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ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
RETRIBUIÇÃO
CALCULO DAS PRESTAÇÕES
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
COBERTURA DO CONTRATO DE SEGURO
Sumário
I – Se dos factos provados não é possível extrair que o sinistrado teve qualquer formação relevante para a tarefa que estava a executar na ocasião do acidente e, ademais não é possível afirmar que a corrente se soltou unicamente por causa da segunda volta que havia sido dada pelo sinistrado no gancho do braço da retroescavadora, podendo ter concorrido outros factores para esse desenlace, não é possível atribuir o deflagrar do acidente a negligência grosseira, nem exclusiva, do sinistrado. II - Se, em termos de normalidade das coisas, a empregadora não tinha a obrigação de antecipar, de prever, que o trabalhador sinistrado iria recorrer à utilização de uma retroescavadora para levar a cabo a concreta tarefa que estava a executar na altura do acidente de remoção do macaco hidráulico do empilhador, mesmo que a empregadora tivesse elaborado um plano com identificação e prevenção dos riscos inerentes às tarefas de que incumbiu o trabalhador em causa – e que inicialmente nem sequer previam a dia remoção – certamente que tal plano não abordaria o risco da utilização da retroescavadora, não sendo assim de imputar-lhe o acidente nos termos previstos no art. 18.º/1da lAT. III - O valor correspondente à média mensal das quantias pagas ao sinistrado sob a rubrica “ajudas de custo” - sendo que a empregadora não demonstrou que o pagamento de tais quantias tivesse qualquer razão específica que não a retribuição setricto sensu pelo trabalho prestado pelo sinistrado - deve ser, para efeitos do cálculo das prestações infortunísticas que é feito com base na retribuição anual, multiplicado por 14 (12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias). IV - Se o seguro é a prémio variável e das folhas de férias enviadas pela empregadora à Seguradora – e que, tempestivas ou não, esta aceitou -, não constavam as quantias que aquela pagava ao sinistrado sob a rubrica “ajudas de custo”, a responsabilidade pelo pagamento das pensões no que aquela parte da retribuição tange é da empregadora.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
AA e BB, melhor identificados nos autos vieram apresentar petição inicial, fazendo avançar para a fase contenciosa a presente ação com processo especial de acidente de trabalho contra EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., atualmente denominada EMP02..., S.A., e EMP03..., LDA., pedindo a condenação das rés a pagar, na medida da responsabilidade que se vier a apurar:
A)- À beneficiária AA:
- a pensão anual e vitalícia no valor de €9.959,23, com início no dia 10 de julho de 2019, dia seguinte à morte do sinistrado, a ser-lhe paga adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida, em maio e novembro de cada ano de 1/114 do montante anual, a título de subsídio de férias e de natal e dos juros legais a contar do seu vencimento;
- a quantia de €2.876,01 de subsídio por morte acrescida de juros legais a contar do seu vencimento;
B)- Ao beneficiário BB:
- a pensão anual e temporária no valor de €6.639,48, com início no dia 10 de julho de 2019, até perfazer 18, 22 ou 25 anos e enquanto frequentar respetivamente o ensino superior, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida em maio e novembro de cada ano de 1/14 do montante anual, a título de subsídio de férias e de natal e dos juros legais a contar do seu vencimento.
- o subsídio por morte no valor de €1.438,01 acrescido de juros legais a contar do seu vencimento.
Para tanto alegam, em síntese:
No dia 9 de Julho de 2019, CC sofreu um acidente de trabalho, que lhe provocou lesões, que foram causa direta e necessária da sua morte, ocorrida nesse mesmo dia.
À data, o sinistrado encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora, a aqui segunda demandada.
O sinistrado auferia então a retribuição anual ilíquida de €33.197,42, assim integrada: €1.200,00 de salário base x 14 meses + €1.069,95 de “ajudas de custo” x 14 meses + €5,86 de subsídio de alimentação x 22 dias x 11 meses).
São beneficiários legais por morte daquele, a autora AA por ser sua companheira, com quem vivia em união de facto, desde o ano de 2002; o filho BB, nascido em ../../2014; e a filha DD, nascida em ../../2019, pois que, aquando a morte do sinistrado, a beneficiária AA encontrava-se grávida com sete meses de gestação, correndo termos, à data da propositura da ação, no Juízo de Família e Menores de ..., Ação com Processo Comum, de Investigação Oficiosa de Paternidade, com o n.º 1044/20...., referente àquela menor.
Demanda a seguradora, invocando a existência de contrato de seguro, válido e eficaz na data do acidente; e demanda a entidade empregadora pela responsabilidade que resultar da não transferência integral para a companhia de seguros das retribuições que o sinistrado efetivamente auferia à data do acidente, atendendo à posição assumida por ambas as rés na tentativa de conciliação.
A ré seguradora contestou, aceitando a ocorrência do acidente (embora com apontada inexatidão: “não foi o empilhador que caiu sobre o trabalhador, mas antes os seus garfos”), alegando, porém, que, no âmbito da apólice ...47 e no que toca ao sinistrado CC, só se encontrava transferida para a ré a retribuição anual de €18.218,12 (sendo €1.200,00 x 14 meses a título de salário base e €128,92 x 11 meses a título de subsídio de alimentação) porquanto no âmbito dessa apólice, o contrato de seguro em mérito era de prémio variável e nas folhas de vencimento enviadas à ré antes da ocorrência do sinistro, a entidade patronal do CC apenas declarou à demandada as retribuições referidas.
Alega que o acidente ficou a dever-se a culpa e falta de observação pela entidade patronal do CC das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a saber, as previstas nas al.s a), b) e c) do artigo 3.º, artigos 5.º, 14.º, 33.º, n.ºs 1, 4 e 5, als. a) e b) e 35.º, n.º 1, todos do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro; e nas alíneas a), e) do n.º 2 e n.º 4 do artigo 15.º da Lei 98/2009; que a entidade empregadora não deu formação, nem instruções ao trabalhador para proceder à reparação e manutenção do empilhador, bem como à desmontagem do seu sistema hidráulico; que a 2.ª ré: não elaborou qualquer relatório de avaliação dos riscos envolvidos na execução dessas tarefas; que nunca lhe entregou, comunicou ou explicou qualquer ficha de prevenção de riscos ou de procedimentos para a execução dos referidos trabalhos.
Mais impugna a ré seguradora o direito da autora AA a qualquer prestação, pela ausência de alegação de factos que permitam concluir pela existência da dita “união de facto”.
A ré empregadora/“EMP03...” também contestou, invocando a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por considerar ter transferido integralmente para a 1.ª ré a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho; no mais aceitou a ocorrência do acidente e as suas consequências.
Alega que não violou quaisquer regras de segurança ou que sequer existiria qualquer nexo de causalidade da alegada violação das mesmas com a produção do acidente de trabalho.
A autora apresentou resposta à matéria de exceção de ilegitimidade invocada pela 2.ª ré; e alegou que manteve com o sinistrado uma relação de mais de 10 anos, na qual existia comunhão de leito, mesa e habitação.
Foi elaborado despacho saneador; foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passava invocada pela ré empregadora.
Entretanto e após decisão final na ação de reconhecimento da paternidade da menor DD, veio esta, devidamente representada pela sua progenitora, AA, requerer a sua intervenção espontânea nos autos, mediante adesão aos articulados dos autores e deduzir pedido de condenação das rés, na medida da responsabilidade que se vier a apurar, de pensão anual, por morte do sinistrado e respetivo subsídio por morte.
Cumprido o contraditório, foi admitida a intervenção principal espontânea de DD, na qualidade de filha do sinistrado.
Prosseguindo os autos, foi realizada a audiência final e, após, proferida sentença de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos e, pelo exposto, julgo a ação procedente por provada, e, consequentemente, condeno as rés EMP02..., S.A. (atual denominação da EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.) e EMP03..., Lda., a pagar, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho):
À beneficiária AA (viúva):
1 - a pensão anual, vitalícia e atualizável de €9.959,53 (nove mil novecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos), com início em 10/07/2019 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), sendo €5.651,86 da responsabilidade da seguradora e €4.307,37 da responsabilidade da empregadora; atualizada em 01/01/2020 para o valor de €10.028,94; em 01/01/2022 para o valor de €10.129,23; em 01/01/2023 para o valor de €10.980,09; em 01/01/2024 para o valor de €11.638,90, sempre repartida pelas rés na referida proporção da sua responsabilidade e a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3.º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efectivo e integral pagamento;
2 - a quantia de €2.876,01 (dois mil oitocentos e setenta e seis euros e um cêntimo) a título de subsídio por morte, a pagar pela ré seguradora;
Ao beneficiário BB (filho):
1 - a pensão anual, temporária e atualizável de €6.639,48 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e quarenta e oito cêntimos), com início em 10/07/2019 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), sendo €3.767,90 da responsabilidade da seguradora e €2.871,58 da responsabilidade da empregadora, atualizada em 01/01/2020 para o valor de €6.685,96; em 01/01/2022 para o valor de €6.752,82; em 01/01/2023 para o valor de €7.320,05 e em 01/01/2024 para o valor de €7.759,26 – sempre repartida pelas rés na referida proporção da sua responsabilidade, e a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3.º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento.
2- a quantia de €1.438,01 (mil quatrocentos e trinta e oito euros e um cêntimo) a título de subsídio por morte, a pagar pela ré seguradora.
À beneficiária DD (filha):
1 - a pensão anual, temporária e atualizável de €6.639,48 (seis mil seiscentos e trinta e nove euros e quarenta e oito cêntimos), com início em 10/07/2019 (dia seguinte ao da morte do sinistrado), sendo €3.767,90 da responsabilidade da seguradora e €2.871,58 da responsabilidade da empregadora, atualizada em 01/01/2020 para o valor de €6.685,96; em 01/01/2022 para o valor de €6.752,82; em 01/01/2023 para o valor de €7.320,05 e em 01/01/2024 para o valor de €7.759,26 – sempre repartida pelas rés na referida proporção da sua responsabilidade, e a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3.º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efetivo e integral pagamento.
2- a quantia de €1.438,01 (mil quatrocentos e trinta e oito euros e um cêntimo) a título de subsídio por morte, a pagar pela ré seguradora.”
Inconformados com esta decisão, dela vieram recorrer para este Tribunal da Relação de Guimarães a ré EMP02.../seguradora – recurso a que os autores aderiram - e a ré EMP03.../empregadora, recursos esses de apelação, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
Recurso ré EMP02.../seguradora:
(…)
Recurso da ré “EMP03...”/empregadora:
(…)
A recorrida EMP03... apresentou resposta ao recurso da EMP02..., concluindo pela improcedência do recurso interposto por esta.
