A Ré não ministrou formação aos trabalhadores acerca do produto SOLTV, mas ficou provado pelo depoimento das testemunhas que todas tinham conhecimento que este era um produto volátil e inflamável, daí que o Tribunal ter dado como provado, e bem, no item 21 dos Factos Provados “que o Autor sabia que o produto SOLTV 381 era volátil e inflamável”, pelo que deve tal item manter-se como provado;

e) O DD nunca ordenou aos trabalhadores e ao Autor que utilizassem o SOLTV no pavimento assim como a autolavadora, o que ficou claramente demonstrado pelo depoimento das testemunhas, pelo que terá de manter-se inalterado o ponto 19 dos Factos Provados;

f) Não existe contradição entre o ponto 19 dos Factos Provados e o item 2 dos Factos não Provados, porque de facto não se provou que o DD, tivesse dado ordens para a utilização do SOLTV no pavimento e a utilização da autolavadora;

g) Ficou provado que a ficha técnica do produto SOLTV e a ficha de dados de segurança estavam afixadas junto do produto, pelo que o ponto 20 dos Factos Provados está correctamente julgado e assim se deverá manter;

h) Logo, o item 4 dos Factos não Provados deve manter-se inalterado, ou seja, deve manter-se como não provado o facto de que “Que a ficha técnica e a ficha de dados de segurança não estivesse afixada junto do local onde o produto estava armazenado”;

i) Quanto aos factos tidos por Não Provados no item 6 e no item 7, os mesmos não foram incorrectamente julgados, daí que terão de manter-se. De facto, o depósito do SOLTV 381 não estava em contacto directo com as outras fontes de ignição, e muito menos com a autolavadora que normalmente se encontrava numa sala e não na oficina de manutenção, conforme ficou provado pelo depoimento das testemunhas DD, GG e FF;

j) Reitera-se:

j.1) A ré entidade patronal tinha afixado junto do produto SOLTV as fichas com todas as informações acerca do produto em causa;

j.2) O produto SOLTV não estava em contacto com outros equipamentos que pudessem ser ponto de ignição;

j.3) A autolavadora estava normalmente na sala de higienização e não na oficina de manutenção;

j.4) A ré, entidade patronal não deu formação ao A. nem aos trabalhadores, mas todos tinham conhecimento das características do produto SOLTV, que era um solvente inflamável, conforme resulta do depoimento das testemunhas;

j.5) A ré, entidade patronal nunca ordenou ao A. que o pavimento fosse passado com o produto SOLTV nem que utilizasse a autolavadora para limpar o pavimento;

k) Assim, a ré não pode ser responsabilizada pela ocorrência do acidente, não tendo havido qualquer actuação culposa por parte desta, pelo que não tem enquadramento o artigo 18º da LAT;

l) A ré, entidade empregadora, não violou as disposições da Lei 102/2009, de 10/09, mormente o conceito de “perigo” enunciado no artigo 4º, alínea g) da Lei, pois os trabalhadores prestavam o seu trabalho em condições de segurança e saúde no trabalho.

m) De facto, os trabalhadores em causa, mormente o sinistrado, trabalhavam num ambiente com e em condições de segurança, pois que o produto em causa era um tipo de solvente utilizado para limpar peças e, não se fazendo uso diverso deste, o mesmo não constituía qualquer tipo de perigo;

n) Inexiste, assim, qualquer nexo de causalidade entre o comportamento da recorrida, e ou sua qualquer eventual omissão, e o acidente;

o) A ré, entidade empregadora não violou a legislação sobre a protecção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a agentes químicos de acordo com as directivas comunitárias que contam do DL 24/2012 de 06/02, pois o produto em causa não poderá ser considerado um agente químico e claro que, por todo o exposto, não colocava em causa a segurança dos trabalhadores;

p) Produto este que face ao facto de ser volátil encontrava-se devidamente armazenado, com todas as fichas técnicas e dados de segurança devidamente afixadas junto do produto, ou seja, com todas as informações sobre o produto devidamente afixadas;

q) Não se provou, é um facto, que a Ré, entidade empregadora, tivesse ministrado formação especifica quanto à utilização daquele produto aos trabalhadores;

r) Não obstante, o Autor e demais trabalhadores tinham conhecimento que o produto era volátil e inflamável, pelo que essa eventual acção formativa não acrescentaria nada de especial aos conhecimentos que estes já tinham do produto, pelo que, necessariamente, inexiste nexo causal entre a omissão/falta de formação e a ocorrência do acidente;

s) A sentença proferida não fez qualquer interpretação incorrecta do que vem disposto no artigo 18º da LAT, artigo 563º do CC e nos artigos da Lei 102/2009, de 10/09 e artigos do DL 24/2012, de 06/02, pelo que deverá manter-se na íntegra.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, e em consequência, manter-se na íntegra a Sentença recorrida,

Porque só assim se fará JUSTIÇA!




O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.


Não houve respostas a tal parecer.


Devolvido o processo à 1.ª instância, a fim de ser fixado o valor da causa, foi este fixado em €92.820,07.


Neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos e os autos foram aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.





II – Objeto do Recurso


Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.


No caso em apreço, as questões que importa decidir são:


1) Nulidade da sentença;


2) Impugnação da matéria de facto; e


3) Errada aplicação do direito.





III – Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. O Autor AA nasceu no dia .../.../1988;

2. No dia 22 de junho de 2019, cerca das 4 horas, o autor encontrava-se no interior da fábrica, em Local 2, a proceder a limpezas na oficina de manutenção com outro seu colega, utilizando um desengordurante químico e uma autolavadora elétrica;

3. Nesse momento, ocorreu uma explosão, seguida de incêndio, tendo o autor sofrido queimaduras de 2.º e 3.º grau, em cerca de 21% do seu corpo (face, couro cabeludo, regiões cervical anterior e posterior, dorso e membros superiores);

4. Nesse dia, hora e local, o autor prestava trabalho para a firma “M1 – Produção e Comércio de Produtos Alimentares, S.A.”, atualmente a ré “M2 Alimentação, S.A.” como oficial eletricista;

5. Mediante o pagamento da retribuição anual global de € 15.148,91;

6. A “M2 Alimentação, S.A.” tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho do autor ao seu serviço transferida para a ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., com base na indicada retribuição anual global e com cobertura de 80% do salário ilíquido em incapacidade temporária e permanente;

7. O autor sofreu incapacidade temporária absoluta desde o dia 23 de junho de 2019 até ao dia 1 de junho de 2020 e incapacidade temporária de 55% desde o dia 2 de junho de 2020 até ao dia 19 de junho de 2020;

8. A ré Fidelidade pagou ao autor €11.633,83 por conta da incapacidade temporária;

9. O autor despendeu € 63 em transportes para o tribunal e para a realização de exame médico;

Mais se provou que:

10. O autor apresenta como sequelas do evento mencionado em 3 as seguintes:

⎯ Ráquis: Região lombar: áreas cicatriciais de queimadura interessando a região lombar, superficiais, acastanhadas e nacaradas, em banda orientada transversalmente, ocupando uma área com 43x10cm de maiores eixos;

⎯ Tórax: áreas cicatriciais de queimadura interessando as regiões escapulares e inter-escapular, superficiais, acastanhadas e nacaradas, ocupando uma área com 40x35cm de maiores eixos;

⎯ Abdómen: área cicatricial de queimadura no flanco direito e região supra-umbilical, de coloração rosada, ocupando uma área com 21x6cm de maiores eixos;

