RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

Tendo a vítima do acidente de viação à data do mesmo 22 anos de idade, sendo o défice permanente parcial da integridade física de 35 pontos, com repercussões permanentes na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, bem como nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, sendo de admitir a existência de dano futuro, com ajudas técnicas permanentes, o quantum doloris de grau 5/7, o dano estético permanente de grau 5/7, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4/7 e a repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7, não é excessiva a indemnização fixada em 1.ª instância de € 50 000, 00 a título de dano biológico e de €60 000, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem €150 000,00 atinentes a perda de ganho e €50 000,00 a despesas.

Texto Integral

Proc. n.º 3737/21.7T8PRT.P1


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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.º adjunto: Jorge Martins Ribeiro
2.º adjunto: José Nuno Duarte







Acordam no Tribunal da Relação do Porto



AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., S.A.”.
Alega ter sido vítima de acidente de viação ocasionado pelo condutor do veículo de matrícula ..-OH-.., relativamente ao qual a responsabilidade civil se encontra transferida para a R..
Pediu a condenação da R. a pagar-lhe €339.975,12, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até pagamento e ainda nas quantias a liquidar após a ação ou em pedido que venha a ser formulado, por referência a danos que descreveu.
Veio, entretanto, liquidar o pedido, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe €461.419,85, acrescidos de juros de mora, desde a citação até pagamento, bem como no pagamento do que vier a suportar por referência aos custos com a realização de cirurgia(s) (partos por cesariana) a que venha a ser sujeita, a liquidar, e no pagamento dos valores vincendos anualmente, no montante calculado em metade do salário mínimo nacional em vigor e a vigorar no futuro, a liquidar.
A R. contestou, impugnando a versão do acidente fornecida pela A., bem como os prejuízos invocados.
Houve lugar ao saneamento do processo, com enunciação dos temas da prova.
Na sequência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. €310.000,00, sendo € 250 000,00 a título de danos patrimoniais e €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até pagamento, bem como a suportar as despesas que a A. venha a ter com cesarianas, caso as mesmas se venham a revelar necessárias, em valor a liquidar.
A R. foi absolvida dos demais pedidos formulados pela A..
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, finalizando com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo, por não ter sido feita uma correta interpretação e adequada subsunção jurídica dos factos, nem uma apropriada aplicação do direito, pelo que não pode a Seguradora Apelante conformar-se com os fundamentos que a sustentam.
2) Desde logo, a Recorrente pugna pela inalterabilidade da matéria de facto provada, mas já o mesmo não sucede com a que, no entendimento do Mmo. Tribunal, mereceu o tratamento de não provada, e sobretudo no que concerne às referências da velocidade em que seguiriam ambos os veículos no momento do acidente.
3) A Seguradora pretende, pois, impugnar a factualidade dada como não provada, sendo que a qualificação jurídica levada a cabo pelo Mmo. Tribunal a quo se afigura igualmente desajustada, ao ter aplicado o instituto da responsabilidade pela culpa exclusiva, imputada ao condutor do veículo seguro.
4) Até porque este Douto Tribunal apenas se ocupou da transgressão perpetrada pelo condutor da viatura segura, pelo simples facto de não ter conferido a prioridade à Autora, como devia - e como a Ré desde sempre assumiu – por se apresentar pela direita, não atentando a tantos outros factos que levam a concluir por uma velocidade desajustada, pela omissão de deveres de cuidado da condutora do motociclo, traduzíveis em desatenção e excesso de velocidade.
5) Desde logo, porquanto num local onde a velocidade permitida era a de 50 km/h, era expectável que a condutora do motociclo, para além de percecionar a viatura em plena faixa de circulação, tivesse um outro comportamento estradal, designadamente o de evitar os danos que vieram a ocorrer.
6) Do acervo documental dos autos, e sobretudo através da reconstituição do sinistro, junto com a contestação sob o documento nº 2, é possível demonstrar quais as partes embatidas dos veículos intervenientes - OH no pilar B entre as portas laterais direitas e a parte frontal do TC - assim como verificar a magnitude e a intensidade de impacto, sabendo que, para tal, apenas terá concorrido a velocidade de circulação do TC, atendendo à manobra que se encontrava a levar a cabo, a baixa velocidade.
7) Verifica-se, pois, que a decisão aqui posta em crise contempla verdadeiro erro de julgamento no que diz respeito à decisão de dar como não provada a velocidade do TC.
8) Vale a pena recordar, e para efeitos da dinâmica de sinistro, o teor da factualidade dada como provada (1º a 8º), e que, no entendimento deste julgador, foi apta a concluir pela culpa exclusiva do condutor do veículo OH:
❖O primeiro dos factos provados confere aos autos um correto circunstancialismo espacial/temporal (facto 1).