Os recorridos autores e a recorrida seguradora também apresentaram resposta ao recurso da recorrente EMP03..., pugnando pela sua improcedência, requerendo a seguradora EMP02... a ampliação do objecto do recurso, pedindo a alteração da decisão proferida quanto à al. H) dos factos provados, nos seguintes termos:
[Conc. N)] O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo sido indicado pela tomadora no início da anuidade de 2019, como capital/massa salarial previsível para efeitos de fixação do prémio de seguro, o de 675.600€.
A EMP03... veio então apresentar resposta a esta ampliação do objecto do recurso, pugnando pela sua inadmissibilidade e, caso assim se não entenda, pela sua improcedência.
Admitidos os recursos na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II OBJECTO DO RECURSO
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então (pela ordem lógica do seu conhecimento) as questões que cumpre apreciar:
a) Impugnação da matéria de facto; (ambos os recursos) b) Descaracterização do acidente como acidente de trabalho; (recurso da empregadora) c) Errada aplicação do direito/responsabilidade agravada da empregadora; (recurso da seguradora) d) Retribuição relevante para o cálculo das prestações, e e) Âmbito da cobertura do contrato de seguro (recurso da empregadora) III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que na decisão recorrida se consideraram provados são os seguintes:
“A) A autora AA nasceu em ../../1989.
B) O autor BB, que nasceu em ../../2014, é filho de AA e de EE.
C) EE faleceu no dia 09/07/20192.
2 E não “09/06/2019” como, por lapso manifesto, consta da alínea C) dos factos assentes, no despacho saneador.
D) No dia 09/07/2019, EE, encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da ré “EMP03..., Lda.”, nas instalações desta, na freguesia ..., ....
E) Tinha a categoria de serralheiro civil de primeira.
F) E auferia a retribuição que se discrimina:
- €1.200,00 de retribuição de base mensal x 14 meses;
- €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 14 meses;
- €5,86 de subsídio de alimentação x 22 dias x 11, perfazendo o total anual de €33.197,42.
(alterado, conforme determinado infra, nos seguintes termos)
F) E auferia a retribuição que se discrimina:
- €1.200,00 de retribuição de base mensal x 14 meses;
- €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 12 meses – o que corresponde, para efeito de cálculo das prestações, a €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 14 meses;
- €5,86 de subsídio de alimentação x 22 dias x 11 meses,
perfazendo o total anual de €33.197,42
G) No dia 09/07/2019, cerca das 08H15M, nas circunstâncias aludidas em D), quando CC reparava um empilhador, parte deste, concretamente os seus garfos, caiu sobre o seu corpo, provocando-lhe as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 76-79, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que foram causa direta e necessária da sua morte, que ocorreu no mesmo dia.
H) A ré “EMP03..., Lda.” transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado para a ré Seguradora, através de contrato titulado pela apólice n.º ...47.
I) Correu termos no Juízo de Família e Menores de ... – Juiz ..., a Ação de Processo Comum de Investigação Oficiosa de Paternidade, n.º 1044/20...., relativamente à menor DD, nascida em ../../2019.
J) DD, nasceu em ../../2019 e é filha de CC e de AA.
K) AA manteve com CC uma relação de comunhão de leito, mesa e habitação que perdurou pelo menos desde 2009 até à data do óbito deste.
L) A 2.ª ré comunicou à 1.ª ré seguradora os valores que constam das folhas de férias, juntos a folhas 228 a 235 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
M) A 2.ª ré pagou ao sinistrado os valores constantes dos recibos e comprovativos de pagamento juntos a fls. 27 a 61, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
N) O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo, à data do sinistro, como capital seguro total a quantia de €675.600,00.
(alterado, como determinado infra, nos termos seguintes)
N) O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo sido indicado pela tomadora no início da anuidade de 2019, como capital/massa salarial previsível para efeitos de fixação do prémio de seguro, o de 675.600€.
O) Em data anterior a 09/07/2019, CC recebeu ordens da 2ª ré para proceder à manutenção e pintura de um empilhador que estava nas instalações da 2.ª Ré;
P) E executar a decapagem da sua pintura e ferrugem, na sua totalidade.
Q) E, quando CC detetou uma fuga de óleo no macaco hidráulico da torre do empilhador, disso informada, a 2.ª Ré deu também ordens ao sinistrado para proceder à desmontagem e remoção do sistema hidráulico frontal do empilhador para ser enviado para reparação.
R) No dia 09/07/2019, CC retomou a execução dos trabalhos supra descritos, iniciada em data anterior, não concretamente apurada.
S) As tarefas supra descritas foram executadas num espaço em terra batida.
T) Quando iniciou os procedimentos tendentes à desmontagem do sistema hidráulico dos garfos do empilhador, CC começou por realizar o “sangramento” do hidráulico frontal do empilhador, de forma a que esse componente do equipamento fosse removido.
U) Para tal, CC colocou no solo e por baixo do local de onde escoava o óleo, um balde destinado a conter esse fluído.
V) À medida que o CC foi retirando o óleo desse sistema hidráulico, os garfos do empilhador foram baixando.
W) Terminado o processo de “sangramento do óleo”, CC verificou que para aceder ao tubo do sistema hidráulico do empilhador - o qual teria de ser desapertado para que pudesse ser removido - era necessário erguer os garfos do empilhador, dado que o tubo só era acessível com os garfos em elevação.
X) Foi então necessário improvisar uma solução que permitisse elevar os garfos do empilhador e, assim, prosseguir e concluir a tarefa que tinha em mãos.
Y) Na ocasião, um seu colega de trabalho, o FF, encontrava-se a efetuar a limpeza de um terreno adjacente mediante o uso de uma retroescavadora.
Z) O CC pediu ao FF para utilizar a força do braço dessa retroescavadora para elevar os garfos do empilhador.
AA) Com esse objetivo, o CC chamou ao local o FF, o qual, acedendo a esse pedido, movimentou a retroescavadora que manobrava até às proximidades do empilhador.
BB) Aí chegado, o FF manobrou a retroescavadora de forma a colocar a respetiva parte traseira, onde existia um braço, voltando-a para o empilhador.
CC) Após ter sido retirado o balde traseiro do braço da retroescavadora, o CC amarrou no engate rápido (gancho) do braço da retroescavadora uma corrente metálica de ferro composta por elos de 12 mm, ganchos de 3.7 e comprimento de cerca de 4 metros,
DD) dando-lhe duas voltas 3no respetivo gancho, sem qualquer outro procedimento ou dispositivo de fixação.
EE) O CC procedeu à amarração da outra extremidade dessa corrente na travessa que recebe os quatro garfos do empilhador e está acoplada à respetiva torre.
3 Por forma a obter a altura necessária de elevação dos garfos do empilhador – facto que resultou da discussão da causa, nomeadamente do depoimento do trabalhador FF, tendo sido debatido em audiência, e que se adita ao abrigo do artigo 72.º do Código de Processo de Trabalho.
FF) De seguida, com o braço da retroescavadora ligado à travessa dos ganchos do empilhador através da corrente, o FF acionou o braço da retroescavadora, erguendo-o.
GG) Com a elevação do braço da retroescavadora, os garfos que estavam presos à mesma pela dita corrente, começaram, também, a erguer-se e foram levantados até uma altura de cerca de 1,40 metros do solo.
HH) Depois de atingir aquela altura, o FF manteve o braço da retroescavadora em elevação, de forma a manter erguidos os garfos do empilhador.
II) De seguida, com os garfos do empilhador assim erguidos até uma altura de cerca de 1,4 metros do solo, o CC colocou-se agachado sob os garfos, o CC procedeu ao desaperto da ligação do tubo inferior do hidráulico, o qual passou a ficar acessível, e
JJ) quando o CC estava por baixo desses garfos, numa posição ligeiramente agachada, uma das voltas que tinha sido dada à corrente no gancho do braço da retroescavadora cedeu e, ato contínuo, a corrente começou a deslizar em movimento livre, desenlaçando-se do gancho da retroescavadora, e deixando de exercer qualquer força ascendente nos garfos do empilhador, ocorrendo o deslizamento do conjunto formado pela travessa e garfos do empilhador, num movimento vertical, de cima para baixo.
KK) O conjunto formado pela travessa e garfos do empilhador, de forma súbita e rápida, tombou, de uma altura de cerca de 1,4 metros para a de 0,70 metros.
LL) No decurso desse movimento, os garfos atingiram o CC na zona lombar, projetando-o ao solo, provocando-lhe lesões corporais que vieram a causar a sua morte, conforme apurado em G).
MM) Para o desempenho da sua atividade, a 2ª Ré fazia uso de empilhadores.
NN) Os trabalhos descritos em U) a LL) geravam o risco movimentação de partes móveis do empilhador (garfos) e de consequente choque ou queda destas sobre os trabalhadores envolvidos.
OO) Antes do acidente, a 2ª Ré:
a. não transmitiu a CC instrução no que toca ao local e forma como deveria proceder àquelas tarefas descritas em U) a LL);
b. Não elaborou relatório de avaliação dos riscos envolvidos na execução das descritas tarefas, mais precisamente a de desmontagem do hidráulico dos garfos;
c. Não entregou, comunicou ou explicou qualquer ficha de prevenção de riscos ou de procedimentos para a execução dos trabalhos descritos em U) a LL).
d. Não informou nem alertou o trabalhador, previamente ao início da execução das tarefas descritas dos riscos inerentes à execução dessa tarefa, e, em particular, do risco de movimentação de alguma componente móvel do empilhador e sua queda sobre o trabalhador.
e. Não elaborou qualquer ficha de procedimentos para a concreta tarefa levada a cabo pelo CC no momento do acidente, nem transmitiu aos trabalhadores os materiais e equipamentos que deveriam utilizar, ou o local onde esses trabalhos deveriam ser executados.
f. Não ministrou qualquer formação no que toca à execução de tarefas de manutenção, desmontagem e reparação do sistema hidráulico e respetivos riscos.
g. A 2.ª ré não informou o sinistrado CC dos cuidados necessários a prevenir os riscos suscitados pelas demais tarefas de que este foi incumbido, descritas em O) e P). (aditada esta subalínea, conforme decisão infra)
PP) No dia 09/07/2019, enquanto o CC levava a efeito a tarefa, não estava presente no local qualquer funcionário da 2ª ré com conhecimentos técnicos específicos para orientar a execução desse trabalho.
QQ) O trabalhador FF, não possuía habilitação (CAP) para manobrar a retroescavadora.