⎯ Membro superior direito: área cicatricial de queimadura na região deltoideia, superficial, acastanhada e nacarada, medindo 10x8cm de maiores eixos; área cicatricial de queimadura na região interessando as faces posterior, medial e lateral do braço e antebraço (incluindo o cotovelo), de coloração castanha, ocupando uma área com 42x18cm de maiores eixos (com referência a alteração da sensibilidade local); área cicatricial de queimadura no dorso da mão (2º e 3º raios), de coloração castanha, ocupando uma área com 42x18cm de maiores eixos (com referência a alteração da sensibilidade local);

⎯ Membro superior esquerdo: área cicatricial de queimadura no terço superior da face posterior do braço, de coloração castanha, ocupando uma área com 7x7cm de maiores eixos (com referência a alteração da sensibilidade local); área cicatricial de queimadura interessando o braço e antebraço (incluindo o cotovelo), de coloração castanha, ocupando uma área com 36x20cm de maiores eixos (com referência a alteração da sensibilidade local); área cicatricial de queimadura no dorso da mão (2º, 3º e 4º raios), de coloração castanha, ocupando uma área com 10x9cm de maiores eixos (com referência a alteração da sensibilidade local);

⎯ Membro inferior esquerdo: pé pendente, portador de ortótese;

⎯ Ouvidos: hipoacusia neurosensorial no ouvido direito moderada e acufenos, com perda média de 46,5 Db no OD e de 16 Db. no OE;

11. As sequelas mencionadas em 10 importaram para o Autor uma IPP de 45,82%;

E ainda se provou que:

12. Nas circunstâncias mencionadas em 2, o Autor encontrava-se acompanhado pelo seu colega CC, tendo iniciado os trabalhos por volta da meia noite, por decisão da Ré Empregadora;

13. Nessas circunstâncias, para lavar o chão, os dois trabalhadores começaram por utilizar hipoclorito de sódio (lixívia), que espalharam no pavimento da oficina, utilizando de seguida uma autolavadora para limpar e aspirar;

14. Fizeram uma pausa, deixaram as portas abertas para secagem mais rápida e pelas 3 horas retomaram o trabalho de limpeza;

15. Uma vez que subsistia, ainda, alguma gordura no pavimento, os dois trabalhadores decidiram despejar sobre a superfície deste o produto químico SOLTV 381;

16. O produto químico SOLTV 381 é volátil, constituído por solventes derivados do petróleo, gerador de aerossóis e facilmente inflamável;

17. A ficha técnica do produto refere que “recomenda-se a sua armazenagem em locais afastados de chamas vivas ou fontes de ignição”;

18. Na ficha de segurança do produto está indicada a utilização apenas para limpeza de travões e de peças não sendo recomendado para qualquer outra utilização industrial;

19. O responsável do departamento de manutenção e superior hierárquico dos trabalhadores referidos, DD, sugeriu que os mesmos utilizassem o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável; (Alterado, conforme fundamentação infra)

20. A ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança estava afixada, em local bem visível, junto do mesmo; (Alterado, conforme fundamentação infra)

21. O autor sabia que o produto químico SOLTV 381 era volátil e inflamável;

22. A explosão e subsequente incêndio mencionados em 3 foram causados por um arco elétrico na fonte de ignição da autolavadora, em contato com os aerossóis do produto químico SOLTV 381;

23. A Ré empregadora mantinha o SOLTV381 depositado na oficina de manutenção;

(Acrescentado o facto 24, conforme fundamentação infra)




E deu como não provados:

1. Que nas circunstâncias referidas em 2 dos Factos Provados o Autor se encontrasse acompanhado pelo responsável do departamento de manutenção, DD;

2. Que a Ré tenha ordenado que os seus funcionários utilizassem o produto químico SOLTV 381, para limpeza das superfícies das instalações fabris; (Eliminado, conforme fundamentação infra)

3. Que tenha sido o Autor quem decidiu utilizar o produto químico SOLTV 38;

4. Que a ficha técnica e a ficha de dados de segurança não estivesse afixada junto do local onde o produto estava armazenado;

5. Que a Ré não tenha informado o Autor sobre as características do produto químico SOLTV 381, nomeadamente que era facilmente inflamável;

6. Que o depósito/armazenamento do SOLTV381 estivesse em contacto direto com as mais diversas fontes de ignição ali existentes, não só as próprias de ferramentas e equipamentos de trabalho elétricos, que constantemente eram ali ligadas e desligadas, como máquinas e equipamentos fabris, que ali devam entrada para trabalhos de conserto e manutenção;

7. Que o depósito de SOLTV381 estivesse em contacto com a máquina autolavadora;

8. Que o acidente só tenha ocorrido por manifesta desatenção por parte do Autor;

9. Que em limpezas anteriores da oficina de manutenção, não tenha sido utilizado o SOLTV381;

10. Que o Autor estivesse impedido de usar a autolavadora, por esta não pertencer à Ré empregadora;




IV – Enquadramento jurídico


Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.


1 – Nulidade da sentença


Considera a recorrente que a sentença, ao não ter colocado na matéria factual que a empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, incluindo o Autor, nem informação, nem formação quanto aos perigos decorrentes do produto químico “Sol TV” e o modo de manuseamento deste, tendo, porém, feito menção à prova deste facto na motivação, incorreu em nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) (por deficiente estruturação da decisão de facto), c) (por oposição, ambiguidade e obscuridade entre a motivação, análise crítica da prova e decisão de facto) e d) (por omissão de pronúncia sobre questão de facto que devia apreciar e conhecer), do Código de Processo Civil.


Dispõe o art. 615.º, n.º1, als. b), c) e d), do Código de Processo Civil, que:

1 - É nula a sentença quando:

[…]

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Dispõe ainda o art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que:

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Determina também o art. 608.º, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, que:

2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Apreciemos, então.


a) Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação, para que esta nulidade se verifique, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que se verifique uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de fundamentação.


Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016:11

II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

De igual modo, se cita a explanação do professor Alberto do Reis12 sobre esta específica nulidade:

Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Deste modo, o não cumprimento na íntegra do disposto no n.º 4 do art. 607.º do Código de Processo Civil, só determina a nulidade da sentença por falta de fundamentação, se inexistir qualquer fundamentação sobre os factos e/ou sobre o direito, já não quando essa fundamentação é deficiente, medíocre ou errónea. Na realidade, a insuficiente fundamentação do percurso observado pelo tribunal a quo para chegar à decisão proferida, poderá vir a determinar, (i) se se reportar aos factos, uma eventual remessa do processo à 1.ª instância nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 662.º do mesmo Diploma Legal ou uma eventual alteração dos factos em sede de apreciação da matéria de facto; e (ii) se se reportar ao direito, à revogação da decisão proferida; já não a determinar uma declaração de nulidade da sentença por falta de fundamentação.


No caso em apreço, é a própria recorrente quem afirma que entende existir nulidade da sentença por falta de fundamentação por estarmos perante uma deficiente estruturação da decisão de facto.


Ora, como se referiu supra, a nulidade da sentença por falta de fundamentação não integra situações de deficiente fundamentação ou estruturação da decisão de facto, pelo que apenas resta concluir pela inexistência da invocada nulidade.


b) Quanto à nulidade por contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, para que se mostre verificado este vício, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que os fundamentos apontem num sentido e a decisão seja tomada em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.


Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:13

(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,14 esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.


Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:15

I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.

II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»

Assim, esta nulidade apenas ocorre quando a parte decisória da sentença, que é a parte final da sentença, se mostra em oposição com a fundamentação. No caso em apreço, porém, a oposição que a recorrente invoca é entre a análise crítica da prova e a decisão de facto, ou seja, entre os factos que o tribunal a quo entendeu dar como provados e não provados e a fundamentação de facto que apresentou. No entanto, a matéria de facto não constitui a parte decisória da sentença, sendo que tal contradição, a existir, será de apreciar em sede de impugnação da matéria de facto ou oficiosamente, nos termos do art. 662.º do Código de Processo Civil.


