Sumário:
1. O recurso, não a reclamação, é a reacção adequada contra o despacho que, por falta de pagamento após a notificação a que alude o artigo 642.º CPC, determina o desentranhamento das alegações de recurso.
2. Para a determinação da base tributável de um recurso releva o valor da sucumbência, a qual se mede pela utilidade económica imediata que se obtém ou em que se decai na acção.
3. No entanto, se o recorrente, apesar do valor da sucumbência ser determinável, não o indicar expressamente ou se o valor da sucumbência não for determinável, a base tributável do recurso passa a ser o valor da acção.
4. Só com a indicação expressa do montante da sucumbência é que a parte contrária poderia contrariar tal indicação e, dessa forma, se cumprir o princípio do contraditório.
Relator: Filipe Aveiro Marques
1.ª Adjunta: Paula do Paço
2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
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I. RELATÓRIO:
I.A.
“ORIENTAL DRAGON FOOTBAL CLUB”, réu na acção comum que contra ele foi intentada, entre outros, por AA e BB, veio interpor recurso do despacho proferido em 25/11/2024 pelo Juízo do Trabalho de Setúbal – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Face à omissão de pagamento daquelas quantias, determino o desentranhamento da alegação de recurso da R., declarando extinta a instância recursiva.”.
I.B.
O réu/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes:
“CONCLUSÕES
A) - Em 18/10/2014, o Tribunal proferiu o despacho transcrito em 1.º do presente Recurso (que em súmula ordenou à secretaria que emitisse guias com vista ao pagamento pela recorrente de um valor a acrescer à taxa de justiça pagas, pela interposição do recurso, bem como à multa processual pela prática de ato extemporâneo, considerando que o valor que a recorrente deveria ter atendido para efeitos de recurso, teria ter contemplado a soma das duas pretensões dos Autores)
B) Em 27/11/2024, o Tribunal proferiu o despacho transcrito em 2.º do presente Recurso, (que em súmula, ordena o desentranhamento das alegações do recurso interposto pela Recorrente em 06/05/2024, por falta de pagamento das guias emitidas pela secretaria)
C) Por mera falha de comunicação, a Ré, não logrou efetuar o pagamento das guias emitidas pelo Tribunal, referentes ao complemento da taxa e da multa que o Tribunal considerou estar em falta, e ordenou o desentranhamento das alegações de recurso que haviam sido apresentadas em 06/05/2024.
D) Com a decisão proferida, não se conforma a Recorrente, na medida em que considera que a taxa liquidada, bem como a multa correspondente pela prática de ato processual extemporâneo, foram pagas pelo montante correto e ajustado ao caso dos presentes autos.
E) Nos termos do artigo 12 n.º 2 do Regulamento das Custas processuais, nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção.
F) A recorrente não indicou no seu respetivo requerimento, o valor do Recurso, contudo depreende-se, porquanto determinável, que a Recorrente não se conformou com a condenação proferida pelo Tribunal, que o condena ao pagamento dos seguintes montantes : 461,62 €, a título subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora,; a quantia de 869,57 €, devida a título de prémio de subida de divisão a quantia de 615,90 €, a título subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora; a quantia de 869,57 €, devida a título de prémio de subida de divisão; 20 UC por litigância de má fé),
G) A soma dos montantes supra indicados totaliza os 5090,00€ (cinco mil e noventa euros), pelo que esse é o valor do prejuízo da Recorrente, e a utilidade que visa extrair do Recurso, e não o valor da causa.
H) É certo que a recorrente não indicou nas suas alegações de Recurso o valor da sucumbência, contudo, é entendimento da Recorrente que a lei não exige que o Recorrente o faça, desde que esse valor seja determinável, como o é no caso em apreço.
I) Com efeito, ao contrário do que sucedia no anterior art.o 11.o n.o2 do CCJ, que estabelecia, claramente, que na falta de indicação do valor da sucumbência, o valor do recurso seria igual ao valor da acção, a redacção actual não se diz isso, pelo que o legislador entendeu retirar à falta de indicação do valor da sucumbência, a consequência que tinha, na legislação anterior.