RR) A 2ª Ré não forneceu ao CC plataforma elevatória com sistema de travamento e cintas.
SS) A retroescavadora era um equipamento adequado a erguer os garfos do empilhador e a corrente assegurava a devida fixação destes no decurso da sua elevação, desde que apenas fosse utilizada uma volta de segurança.
TT) Quer a corrente, quer o gancho da retroescavadora, eram compostos por materiais metálicos.”
Sendo considerados factos não provados:
“1. A relação de comunhão de leito, mesa e habitação entre o sinistrado e AA perdurou desde 2002.
2. O empilhador estava na seção de serralharia.
3. A 2.ª Ré deu ordens ao sinistrado para realizar essas tarefas apenas quando não tivesse outros trabalhos a realizar;
4. No dia 09/07/2019, o CC retirou o empilhador do interior da secção de serralharia.
5. O balde destinado a recolher o óleo tinha uma altura de cerca de 30 cm.
6. O local onde foram executados os trabalhos tinha um desnível considerável.
7. Os garfos do empilhador ficaram pousados sobre o balde que tinha sido colocado no solo.
8. Uma vez que o terreno no local não era plano, apresentando antes um declive, o empilhador e a retroescavadora não ficaram à mesma cota, tendo antes do empilhador ficado a um nível mais elevado em relação à retroescavadora.
9. Os garfos, depois de terem baixado, passaram a exercer pressão sobre o dito balde, a ponto de este ter ficado preso por aqueles garfos.
10. O CC necessitava de erguer os garfos para remover o dito balde de óleo.
11. Terminado o processo de “sangramento do óleo”, o CC tentou remover o balde sobre o qual os garfos do empilhador se encontravam pousados, mas não conseguiu, porque os garfos, depois de terem baixado, passaram a exercer pressão sobre o dito balde, a ponto de este ter ficado preso por aqueles garfos.
12. CC tentou, ainda, erguer os ditos garfos com a força dos seus braços, mas dado o peso desses garfos, não conseguiu levantá-los.
13. CC atuou conforme apurado em U) a LL) dos factos provados por sua livre iniciativa, conta e risco;
14. sem dar conhecimento à 2.ª ré;
15. e desrespeitou ordens dadas pela 2.ª ré.
16. O FF retirou o balde traseiro da retroescavadora.
17. Quando era necessário reparar ou proceder à manutenção de empilhadores, a 2ª Ré incumbia habitualmente os seus próprios trabalhadores de as realizarem, ainda que estes não tivessem conhecimentos técnicos, experiência ou formação adequadas para o desenvolvimento dessas operações,
18. e sem lhes fornecer os equipamentos necessários.
19. Antes de 09/07/2019 e em várias ocasiões, a 2ª ré tinha dado instruções aos seus trabalhadores para, nas respetivas instalações, procederem a operações de reparação de empilhadores, trabalhos esses que já aí tinham sido realizadas por sua indicação.
20. O CC não tinha conhecimentos de mecânica, nem experiência de trabalhos de reparação, manutenção e desmontagem do Empilhador, o que a 2.ª Ré sabia.
21. O CC desconhecia as medidas preventivas de segurança que deveria implementar para evitar risco de morte ao executar a tarefa de reparação, manutenção e desmontagem do empilhador, o que a 2.ª ré sabia.
22. O FF não era capaz de prestar ao sinistrado informação ou alertá-lo para os riscos que corria.
23. A 2ª Ré não dispunha nas suas instalações, nem forneceu ao CC os equipamentos e materiais necessários à execução da tarefa em condições de segurança.
24. A reparação e manutenção do empilhador em causa teria de ser executado em ambiente oficinal adequado para o efeito.
25. A operação de içamento para posterior remoção dos garfos do empilhador, implica o uso de uma plataforma elevatória, com sistema de travamento e mecanismos adequados e seguros de fixação da peça a levantar.
26. O gancho do braço da retroescavadora não dispunha de qualquer mecanismo ou dispositivo que permitisse prender a corrente.
27. A única forma de a segurar àquele gancho era envolvendo-o com mais do que uma volta, procedimento que não assegurava a sua efetiva fixação.
28. Por essa razão, no decurso do içamento dos garfos do empilhador e dada a inexistência no gancho do braço da retroescavadora de dispositivos que prendessem e fixassem a corrente de forma efetiva e segura, essa corrente acabou por deslizar, tombando sobre o sinistrado e causando-lhe a morte.
29. O deslizamento da corrente e posterior queda dos garfos do empilhador sobre o CC ocorreu em consequência do facto aquela corrente de não ter sido devidamente fixada ao gancho da retroescavadora, por inexistência neste último equipamento de um dispositivo que permitisse essa fixação.
30. O sinistrado CC não adotou os cuidados necessários a prevenir os riscos suscitados pelas tarefas descritas porque os desconhecia,
31. por não ter experiência;
32. e por deles não ter sido informada pela 2ª ré. (suprimido este número, conforme decisão infra)
33. O sinistrado desrespeitou ordens dadas pela 2ª ré.
34. O sinistrado tinha formação na área da construção civil, na qual lhe foram ministradas noções de segurança entre as quais as regras de utilização e precauções a ter com a utilização do empilhador.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
- Da impugnação da matéria de facto:
Dispõe o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Decorre das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo, proceder à transcrição dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados.
De uma forma geral, entendemos que os recorrentes observaram estes ónus.
Estabelece, por seu lado, o artigo 662.º n.º 1 do CPC[1], sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento – que continuamos a perfilhar - de que, “Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[2]
A recorrente seguradora impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos das alíneas H) e SS) da matéria de facto considerada provada e dos pontos 20, 21, 24, 25, 26, 28, 30, 31 e 32 da matéria dada como não provada.
Pretende a recorrente que a matéria da al. H) - H) A ré “EMP03..., Lda.” transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado para a ré Seguradora, através de contrato titulado pela apólice n.º ...47 - deve ser alterada de forma a que dela passe a constar o seguinte: H) A ré “EMP03..., Lda.” celebrou com a Ré seguradora um contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, que abrangia o sinistrado, titulado pela apólice n.º ...47, o qual se regia pelas suas condições particulares que constam do Doc. 2 junto com a contestação da seguradora e o clausulado da parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem”
Invoca para o efeito a natureza conclusiva da matéria que consta dessa alínea tal como considerada provada pelo Tribunal recorrido, e para evitar a contradição entre o facto da alínea H) e os factos das alíneas L) a N) - L) A 2.ª ré comunicou à 1.ª ré seguradora os valores que constam das folhas de férias, juntos a folhas 228 a 235 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. M) A 2.ª ré pagou ao sinistrado os valores constantes dos recibos e comprovativos de pagamento juntos a fls. 27 a 61, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. N) O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo, à data do sinistro, como capital seguro total a quantia de €675.600,00. –
da matéria de facto dada como provada e considerando-se o teor do Doc. 2 junto com a contestação da recorrente (Condições Particulares da apólice ...47, do qual consta, nomeadamente, que o seguro é de acidentes de trabalho a prémio variável).
Que dizer?
Salvo melhor opinião, a matéria da al. H) - H) A ré “EMP03..., Lda.” transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho relativamente ao sinistrado para a ré Seguradora, através de contrato titulado pela apólice n.º ...47 - não é meramente conclusiva, nem carece da sugerida, ou de qualquer outra, alteração.
Com efeito, o que aí consta tem de ser lido no contexto da demais matéria, v.g. provada, e aí não está a ser afirmado que toda a responsabilidade foi transferida para a ré seguradora/recorrente (ou seja, que o seguro cobria a totalidade da retribuição do sinistrado), sim que a responsabilidade encontrava-se transferida nos termos daquela identificada Apólice.
E sendo assim, como se nos afigura, não se verifica a apontada contradição.
Ademais, na redacção proposta pela recorrente de útil só descortinamos o segmento em que pretende aditar que “o qual [contrato de seguro] se regia pelas suas condições particulares que constam do Doc. 2 junto com a contestação da seguradora”, posto que deste consta que o seguro é de acidentes de trabalho a prémio variável, mas factualidade esta que já foi levada à referida al. N).
Quanto à alínea SS) da matéria de facto considerada provada - SS) A retroescavadora era um equipamento adequado a erguer os garfos do empilhador e a corrente assegurava a devida fixação destes no decurso da sua elevação, desde que apenas fosse utilizada uma volta de segurança -, pretende a recorrente que tal matéria seja eliminada do elenco dos factos provados.
Da motivação exposta pelo Tribunal recorrido, a propósito consta:
“O apurado em SS) e TT), resulta do parecer dos peritos, no relatório de peritagem junto e nos esclarecimentos prestados em audiência, concluindo que, embora existam outros mecanismos específicos, a solução utilizada para elevar os garfos, através da corrente metálica presa ao gancho da retroescavadora, apesar de este não dispor de mecanismo de fecho, era adequada e eficaz, desde que só tivesse sido dada uma só volta… ou então que a corrente fosse mais curta.”
De facto esta fundamentação tem sustentação na prova produzida – consignando-se que procedemos à audição do depoimento e das declarações de parte, e dos depoimentos prestados pelas testemunhas -, mormente da indicada pelo Tribunal recorrido.
Assim, a razão da convicção formada pelo Tribunal recorrido está de acordo com o explicitado pelos Srs. peritos no respectivo relatório, vejam-se em particular as respostas que os mesmos deram aos quesitos 4 a 7, 10 e 13. Ademais, nos esclarecimentos que prestaram em sede de audiência final, os Srs. peritos explicaram, enfatizando-o, que a carga que a corrente suportava era mais do que suficiente para içar os garfos do empilhador, e que o método usado pelo sinistrado, v.g. o recurso à utilização do braço da retroescavadora, era adequado para o efeito, sem prejuízo de admitirem a existência de outras formas de realização dessa tarefa igualmente adequadas. Segundo o exposto pelos Srs. peritos, de forma que se afigurou perfeitamente racional e congruente, o acidente só aconteceu porque – sendo a corrente muito comprida (para permitir elevar os garfos do empilhador) - o sinistrado fez uma segunda laçada/segunda volta com a corrente no gancho do braço da retroescavadora, segunda volta essa que (sobrepondo-se à primeira) já não ficou suficientemente contida pelo dito gancho, e por isso, quando se procedia à elevação dos garfos (e por via da própria dinâmica dessa operação/designadamente porque “o gancho ao subir faz uma rotação”) se soltou provocando o acidente. Mas, sublinharam os Srs. peritos, bastava que o sinistrado em vez de (para encurtar a corrente) dar uma segunda volta no gancho do braço da retroescavadora desse uma segunda volta, “em baixo, no empilhador” (i. é, no local onde fixou a outra extremidade da corrente), e já o acidente não teria acontecido, pois a pretendida operação teria sido realizada sem qualquer percalço.