Pelo exposto, inexiste também esta nulidade.


c) Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, para que se mostre verificado este vício, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, é necessário que o tribunal não tenha decidido uma questão que lhe tenha sido colocada, salvo se tal questão se mostrar prejudicada pela solução dada a outras.


Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões.


Conforme bem referiu Alberto dos Reis:16

São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.


Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.


Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:17

(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.

Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:18

4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso.

Por fim, importa não confundir a não pronúncia do tribunal com o não atendimento de um facto que se mostra alegado ou o não atendimento a meios de prova apresentados ou produzidos, pois tal não atendimento não se reporta à não apreciação de uma questão, conforme a mesma se mostra definida no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.


Daí que o vício resultante do não atendimento de um facto que se mostra alegado reflete-se a nível de erro de julgamento e não a nível da nulidade da sentença.


Cita-se, pela sua relevância, o acórdão do STJ, proferido em 23-03-2017:19

Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.

Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146]:

«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»

E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.

No caso dos autos, a recorrente veio invocar a existência de omissão de pronúncia por na sentença não ter ficado a constar na matéria de facto determinado facto que tinha sido, por si, alegado, na contestação, Ora, como se referiu supra, o não atendimento a determinado facto que tenha sido alegado não implica nulidade da sentença, quando muito, caso tal facto se revele pertinente, constitui erro de julgamento, a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto.


Assim, inexiste, de igual modo, esta nulidade.


Nesta conformidade, improcedem as nulidades da sentença invocadas pela recorrente.


2 – Impugnação da matéria de facto


Considera a recorrente que os factos provados 20 e 21 devem passar a não provados; que o facto provado 19 deve ser alterado; que os factos não provados 2, 6 e 7 devem passar a provados; o facto não provado 4 deve ser eliminado; e deve ser acrescentado um novo facto; tudo em face das declarações das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF.


Entende ainda que o facto não provado 2 está em contradição com o facto provado 19.


Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Importa referir que a recorrente cumpriu os requisitos impostos pelo disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que iremos proceder à apreciação da presente impugnação.


a) Novo facto


Pretende a recorrente que seja acrescentado à matéria fáctica dada como provada o seguinte facto:

A Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao A., nem informação sobre as caraterísticas do produto químico Sol TV e nem formação quanto ao modo de manuseamento do mesmo.

Pretende a recorrente que este facto seja dado como provado, em face do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE.


Este facto resulta do que consta dos arts. 41.º e 42.º da contestação da recorrente.


A testemunha BB, que foi colega do Autor na mesma oficina, referiu que nunca tiveram formação específica sobre o produto químico SOLTV 381, ainda que lhes tenha sido dada uma recomendação para terem cuidado quando o usassem. Mais referiu que sabia que aquele produto era inflamável e que lavava bem o óleo, nunca tendo visto a ficha técnica e a ficha de segurança do produto.


A testemunha CC, que estava com o Autor quando o acidente ocorreu, mencionou que não teve formação sobre o produto e que não sabia todas as características do mesmo, ainda que soubesse que, como todos os solventes, era inflamável.


A testemunha DD, que era o superior hierárquico do Autor, confirmou que não foi ministrada qualquer formação, no sentido formal, sobre o produto químico SOLTV 381, porém, todos sabiam que era para usar como era usado no dia-a-dia.


A testemunha HH, que era colega do Autor na oficina, esclareceu que nunca teve qualquer formação sobre o produto químico SOLTV 381, nem lhe foi prestada qualquer informação sobre o mesmo. Mais referiu que não leu as características do referido produto, nem ninguém lhe disse que tinha de ler tais características antes de o usar.


Ora, do teor de tais testemunhos resulta que efetivamente a Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao Autor, informação detalhada sobre as características do produto químico SOLTV 381, ainda que lhes tenha dado uma recomendação para terem cuidado com o produto e todos eles soubessem que era inflamável. Resulta igualmente desses depoimentos que a Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao Autor, qualquer formação quanto ao modo de manuseamento daquele produto.


Nesta conformidade, acrescenta-se aos factos provados, o facto 24, com o seguinte teor:

24. A Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao Autor, informação detalhada sobre as características do produto químico SOLTV 381, nem qualquer formação quanto ao modo de manuseamento do mesmo.

b) Factos provados 20 e 21


Consta destes factos que:

20. A ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança estava afixada, em local bem visível, junto do mesmo;

21. O autor sabia que o produto químico SOLTV 381 era volátil e inflamável;

Pretende a recorrente que o facto provado 20 passe a não provado por causa do depoimento da testemunha BB e o facto provado 21 passe a não provados, uma vez que o Autor não teve formação.


Relativamente ao facto provado 20, é verdade que a testemunha BB referiu nunca ter visto expostas a ficha técnica e a ficha de dados de segurança, tendo, contudo, precisado que não se lembrava de que as mesmas estivessem afixadas na parede.


Porém, a testemunha CC afirmou que a ficha técnica e a ficha de segurança estavam afixadas por cima do produto, dentro de uma mica, confirmando desconhecer a quantidade de páginas que estão dentro dessa mica, até porque não as leu; a testemunha FF referiu que a ficha técnica e a ficha de segurança, que teria cerca de 10 páginas, encontravam-se afixadas na parede, todas juntas, dentro de uma mica; e a testemunha DD confirmou que a ficha técnica e a ficha de segurança, que teria mais de 10 páginas, estavam todas juntas, fixadas na parede, junto ao respetivo produto.


Os depoimentos destas três testemunhas afiguraram-se, nesta matéria, perfeitamente credíveis, sendo que a testemunha BB não disse que a ficha técnica e a ficha de dados de segurança daquele produto não estavam afixadas na parede, apenas disse que os não viu. Ora, bastava não retirar o que estava dentro das micas afixadas na parede, para desconhecer se a ficha técnica e a ficha de dados de segurança daquele específico produto se encontravam afixadas na parede.


Acresce que a ficha de segurança se mostra junta aos autos pela Ré empregadora, conforme documento 2 junto com a contestação, possuindo a mesma onze páginas.


Deste modo, é manifesto que este facto não pode ser dado como não provado. De qualquer modo, importa referir que a expressão “bem visível”, que consta do facto provado é conclusiva, devendo, pelo contrário, o facto refletir o exato local onde a ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança estavam afixadas, bem o modo como estavam afixadas.


Assim, o facto provado 20 passará a ter a seguinte redação:

20. A ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança, esta possuindo onze páginas, estavam afixadas na parede, por cima do local onde o produto se encontrava, dentro de uma mica;

Relativamente ao facto provado 21, a testemunha BB referiu que sabia que o produto químico SOLTV 381 era volátil e inflamável, tendo sido dadas recomendações para terem cuidado ao usá-lo; e a testemunha CC referiu saber que se tratava de um produto inflamável, como todos os solventes. Ambos eram colegas de trabalho do Autor e, apesar de também não terem tido formação, tinham estes conhecimentos.


Nesta conformidade, é de manter este facto nos seus exatos termos.


c) Facto provado 19


Consta deste facto que:

19. O responsável do departamento de manutenção e superior hierárquico dos trabalhadores referidos, DD, sugeriu que os mesmos utilizassem o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável;

Pretende a recorrente que este facto seja alterado, substituindo-se o verbo “sugeriu”, pelo verbo “mandou”, em face dos depoimentos de BB e CC.