J) Assim o entendimento do Recorrente, estribado na letra da lei, é que se mantém a obrigação de indicar o valor da sucumbência, por razões de boa técnica processual, de simplicidade e clareza, mas caso falte essa indicação, uma vez que o valor da sucumbência está determinado ou determinável, não há razão para que não seja esse o valor do recurso a ter em conta para efeitos de cálculo da taxa de justiça.
L) Pela simples leitura do requerimento de interposição de recurso fica claro que a utilidade económica do pedido recursório é circunscrita e limitada, à condenação que consta da sentença traduzida na seguinte determinação supra transcrita.
M) Assim, e muito embora a recorrente não tenha indicado expressamente o valor atribuído ao recurso, indicou a decisão de que pretendia recorrer tendo esta um valor preciso e autónomo do valor da causa que dúvidas não poderia suscitar à secretaria quanto ao valor do recurso para fins tributários.
N) Ante o exposto, a Recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça, e da multa correspondente de forma correta e em conformidade com o estabelecido na tabela 1 B do Regulamento das Custas Processuais.
Nestes termos e nos melhores de direito, muito doutamente a suprir por V.Ex.As é entendimento do ora Recorrente que a douta decisão deve ser revogada, com as demais consequências legais, admitindo-se o recurso interposto pela Ré ora Recorrente.”
I.C.
Não foi apresentada resposta às alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
I.D.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Após os vistos, cumpre decidir.
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, impõe-se apreciar se estavam reunidas as condições para se ter notificado o recorrente ao abrigo do artigo 642.º do Código de Processo Civil e se o não pagamento da taxa de justiça e multa na sequência dessa notificação pode levar ao desentranhamento do recurso apresentado.
III.A. Fundamentação de facto:
III.A.1 Factos provados:
Para apreciação da questão a decidir, podem retirar-se os seguintes factos do processo:
1. Na acção intentada, além do mais, pelos autores contra o réu/apelante foi, após julgamento, proferida sentença a 20/03/2024 e que foi notificada às partes e seus Ilustres mandatários por ofícios desse mesmo dia.
2. Essa sentença terminou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgando a procedência parcial da acção, decido:
1. condenar o R. a pagar ao A. AA, a quantia de:
a. 461,62 €, a título subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, vencidos desde a data da cessação do contrato de trabalho e até integral e efectivo pagamento;
b. a quantia de 869,57 €, devida a título de prémio de subida de divisão, acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, vencidos desde 10/06/2020 e até integral e efectivo pagamento;
2. condenar o R. ao pagar ao A. BB, a quantia de:
a. 615,90 €, a título subsídio de férias e subsídio de Natal, acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, vencidos desde a data da cessação do contrato de trabalho e até integral e efectivo pagamento;
b. a quantia de 869,57 €, devida a título de prémio de subida de divisão, acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, vencidos desde 10/06/2020 e até integral e efectivo pagamento;
3. absolver o R. quanto ao demais pedido contra si pelos AA.;
4. condenar o R., como litigante de má fé, na multa que fixo em 20 UC, e em indemnização a arbitrar em benefício dos AA., a fixar depois de cumprido o disposto no art. 543º, n.º 3, do CPC.
*
Custas da acção dos AA. e do R., na proporção do respectivo decaimento.”
3. Por requerimento de 6/05/2024 o réu veio apresentar recurso sobre essa sentença; auto-liquidou a quantia de 102,00€ a título de taxa de justiça e 25,50€ de multa do artigo 139.º do Código de Processo Civil.
4. Por despacho de 18/10/2024, fixou-se o valor da causa para o autor AA em 5.969,56 € e para o autor BB em 5.169,56 €.
5. Mais se entendeu nesse despacho que não foi paga a taxa de justiça devida pelo recurso (1,5 Uc) e multa devida pela apresentação do recurso no terceiro dia útil posterior ao termo normal do prazo (correspondente a 40% da taxa de justiça devida pela interposição do recurso) e, consequentemente, determinou-se o cumprimento do disposto nos artigos 139.º, n.º 6 e 642.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
6. O réu foi notificado desse despacho por ofício de 22/10/2024 (que foi acompanhado, além do despacho, por guia de pagamento no valor de 102,00€).