No mesmo sentido depôs, aliás, a testemunha FF, que na altura do acidente era quem manobrava a máquina retroescavadora (o sinistrado tinha-lhe pedido ajuda para, com o auxílio da retroescavadora, realizar a tarefa em questão), e que disse ter tido formação para trabalhar com retroescavadoras, o qual referiu que se o sinistrado tivesse dado uma só volta com a corrente no gancho do braço da retroescavadora a corrente não se teria soltado (“com uma volta não sai”, “nem que baloiçasse dali não saía”), que a segunda volta da corrente é que já não tinha essa segurança.
É de manter, pois, o facto em questão.
E do acabado de expor resulta também não haver fundamento para considerar provados os factos que constam dos pontos, dados como não provados, 25, 26 e 28:
25. A operação de içamento para posterior remoção dos garfos do empilhador, implica o uso de uma plataforma elevatória, com sistema de travamento e mecanismos adequados e seguros de fixação da peça a levantar. 26. O gancho do braço da retroescavadora não dispunha de qualquer mecanismo ou dispositivo que permitisse prender a corrente. 28. Por essa razão, no decurso do içamento dos garfos do empilhador e dada a inexistência no gancho do braço da retroescavadora de dispositivos que prendessem e fixassem a corrente de forma efetiva e segura, essa corrente acabou por deslizar, tombando sobre o sinistrado e causando-lhe a morte.
Não ficou demonstrado, antes pelo contrário, que a operação de içamento para posterior remoção dos garfos do empilhador tivesse de ser realizada (para ser segura) utilizando uma plataforma elevatória, nos termos referidos em 25.
Quanto ao ponto 26, tal como se encontra redigido, inculca a ideia que não dispondo o gancho do braço da retroescavadora de qualquer mecanismo ou dispositivo de retenção, vulgo patilha de segurança, a corrente nunca ficaria presa. Ora, como flui do que acima dissemos, não é isso que resultou, em particular, do entendimento sustentado pelos Srs. peritos, de forma convincente, quer no relatório que elaboraram quer nos esclarecimentos que prestaram. O gancho do braço da retroescavadora não dispunha, é certo, de qualquer espécie de patilha de segurança mas isso não impedia que a corrente pudesse ser prendida, adequadamente (eficazmente/cumprindo a sua função com segurança), como teria acontecido desde logo se não fosse tão comprida e não houvesse necessidade de a tornar «mais curta» ou, mesmo nesta hipótese, o sinistrado não tivesse optado por dar duas voltas à corrente no gancho, como fez (e tivesse antes, por ex., dado duas voltas no prendimento, ao empilhador - garfos -, da outra extremidade da corrente).
As razões para a corrente se soltar foram as já acima mencionadas, tendo os Srs. peritos adiantado que se bem que a colocação de uma patilha no gancho da retroescavadora parecesse teoricamente possível era, na prática, inviável.
Por tudo isto, entendemos não se impor decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo, sendo, à luz dos arts. 607.º/5 do CPC e, também em especial, 389.º do CC, respeitar de a convicção que formou.
Relativamente aos pontos 20, 21, 24, 30, 31 e 32 da matéria dada como não provada: 20. O CC não tinha conhecimentos de mecânica, nem experiência de trabalhos de reparação, manutenção e desmontagem do Empilhador, o que a 2.ª Ré sabia. 21. O CC desconhecia as medidas preventivas de segurança que deveria implementar para evitar risco de morte ao executar a tarefa de reparação, manutenção e desmontagem do empilhador, o que a 2.ª ré sabia. 24. A reparação e manutenção do empilhador em causa teria de ser executado em ambiente oficinal adequado para o efeito. 30. O sinistrado CC não adotou os cuidados necessários a prevenir os riscos suscitados pelas tarefas descritas porque os desconhecia, 31. por não ter experiência; 32. e por deles não ter sido informada pela 2ª ré.
O Tribunal recorrido motivou assim a convicção que formou: “(…) concluindo [os peritos, no relatório de peritagem junto e nos esclarecimentos prestados em audiência] que, embora existam outros mecanismos específicos, a solução utilizada para elevar os garfos, através da corrente metálica presa ao gancho da retroescavadora, apesar de este não dispor de mecanismo de fecho, era adequada e eficaz, desde que só tivesse sido dada uma só volta… ou então que a corrente fosse mais curta. Neste sentido, resulta já evidente a razão de se ter dado como não provado os factos não provados em 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29. Diga-se, ainda e também, que não poderemos concluir afirmativamente conforme o descrito em 29, 30, 31 e 32, pois que da prova produzido e de acordo com o parecer dos Senhores Peritos, resulta que o trabalhador terá adotado cuidados e procedimentos tecnicamente aptos ou adequados, quer porque a corrente era demasiado comprida, quer porque os mesmos não foram suficientes para evitar o deslizamento da peça em elevação. Note-se, desde logo, que a peça foi mesmo elevada à distância assinalada de 1,40 metros, conforme descrito em GG) dos factos provados e permaneceu assim elevada, conforme apurado em HH), sendo que, conforme referiram os senhores peritos, em esclarecimentos prestados, haviam várias circunstâncias para que o deslaçamento tivesse acontecido, concorrendo com a circunstância das duas laçadas, como por exemplo um movimento, ainda que ligeiro, de rotação do braço da retroescavadora.”
Quanto aos pontos 20, 21 e 24 foi particularmente incisivo o depoimento da testemunha GG, que disse não trabalhar já para a ré empregadora (actualmente é Agente da GNR) mas que ao tempo do sinistro trabalhava para esta como responsável de operações, e que esclareceu o contexto em que foi solicitada ao trabalhador CC a realização da tarefa em causa (este trabalhador exercia habitualmente a sua actividade, de serralheiro, ao serviço da ré nos EUA, mas como a companheira se encontrava grávida pediu à 2.ª ré para passar algum tempo em Portugal, para poder acompanhar aquela até ao nascimento da filha, ao que a empregadora anuiu), e em que consistia em concreto a tarefa, declarando que se tratava da manutenção/conservação do empilhador em causa, o que implicava a limpeza do mesmo (decapar/lixar), tratamento da chapa e pintura. Que no decurso destas operações o CC veio a detetar uma fuga de óleo no sistema hidráulico do empilhador, facto que comunicou à própria testemunha, inquirindo-a sobre se era para retirar o componente estragado (macaco) ao que esta questionou o trabalhador sobre se o saberia fazer, ao que o CC retorquiu que sim, tendo até adiantado à testemunha que teria trabalhado numa oficina onde adquirira a competência para tal. Referiu a testemunha que, perante esta resposta do CC lhe disse para tirar então o macaco, a fim de posteriormente ser enviado para uma oficina da especialidade para ser reparado.
Por outro lado, resulta do relatório pericial que, na resposta ao quesito 3.º, escreveram os Srs. peritos que “a inclinação [do local onde o acidente ocorreu] não deverá ter interferido significativamente no acidente, sendo o local praticamente horizontal”, o que também se infere das fotos do local insertas nesse relatório.
Atento o que supra já se expôs, equacionado com as concretas tarefas de que o sinistrado foi incumbido, não se pode concluir que só em ambiente oficinal fosse possível levar a cabo tais tarefas correctamente, v.g. em termos de segurança.
Posto o que não merece censura a resposta de não provado quanto aos pontos 20, 21 e 24 respectivos.
Relativamente aos pontos 30, 31 e 32 dos factos não provados, resulta em particular do depoimento da testemunha GG, na parte já acima referenciada, que não foi fornecida ao trabalhador qualquer informação quanto aos cuidados a ter na realização das tarefas de que foi incumbido relativas à conservação/manutenção do empilhador, até porque a testemunha – pessoa que na organização da 2.ª ré procedia à distribuição do serviço – estava/ficou convencida que, mesmo quanto à extracção do macaco hidráulico do empilhador, o CC tinha os conhecimentos necessários para o efeito.
Quanto a esta específica tarefa – tirar o macaco hidráulico do empilhador – essa omissão de informação já consta das subalíneas a. a f. da alínea OO) dos factos assentes.
Como o alegado nos pontos 30, 31 e 32 tem um carácter mais amplo, no que tange a esses números da matéria de facto não provada dá-se assim como provado que: OO) … g. A 2.ª ré não informou o sinistrado CC dos cuidados necessários a prevenir os riscos suscitados pelas demais tarefas de que este foi incumbido, descritas em O) e P).
Suprimindo-se, em consonância, o n.º 32 dos factos não provados.
No mais, não há razão para alterar a questionada decisão da matéria de facto. A recorrente empregadora, pretende a alteração da matéria de facto que consta da al. F) da matéria de facto dada como provada - “F) E auferia [o sinistrado] a retribuição que se discrimina: - €1.200,00 de retribuição de base mensal x 14 meses; - €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 14 meses; - €5,86 de subsídio de alimentação x 22 dias x 11, perfazendo o total anual de €33.197,42.” –, ficando a constar que o sinistrado auferia a retribuição que se descrimina: - € 1200,00 euros de retribuição de base mensal * 14 meses; - € 1.069,95 euros de ajudas de custo (média mensal) * 12 meses; - € 5,86 euros de subsidio de alimentação * 22 dias * 11, perfazendo o total anual de € 31.057,52 euros.
Alega a recorrente que embora na sentença agora colocada em crise se expresse que não é possível proceder à alteração nos termos agora propugnados, dado que as partes aceitaram na tentativa de conciliação que a remuneração (anual) era no valor de € 33.197,42 à data do acidente, já - através do requerimento que identifica - a aqui apelante havia requerido a retificação do citado facto, pois a retribuição do sinistrado estava em contradição com os recibos de vencimento do mesmo, havendo um erro material, sanável nos termos do artigo 614.º do CPC.
Com efeito, diz, as ajudas de custo apenas existiam em 11 meses, pelo que a média mensal das ajudas de custo, de € 1.069,95, era devida em 12 meses e nunca em 14 meses, facto este que está reconhecido na al. M).
Vejamos.
Não se evidencia qualquer lapso, ou erro material, passível de ser corrigido ao abrigo do art. 614.º do CPC o qual, aliás, a ocorrer deveria ser sanado pelo Tribunal recorrido (n.º 2 daquele artigo).