Sobre este ponto, a testemunha BB mencionou, em concreto, que recebeu uma ordem do seu chefe, a testemunha DD, para utilizar o produto químico SOLTV 381 no chão da oficina e que este lhes dava instruções para que o chão ficasse impecável antes das auditorias. Por sua vez, a testemunha CC referiu, em concreto, que havia instruções superiores para usarem SOLTV 381 se fosse necessário e concretizou que os superiores hierárquicos lhes deram a indicação para usar o referido produto quando ainda existiam resíduos de óleo no chão.


Assim, efetivamente, mais do que uma sugestão, foi dada uma instrução de utilização do referido produto.


Nesta conformidade, o facto provado 19 passará a ter a seguinte redação:

19. O responsável do departamento de manutenção e superior hierárquico dos trabalhadores referidos, DD, instruiu os mesmos a utilizar o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável;

d) Factos não provados 2, 6 e 7


Consta destes factos que:

2. Que a Ré tenha ordenado que os seus funcionários utilizassem o produto químico SOLTV 381, para limpeza das superfícies das instalações fabris;

6. Que o depósito/armazenamento do SOLTV381 estivesse em contacto direto com as mais diversas fontes de ignição ali existentes, não só as próprias de ferramentas e equipamentos de trabalho elétricos, que constantemente eram ali ligadas e desligadas, como máquinas e equipamentos fabris, que ali devam entrada para trabalhos de conserto e manutenção;

7. Que o depósito de SOLTV381 estivesse em contacto com a máquina autolavadora;

Entende a recorrente que o facto não provado 2 deve passar a provado, por contradição com o facto provado 19; e os factos não provados 6 e 7 passarem a provados, em face do depoimento das testemunhas BB, FF e CC.


Relativamente ao facto não provado 2, em face do que consta do facto provado 19, de molde a evitar contradição, deverá o mesmo ser eliminado.


Quanto aos factos não provados 6 e 7, importa referir que o acidente de trabalho não resultou da circunstância de o produto químico SOLTV 381 se encontrar armazenado na oficina, antes sim, pelo facto de tal produto ter sido utilizado no chão da oficina e de se ter utilizado, posteriormente, a máquina auto lavadora.


De qualquer modo, e quanto ao facto não provado 6, nenhuma das testemunhas mencionadas referiu que o produto químico SOLTV 381 estava em contacto direto com diversas fontes de ignição existentes na oficina, tendo apenas referido que o mesmo estava armazenado na oficina, onde existiam rebarbadoras, aparelhos de soldar, berbequins, maçarico e outros equipamentos elétricos. A testemunha FF esclareceu ainda que o referido produto, tal como os restantes produtos químicos, estava afastado das bancadas de trabalho e a testemunha CC referiu que os aparelhos elétricos estavam nas bancadas. Constam ainda do documento 1, junto pela recorrente com a contestação, e que se reporta ao Relatório Preliminar de Averiguação, várias fotografias, onde se constata que o referido produto estava armazenado na oficina, mas afastado das bancadas de trabalho. Deste modo, apesar de aquele produto químico e diversos aparelhos elétricos estarem na mesma oficina, não estavam em contacto direto.


Relativamente ao facto não provado 7, a testemunha DD esclareceu que a máquina auto lavadora estava guardada fora da oficina, numa zona de armazenamento de produtos de higienização, depoimento esse confirmado pela testemunha HH.


Assim, é de manter como não provados os factos 6 e 7.


e) Facto não provado 4


Consta deste facto que:

4. Que a ficha técnica e a ficha de dados de segurança não estivesse afixada junto do local onde o produto estava armazenado;

Pretende a recorrente que este facto seja eliminado, em virtude da alteração que propôs para o facto provado 20.


Ora, apesar de o facto provado 20 ter sido alterado, não o foi exatamente no sentido proposto pela recorrente, pelo que este facto é de manter não provado, de forma a evitar qualquer contradição com o teor do facto provado 20.


Em conclusão, procede parcialmente a impugnação fáctica requerida pela recorrente e, em consequência:


- É acrescentado o facto provado 24:

24. A Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao Autor, informação detalhada sobre as características do produto químico SOLTV 381, nem qualquer formação quanto ao modo de manuseamento do mesmo.

- Os factos provados 19 e 20 passam a ter a seguinte redação:

19. O responsável do departamento de manutenção e superior hierárquico dos trabalhadores referidos, DD, instruiu os mesmos a utilizar o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável;

20. A ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança, esta possuindo onze páginas, estavam afixadas na parede, por cima do local onde o produto se encontrava, dentro de uma mica;

- O facto não provado 2 é eliminado.


3 – Errada aplicação do direito


Entende a recorrente que o acidente de trabalho deveu-se à atuação culposa da Ré empregadora, por não ter prestado informação e formação aos seus trabalhadores, designadamente ao Autor, sobre o produto químico SOLTV 381, designadamente quanto ao seu manuseamento; por nunca ter proibido, e até ter incentivado, o uso desse produto nas operações de limpeza; e por armazenar esse produto na oficina onde proliferavam fontes de ignição de ferramentas de da máquina de auto lavagem.


Referiu ainda que, nos termos do art. 18.º, n.º 1, da LAT,20 a expressão “representante” do empregador aplica-se não só às pessoas que gozam de poderes representativos do empregador (administradores e gerentes), como também a quem, no local de trabalho, exerce o poder diretivo, pelo que o responsável do departamento de manutenção oficinal enquadra-se nessa expressão.


Concluiu, por fim, que a Ré empregadora, com o seu comportamento, violou, de forma ostensiva, as regras de segurança, designadamente os arts. 4.º, al. g), 5.º, nºs. 1 e 2, als. c) e f), 15.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c), e), f) e i), 19.º, nºs. 1, al. a) e 3 e 20.º, todos da Lei n.º 79/2019, de 02-09; violação essa que incrementou o risco de poder vir a acontecer um acidente, conforme veio a ocorrer, pelo que é de aplicar o disposto no art. 18.º, n.º 1 da LAT, com as suas legais consequências.


Dispõe o art. 18.º da LAT que:

1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.

3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º

6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.

Nos termos do art. 18.º da LAT resulta que para que estejamos perante uma situação de responsabilidade agravada por parte da entidade empregadora na produção de um determinado acidente de trabalho se torna necessário, na segunda situação nele referida21, a verificação dos seguintes requisitos22:


a) existência de um dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança por parte da entidade patronal (direta ou indiretamente);


b) incumprimento por parte da entidade patronal desse dever;


c) existência de um nexo de causalidade entre esse incumprimento e o acidente de trabalho.


Vejamos, então, quais são os deveres a que a entidade empregadora se mostra obrigada numa situação como a dos autos.


A entidade empregadora encontra-se sujeita aos deveres constantes do art. 127.º, n.º 1, do Código do Trabalho, designadamente aos deveres de (i) “Prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho;” (al. g); (ii) “Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;” (al. h); e (iii) Fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença;” (al. i).


Recai igualmente sobre a empregadora o dever de informar os trabalhadores sobre os aspetos relevantes para a proteção da sua segurança e saúde e a de terceiros, nos termos do art. 282.º, n.º 1, do Código do Trabalho.


De igual modo, a Lei n.º 102/2009, de 10-09, dispõe no seu art. 5.º, n.º 1, que:

1 - O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou coletiva, que detenha a gestão das instalações em que a atividade é desenvolvida.

E estabelece no art. 15.º que:

1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.

2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;

f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;

g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;

h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;

i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;

j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.

3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.

4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.

5 - Sempre que seja necessário aceder a zonas de risco elevado, o empregador deve permitir o acesso apenas ao trabalhador com aptidão e formação adequadas, pelo tempo mínimo necessário.

