I - A obrigação de pagamento das despesas condominiais assume natureza de obrigação propter rem, na medida em que o devedor é determinado pela titularidade do direito real.
II - A regra estabelecida no artigo 10º, nº 1, alínea b) do DL nº 149/95, de 24.06 vale tão-somente entre as partes envolvidas no contrato de locação financeira, não sendo, nessa medida, oponível ao condomínio.
III - Verificando-se o não pagamento das despesas condominiais referentes a fração autónoma que constitui objeto mediato desse contrato, a administração do condomínio pode agir judicialmente contra os dois sujeitos cumulativamente, ou seja, solidariamente, deles exigindo a satisfação desses encargos.
IV - Trata-se, no entanto, de uma solidariedade “imperfeita”, porquanto, por força do vínculo contratual entre eles existente, o locador pode exigir ao locatário, em direito de regresso, a totalidade do valor que vier a pagar ao condomínio e que aquele não haja liquidado.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ... - Juízo de Execução, ...
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Carla Fraga Torres
2ª Adjunta Desª. Ana Olívia Loureiro
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
O Condomínio Edifício Centro Comercial ... intentou ação executiva na forma sumária contra A..., Lda. e Banco 1..., S.A., pretendendo que sejam efetuadas as diligências necessárias à cobrança da quantia global de € 14.087,10, a que acrescem juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para substanciar tal pretensão tanto alegou que a executada A..., Lda. não pagou as quotas de condomínio vencidas entre os meses de janeiro de 2018 a dezembro de 2023, referentes à fração autónoma designada pelas letras “CD”, propriedade do executado Banco 1..., S.A., e cuja utilização foi por este cedido àquela através de um contrato de locação financeira imobiliária que teve início em 11 de Fevereiro de 2014 e terá o seu término em 11 de Fevereiro de 2029.
Apresentou como título executivo as atas de assembleia de condóminos nºs 17, 19, 20, 21, 22 e 23, datadas, respetivamente, de 26 de fevereiro de 2018, 27 de maio de 2019, 8 de outubro de 2021, 6 de dezembro de 2021, 8 de dezembro de 2022 e 27 de março de 2023.
Realizada a penhora de bens, veio o Banco 1..., S.A. deduzir embargos, opondo-se à execução e à penhora.
Em sede de embargos, advoga, desde logo, não poder ser responsabilizado pelo pagamento das quotas de condomínio respeitantes a fração autónoma designada pelas letras “CD”, de que é proprietário, posto que celebrou com a executada A..., Lda. contrato de locação financeira tendo por objeto mediato a indicada fração, sendo que a responsabilidade pelo pagamento desses encargos impende exclusivamente sobre esta.
Invocou ainda (a título subsidiário) a prescrição parcial dos créditos referentes às quotas de condomínio vencidas no ano de 2018 e respetivos juros e bem assim a invalidade das deliberações com base na falta de convocação para as assembleias de condóminos e de notificação das atas dessas assembleias.
Já em matéria de oposição à penhora, argumenta registar-se excesso de penhora em virtude de ter sido penhorado montante superior ao montante da dívida exequenda.
Notificado o exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos e da oposição à penhora.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido saneador/sentença no qual se decidiu pela «procedência dos embargos, declarando, em consequência, extinta a execução em relação ao ora embargante, determinando o levantamento de qualquer penhora que incida sobre qualquer bem ou direito pertencente ao embargante».
Não se conformando com o assim decidido veio o embargado interpor o presente recurso de apelação, admitido a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1- O tribunal a quo entendeu que as quotas de condomínio e fundo comum de reserva entre os meses de janeiro de 2018 e dezembro de 2023, e demais valores eventualmente devidos a título de penalizações ou outros, durante o período em que o contrato de locação financeira se encontra em vigor, são da responsabilidade da locatária financeira, motivo pelo qual o executado embargante (Banco 1...) não poderá ser responsabilizado pelo pagamento dos mesmos, pelo que deverão julgar-se procedentes os embargos de executado, declarando extinta a execução contra o embargante e consequente levantamento da penhora.
2- Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a posição assumida na douta sentença, uma vez que a mesma enferma de uma incorreta interpretação e aplicação do art. 10º, nº 1, alínea b) do D.L. 149/95, de 24 de junho e do artigo 1424º do Código Civil.
3- Não é totalmente exata (por estar aquém do que consta nas Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira) a conclusão do tribunal recorrido e o alegado pela executada/embargante no Art. 14º onde se lê: “são da conta do locatário todos os encargos …, … condomínios…”).
4- No âmbito do contrato de locação financeira, que tem por objeto a fração autónoma em causa, cabe ao locatário por força do disposto no art. 10º, nº 1, alínea b) do D.L. 149/95, de 24 de junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.
5- Perante o condomínio, no caso de o locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fração autónima e condómino em conformidade com o disposto no art. 1424º do Código Civil.
6- O recorrente, entende, que a norma do referido artigo 10º, alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes.
7- Consideramos que a norma em questão se aplica na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador.
8- Pelo que, o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 149/95 visa regular o regime da locação financeira e as relações entre o locador e o locatário.
9- No âmbito do contrato de locação financeira recaia sobre o locatário a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio que é terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador e não o locatário.
10- Salvo melhor opinião, perante o condomínio e no caso de o locatário financeiro (que é o caso dos presentes autos, que após várias interpelações extrajudiciais, não procedeu ao pagamento das quotizações em dívida), nos termos do Artigo 1424º do Código Civil a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fração autónoma e condómino.
11 - Por conseguinte, o embargante/executado Banco 1..., SA, é o responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário.
12 - O locador financeiro do ponto de vista jurídico (Banco 1..., SA), é o único proprietário da fração autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário (A..., Lda.), este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira.
13 - Assim, não entendemos que a norma da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 tenha carácter erga omnes e seja oponível ao condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.
14 - Concluindo, somos da opinião de que perante o condomínio, no caso de o locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro (Banco 1..., SA) enquanto proprietário da fração autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil, pelo que o mesmo é responsável pelo pagamento da quantia exequenda e demais custas no montante de € 16.114,87, acrescida dos juros vencidos e e vincendos até efetivo e integral pagamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão solvenda traduz-se em determinar se o executado/embargante, na sua qualidade de locador financeiro, é, ou não, responsável pelas dívidas de condomínio cujo pagamento é reclamado na execução, referentes a fração autónoma de que é proprietário e que constitui objeto mediato do contrato de locação financeira que celebrou com a executada A..., Lda..
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
A) Da acta nº 17 (dezassete), datada de 26 de Fevereiro de 2018, da assembleia de condóminos do exequente, consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2018, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “CD” a quota mensal de condomínio no valor de € 114,95 (cento e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a título de fundo de reserva;
B) Da acta nº 19 (dezanove), datada de 27 de Maio de 2019, da assembleia de condóminos do exequente, consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2019, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “CD” a quota mensal de condomínio no valor de € 114,95 (cento e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a título de fundo de reserva;
C) Da acta nº 20 (vinte), datada de 8 de Outubro de 2021, da assembleia de condóminos do exequente, consta que foram aprovadas as contas referentes aos anos de 2019 e 2020, que foi revalidado o orçamento ordinário para o exercício do ano de 2021, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “CD” a quota mensal de condomínio no valor de € 114,95 (cento e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a título de fundo de reserva;