7. Na ausência de pagamento, foi proferido o despacho recorrido em 25/11/2024 que determinou o desentranhamento da alegação de recurso da ré.
8. Esse despacho foi notificado às partes por ofício de 27/11/2024.
9. Em 28/11/2024 é apresentado o requerimento de recurso por parte do réu.
A. Saber se a forma de reacção adequada ao despacho recorrido será a usada pelo ora reclamante é matéria que não tem merecido resposta unânime.
De um lado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[1] entendem que “contra a decisão de desentranhamento referido, cabe recurso, nos termos gerais e não a reclamação prevista no art. 643.º”.
Já noutra obra, Abrantes Geraldes[2] defende que a reclamação do artigo 643.º está prevista para o despacho de não admissão do recurso, mas esse mecanismo está previsto também para situações em que se verifique a retenção de recursos que tenham sido admitidos, sendo negada, por qualquer razão indevida, a sua remessa e “ademais, deve também ser aplicado a casos em que, por falta de pagamento da taxa de justiça, tenha sido determinado o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso e respetiva alegação”.
Por seu turno, Rui Pinto[3] defende que a reclamação apenas tem por objecto determinar se o recurso deve ser admitido em face da norma legal que o reclamante invoca para o efeito, ficando excluída qualquer apreciação do próprio mérito recursório ou, mesmo, de outras questões de admissibilidade do recurso. Mas, esse autor, argumenta que “também por isto, a mesma reclamação é a adequada para a impugnação seja do despacho que, por falta de pagamento da taxa de justiça, indeferiu o recurso, seja do despacho que ordenou o seu desentranhamento. Quanto a este segundo, pese embora, não se tratar de um despacho de indeferimento é, ainda assim, um despacho de não admissão. Além do mais, o meio vem previsto, justamente, depois dos artigos 641.º e 642.º”.
A diferença, no caso vertente, estará na possibilidade de se poder apreciar já a pretensão do ora recorrente (caso se entenda que o recurso é a forma de reacção adequada) ou não (pelo princípio constante do artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, sempre teria de se operar a convolação em reclamação).
O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/09/2021 (processo n.º 2590/14.1TBVNG-I.P1[4]), defende, a este propósito, que: “a reclamação tem de ser indeferida porque no caso não foi proferido qualquer despacho de não admissão do recurso que fosse passível de impugnação por esse meio processual” e com a seguinte argumentação:
“O desentranhamento de um articulado, alegação ou requerimento gera o efeito processual de a peça em questão não se considerar validamente apresentada e não ser tida em conta para nenhum efeito, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido sequer apresentada.
Criada essa situação processual, o juiz já não tem de se pronunciar sobre o conteúdo do articulado, alegação ou requerimento. Sendo a peça em causa um requerimento de interposição de recurso, após o seu desentranhamento o tribunal já não tem de se pronunciar sobre se admite ou rejeita o recurso, não incorrendo em qualquer omissão de pronúncia por tal facto.
Não se pode confundir, como pretende o recorrente, a situação processual em que o tribunal está dispensado de se pronunciar sobre um determinado requerimento (em virtude do respectivo desentranhamento) da situação em que o tribunal se pronuncia sobre o requerimento e indefere-o.
Naquela situação, tudo se passa como se o requerimento não tivesse sido sequer apresentado. É certo que isso gera um efeito semelhante ao que ocorreria se o requerimento tivesse sido indeferido, mas o mesmo sucede se o requerimento não tivesse sido efectivamente apresentado pelo interessado. Ora certamente ninguém defenderá que também neste caso similar (quanto aos efeitos indirectos produzidos) o interessado pode reagir pelos meios processuais previstos de impugnação da … decisão de indeferimento.”
Ainda sobre este ponto, pode citar-se a doutrina que ficou exarada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2020 (processo n.º 2657/15.9T8LSB-S.L1-A.S1[5]) “o incidente da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC apresenta-se como um expediente de impugnação que versa sobre a não admissão de recurso e visa em exclusivo o efeito adjectivo-processual de modificação pelo tribunal ad quem do despacho de não admissão do recurso pelo tribunal a quo”[6].