❖O facto seguinte identifica os intervenientes e a qualidade em que circulariam na via, indicando os veículos e as respetivas matrículas (facto 2).
❖Seguidamente ficou demonstrado, quais os sentidos de marcha que cada um desenvolvia (factos 3 e 4).
❖Outra factualidade relevante para a dinâmica foi a de identificar a manobra de mudança à esquerda levada a cabo pelo veículo OH, não sem antes abrandar e sinalizar devidamente a sua manobra, mas invadindo a faixa de circulação do motociclo (facto 5).
❖Ainda se demonstrou que, por causa dessa manobra de mudança de direção à esquerda, o veículo terá invadido a faixa de circulação do motociclo, tendo-se dado o embate naquela via, e entre a frente do primeiro (TC) na parte lateral direita do OH (factos 6 e 7).
❖A finalizar, ficou provado que a estrada, no local onde veio a ocorrer o acidente, configura uma reta, tem bom piso, dois sentidos de trânsito, e cerca de 7,40 metros de largura (facto 8).
9) Com relevo para a análise dos factos referentes à dinâmica do sinistro, foi produzida a prova documental (reconstituição do acidente de viação) e testemunhal BB (prestado em audiência de julgamento de 07/02/2024), gravado no ficheiro informático, com as explicações fornecidas pela testemunha, em complemento com o teor do relatório de reconstituição do sinistro junta os autos com a contestação, as razões que levaram à sua realização (danos corporais graves), quais os objetivos (determinação das velocidades de ambos os intervenientes no pré impacto) e a partir de que ferramentas (dados objetivos fornecidos pelo auto de participação).
10) Os autos conferem profusa prova documental que inferem pela violência do impacto (pilar B – uma das zonas mais resistentes do veículo), a que, imediatamente, se associa velocidade desajustada à permitida no local, segundo as regras da experiência comum.
11) Por outro lado, consta da sentença, e no elenco dos factos provados, que o TC embateu com a sua parte frontal na parte lateral direita do veículo, sem que seja feita qualquer referência à zona – pilar B.
12) A visibilidade oferecida será em ambos os sentidos, podendo até, caso a condutora do motociclo estivesse atenta ao trânsito, revelar-se suficiente, para evitar o sucedido, mormente a gravidade da produção de danos corporais infligidos nela própria.
13) Não tendo o Meritíssimo Julgador dado qualquer valor probatório ao parecer técnico junto aos autos, mesmo depois de exercido o competente contraditório, não se aceita que aquele meio de prova não possa ter sido valorado livremente pelo tribunal, tendo por base a credibilidade, o grau e consistência da sua competência técnica e a qualidade científica do mesmo.
14) Deste modo, podemos concluir que a sentença padece de uma omissão de valoração de um meio de prova apto, em tese, a fazer demonstrar o excesso de velocidade, por parte da Autora, sem que ofenda o princípio da legalidade.
15) Assim, deve o facto contido na contestação sobre a velocidade mínima a que o motociclo circularia deveria ter sido levada à factualidade provada, através do depoimento do Eng. BB, em conjugação com o estudo dinâmico do sinistro.
16) Ponderando estes aspetos, face aos argumentos acima apresentados, e tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, justifica-se, em parte, alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor, sobre as referências às velocidades de cada um dos intervenientes.
17) Aduz-se ainda que não se compreende por que razão não ficou demonstrado o seguinte facto, alegado pela recorrente: veículo motociclo de marca HONDA, modelo ...
18) Aliás, efetuada uma pesquisa das características deste motociclo, poder-se-á verificar que este motociclo atinge facilmente velocidades acima dos 200 km/h, tratando-se de uma mota robusta e com clara aptidão para obedecer a comandos de travagem.
19) Adicionalmente, também não se aceita que o facto alegado sobre a velocidade permitida no local, a sinalização vertical e a que se encontra marcada no pavimento, não tenham sequer merecido qualquer menção (se provado ou não provado).
20) Não obstante, tal factualidade é de singela demonstração, devendo, por esse facto, ser aditada à factualidade provada, com a seguinte redação:
3A) No sentido de circulação do motociclo, e antes da zona de conflito, existe o sinal vertical A16a (passagem para peões e o C11b) proibição de virar à esquerda e a 30 metros o H7- passagem de peões, seguido das marcas rodoviárias M11.
3B) Ao longo da via que antecede a zona de conflito, existe a linha contínua, passando a descontínua nas zonas de intersecção com as vias adjacentes à Rua ... e particularmente no entroncamento com a Avenida ....
3C) Sendo certo que a velocidade máxima legalmente permitida no local é de apenas 50 km/h.
21) Em face dessa nova factualidade, caso o motociclo circulasse dentro desse limite, e atenta a ampla visibilidade de que dispunha, seria expectável que a sua condutora lograsse imobilizar no espaço livre e visível à sua frente, sendo legítimo concluir que a velocidade de que vinha animado o motociclo era manifestamente excessiva.
22) Razão pela qual, a recorrente sugere a inclusão de novos factos, conforme a seguir se sugere:
Aditamento ao facto 2: 2A)
veículo motociclo de marca HONDA, modelo ..., 3A)