Efectivamente, e como resulta dos autos, já na fase conciliatória, e aquando da 1.ª marcação da tentativa de conciliação, o Ministério Público identificou como remuneração do sinistrado, na altura do acidente:
“1. 1.200,00€ de salário; 2. 12.839,40€ relativos aos 12 meses anteriores ao do acidente, processados nos respetivos recibos de vencimento como “ajudas de custo” e correspondentes à média mensal de 1.069,95€; 3. 5,86€/dia de subsídio de alimentação,”
Sucede que, como está implícito à proposta de acordo efectuada pelo M.º P.º, este entendeu que para efeito de cálculo das prestações infortunísticas a média mensal das quantias recebidas pelo sinistrado a título de ajudas de custo deveria ser multiplicada por catorze, e não por doze, pois que concluiu “o que perfaz a retribuição anual ilíquida de 33.197,42€ (1.200,00€ x 14 + 1.069,95€ x 14 + 5,86€ x 22 x 11),.” efectuando o cálculo do valor das pensões em conformidade.
Como consignado no auto de não conciliação, a empregadora, já então representada por advogado, tomou a propósito a seguinte posição:
“No que toca à retribuição, declara que ainda não dispõe de elementos suficientes para se pronunciar sobre a mesma e sobre a circunstância de a mesma se encontrar total ou parcialmente transferida para a seguradora. Por isso, requer também o adiamento da presente diligência”
Tendo sido efectuada nova marcação para a tentativa de conciliação, e tendo na nova data o Ministério Público efectuado proposta de acordo em termos idênticos aos supra referidos, a empregadora tomou, no que ao valor da retribuição concerne, posição nos termos seguintes:
“Aceita (…) a retribuição anual ilíquida de 33.197,42€ (1.200,00€ x 14 + 1.069,95€ x 14 + 5,86€ x 22 x 11), retribuição que se encontra integralmente transferida para a seguradora”
Resulta, pois, claro que mais do que aceitar que nos 12 meses anteriores ao do acidente foram processadas nos respetivos recibos de vencimento como “ajudas de custo” quantias correspondentes à média mensal de 1.069,95€ (o que, sendo a ré a proceder aos pagamentos e a emitir os recibos nunca poderia desconhecer, e sendo ainda que, analisados os recibos juntos aos autos e efecuados os pertinentes cálculos, é absolutamente correcto que o sinistrado auferiu ajudas de custo nos 12 meses anteriores ao do acidente – Julho de 2018, a Junho de 2019, ambos inclusive – correspondentes aquela média mensal), aceitou outrossim o «facto jurídico»[3] de que para efeitos de cálculo das prestações infortunísticas (no caso, das pensões) a média mensal das designadas ajudas de custo deveria ser multiplicada por catorze.
Ora, na petição inicial – v.g. nos artigos 7.º, 8.º e 25.º - os autores alegaram que o sinistrado auferia a dita retribuição mensal, nomeadamente a quantia (média) de € 1.069,95 de ajudas de custo, e a correspondência a que acima também se fez monção, de essa média mensal relativa às ajudas de custo ser a multiplicar por catorze, o que a ré empregadora aceitou expressamente, conforme artigo 7.º da respectiva contestação.
Ante o exposto, e à luz do disposto nos arts. 112.º n.º 1 e 131.º n.º 1 al. c) do CPT, tal factualidade assente devia, desde logo, ser levada – como foi – à matéria assente seleccionada em sede de despacho saneador.
Donde, a alteração da matéria de facto que consta da al. F) da matéria de facto dada como provada deve assim continuar, apenas se justificando a sua precisão nos seguintes termos:
“F) E auferia [o sinistrado] a retribuição que se discrimina: - €1.200,00 de retribuição de base mensal x 14 meses; - €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 12 meses – o que corresponde, para efeito de cálculo das prestações, a €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 14 meses; - €5,86 de subsídio de alimentação x 22 dias x 11 meses, perfazendo o total anual de €33.197,42.”
A recorrente pretende ainda que, em substituição da al. L) dos factos dados como provados - A 2.ª ré comunicou à 1.ª ré seguradora os valores que constam das folhas de férias, juntos a folhas 228 a 235 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido -, deve ser dado como provado que a 2º Ré celebrou com à 1º Ré Seguradora o contrato de seguro mencionado em H), onde a massa salarial de € 675 600,00 incluía a retribuição, as ajudas de custo, subsídios de férias e de natal, subsídio de refeição e outros complementos salariais.
Para isso sustenta, em suma, que a matéria da al. L) está em contradição com os factos dados como provados nas als. H) e N), e que não é possível dar como provado que a entidade patronal tinha transferido o valor constante das folhas de férias pois estas não eram comunicadas de forma atempada, resultando do documento n.º 27 junto com o requerimento enviado via citius com a referência ...99, de fls. 530 e seguintes dos autos que a folha de férias de Junho de 2019 só foi submetida em Agosto de 2019, logo em momento posterior ao sinistro.
Não tem razão a recorrente.
Como a própria recorrente admite, as folhas de férias foram enviadas à Seguradora, que as recebeu.
Posto que a Seguradora as aceitou, é irrelevante que alguma tenha sido eventualmente enviada em momento posterior aquele em que o deveria ter sido, como irrelevante é o facto de a referente ao mês de Junho de 2019 ter sido remetida em momento posterior ao sinistro.
De qualquer forma, se algum relevo se vislumbrasse na determinação dessas datas para a boa decisão da causa (relevo que não se verifica), então o que se imporia fazer nunca poderia ser dar como provada, em sua substituição, a factualidade indicada pela recorrente.
Considerando o que acima já dissemos quanto ao alcance do afirmado na al. H), também não há qualquer contradição entre a factualidade constante dessa alínea e desta alínea L).
Quanto à al. N) também não se verifica a apontada contradição, pelas razões que infra melhor se explicitarão – em suma, o valor de € 675.600,00 respeita ao valor global das retribuições estimado, para efeitos de cálculo do prémio do seguro, para o ano de 2019.
A recorrente empregadora pretende por fim – Conc. 4.ª -, que a matéria da al. M) passe para não provada.
Não se descortina o fundamento em que se arrima a recorrente para esta pretensão.
Da al. M) consta, A 2.ª ré pagou ao sinistrado os valores constantes dos recibos e comprovativos de pagamento juntos a fls. 27 a 61, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, recibos e comprovativos de pagamento (comprovativos de transferências bancárias da ré para o sinistrado), documentos esses juntos já na fase conciliatória do processo e cuja genuinidade e veracidade do conteúdo não se mostra posta em causa.
Nada a alterar, pois.
Da ampliação do objecto do recurso:
A recorrida seguradora, requereu, na resposta ao recurso da 2.ª ré, a ampliação do âmbito do recurso, pretendendo impugnar a decisão proferida quanto ao facto do ponto N) da matéria assente, N) O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo, à data do sinistro, como capital seguro total a quantia de €675.600,00.
Propondo em alternativa a seguinte redacção: N) O contrato de seguro aludido em H) era um contrato de seguro de prémio variável, de renovação anual, com início em 1 de janeiro, com periodicidade de pagamento trimestral, tendo sido indicado pela tomadora no início da anuidade de 2019, como capital/massa salarial previsível para efeitos de fixação do prémio de seguro, o de 675.600€.
Sustentando para o efeito que, em síntese, “resultou, abundantemente demonstrado pela prova produzida no decurso da ação, que aquele valor mais não era senão uma previsão, destinada a fixar o prémio provisório inicial, mas não correspondia ao “capital” garantido pela apólice, nem à extensão da respetiva cobertura, a qual deveria ser fixada pelas folhas de férias e enviar periodicamente à seguradora”.
A ampliação do recurso foi admitida no despacho de recebimento dos recursos proferido pelo Tribunal a quo, e entendemos que bem.
Com efeito, embora na sua resposta a empregadora pugne pela inadmissibilidade da ampliação, com o argumento, em resumo, de que segundo o n.º 1 do artigo 636.º do CPC, a ampliação do recurso é admissível à parte vencedora que decaiu nos casos de pluralidade de fundamentos da ação e de defesa, sendo que nos presentes autos, a parte vencedora são os autores, e nunca a aqui recorrida Seguradora, pois esta viu os seus fundamentos decaírem e por isso, interpôs o competente recurso de apelação.
Sucede que quanto a esta questão em particular – âmbito da cobertura do contrato de seguro – a seguradora não decaiu, tendo a decisão recorrida acolhido o seu entendimento de que só estava abrangido pela cobertura do contrato de seguro a retribuição base e o subsídio de alimentação pelo que, nesta parte, não tinha a Seguradora sequer interesse em recorrer.
Isto posto e quanto à impugnação em si, afigura-se-nos que se impõe a alteração da matéria provada nos termos propugnados pela Seguradora, como acima, aliás, já aludimos.
É que de facto existe prova clara e consistente de que o valor de € 675.600,00 referido na al. N) dos factos assentes respeita ao valor global das retribuições estimado para o ano de 2019, para efeitos de cálculo do prémio do seguro.
Desde logo elementos documentais, nomeadamente, como assinala a Seguradora dos “e-mails” datados de 27/11/2018, que figuram como Doc 18 com o requerimento que a recorrente apresentou nestes autos em 30/11/2023 (ref citius 5416511), aí se vendo que um tal de HH se comprometeu a indicar à seguradora o valor de 675.600€ para vigorar em 2019 como sendo “o capital salarial previsto para 2019”. Trata-se de documento que consta de fls 549 v., e dele – conjugado com os depoimentos de várias testemunhas, designadamente os TOC que abaixo se vão mencionar – resultando que o dito HH faz parte dos quadros da “...”, sendo esta uma empresa que era a “Agente de Seguros” da 2.ª ré, e que tal email foi dirigido pela ... à aqui 2.ª ré, na pessoa do seu director de operações, GG.
Tudo indica que esse email fosse a resposta a um outro, enviado por este GG à ... na mesma data – Doc. 19 junto com o mesmo requerimento/fls 550 dos autos -, a solicitar a actualização da “base salarial da empresa”, nos termos e pelas razões aduzidas nesse email.
Em consonância, a testemunha II, Técnico Oficial de Contas, e que disse ser contabilista certificado da 2.ª ré desde 2009, referiu que em Outubro de 2018 foi negociado (negociações em que, além de si, esteve envolvido o Sr. GG [este já acima identificado]) com a Seguradora – não directamente, mas através da mencionada Agente de Seguros, ... – a massa salarial, na ordem dos € 675.600,00, que incluía vencimentos, ajudas de custo e subsídio de alimentação.