D) Da acta nº 22 (vinte e dois), datada de 8 de Dezembro de 2022, da assembleia de condóminos do exequente, consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2022, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “CD” a quota mensal de condomínio no valor de € 114,95 (cento e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a título de fundo de reserva;
E) Da acta nº 23 (vinte e três) datada de 27 de Março de 2023, da assembleia de condóminos do exequente, consta que foi aprovado o orçamento para o ano de 2023, cabendo à fracção autónoma designada pelas letras “CD” a quota mensal de condomínio no valor de € 114,95 (cento e catorze euros e noventa e cinco cêntimos) e € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos) a título de fundo de reserva;
F) A aquisição por compra da fracção autónoma designada pelas letras “CD”, composta por loja ..., de cave, rés-do-chão e 1º piso, para comércio, descrita na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Trofa, sob o nº ...67/19980219-CD, da freguesia ..., está registada a favor do ora embargante Banco 1..., S.A., pela apresentação nº 63, datada de 3 de Abril de 2022;
G) No dia 10 de Fevereiro de 2014, o ora embargante Banco 1..., S.A., e a executada A..., Lda., outorgaram o acordo denominado “Contrato de locação financeira imobiliária nº ...37”, através do qual o ora embargante cedeu à ora executada A..., Lda., a utilização e fruição da fracção autónoma designada pela letra “CD”, pelo prazo de quinze anos, tendo ficado estipulado na cláusula 4ª, nº 2, das condições gerais que “Serão por conta do locatário todos os impostos (…), encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas, extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou da locação financeira.”;
H) Sobre a fracção autónoma designada pelas letras “CD”, composta por loja ..., de cave, rés-do-chão e 1º piso, para comércio, descrita na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Trofa, sob o nº ...67/19980219-CD, da freguesia ..., existe inscrição de locação financeira pelo prazo de quinze anos, com início em 10 de Fevereiro de 2014, a favor da executada A..., Lda., concedida pelo ora embargante Banco 1..., S.A., pela apresentação nº 1923, datada de 11 de Fevereiro de 2014;
I) A acção executiva de que os presentes embargos de executado são apenso deu entrada no dia 7 de Dezembro de 2023;
J) Nos autos principais, foi efectuada a penhora do saldo bancário depositado na Banco 2..., S.A. pertencente ao embargante, no valor de € 16.114,87 (dezasseis mil e cento e catorze euros e oitenta e sete cêntimos), descrito no auto de penhora datado de 31 de Janeiro de 2024.
Como emerge do quadro factual apurado, as despesas cujo pagamento coercivo se mostra requerido na ação executiva - de que os presentes embargos constituem enxerto declaratório - dizem respeito a uma fração autónoma (designada pelas letras “CD”) pertencente ao executado Banco 1..., S.A., o qual, por contrato de locação financeira celebrado, em 14 de fevereiro de 2014, com a executada A..., Ldª. lhe cedeu, mediante o recebimento de uma renda, a utilização e fruição desse imóvel, pelo prazo de quinze anos, tendo ficado estipulado na cláusula 4ª, nº 2, das respetivas condições gerais que “Serão por conta do locatário todos os impostos (…), encargos, emolumentos, registos, taxas, licenças, multas, coimas, seguros, condomínios, incluindo despesas, extraordinárias ou não, com a conservação, fruição e inovação das partes comuns do imóvel, benfeitorias ou outras despesas que recaiam sobre o imóvel locado, ou em virtude da sua aquisição ou da locação financeira”.
Apelando ao teor da transcrita cláusula contratual e bem assim ao disposto no art. 10º, nº 1, al. b) do DL nº 149/95, de 24.06 (que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), o decisor de 1ª instância entendeu que “as quotas de condomínio e fundo comum de reserva em causa nestes autos, vencidos entre os meses de janeiro de 2018 e dezembro de 2023, e demais valores eventualmente devidos a título de penalização ou outros, durante o período em que o contrato de locação financeira se encontra em vigor, são da responsabilidade da locatária financeira, motivo pelo qual o executado embargante não poderá ser responsabilizado pelo pagamento dos mesmos”.
O apelante rebela-se contra esse segmento decisório argumentando, fundamentalmente, que o locador financeiro, enquanto proprietário da identificada fração, é responsável pelo pagamento das despesas de condomínio a esta relativas.