6 - O empregador deve adotar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua atividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a atividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excecionais e desde que assegurada a proteção adequada.

7 - O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.

8 - O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho.

9 - O empregador deve estabelecer em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação as medidas que devem ser adotadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação, bem como assegurar os contactos necessários com as entidades externas competentes para realizar aquelas operações e as de emergência médica.

10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das atividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de proteção que se torne necessário utilizar.

11 - As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador.

12 - O empregador suporta a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as ações necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.

(…)

Consagra igualmente o art. 19.º, n.º 1, al. a), em conjugação com o art. 18.º, n.º 1, al. j), ambos da Lei n.º 102/2009, de 10-09, que o trabalhador deve dispor de informação atualizada sobre os riscos para a segurança e saúde, bem como informação relativa às medidas de proteção e de prevenção e a forma como se aplicam, quer em relação à atividade desenvolvida quer em relação à empresa, estabelecimento ou serviço.


Estatui, de igual modo, o art. 20.º, n.º 1, deste Diploma Legal, que:

1 - O trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado.

Estabelece ainda o art. 3.º do DL n.º 24/2012, de 06-02, que:

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) «Actividade que envolva agente químico», qualquer actividade em que os agentes químicos são utilizados ou se destinam a ser utilizados em qualquer processo, incluindo a produção, o manuseamento, a armazenagem, o transporte ou a eliminação e o tratamento, ou no decurso do qual esses agentes sejam produzidos;

b) «Agente químico», qualquer elemento ou composto químico, isolado ou em mistura, que se apresente no estado natural ou seja produzido, utilizado ou libertado em consequência de uma actividade laboral, incluindo sob a forma de resíduo, seja ou não intencionalmente produzido ou comercializado; c) «Agente químico perigoso»:

i) Qualquer agente químico que preencha os critérios para ser classificado como perigoso na aceção das classes de perigo físico e/ou para a saúde estabelecidas no Regulamento (CE) n.º 1272/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, quer o agente químico esteja ou não classificado ao abrigo desse Regulamento;

ii) Qualquer agente químico que, embora não preencha os critérios para ser classificado como perigoso nos termos da subalínea anterior, possa, devido às suas propriedades físico-químicas, químicas ou toxicológicas e à forma como é utilizado ou está presente no local de trabalho, apresentar riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores, incluindo qualquer agente químico que esteja sujeito a um valor limite de exposição profissional estabelecido no presente diploma;

Determina também o art. 7.º deste Diploma Legal que:

1 - Sem prejuízo das obrigações gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho, o empregador deve avaliar os riscos e verificar a existência de agentes químicos perigosos no local de trabalho.

2 - Se a verificação referida no número anterior revelar a existência de agentes químicos perigosos, o empregador deve avaliar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores resultantes da presença desses agentes, tendo em consideração, nomeadamente:

a) As suas propriedades perigosas;

b) As informações sobre segurança e saúde constantes das fichas de dados de segurança, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e outras informações suplementares necessárias à avaliação de risco fornecidas pelo fabricante, designadamente a avaliação específica dos riscos para os utilizadores;

c) A natureza, o grau e a duração da exposição;

d) A presença simultânea de vários agentes químicos perigosos;

e) As condições de trabalho que impliquem a presença desses agentes, incluindo a sua quantidade;

f) Os valores limite estabelecidos nos anexos i, ii e iii;

g) Os valores limite de exposição profissional a agentes cancerígenos ou mutagénicos e ao amianto, estabelecidos em legislação especial;

h) O efeito das medidas de prevenção implementadas ou a implementar;

i) Os resultados disponíveis sobre a vigilância da saúde efectuada.

3 - A avaliação de riscos deve ser registada e devidamente justificada em suporte de papel ou digital.

4 - Se a natureza e a dimensão dos riscos relacionados com agentes químicos não justificarem uma avaliação mais pormenorizada, a avaliação pode conter uma justificação do empregador.

5 - A avaliação de riscos é actualizada quando:

a) Se verifiquem alterações significativas que a possam desactualizar;

b) Seja ultrapassado o valor limite de exposição profissional obrigatório ou o valor limite biológico;

c) O resultado da vigilância da saúde justificar a necessidade de nova avaliação.

6 - Na avaliação de riscos incluem-se todas as actividades específicas, nomeadamente a manutenção, em que seja previsível a possibilidade de exposição significativa ou de produção de efeitos nocivos para a segurança e a saúde, ainda que tenham sido tomadas todas as medidas técnicas adequadas.

7 - O exercício de actividades que envolva agentes químicos perigosos só pode ser iniciado após avaliação de riscos e execução das medidas preventivas adequadas.

8 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 2 e contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 3 a 6.

Por fim, o art. 16.º estatui que:

1 - Sem prejuízo do disposto na legislação geral em matéria de informação, consulta e formação, o empregador deve assegurar aos trabalhadores expostos aos riscos resultantes da presença de agentes químicos no local de trabalho, bem como aos seus representantes para a segurança e saúde no trabalho, a informação, a consulta e a formação, nos termos dos números seguintes.

2 - A informação compreende:

a) Os dados obtidos pela avaliação de riscos e outras informações sempre que se verifique uma alteração significativa no local de trabalho susceptível de alterar os resultados da avaliação;

b) Os elementos disponíveis sobre os agentes químicos perigosos presentes no local de trabalho, nomeadamente a sua identificação, os riscos para a segurança e a saúde e os valores limite de exposição profissional e legislação específica aplicável;

c) As fichas de dados de segurança disponibilizadas pelo fornecedor, nos termos dos requisitos que lhes são aplicáveis por força do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH);

d) As precauções e medidas adequadas para os trabalhadores se protegerem no local de trabalho, incluindo as medidas de emergência respeitantes a agentes químicos perigosos;

e) O conteúdo dos recipientes e das canalizações utilizados por agentes químicos perigosos, identificados de acordo com a legislação respeitante à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias e misturas perigosas e à sinalização de segurança no local de trabalho;

f) Os resultados estatísticos não nominativos do controlo biológico;

g) A aplicação das disposições do presente diploma.

3 - A informação deve, tendo em consideração o resultado da avaliação, ser prestada de forma adequada, oralmente ou por escrito, nomeadamente através de formação individual dos trabalhadores, e ser periodicamente actualizada de modo a incluir qualquer alteração.

4 - A consulta abrange o previsto na alínea g) do n.º 2 e a formação incide sobre a alínea d) do mesmo número.

5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no presente artigo.

Elencada a legislação aplicável, vejamos a situação concreta.


Em primeiro, por não ter relevância, não apreciaremos a circunstância relativa ao armazenamento do produto químico SOLTV 381, uma vez que inexiste nexo de causalidade entre o referido armazenamento e o acidente de trabalho ocorrido, sendo certo que, de qualquer modo, não se provou:


- que o depósito/armazenamento do SOLTV381 estivesse em contacto direto com as mais diversas fontes de ignição ali existentes, não só as próprias de ferramentas e equipamentos de trabalho elétricos, que constantemente eram ali ligadas e desligadas, como máquinas e equipamentos fabris, que ali davam entrada para trabalhos de conserto e manutenção (facto não provado 6); e


- que o depósito de SOLTV 381 estivesse em contacto com a máquina auto lavadora (facto não provado 7).