Referiu esta testemunha que o que despoletou essa alteração do valor – aumentando-o - da massa salarial foi “evitar os acertos, que às vezes surgiam”, sendo que, expressamente questionado sobre a razão de ser do envio para a seguradora das folhas de férias, disse que “as folhas de férias servem efectivamente para depois haver os acertos para cima ou para baixo”.
Também a testemunha JJ, igualmente TOC e que disse prestar serviços à 2.ª ré como director financeiro, referiu que a Apólice em questão já vem desde 2016, é de prémio variável, e que fizeram a actualização do capital em 2018, para € 675.600,00, porque estavam a ter muitos acertos, “no final de cada trimestre vinham-me pedir mais dinheiro”.
Esta testemunha admitiu igualmente que os € 675.600,00 era uma previsão dos salários a pagar durante o ano, mas que o valor dos salários poderia variar durante o ano o que poderia, por sua vez, levar a acertos do valor do prémio do seguro, o que de resto até sucedeu no caso porquanto em 2019 a 2.ª ré apenas pagou em salários quatrocentos e tal mil euros.
Também a testemunha KK, que trabalha para a ré Seguradora como profissional de seguros, confirmou que se trata de uma Apólice a prémio variável/“gerida por folha de férias”, e que o valor de € 675.600,00 foi indicado pelo tomador do seguro como massa salarial estimada para 2019, explicando também os estornos que foram efectuados.
Impõe-se, assim, alterar a redacção da al. N) nos termos indicados pela Seguradora.
- Da descaracterização do acidente (recurso da empregadora):
Recorre a empregadora invocando a descaracterização do acidente para o que alega, em síntese, que houve actuação culposa do sinistrado, prendendo-se a causa do acidente com o uso errado da corrente metálica, associada a uma má postura do acidentado, sendo que o mesmo teve formação em andaimes e por isso, com objectos que visam trabalho com plataformas elevatórias - cf. Conc. 43.º, 44.º e 45.º.
Que dizer?
Consignou-se na decisão recorrida a propósito desta problemática:
“A questão que ré empregadora coloca, na resposta à contestação da seguradora, prende-se com a descaraterização do acidente, o que faz alegando que o acidente se ficou a atuação culposa do sinistrado, extravasando as funções que lhe haviam sido confiadas, sem dar conhecimento a qualquer superior hierárquico. Os factos descaracterizadores do acidente invocados, mostram-se previstos no artigo 14.º, nº 1, al. b) da LAT e, enquanto impeditivos do direito invocado pelo beneficiário das prestações por acidente de trabalho devem ser alegados e provados pela entidade responsável dos danos ocasionados pelo acidente – cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 12/05/1999, disponível em www.dgsi.pt. Vejamos então. De acordo com o citado normativo, a empregadora não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que, entre outros: a) Provier de ato ou omissão do trabalhador que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; ou b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; Considerando-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la (n.º 2).
Da al. a) do referido art.º 14.º resulta serem quatro os requisitos cumulativos para a descaracterização do acidente:
1 – existência de específicas condições de segurança, sejam elas estabelecidas pelo empregador ou pela lei; 2 - violação de tais condições, por ato ou omissão do trabalhador; 3 – que tal ato ou omissão seja voluntário e sem causa justificativa; 4 – nexo causal entre a violação da regra e o acidente.
Assim, não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado. É necessário que essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação (cfr. do STJ de 13/10/2021, processo n.º 3574/17.3T8LRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.). Quanto à descaracterização do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, Carlos Alegre (In Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., Almedina, 2005, págs. 62 e 63), argumenta que “ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras.” Não basta, pois, para os fins de descaracterização do acidente de trabalho, a mera culpa. É necessária a negligência grosseira, próxima do dolo eventual, pois o art.º 14.º n.º 3, da Lei n.º 98/2009, refere que a negligência grosseira consistirá num “comportamento temerário em alto e relevante grau”, devendo assim ter-se como grosseiramente negligente “um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma improcedência e temeridade inútil e indesculpável, mas voluntária, embora não intencional” – cfr. Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pág. 42, sendo jurisprudência unânime que a culpa do trabalhador conducente à descaracterização do acidente tem de ser exclusiva. Assim, para que o acidente seja descaracterizado, é necessário que se verifique, cumulativamente, a exclusividade da culpa da vítima, na sua ocorrência, e esta se traduza em negligência grosseira. Por negligência grosseira para os efeitos ora em causa entende-se o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão – cfr. nº 3 do aludido artigo. Para que se mostre comprovada a negligência grosseira, teremos de estar perante uma conduta do sinistrado altamente reprovável, indesculpável e injustificada face ao elementar senso comum que seja atentatória do mais elementar sentido de prudência. Também na doutrina é consensual na definição de negligência grosseira. Assim, para Maria do Rosário Palma Ramalho (“Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, pág. 740) “não é, pois, excludente da responsabilidade a mera negligência leve do trabalhador, mas apenas a sua falta grave e indesculpável”. Carlos Alegre (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Almedina, 2.ª Edição, pág. 61 e seguintes) refere que “será necessário um comportamento temerário ostensivamente indesculpável, com desprezo gratuito pelas mais elementares regras de prudência, comportamento esse que só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser assumido, exigindo-se ainda que o mesmo seja causa exclusiva do acidente”. Assim, continua, “o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras. (…). A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias”. A aferição do comportamento temerário do sinistrado, como tem vindo a ser repetidamente afirmado pelo STJ deve ser apreciado em concreto, em face das condições da própria vítima e não de um padrão, geral e abstrato, da conduta – cfr., por todos, o Acórdão do STJ de 22/09/2011, em www.dgsi.pt. A jurisprudência e a doutrina dominantes consideram que a falta grave e indesculpável (hoje negligência grosseira, que, em termos diversos, consubstanciará, no seu escopo, estruturalmente, o mesmo conceito) se deverá traduzir num comportamento temerário, audacioso, em que a vítima tinha conhecimento e perceção clara dos riscos e, além disso e apesar disso, agiu de forma indiferente aos mesmos, ou, até, o desafiou. O que significa que não chega uma mera imprudência, descuido, falta de atenção, mas se exige, pelo contrário, uma previsibilidade do acontecimento e, malgrado isso, uma indiferença pelo mesmo, atendendo que não se coíbe de realizar o facto, apesar de confiar que o evento previsto não correrá. O que nos leva a concluir que é necessário que estejamos perante uma negligência consciente e não já face a uma negligência inconsciente. Veja-se ainda, o Acórdão do TRP de 18/06/2012 (relator: António José Ramos, disponível para consulta no site www.dgsi.pt) (….) Como também se refere no Ac. do STJ de 29/11/2005 (Revista nº 1924/05-4 (Proc. nº 124/2000., do TT Porto, 1º Juízo, 3ª Secção (…) Destarte, a prova da negligência grosseira cabe à entidade responsável por essa reparação (seguradora e/ou entidade patronal), pois consubstancia factualidade impeditiva da responsabilidade infortunística – art.º 342.º, n.º 2, do Cód. Civil. No que releva para os autos e volvendo ao caso concreto, quanto ao acidente e sua dinâmica, resultou provado, em síntese que: - Na sequência das tarefas que a 2.ª ré atribuiu ao trabalhador CC, descritas em O) e P) – manutenção, decapagem e pintura do empilhador – veio este a detetar uma fuga de óleo do sistema hidráulico do empilhador, do que, prontamente, deu conta à entidade empregadora. Nessa sequência, a 2.ª ré incumbiu o trabalhador de proceder à remoção e desmontagem do referido sistema hidráulico do empilhador para ser enviado para reparação, tarefas que este executava eficientemente no dia dos autos (factos T), U), V)). Mais resultou provado que, após o sangramento do óleo, para terminar a tarefa em curso, havia necessidade de elevar os garfos do empilhador, que, entretanto, tinham baixado, recorrendo o sinistrado (não se tendo provado se o fez ou não, espontaneamente) à utilização de uma corrente metálica em ferro, que amarrou - com duas voltas, por forma a obter a altura necessária de elevação dos garfos do empilhador – ao gancho da torre da retroescavadora. Com esta amarração, assim efetuada, o trabalhador FF, logrou elevar e manter em elevação os ditos garfos do empilhador até à altura de 1,40 metros. E é, no prosseguimento das tarefas que a 2.ª ré lhe incumbiu, posicionado de forma agachada sob os garfos elevados, que ocorre o deslizamento de uma das voltas da corrente, tombando os garfos do empilhador de uma altura de 1,40 até à altura de 0,70, assim atingindo o corpo do sinistrado. Ora, não provou a 2.ª ré, como lhe competia, desde logo que o sinistrado desrespeitou ordens e instruções que lhe tivessem sido dadas, dado que se o trabalhador eventualmente fez mais do que lhe foi pedido, o fez, por conta e no interesse da própria entidade empregadora. Por outro lado, também ao nível do concreto procedimento usado, tal como se referiu na fundamentação de facto, não se provou que o acidente tenha resultado de culpa, muito menos grosseira, sendo que o mecanismo usado para içar os garfos se afigurava adequado, nas concretas circunstâncias, tanto é que a elevação dos garfos foi eficazmente conseguida e mantida, sendo que para o deslaçamento concorreram hipoteticamente várias causas, nomeadamente, não só as duas voltas da corrente metálica, como o próprio comprimento da corrente, como eventualmente alguma oscilação ou movimento de rotação do braço onde a corrente estava apoiada através do gancho. Assim, entendemos que não logrou a ré empregadora provar, nem dos factos apurados é possível extrair, que o sinistrado tenha empreendido uma conduta especialmente descuidada, altamente reprovável, indesculpável e injustificada face ao elementar senso comum que seja atentatória do mais elementar sentido de prudência, ou sequer que o acidente tenha ocorrido exclusivamente por facto imputável ao sinistrado, pois que vários fatores se podem colocar, como se referiu, circunstâncias que poderiam também ter concorrido para a produção do evento danoso. Por tudo o exposto, conclui-se, assim, que não estão verificados in casu os requisitos para a descaracterização do acidente previstos no artigo 14.º da referida Lei, pelo que consideramos não ocorrer em concreto causa de exclusão do direito à reparação.”
Concordamos com esta abordagem, quer no seu enquadramento teórico quer na descida ao caso concreto, fazendo o Tribunal recorrido uma correcta aplicação dos pertinentes comandos legais, que enunciou, aos factos apurados.
Os casos de descaracterização do acidente – descaracterização que, ocorrendo, obsta ao direito do sinistrado à reparação– estão previstos no art. 14.º da referida Lei 98/2009, sendo que, também no nosso entendimento os segmentos dessa norma que interessa cogitar se foram preenchidos pelo comportamento do sinistrado são a 2.ª parte da al. a) e a al. b), do n.º 1.