Em sentido contrário encontra-se, no entanto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2015 (processo n.º 19/12.9TBSCF-AB.L1-1[7]) que decidiu que: “A reclamação é meio processual adequado para impugnar o ‘indeferimento do recurso’ por omissão do pagamento da taxa de justiça”.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/02/2022 (processo n.º 2850/19.5T8STB-I.E1[8]), a propósito de reclamação contra despacho que determinou o desentranhamento do requerimento de interposição de recurso nos termos do artigo 642.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, consignou-se o seguinte: “Aceitaremos, assim, a admissão da reclamação, decidida pela primeira instância a benefício dos reclamantes, e embora com dúvidas sobre o acerto desse entendimento da lei processual”.
Ponderando todos os argumentos, dir-se-ia que a melhor interpretação será a de considerar que, não obstante a inserção sistemática do artigo 642.º do Código de Processo Civil, não chegando o Tribunal a quo a apreciar o requerimento de interposição de recurso (por o mesmo nem passar a constar nos autos), não seria adequado reagir contra o despacho proferido pelo meio da reclamação (mecanismo que está pensado para reagir contra um despacho que aprecia um requerimento de interposição de recurso e não o admite ou não o envia no momento próprio para o Tribunal superior). De resto, haverá que ponderar que a reclamação não serve para apreciar o mérito recursório (e, daí, que não se possa apurar nesse mecanismo, por exemplo, se o recorrente estava, ou não, isento do pagamento de taxa de justiça e, ainda, assim, foi proferido despacho de desentranhamento).
Assim, nada obsta ao conhecimento do recurso sobre o despacho de 25/11/2024 (único que foi admitido e de que, por isso, cumpre conhecer[9]).
B. Está assente (até porque o recorrente o aceita – cf. a conclusão C) do recurso apresentado) que após a notificação determinada pelo despacho de 18/10/2024 não foi paga a taxa de justiça nem a multa.
Importa, apenas, saber se o réu, com as alegações de recurso apresentadas a 6/05/2024, pagou a taxa de justiça devida ou não. No fundo, visa-se apurar se estavam reunidas as condições para se ter notificado o recorrente ao abrigo do artigo 642.º do Código de Processo Civil.
C. Quando uma parte (ou, em alguns casos, um terceiro) que se diz prejudicada com uma decisão de um Tribunal pede a intervenção de um Tribunal Superior, a lei impõe o pagamento de uma taxa de justiça inicial com a apresentação do recurso (salvo situações de isenção – cf. artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais – ou de comprovada insuficiência de meios económicos – através do instituto do apoio judiciário a que se alude na Lei 34/2004, de 29 de Julho), como decorre do disposto nos artigos 527.º, n.º 1, 529.º, n.º 2, 530.º, n.º 1 e 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.
No caso concreto, uma vez que o réu/apelante não é beneficiário de apoio judiciário, nem está em nenhuma das situações em que se poderia considerar estar isento do pagamento de custas (e, logo, de taxa de justiça), deveria pagar taxa de justiça para que pudesse ver a sua pretensão apreciada pelo Tribunal Superior.
A questão que importa dirimir é se, no caso concreto, com a apresentação do recurso foi paga a taxa pelo montante correcto já que, por força do disposto no artigo 145.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a mera comprovação de pagamento de uma taxa de justiça de valor inferior ao devido equivale à falta total de comprovação de pagamento de taxa de justiça.
A regra geral, no tocante à fixação da base tributável, encontra-se no artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais: o valor tributário, para efeitos de cálculo da taxa de justiça, corresponde ao valor da causa determinado de acordo com as regras previstas nas leis processuais.
Assim, desde logo, para determinação do valor da causa atende-se ao momento da propositura da acção (cf. artigo 299.º do Código de Processo Civil), devendo o valor ser fixado no despacho saneador ou na sentença (cf. artigo 306.º do Código de Processo Civil).
No entanto, decorre do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais uma regra específica para os recursos: para a determinação da base tributável de um recurso releva o valor da sucumbência, a qual se mede pela utilidade económica imediata que se obtém ou em que se decai na acção (cf. artigo 296.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Mas, conforme previsto na segunda parte do n.º 2 do artigo em apreço, o valor da base tributável nos recursos corresponderá ao valor da acção em duas situações: (a) se o recorrente, apesar do valor da sucumbência ser determinável, não o indicar; (b) ou se o valor da sucumbência não for determinável[10].