Relativamente à violação pela Ré empregadora da obrigação de prestar informação e formação aos seus trabalhadores, designadamente ao Autor, sobre o produto químico SOLTV 381, concretamente quanto ao seu manuseamento; e da obrigação de proibir, e invés de incentivar, o uso desse produto nas operações de limpeza, bem como à existência, ou não, de nexo de causalidade entre tais eventuais violações e o acidente de trabalho ocorrido, a sentença recorrida fundamentou a sua posição nos seguintes termos:

Resulta, pois, evidente, que o Autor e o colega usaram, para limpeza do pavimento da oficina um produto químico - SOLTV 381 - que não era adequado ou recomendado para aquele fim. Tratando-se de um produto volátil, constituído por solventes derivados do petróleo, gerador de aerossóis e facilmente inflamável, com utilização indicada apenas para limpeza de travões e de peças, a explosão que vitimou o sinistrado teve origem num arco elétrico na fonte de ignição da autolavadora, em contato com os aerossóis libertados.

Não se provou que tenha sido o Autor a decidir utilizar o produto em causa, ou que tal utilização fosse imposição (ou mesmo sugestão) da Ré; antes se apurou que o uso nas aludidas circunstâncias foi uma sugestão do responsável pelo departamento de manutenção - outro trabalhador, portanto -, tratando-se de um procedimento habitual. De resto – podemos concluir - tratava-se de uma solução de recurso para remover manchas de gordura que subsistiam no pavimento, após já ter sido usada lixívia e utilizada a autolavadora.

(…)

E mais aduziu a Seguradora que a Ré empregadora não cuidou de proibir que o químico em causa fosse utilizado pela limpeza das superfícies, sendo certo que, conjuntamente com o seu encarregado, permitia e ordenava que o mesmo fosse dessa forma utilizado. Sendo certo que a ficha técnica e de dados de segurança não se encontrava afixada no local do armazenamento, além de não ter sido ministrada formação adequada sobre as características do produto e manuseamento do mesmo, de tal forma que o Autor não tinha conhecimento da sua perigosidade.

Ao contrário do alegado pela Seguradora, porém, não provou qualquer intervenção da Ré no sentido de impor ou sugerir a utilização do solvente em causa em ações de limpeza. Foi um outro trabalhador que o sugeriu, podendo concluir-se da factualidade provada que se tratou de uma combinação de procedimento entre trabalhadores. Acresce que a ficha técnica e de dados de segurança estava, efetivamente, afixada no local do armazenamento.

Não se provou, porém, que a Ré empregadora tenha ministrado formação acerca das características do produto em causa e manuseamento do mesmo, o que configura, desde logo, uma violação do disposto no artigo 16.º n.º 1, 2 e 3 do DL 24/2012, de 6 de fevereiro (dever de informação e formação dos trabalhadores). Mas ainda que essa formação tivesse sucedido não se pode concluir que contribuísse para evitar o acidente de trabalho.

Com efeito, o acidente sucedeu devido à utilização de um produto químico volátil e facilmente inflamável, tendo a explosão e subsequente incêndio que vitimaram o Autor sido causados por um arco elétrico na fonte de ignição da autolavadora em contacto com os aerossóis libertados. Porém, o Autor já sabia que o produto em causa era volátil e inflamável, pelo que uma eventual formação, não acrescentaria nada de essencial neste concreto ao seu conhecimento; e, por outro lado, sendo oficial eletricista, sabia necessariamente da possibilidade de formação do arco elétrico na fonte de ignição da autolavadora e explosão em contacto com os aerossóis do solvente. Note-se que o Autor é um trabalhador qualificado, a exercer funções numa área complexa - sistemas elétricos e de automação - e não um individuo limitado a quem tinha que ser explicado v.g. o resultado do contacto de uma mistura de gases inflamáveis que circulam junto ao chão com uma faísca libertada ou arco elétrico aquando da ligação de um aparelho elétrico. E assim sendo, uma vez que a formação omitida nada acrescentaria de novo ao conhecimento do Autor, também aqui inexiste nexo causal entre essa omissão e a ocorrência do acidente.

Fundamenta, assim, a sentença recorrida, a inexistência de violação pela Ré empregadora do dever de proibir a utilização do produto químico SOLTV 381 no pavimento da oficina, por esta não ter tido intervenção no sentido de impor ou sugerir a referida utilização em ações de limpeza, uma vez que foi outro trabalhador, no caso, o responsável pelo departamento de manutenção, quem sugeriu tal utilização, entendendo ser de concluir que se tratou de uma combinação de procedimento entre trabalhadores.


Em primeiro lugar, a sentença recorrida confunde o ato de proibir com o ato de sugerir ou de impor. Na realidade, uma coisa é a entidade empregadora inobservar as regras de segurança que lhe são impostas ao não proibir o uso de determinado produto em determinadas circunstâncias e outra, bem diferente, é inobservar tais regras ao sugerir ou mesmo impor a utilização de determinado produto em circunstâncias em que o mesmo não deveria ser aplicado.


Vejamos, então, se a entidade empregadora, ao não ter expressamente proibido a utilização do produto químico SOLTV 381 no pavimento da oficina, violou, ou não, uma específica regra de segurança.


Nos termos dos citados artigos, resulta que compete ao empregador zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, designadamente, evitar os riscos, planificar a prevenção de riscos como um sistema coerente, identificar os riscos previsíveis em todas as atividades, combater os riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção, assegurar nos locais de trabalho que as exposições aos agentes químicos não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador, elaborar e divulgar instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador, e assegurar que sempre que são confiadas tarefas a um trabalhador, estão a ser considerados os seus conhecimentos e aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias e adequadas ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e saúde, devendo fornecer-se ao trabalhador informação atualizada sobre os riscos para a segurança e saúde.


Consta ainda que, especificamente, quanto a atividades que envolvam agente químico, compete ao empregador avaliar os riscos e verificar a existência de agentes químicos perigosos no local de trabalho, incluindo tal avaliação todas as atividades específicas, nomeadamente a manutenção, em que seja previsível a possibilidade de exposição significativa ou de produção de efeitos nocivos para a segurança e a saúde, ainda que tenham sido tomadas todas as medidas técnicas adequadas.


Consta igualmente que a entidade empregadora deve assegurar aos trabalhadores expostos aos riscos resultantes da presença de agentes químicos no local de trabalho, a informação, a consulta e a formação adequadas, nomeadamente quanto à avaliação de riscos; quanto aos elementos disponíveis sobre os agentes químicos perigosos no local de trabalho (através da sua identificação, da identificação dos riscos para a segurança e a saúde e dos valores limite de exposição profissional e legislação específica aplicável); quanto às fichas de dados de segurança disponibilizadas pelo fornecedor, nos termos dos requisitos que lhes são aplicáveis por força do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH); quanto às precauções e medidas adequadas para os trabalhadores se protegerem no local de trabalho, incluindo as medidas de emergência respeitantes a agentes químicos perigosos.


Acresce que esta informação deve, tendo em consideração o resultado da avaliação, ser prestada de forma adequada, oralmente ou por escrito, nomeadamente através de formação individual dos trabalhadores, e ser periodicamente atualizada de modo a incluir qualquer alteração.


Resulta, porém, da matéria factual apurada que a Ré empregadora não ministrou aos seus trabalhadores, mormente ao Autor, informação detalhada sobre as características do produto químico SOLTV 381, nem qualquer formação quanto ao modo de manuseamento do mesmo (facto provado 24), apesar de se tratar de um produto químico volátil, constituído por solventes derivados do petróleo, gerador de aerossóis e facilmente inflamável (facto provado 16). Acresce que resulta da ficha de segurança do referido produto que o mesmo apenas está indicado para ser utilizado na limpeza de travões e de peças, não sendo recomendado para qualquer outra utilização industrial (facto provado 17). Foi também dado como assente que a ficha técnica do produto e a ficha de dados de segurança, esta possuindo onze páginas, estavam afixadas na parede, por cima do local onde o produto se encontrava, dentro de uma mica (facto provado 20).