Que dizer?
Em matéria de encargos de conservação, uso e fruição das partes comuns de prédio constituído em regime de propriedade horizontal rege o art. 1424º do Código Civil, em cujo nº 1 se dispõe que «[a]s despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações».
Trata-se, portanto, de uma obrigação propter rem, na medida em que o devedor é determinado pela titularidade do direito real[1].
Daí emerge que, estando em causa uma obrigação que impende sobre o titular de um direito real[2], mesmo que este acorde com terceiros que serão eles a suportar as despesas condominiais, tal acordo, por via de regra, não o liberta da obrigação perante os demais condóminos.
Haverá, no entanto, que atentar que o art. 10º, nº 1, alínea b) do DL nº 149/95, de 24.06, expressamente estipula que «[S]ão, nomeadamente, obrigações do locatário pagar, em caso de locação [financeira] de fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum».
Tendo por base este normativo alguma jurisprudência (que a decisão recorrida acolhe) considera que em virtude de neste tipo contratual a propriedade ser detida pelo locador financeiro apenas com uma simples função de garantia, justifica-se que os mencionados encargos recaiam exclusivamente sobre o locatário financeiro, por ser – numa expressão que vem sendo comummente utilizada - “o proprietário económico” da coisa locada, e não sobre aquele.
Afigura-se-nos, no entanto, que do referido preceito legal não pode, sem mais, extrair-se a mencionada conclusão. É que vale neste domínio o princípio da relatividade dos contratos plasmado no nº 2 do art. 406º do Cód. Civil, nos termos do qual «[E]m relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei».
Daí que, a essa luz, se imponha considerar que a regra estabelecida no aludido art. 10º, nº 1, al. b) valerá tão-somente entre as partes envolvidas no contrato de locação financeira, não sendo, nessa medida, oponível aos restantes condóminos (para quem esse vínculo é res inter alios acta), razão pela qual, por mor do disposto nos arts. 1424º, nº 1 e 1436º, al. e) do Cód. Civil, não se verificando o pagamento das despesas condominiais referentes a uma determinada fração autónoma, o administrador do condomínio deve dirigir-se ao proprietário (o locador financeiro) para ver tal dívida saldada.
A esse resultado interpretativo não obsta a afirmação (que temos por discutível em termos dogmáticos) que com a celebração do contrato de locação financeira ocorre uma separação entre a “propriedade económica ou material” e a “propriedade jurídica ou formal” a propósito da relação entre o locatário, o locador e a coisa locada. É que, ainda que, inter partes, se admita essa separação, a mesma não poderá produzir efeitos externos ao contrato, sendo que, como bem nota MARGARIDA COSTA ANDRADE[3], “o locador é o único proprietário do bem locado, não sendo de reconhecer ao contrato de locação financeira o condão de parcelar o direito de propriedade e de constituir uma exceção às notas de incindibilidade e exclusividade que caraterizam esse direito real no sistema jurídico português”.
A sufragar-se a tese sustentada no ato decisório sob censura – de que apenas ao locatário financeiro compete a obrigação de suportar os encargos condominiais –, tal significaria exonerar desse pagamento o efetivo titular do direito real sobre a fração autónoma, substituindo-o, no cumprimento dessa obrigação (que, como se assinalou, reveste natureza propter rem) pelo titular de um direito meramente obrigacional sobre esse imóvel.
Ora, se se aceita como indubitável que, por força do preceituado no citado art. 10º, nº 1, al. b) do DL nº 149/95, o locatário financeiro se encontra investido no dever (contratual) de proceder ao pagamento das mencionadas despesas, já não se antolha, no entanto, fundamento para, ao abrigo do descrito regime normativo, exonerar o locador financeiro – enquanto efetivo e único proprietário da fração autónoma – dessa obrigação. Perspetivar e tratar esta questão como se o bem fosse indiferente para o locador e como se só tivesse importância para o locatário é desvirtuar a realidade, sendo que essa exoneração equivaleria a “remover” do conteúdo do direito de propriedade horizontal, e sem autorização do legislador, uma obrigação real, deste modo se atentando contra o princípio da taxatividade dos direitos reais consagrado no nº 1 do art. 1306º do Cód. Civil[4], princípio este que tanto vincula os agentes privados, como os tribunais.