Com efeito, aí se estabelece que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: “...provier do seu (do sinistrado) acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”; “Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;”.
Ora, como razões para obstar ao direito de reparação, e retomando a sumula acima efectuada, a ré empregadora invoca agora (pois que, na resposta à contestação da 1.ª ré, alegou que o acidente apenas se deu porque o sinistrado desrespeitou as ordens de um superior, e extravasou as funções que lhe haviam sido atribuídas, conquanto, diga-se, nesse articulado a empregadora conclui não pela descaracterização do acidente, mas pela atribuição da responsabilidade pela reparação do acidente à 1.ª ré/Seguradora) que o comportamento do sinistrado é censurável, ficando o acidente a dever-se a culpa sua pois, tendo formação em andaimes, usou de forma errada a corrente metálica e adoptou uma má postura, colocando-se debaixo dos garfos que estavam a ser içados.
Sucede que dos factos provados não é possível extrair que o sinistrado teve qualquer formação relevante para a tarefa que estava a executar na ocasião do acidente e, ademais e como se demonstra na decisão recorrida, não é possível afirmar que a corrente se soltou unicamente por causa da segunda volta que havia sido dada no gancho do braço da retroescavadora, podendo ter concorrido outros factores para esse desenlace e, assim, para o acontecer do acidente, sendo que quer o uso da corrente metálica, quer a utilização (do braço) da retroescavadora, não constituiu, em si, uma forma incorrecta de fazer o trabalho, tendo sido, sim, a forma como foi prendida a corrente no gancho do braço da retroescavadora, por um lado, e a postura do sinistrado de, pelo menos momentaneamente, se ter colocado por baixo dos garfos que estavam a ser içados, que precipitaram o acidente, mas comportamento do sinistrato que traduz uma mera imprudência, um descuido, quiçá radicando na confiança do trabalhador sinistrado nos procedimentos que adoptou.
Mas isso, tal como se conclui na decisão recorrida, é manifestamente insuficiente para se poder afirmar que o acidente proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
-Da responsabilidade agravada da empregadora (recurso da seguradora):
O Tribunal recorrido discorreu a propósito desta questão nos termos seguintes:
“Resta verificar se o acidente ocorrido pode ser imputado a culpa da entidade empregadora, aqui 2.ª ré. Nos termos do art.º 18.º, n.º 1, da Lei 98/2009 de 4 de setembro, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, competindo à a seguradora do responsável satisfazer o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (cfr. art.º 79.º, n.º 3, daquele diploma). Temos, assim, que a responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: - um comportamento culposo da entidade patronal ou de um seu representante/contratado ou de uma empresa utilizadora de trabalho (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação perigosa; ou - a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que eles estivessem diretamente obrigados a observar e de cuja omissão resulte o acidente. “Em ambos os casos estamos em presença de uma responsabilidade subjetiva da entidade empregadora, pelo que a ideia de culpa está subjacente a toda a previsão daquele dispositivo” – cfr. Ac. do TRL de 20/3/2013, processo n.º 4734/04.2TTLSB.L2-4, disponível in www.dgsi.pt. De igual forma, em ambos os casos exige-se “a prova do nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente” (cfr. Ac. do STJ de 3/11/2023, processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt). Por outro lado, é hoje jurisprudência fixada que “Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.” (cfr. Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, de 13 de maio, publicado no Diário da República n.º 92/2024, Série I de 13/05/2024). Como se defende no Ac. do STJ de 06/05/2021, processo n.º 756/20.4T8GMR.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “quando a responsabilidade da entidade patronal tenha por fundamento a falta de observância, por parte daquela, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, exige-se, para além da violação normativa, a necessária prova do nexo causal, certificando que a omissão da regra a que estava legalmente obrigada tornava previsível a eclosão do acidente nas concretas circunstâncias em que o mesmo ocorreu e com as consequências dele decorrentes, representando o acidente a concretização objetivamente previsível de um dos perigos típicos que a ação da empregadora era suscetível de criar e que, justamente, justificaram a criação das regras de segurança violadas”. No caso, afigura-se-nos que a seguradora não logrou fazer aquela prova. Vejamos. Prescreve o artigo 281.º, nº 2 do C. Trabalho que “o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção”. Importa, pois, analisar qual ou quais as normas que a ré empregadora podia e devia observar e não observou e que foram a causa direta e necessária do sinistro, como sustenta a 1ª ré. A ré seguradora invoca a violação pela 2ª ré, designadamente do disposto nos art.ºs 3.º, al.s a), b) e c), 5.º, 14.º, 33.º e 35.º todos do DL n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.
No art.º 3.º estão previstas as obrigações gerais do empregador, a saber: “a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e caraterísticas específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; […]
Como é sabido existe todo um manancial de obrigações que incumbem à empregadora, no que concerne à prevenção de riscos profissionais, nomeadamente as previstas no art.º 15.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro. Contudo, há situações em que, apesar dos riscos serem conhecidos e até devidamente acautelados, ainda assim os acidentes acontecem. São situações comuns da vida, mormente da vida profissional, que só por si é geradora de riscos, não sendo por vezes, humanamente possível, ponderar e acautelar todos os riscos possíveis. A questão é se, no caso concreto, considerando a factualidade coligida, a 2ª ré devia ter adotado alguma medida de segurança e quais e, na afirmativa, se o acidente se deu por causa dessa omissão. Como resulta da factualidade apurada, por um lado não se provou que a ré teve ou não conhecimento do concreto meio que o sinistrado levou a cabo para a tarefa de içamento dos garfos do empilhador, logo não lhe sendo imputável o não cumprimento de regras de segurança. Acresce que, como se apurou, quer tenha tido conhecimento quer não, tratou-se de uma tarefa ocasional e até improvisada que o sinistrado levava a cabo no momento do acidente; por isso não abrangida no plano de segurança implementado à data na empresa à data dos factos. Por outro lado, não existe prova que permita concluir que, mesmo que a 2.ª ré tivesse implementado na avaliação de riscos e na ficha de procedimentos de segurança, a operação de manutenção do empilhador, o acidente não teria ocorrido da forma que ocorreu – é que o que deu causa ao acidente não foi de per si qualquer reparação do empilhador, mas sim um procedimento utilizado com vista à sua futura manutenção (do hidráulico). Assim, afigura-nos que a matéria de facto apurada é insuficiente para se concluir o acidente tenha sido motivado pela falta de observância por parte da 2ª ré de regras de segurança e que essa inobservância seja causa do acidente, pelo que não poderemos concluir pela culpa agravada da 2ª ré, nem que estamos perante uma situação de violação das regras de segurança por parte da empregadora, tal como esta vem prevista no artigo 18.º da LAT.”
Concordamos com o essencial desta argumentação.
Não nos parece, em termos de normalidade das coisas, que a empregadora tivesse a obrigação de antecipar, de prever, que o trabalhador sinistrado iria recorrer à utilização de uma retroescavadora para levar a cabo a concreta tarefa que estava a executar na altura do acidente.
Daí que mesmo que mesmo que a entidade empregadora tivesse elaborado um plano de trabalho, com identificação e prevenção dos riscos inerentes às tarefas de que incumbiu o trabalhador em causa – e que inicialmente nem sequer previam a remoção do macaco hidráulico do empilhador – certamente que tal plano não abordaria o risco da utilização de uma retroescavadora para o efeito que veio a ser utilizada no âmbito da remoção do dito macaco hidráulico.
Como se escreveu no sumário do acórdão desta RG de 03-03-2016, “Se, na decorrência de um processo de desmontagem de uma escada, no momento em que o camião com uma grua procedia à movimentação de uma viga, em ferro, esta inesperadamente se desprende da amarração que lhe tinham feito, vindo a atingir o sinistrado na cabeça, do que resultou a sua morte, não obstante o uso do capacete, e provando-se que a empregadora não planificou a atividade, não pode concluir-se que a violação do dever de planificação é causal do acidente.”
E, tal como na douta fundamentação desse acórdão, também podemos concluir na situação em apreço: “Não vemos, pois, como estabelecer algum nexo causal entre a falta de planificação supra mencionada e o concreto evento ocorrido sendo que, tal como afirma Júlio Gomes “Os erros, as distrações, fazem parte da normalidade do trabalho humano, porque o trabalho, como as pessoas que o fazem, não é perfeito – é obra de seres humanos” (O Acidente de Trabalho, Coimbra Editora pg. 215).”[4]
Ante o exposto, entendemos que não estamos perante um caso de agravamento de responsabilidade, não caindo a situação em apreço na previsão do n.º 1 do art. 18.º da Lei 98/2009.
- Da retribuição relevante para o cálculo das prestações (recurso da empregadora):
A recorrente empregadora entende que para o cálculo das prestações infortunísticas a quantia mensal média que era paga ao sinistrado sob a designação de ajudas de custo (€ 1.069,65) só deve ser multiplicada por 12.
Atento o que está provado sob a al. f) dos factos provados, não é assim, devendo multiplicar-se aquele valor por 14.
Mas ainda que a propósito só constasse dos factos provados que o sinistrado auferia a retribuição de €1.069,95 de “ajudas de custo” (média mensal) x 12 meses a conclusão teria de ser a mesma.
Com efeito, não está questionada a natureza retributiva das ajudas de custo.
E não existem razões, face à factualidade provada, para entender de modo diferente.
Estabelece o n.º 3 do artigo 258.º do CT (sob a epígrafe de Princípios gerais sobre a retribuição) que se presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
E não obtante o previsto no art. 260.º do CT (“…não se consideram retribuição: 1 – As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”) é dos princípios que o nomen ou a justificação só formalmente apresentada pela entidade patronal não basta para afastar a qualificação que juridicamente caiba às prestações em causa, e é também pacífico que “II - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos arts. 344.º, nº 1 e 350.º, nº 1 do Cód. Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 260.º do Cód. Trab. e de valer a presunção do nº 3 do art. 249.º do Cód. Trab. de que se está perante prestação com natureza retributiva. III – Tal ónus não fica satisfeito se apenas se prova que determinadas quantias eram processadas nos recibos de vencimento a título de ajudas de custo, uma vez que daí não resulta que tivessem efectivamente essa natureza - os recibos de vencimento não fazem prova plena da veracidade das declarações neles emitidas pelo empregador e também não existe qualquer presunção legal nesse sentido.”[5]
Por outro lado Dispõe o art. 71.º n.º 1 da Lei 98/2009 (LAT) que “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente”.
E, estabelece ainda o mesmo artigo:
“Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (n.º 2).