Mostra-se, assim, evidente que a Ré empregadora violou o dever de avaliar, evitar e identificar o risco quanto ao produto químico SOLTV 381, que se encontrava na oficina, em local de fácil acesso e sem qualquer indicação específica de perigo. E violou também o dever de informar os seus trabalhadores, e designadamente o Autor, através de instruções compreensíveis e adequadas, sobre os riscos relativos àquele produto, bem como onde poderia ser aplicado e onde não deveria ser aplicado, visto que as onze páginas colocadas dentro de uma mica, pendurada na parede, por cima do produto, não integra o conceito de instruções compreensíveis e adequadas sobre os riscos daquele produto. E violou igualmente o dever de dar formação aos seus trabalhadores, e designadamente o Autor, sobre as características do produto e o modo de manuseamento.


Deste modo, e ainda que não competisse à Ré empregadora informar e formar os seus trabalhadores quanto à proibição específica de não utilizar o produto químico SOLTV 381 no pavimento da oficina, competia-lhe ter avaliado, identificado e evitado os riscos inerentes àquele produto e, sobretudo, informar e formar os seus trabalhadores sobre as características do produto, seus riscos (designadamente onde podia e não podia ser utilizado) e o modo de manuseamento,


Ao agir nos moldes em que agiu, a entidade empregadora violou os deveres que lhe incumbiam e que se mostram previstos nos arts. 15.º, nºs. 1, 2, als. a), b), c), e), f) e l) e 4, 18.º, n.º 1, al. j), 19.º, n.º 1, al. a) e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10-09, e 3.º, als. a) e b), 7.º e 16.º do DL n.º 24/2012, de 06-02.


Importa, no entanto, referir, ainda, que resultou provado que o responsável do departamento de manutenção, e superior hierárquico do Autor e do colega CC, o funcionário DD, instruiu aqueles a utilizar o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável (facto provado 19). Ora, contrariamente à posição defendida na sentença recorrida, sendo o funcionário DD o responsável do departamento de manutenção e superior hierárquico do Autor e do seu colega CC, e tendo, nessa qualidade, instruído estes (ou seja, lhes dado a instrução) a utilizar o produto químico SOLTV 381 para limpeza das superfícies da oficina, nomeadamente o pavimento, o que era habitual, recomendando, contudo, cuidado, dado tratar-se de um produto volátil e facilmente inflamável, é de considerar tal funcionário como representante da Ré na instrução laboral que transmitiu aos seus trabalhadores,23 e isto independentemente de qualquer direito de regresso a que a Ré empregadora venha a constituir-se contra tal funcionário (art. 18.º, n.º 3, da LAT). Atente-se que o superior hierárquico do Autor, na empresa da Ré empregadora, no local e horário de trabalho, deu a instrução ao Autor para colocar o produto químico SOLTV 381 num local onde a ficha de segurança desse produto desaconselhava a utilização.


Assim, não só a Ré empregadora não informou nem formou os seus trabalhadores sobre os riscos de utilização do referido produto, bem como onde podia e não podia ser utilizado, como instruiu o Autor e o colega CC, através do responsável do seu departamento de manutenção, a utilizarem o produto de forma contrária àquela que constava da ficha de segurança.


Ainda que a recorrente tenha separado a ação de falta de informação e formação dos seus trabalhadores, por parte da Ré empregadora, sobre o produto químico em causa, da ação de não proibição do uso de tal produto no pavimento da oficina, verdade é que estas ações se encontram interligadas. Na realidade, se a Ré empregadora tivesse fornecido, de forma adequada, a informação e tivesse ministrado as competentes ações de formação, resultaria das mesmas a proibição de uso deste produto no pavimento da oficina.


É, assim, manifesta a violação do dever de observância das regras de segurança por parte da Ré empregadora. Por sua vez, nos termos do citado n.º 1 do art. 18.º da LAT, provando-se a violação das regras sobre segurança no trabalho, dispensa-se a prova da culpa, porém, mantém-se a exigência da prova do nexo de causalidade entre tal violação e o acidente de trabalho.24


Cumpre, assim, verificar se este incumprimento das regras de segurança, que implicou a omissão de um especial dever de cuidado, foi causal do acidente de trabalho.


Quanto ao nexo de causalidade, consigna-se que, nos termos do art. 563.º do Código Civil, a lei portuguesa adotou a doutrina da causalidade adequada, ou seja, existe nexo de causalidade entre determinada ação ou omissão e o dano se tal ação ou omissão, agravando o risco na produção do dano, o tornou mais provável.


Conforme bem refere Inocêncio Galvão Telles25 “[a] lei reconduz assim a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, o que significa aderir à tese da causa adequada, pois esta tese tem esse significado. Causa adequada é justamente aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável”.


Cita-se ainda, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 08-10-2014:26

1 - No juízo de preenchimento do nexo causal entre um acidente de trabalho e a morte do sinistrado que veio a ocorrer na sequência do mesmo, há que fazer apelo à teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563° do Código Civil, teoria segundo a qual para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo, traduzindo-se, essa adequação, em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médicos, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso;

2 - O nosso sistema jurídico consagra a vertente ampla da causalidade adequada, não se exigindo a exclusividade do facto condicionante do dano, sendo configurável a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, ao mesmo tempo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano;

Por fim, pela sua relevância, cita-se o sumário do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2024, de 13-05:27

Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.

No caso dos autos, a sentença recorrida considerou que o Autor, ao saber que o produto era volátil e inflamável (facto provado 21), já possuía toda a informação necessária para poder utilizar o referido produto em segurança, pelo que uma eventual formação em nada acrescentaria de essencial ao seu conhecimento, sendo o Autor, enquanto oficial eletricista, um trabalhador qualificado, que tinha a obrigação de saber que a máquina auto lavadora em contacto com o referido produto poderia causar uma explosão.


Não concordamos com tal fundamentação.


O facto de se ter conhecimento que determinado produto é volátil e inflamável, não chega, só por si, para se considerar que se possui o conhecimento específico necessário sobre o produto e qual a forma adequada de o utilizar, até porque sempre haverá produtos mais ou menos voláteis e mais ou menos inflamáveis. Acresce que se para conhecer tal produto bastasse saber que o mesmo era volátil e inflamável, não se compreende a razão de a sua ficha de segurança ter onze páginas. Por outro lado, quanto a este produto químico, o mesmo tinha indicação específica sobre que tipo material deveria ser utilizado, sendo que não se provou que o Autor tivesse conhecimento dessa informação. Diga-se, ainda, que, apesar de o superior hierárquico DD ter dado instruções ao Autor e ao colega CC para terem cuidado ao utilizar, no pavimento da oficina, o produto químico SOLTV 381, não esclareceu, em concreto, que cuidados deveriam ser esses, sendo que tal informação é que poderia ser útil. Provou-se, também, que esta não era a primeira vez que se utilizava o produto químico SOLTV 381 na limpeza do pavimento da oficina, sendo, inclusive, tal utilização habitual. De igual modo, se provou que, em momento anterior, aquando da utilização do hipoclorito de sódio (lixívia), o Autor e o colega CC já tinham utilizado a máquina auto lavadora, pelo que não seria incomum a utilização de tal máquina na lavagem da oficina.


Acresce que a circunstância de o Autor, por ser oficial eletricista, ter conhecimento da possibilidade de formação do arco elétrico na fonte de ignição da máquina auto lavadora e de explosão quando em contacto com os aerossóis do produto químico SOLTV 381, só por si, tal conhecimento, não o impedia de utilizar o referido produto no pavimento da oficina, não só porque recebeu instruções nesse sentido do seu superior hierárquico, como também porque desconhecia as características específicas desse produto, designadamente o seu grau de volatilidade e de capacidade de inflamação, bem como que o mesmo apenas deveria ser utilizado para limpeza de travões e de peças, não sendo recomendada para qualquer outra utilização industrial.