Isso mesmo é posto em evidência por GRAVATO MORAIS[5], afirmando que tal seria “completamente deformador do sistema, desprotegendo em toda a linha o condomínio”, o qual não interveio na celebração do contrato de locação financeira, propondo que, nessa hipótese, por aplicação do disposto no nº 2 do art. 595º do Cód. Civil, ocorre “uma assunção cumulativa da dívida, não havendo lugar à exoneração do locador financeiro”, face à ausência de uma declaração expressa do condomínio nesse sentido.
Partilhamos deste entendimento, por se nos afigurar ser o mais equitativo e proporcional aos vários interesses em confronto, porquanto somente considerando o locador financeiro como responsável pelos encargos condominiais perante o condomínio, respondendo desde logo com o seu património, nomeadamente com a fração autónoma objeto do contrato de locação financeira, estará assegurado o direito deste de ver saldada a dívida resultante do não pagamento dessas despesas.
Consequentemente, numa situação como a presente, a administração do condomínio pode (como o fez) agir judicialmente contra os dois sujeitos cumulativamente, ou seja, solidariamente, deles exigindo o pagamento dos encargos condominiais em dívida, sendo, no entanto, essa solidariedade uma solidariedade “imperfeita”[6], posto que, por força do vínculo contratual entre eles existente, o executado/locador pode exigir ao executado/locatário, em direito de regresso, a totalidade do valor que vier a pagar ao condomínio e que aquele não haja liquidado.
Impõe-se, por conseguinte, a procedência do recurso.
III. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para apreciar as demais questões que consubstanciam objeto do presente enxerto declaratório.
Custas do recurso a cargo do apelado (art. 527º, nºs 1 e 2).
Porto, 24.03.2025
Miguel Baldaia de Morais
Carla Fraga Torres
Ana Olívia Loureiro
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[1] Nas palavras de MENEZES CORDEIRO (in Direitos Reais, Lex, 1993, pág. 366), este tipo de obrigação carateriza-se como vínculo jurídico “cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (intuitu personae), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa”.
[2] Para uma análise circunstanciada acerca do nexo existente entre a obrigação propter rem e o direito real, vide HENRIQUE MESQUITA, in Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, 1990, págs. 100 e seguintes.
[3] Locação financeira e despesas de condomínio, in Julgar Online, fevereiro de 2022, pág. 8, acrescentando, mais adiante (pág. 20), que a admitir-se a eficácia erga omnes do acordo firmado entre o locador e o locatário financeiro no sentido de ser este a suportar, em exclusivo, os encargos condominiais “estaríamos a admitir que dois sujeitos, um deles mero locatário, pudessem alterar, por contrato em que só eles participam e que só eles dominam, o estatuto do direito real”.
[4] Onde expressamente se postula que «[N]ão é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional».
[5] Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativos a imóvel dado em locação financeira, in Cadernos de Direito Privado, nº 20, págs. 57 e seguintes, onde enfatiza que “não deve descurar-se os interesses do credor (o condomínio), dado que a exoneração do locador financeiro (ou dito de outro modo, a limitação da responsabilidade pelo pagamento ao locatário financeiro) poderia significar, na larga maioria das situações, a perda do crédito”.
[6] Sobre a caraterização da solidariedade imperfeita – que ocorre quando algum ou alguns devedores solidários têm responsabilidade externa, ficando obrigados a pagar a dívida perante o(s) credor(es), mas são irresponsáveis nas relações internas – vide, por todos, PESTANA DE VASCONCELOS, in Direito das Garantias, 4ª edição, Almedina, págs. 204 e seguinte e ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 677.