Ora, como expressamente o recorrente aceita (ver a conclusões F) e H) do recurso apresentado), não foi indicado o valor da sucumbência no recurso apresentado.
Face à letra da lei, não será, por isso e ao contrário do que vem defendido no recurso (conclusões I) a M) do recurso apresentado), correcto afirmar que a lei deixa ao critério do recorrente indicar, ou não, o valor da sucumbência e, ainda assim, pretender fazer uso desse critério para beneficiar de uma mais baixa taxa de justiça.
De resto, são os princípios gerais, desde logo o princípio do contraditório, que não permitem leitura diversa (só com a indicação expressa do montante da sucumbência é que a parte contrária poderia contrariar tal indicação – cf. artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Assim, por falta dessa indicação e por força do que se estabelece no artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, teria de se atender ao valor da causa para se obter a base tributável do recurso.
Sobre esta matéria recaiu o despacho de 18/10/2024 que não mereceu qualquer reacção tempestiva e adequada por parte do ora réu. Sobre esse despacho era admissível recurso e, por isso, tendo transitado tornou-se obrigatório nos autos (cf. artigo 620.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Está, por isso, assente que era devida pela interposição do recurso taxa de justiça superior àquela que foi paga.
Improcede, por isso, essa parte do recurso.
D. Não tendo sido paga a taxa de justiça devida aquando da apresentação do recurso (como se disse, tendo sido comprovado um pagamento inferior ao devido, tal equivale à falta de comprovação do pagamento), não restava alternativa ao Tribunal a quo que não fosse a notificação a que se refere o artigo 642.º do Código de Processo Civil.
Apesar dessa advertência, continuando a não ser paga a taxa de justiça devida (e a multa) pelo recorrente, não restava outra opção que não a de determinar o desentranhamento do requerimento de apresentação de recurso e respectivas alegações.
O despacho recorrido que determinou esse desentranhamento, por isso, não merece censura.
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Custas:
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.
Assim, as custas do recurso ficarão a cargo do réu/apelante.
***
III. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se o despacho recorrido de 25/11/2024 que determinou o desentranhamento das alegações de recurso que haviam sido apresentadas em 6/05/2024.
Condena-se o réu nas custas do recurso.
Notifique-se.
Évora, 27 de Março de 2025
Filipe Aveiro Marques
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
______________________________________________________
1. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 801.↩︎
2. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 227. Embora, curiosamente, na nota de pé de página n.º 378 da página 225, em comentário ao artigo 642.º, se afirme que “contra a decisão de desentranhamento cabe recurso, nos termos gerais, e não a reclamação prevista no artigo 643.º.↩︎
3. Manual do Recurso Civil, Volume I, Editora: AAFDL Lisboa, Jul./2020, pág. 329.↩︎
4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3b8e4842268fb7928025875700475ce4.↩︎
5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ebd6ecd9bb4790ea802586340039eaba.↩︎
6. Sublinhado nosso.↩︎
7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/67db38753c93285080257fe0003a6b73, mas também em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2015:19.12.9TBSCF.AB.L1.1.E6/pdf e em https://jurisprudencia.pt/acordao/69087/pdf/ e que, erradamente e certamente por lapso, vem citado por Rui Pinto e por Abrantes Geraldes nos manuais citados como sendo do Tribunal da Relação do Porto.↩︎
8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d6610470d247f225802588e50031c906.↩︎
9. Apesar de o requerimento de interposição de recurso se referir, também, ao despacho de “22/10/2014” que não foi, seguramente, proferido nestes autos. Ainda que se pudesse estar a referir ao despacho de 18/10/2024, o recurso não foi admitido sobre esse despacho (o que não mereceu reacção adequada por parte do réu) e, de toda a maneira, já tinha passado o prazo de recurso.↩︎
10. Neste sentido ver Custas Processuais – Guia Pático, 5.ª Edição, E-book do Centro de Estudos Judiciários, acessível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=mBfuThSKNbM=&portalid=30, pág. 88.↩︎