Se ao Autor tivesse sido ministrada, de forma adequada, informação sobre as características do produto químico SOLTV 381 e formação específica sobre o produto, designadamente quanto ao seu modo de manuseamento, era bastante provável não só que se tivesse oposto, de forma fundamentada, a tal utilização no pavimento da oficina ou, a utilizá-lo, o faria em menor quantidade e com muito maior precaução. Efetivamente, a circunstância de a própria entidade empregadora desvalorizar o risco na utilização daquele produto, não só por dar instruções de utilização em locais divergentes daqueles para que se destina, como também por não facilitar a leitura das fichas técnica e de segurança do produto pelos seus trabalhadores, leitura essa relativamente à qual não procura sequer apurar se foi feita (nenhum dos trabalhadores daquela oficina as tinha lido, sendo que um deles nem sequer se recordava que as mesmas se encontrassem afixadas na parede), mostra-se adequada ao agravamento do risco de incêndio na aplicação desse produto pelos seus trabalhadores.


Aliás, se tal ação de formação tivesse sido ministrada pela entidade empregadora e nela tivesse participado DD, o responsável do departamento de manutenção e o superior hierárquico do Autor e do colega CC, era provável, inclusive, que a instrução dada por este aos seus trabalhadores não tivesse sequer sido dada.


Entende-se, por isso, que a omissão da entidade empregadora, ao não fornecer, de forma clara e adequada, informação sobre a ficha técnica e de segurança do produto químico SOLTV 381, bem como formação específica sobre as características do produto e modo de manuseamento, levou, não só a que a utilização de tal produto no pavimento da oficina não fosse proibido, como, inclusive, fossem dadas instruções a quem procedia à sua limpeza para o utilizar, dizendo-lhes apenas de que deveriam ter cuidado. Esta omissão agravou, assim, o risco na produção de um incêndio, tornando-o mais provável, pelo que tal omissão da entidade empregadora revela-se causa adequada para as lesões que o Autor veio a sofrer, em virtude do incêndio que deflagrou no local. Se, porém, a Ré empregadora tivesse agido como devia, e tivesse avaliado, identificado e evitado os riscos inerentes àquele produto e, sobretudo, informado e formado os seus trabalhadores sobre as características do produto, seus riscos e o modo de manuseamento, era bastante provável que este acidente não tivesse ocorrido.


Em conclusão, apenas nos resta declarar a procedência do recurso da Ré “Fidelidade”, mostrando-se efetivamente preenchidos os requisitos previstos no art. 18.º, n.º 1, da LAT.


Nesta conformidade, os cálculos para a pensão anual, vitalícia e atualizável, devida ao Autor, desde o dia imediato ao da alta (20-06-2020), deixam de ser efetuados nos termos do art. 48.º, n.º 3, al. c), da LAT, para passarem a ser efetuados nos termos do art. 18.º, n.º 4, al. c), da mesma Lei.


Possuindo o sinistrado, à data do acidente, um rendimento anual de €15.148,91, importa nos termos do art. 18.º, n.º 4, al. c), da LAT, apurar o valor da pensão anual, vitalícia e atualizável devida ao Autor pela Ré “M2”. Assim, é devido ao sinistrado a pensão anual, vitalícia e atualizável (arts. 6.º e 8º do DL n.º 142/99, de 30-04) de €6.941,23, desde 20-06-2020, obtida nos seguintes termos:


- €15.148,91 x 45,82% = €6.941,23.


Pelo exposto, condena-se a Ré “M2” no pagamento ao Autor da totalidade dos prejuízos emergentes do acidente (sendo a pensão anual e vitalícia no valor de €6.941,23) e a Ré “Fidelidade”, solidariamente com aquela, no pagamento das prestações que seriam devidas ao Autor, caso não tivesse havido atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (art. 79.º, n.º 3, da LAT).








V – Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência:


A) Revoga-se os pontos 2 e 3 da parte decisória da sentença recorrida, substituindo-se nos seguintes termos:

a) Condena-se a Ré “M2 – Alimentação, S.A.” no pagamento ao Autor AA de uma pensão anual, vitalícia e atualizável, no valor de €6.941,23 (seis mil, novecentos e quarenta um euros e vinte e três cêntimos), devida desde o dia 20-06-2020, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os subsídios de férias e de Natal, ser pagos nos meses de junho e novembro, bem como no pagamento da totalidade dos prejuízos emergentes do acidente, designadamente os resultantes das Incapacidades Temporárias e a compensação de €63,00 (sessenta e três euros) referente a despesas de transportes;

b) Condenar a Ré “Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.”, solidariamente com a Ré “M2 – Alimentação, S.A.”, no pagamento das prestações que seriam devidas ao Autor, caso não tivesse havido atuação culposa (ou seja, numa pensão anual, vitalícia e atualizável no montante de €5.552,98), sem prejuízo do direito de regresso;

c) Condenar as Rés nos juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento das prestações até integral pagamento.

B) Custas a cargo da Ré “M2 – Alimentação, S.A.” (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Notifique.



Évora, 27 de março de 2025

Emília Ramos Costa (relatora)

Paula do Paço

João Luís Nunes

___________________________________________________

1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: João Luís Nunes.↩︎

2. Doravante “Fidelidade”.↩︎

3. AA↩︎

4. Uma vez que esta sociedade incorporou a sociedade “M1”.↩︎

5. Doravante “M2”.↩︎

6. Conclusões apresentadas após despacho judicial, proferido em 16-09-2024, a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões inicialmente juntas aos autos.↩︎

7. A conclusão 10 mostra-se rasurada por ter sido dada por não escrita, conforme despacho judicial proferido em 26-12-2024.↩︎

8. A parte rasurada da conclusão 12 foi dada por não escrita, conforme despacho judicial proferido em 26-12-2024.↩︎

9. A parte rasurada foi dada por não escrita, conforme despacho judicial proferido em 26-12-2024.↩︎

10. A parte rasurada foi dada por não escrita, conforme despacho judicial proferido em 26-12-2024.↩︎

11. No âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

12. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.↩︎

13. 3.ª ed., p. 333.↩︎

14. 2.ª ed., pp. 689-690.↩︎

15. No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

16. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.↩︎

17. No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

18. Almedina, 2018, p.737.↩︎

19. No âmbito do processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

20. Lei n.º 98/2009, de 04-09.↩︎

21. Apenas nos debruçaremos sobre a situação de falta de observação, pela entidade patronal, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, por ser aquela que é invocada nas conclusões recursivas.↩︎

22. Veja-se neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ, proferidos em 06-05-2015, no âmbito do processo n.º 220/11.2TTTVD.L1.S1; e em 14-01-2015, no âmbito do processo n.º 644/09.5T2SNS.E1.S1; o acórdão do TRC, proferido em 16-06-2016, no âmbito do processo n.º 933/11.9TTCBR.C1; e acórdão do TRE, proferido em 21-12-2017, no âmbito do processo n.º 572/15.5T8LRA.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

23. Veja-se a este propósito o acórdão do TRC proferido em 08-09-2021 no âmbito do processo n.º 1979/16.6T8LRA.C1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

24. Vide acórdão do TRE proferido em 25-11-2021, no âmbito do processo n.º 1340/19.0T8STR.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

25. Em Direito das Obrigações, 4.ª edição, p. 325.↩︎

26. No âmbito do processo n.º 4028/10.4TTLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎

27. Consultável em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/6-2024-864543698.↩︎