Também:
“Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”. (n.º 3) (realce nosso)
Ainda:
“Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente” (n.º 4).
A definição de retribuição na LAT é, assim, ajustada à «intencionalidade específica»[6] do regime da reparação dos acidentes de trabalho, e tendo presente, em particular, o disposto no citado n.º 3 do art. 71.º da referida Lei98/2009, sempre o valor correspondente à média mensal das ajudas de custo teria de ser, para efeitos do cálculo das prestações infortunísticas que é feito com base na retribuição anual, multiplicado por 14 (12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias), sendo que, ademais, a empregadora não demonstrou que o pagamento de tais quantias tivesse qualquer razão específica que não a retribuição setricto sensu pelo trabalho prestado pelo sinistrado, mormente que se tratasse de verdadeiras ajudas de custo.
- Do âmbito da cobertura do contrato de seguro (recurso da empregadora):
A propósito, discorreu o Tribunal a quo:
“Inexistem dúvidas de que entre as rés foi celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho, que “garante a responsabilidade do tomador do seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice” (cfr. Cláusula 3.ª, n.º 1, do anexo da Portaria n.º 256/2011, de 05 de Julho, que instituiu a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem). Por outro lado, apurou-se que o contrato de seguro foi celebrado na modalidade de prémio variável, sendo que, em tal modalidade, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro (vide Cláusula 5.ª, alin. b), do anexo da Portaria n.º 256/2011), competindo ao tomador do seguro “enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior” (cfr. cláusula 24.ª, nº 1, alin. a), do anexo da Portaria n.º 256/2011). E quem é responsável pela determinação da retribuição segura? O tomador de seguro, competindo-lhe definir o valor com base no qual são calculadas as responsabilidades cobertas pela apólice (cfr. cláusula 21.ª, nº 1, do anexo da Portaria n.º 256/2011), sendo certo que o valor da retribuição segura deve abranger, tanto na data de celebração do contrato como a cada momento da sua vigência, tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios, que incluem designadamente os subsídios de férias e de Natal, não podendo a retribuição ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (vide nºs 2 e 8, da cláusula citada). No caso, como resulta da factualidade assente, o sinistrado auferia a retribuição ilíquida anual de €33.197,42. A questão que se coloca, então, é a de saber que retribuição se encontrava afinal transferida para a seguradora. A ré seguradora alega que a retribuição do sinistrado para si transferida no âmbito da apólice de seguro em apreço nos autos era de €18.218,12 anuais (sendo €1.200,00 x 14 a título de salário base e €128,92 a título de subsídio de alimentação. Nos termos da factualidade apurada, resulta que foram comunicadas à ré seguradora, pela entidade empregadora, as retribuições espelhadas nas folhas de férias de fls. 228 a 235, ou seja (para além das duas primeiras quantias, correspondentes aos subsídios de férias e de natal (F e N): - maio de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €10,40 + 47,70 (fls. 228 verso) - junho de 2018 (29 dias de trabalho): €1.144,64 + €17,68 + €81,09 (fls. 228) _12 meses anteriores ao acidente: - julho de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €159,06 + €104,94 (fls. 230) - agosto de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €159,06 + €104,94 (230 verso) - setembro de 2018 (20 dias de trabalho): €419,20 + €15,26 + €66,78 (fls. 231) - outubro de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €159,06 + €104,94 (fls. 231 verso) - novembro de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €151,83 + €100,17 (fls. 232) - dezembro de 2018 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €144,60 + €95,40 (fls. 232 verso) - janeiro de 2019 (28 dias de trabalho): €1.089,28 + €122,91 + €81,09 (fls. 233) - fevereiro de 2019 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €144,60 + €95,40 (fls. 233 verso) - março de 2019 (30 dias de trabalho): €1.200,00 + €108,45 + €71,55 (fls. 234) - abril de 2019 (9 dias de trabalho): €122,40 + €4,36 + €19,08 (fls. 234 verso) - maio de 2019 (26 dias de trabalho): €587,20 + €18,53 + €81,09 (fls. 229) - junho de 2019 (27 dias de trabalho): €1.130,80 + €20,71 + €90,63 (fls. 235) Vemos pois, que, para além da retribuição base mensal que a 1.ª ré aceita ser de €1.200,00 (e que consta das folhas de remuneração com a identificada com a letra ...), encontramos nas ditas folhas de remuneração duas verbas, cuja natureza é identificada com as letras ... e ..., admitindo-se que que nestas verbas se inclua o subsídio de refeição do trabalhador. Ora, somando os valores das duas referidas parcelas, temos os valores que foram pela 2.ª ré comunicados nas folhas de férias do trabalhador, pelos quais se afere a medida da transferência da responsabilidade para a seguradora. Assim, tal valor é, nos últimos 12 meses anteriores ao acidente: - em julho de 2018): €264,00 (€159,06 + €104,94) - agosto de 2018: €264,00 (€159,06 + €104,94) - setembro de 2018: €82,04 (€15,26 + €66,78) - outubro de 2018: €264,00 (€159,06 + €104,94) - novembro de 2018: €252,00 (€151,83 + €100,17) - dezembro de 2018: €240,00 (€144,60 + €95,40) - janeiro de 2019: €204,00 (€122,91 + €81,09) - fevereiro de 2019: €240,00 (€144,60 + €95,40) - março de 2019: €180,00 (€108,45 + €71,55) - abril de 2019: €23,44 (€4,36 + €19,08) - maio de 2019: €99,62 (€18,53 + €81,09) - junho de 2019 €111,34 (€20,71 + €90,63) Totalizando em média anual €185,37 (€2.224,44 : 12). Em face de tal comunicação, que define o valor da retribuição segura, impõe-se concluir que para a seguradora se mostrava transferida a retribuição equivalente a catorze vezes o salário base (€1.200,00 x 14 meses) e onze vezes o valor correspondente ao subsídio de refeição (€185,37 x 11 meses) correspondente às retribuições comunicadas pela 2.ª ré à seguradora nas folhas de férias nos 12 meses anteriores ao acidente sob as letras ... e ..., o que se cifra no valor global de €18.839,07. Assim, independentemente o prémio provisório pago pela segurada e do estorno de prémio que a seguradora efetuou, dado que, como se disse, no âmbito do contrato de seguro outorgado, a retribuição segura não deixa de ser medida pelos montantes declarados pelo segurado à seguradora, através das folhas de férias enviadas, e sendo, neste caso, conforme descrito, esta retribuição segura inferior à retribuição efetivamente auferida pelo sinistrado (€33.197,42), entendemos que, salvo melhor opinião, a responsabilidade pela reparação do acidente deve ser suportada por ambas as rés na seguinte proporção (art.º 79.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro): - a ré seguradora – 56,75%; - a ré empregadora – 43,25%. Esta repartição abrange apenas as indemnizações e pensões que sejam devidas, como decorre do art.º 79.º, n.º 5, a contrario, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro.”
Andou bem o Tribunal recorrido.
Como é sabido, o seguro de acidentes de trabalho é obrigatório para as entidades empregadoras – art. 79.º, n.º 1, da LAT.
Porém, daí não deriva que estas cumpram sempre essa obrigação.
No caso dos autos, a ré empregadora efectivamente celebrou com a Seguradora ora 1.ª ré um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ...47.
Resulta também da matéria assente que o contrato de seguro celebrado entre a 2.ª ré (como tomadora do seguro) e a Seguradora era na modalidade de seguro de prémio variável ou folha de férias.
De acordo com a respectiva Apólice Uniforme (cf. art. 81.º/4 da LAT e Anexo à Portaria 256/2011, de 05/7 - Aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes) é “Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.” – cf. cláusula 5.ª al. b).
Mais, a Apólice Uniforme na sua Cláusula 24.ª, sob a epígrafe Obrigações do tomador do seguro quanto a informação relativa ao risco dispõe:
“1 - Para além do previsto no capítulo ii, o tomador do seguro obriga-se: a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários;” (realce nosso)
Ora, como decorre da matéria de facto provada, das folhas de férias enviadas pela empregadora à 1.ª ré, Seguradora – e que, tempestivas ou não, esta aceitou, como decorre da posição que assume nos autos -, não constavam as quantias que aquela pagava ao sinistrado sob a rubrica ajudas de custo.
Para esta situação, rege o artigo 79.º da LAT nos seguintes termos:
“(…) 4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida. 5 - No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.”
Assim e concluindo, a responsabilidade pela separação do acidente de trabalho aqui em causa no que tange à parte da retribuição não coberta pelo contrato de seguro (ajudas de custo) não pode deixar de ser, tal como decidiu o Tribunal recorrido, da 2.ª ré, empregadora.
De resto, a matéria de facto não permite imputar à seguradora uma actuação de má – fé ou concluir que esteja a agir em abuso de direito.
V - DECISÃO
Nestes termos, e sem prejuízo da alteração da matéria de facto acima determinada, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do(s) respectivo(s) recorrente(s).
Notifique.
Guimarães, 20 de Março de 2025
Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga
[1] Artigo este, como os restantes do CPC que vão mencionar-se, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT. [2] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor, in www.dgsi.pt, e em que interviemos como adjunto. [3] Sobre o tema, Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC- https://blogippc.blogspot.com/ - publicação do dia 30.01.2024; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora falam em “confissão substanciada (…) nos quais o declarante reconhece, não só a existência da relação jurídica invocada pela parte contrária, mas também os factos constitutivos dela”, v. Manual de Processo Civil, 2.ª Ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, nota 3, a pág. 537/538. [4] Proc. 443/13.0TTVNF.G1, Manuela Fialho, www.dgsi.pt [5] Ac. RL de 08.09.2010, Proc. 530/06.0TTVFX.L1-4, inwww.dgsi.mj.pt., em idêntico sentido, ainda recentemente - Ac. de 12-04-2024, Proc. 2875/20.8T8PNF.P1.S1, José Eduardo Sapateiro, www.dgsi.pt – o STJ decidiu “IV - Sendo o conceito de retribuição no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho bastante mais «generoso» e abrangente do que o determinado no Código do Trabalho de 2009, as normas constantes, por exemplo, do artigo 260.º de tal diploma legal e que desqualificam, em termos da sua natureza jurídica retributiva, diversos suplementos e remunerações entregues pelo empregador ao trabalhador têm de ceder perante as regras distintas e especiais do artigo 71.º e de outras disposições legais da Lei dos Acidentes de Trabalho.” [6] Expressão utilizada já por Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, Lex, 1994, pág. 252, sendo que o facto de tal referência ter sido feita por contraponto à noção de retribuição prevista na LCT continua actualmente válida por referência ao CT.