No sentido de circulação do motociclo, e antes da zona de conflito, existe o sinal vertical A16a (passagem para peões e o C11b) proibição de virar à esquerda e o H7- passagem de peões, seguido das marcas rodoviárias M11.
3B) Ao longo da via que antecede a zona de conflito, existe a linha contínua, passando a descontínua nas zonas de intersecção com as vias adjacentes à Rua ... e particularmente no entroncamento com a Avenida ....
3C) Sendo certo que a velocidade máxima legalmente permitida no local é de apenas 50 km/h.
8A)
A condutora do TC circulava na referida Avenida a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 km/h, não detendo a sua marcha no espaço livre e visível à sua frente (100 metros).
23) Na eventualidade de a matéria de facto sobre a velocidade da condutora do TC não poder ser elevada a factualidade provada, quer por via de reapreciação de depoimento, quer por via da reapreciação do parecer técnico, poderia ainda o Julgador, concluir nesse mesmo sentido, através de ilações ou presunções, de meios lógicos ou mentais de descoberta dos factos, operações probatórias que se firmam em regras da experiência conhecidas pelo homem médio.
24) Face à dimensão dos danos materiais e corporais e à reportagem fotográfica impressiva existente nos autos, verifica-se que o embate foi violento, de tal modo que a zona do pilar B ficou muito afetada, e que o motociclo sofreu danos avultados, de natureza estrutural.
25) As regras da experiência demonstram que a força cinética de um objeto aumenta com a respetiva velocidade e que num embate entre dois veículos a projeção violenta de um deles indica que foi atingido com maior força cinética/velocidade.
26) Analisando os elementos objetivos constantes dos autos podemos concluir que, todos eles conjugados entre si, permitem concluir que a velocidade do motociclo da autora era, indeterminada, mas largamente superior a 50/ km/h.
27) Podemos assim afirmar que a chamada presunção judicial é a ilação que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido – cf. Art.º 349 do Código Civil.
28) Deve pugnar-se pela repartição da culpa na produção do acidente ajuizada por este Mmo. Tribunal a quo - imputando a proporção equitativa de 50% ao condutor do veículo seguro e de 50% à condutora do motociclo.
29) A operada na douta sentença afigura-se desajustada, em face da dinâmica do sinistro devidamente ilustrada no relatório de reconstituição do acidente.
30) Sendo que, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, o Mmo. Tribunal a quo, ao invocar a exclusiva responsabilidade do condutor do veículo seguro, fê-lo por apelo a critérios e asserções demasiado desproporcionados e severos, que não encontram arrimo, nem nos factos provados, nem em critérios equitativos, reais e objetivos.
31) Nem se estranharia, atenta a parca factualidade apurada (segundo convicção do julgador, incluindo a velocidade de qualquer um dos intervenientes), que o Tribunal optasse pelo risco.
32) Nos acidentes de viação em que não se logre apurar, como causa, a velocidade dos intervenientes, o risco decorre da natureza do próprio veículo enquanto máquina potencialmente perigosa, que circula por estradas públicas, onde, em qualquer altura, pode ocorrer voluntária ou involuntariamente, um acidente.
33) Bem pelo contrário, dos factos provados resulta que o condutor do veículo seguro, para além de ter abrandado, assinalou previamente a sua intenção de manobra.
34) Os danos em discussão ocorreram como consequência direta e necessária da colisão entre ambos, encontrando-se, portanto, estreitamente conexionados com a circulação rodoviária e em relação de causalidade com o risco inerente à utilização dos veículos automóvel e motociclo.
35) Acresce ainda que do elenco da factualidade considerada provada não decorre, ainda que de forma meramente indiciária ou perfunctória, a atuação exclusivamente culposa do condutor do veículo OH.
36) Pelo que, e sempre com o máximo respeito, atento o disposto nos art.º 503º n.º 1 e 506º do Cód. Civil, a responsabilidade pelo risco, é de imputar, de forma equitativa, em igual medida, a ambos os intervenientes.
37) Assim, e no caso de ser considerado por este Douto Tribunal, não ter existido qualquer violação de norma estradal, por banda dos condutores, deve a douta sentença recorrida, ser revogada, por uma outra, cujo desfecho seja o de responsabilizar, de forma equitativa, e sem culpa, os condutores dos veículos intervenientes.
38) Entendeu este Douto Tribunal atribuir, a título de danos patrimoniais, as seguintes verbas:
Perda de capacidade de ganho - 150.000,00€
Despesas já efetuadas e as que terá que arcar até ao final da sua vida - 50.000,00€ - consultas, tratamentos médicos, medicamentos e fraldas
Dano biológico - 50.000,00€ - Total - 250.000,00€
39) Desde logo, e com o máximo respeito por diverso entendimento, impõe-se fazer aqui um apontamento no que diz respeito ao facto da indemnização fixada, não se alicerçar em critérios suficientemente concretizados, mostrando-se um tanto ou quanto arbitrária, ficando a Seguradora sem perceber – pois tal não foi mencionado na decisão em causa – quais foram os cálculos que estiveram na origem das verbas atribuídas, na vertente patrimonial (como por exemplo, o cálculo do valor do vencimento/salário mensal, das despesas passadas e futuras) elementos esse que se mostram absolutamente essenciais e que, no caso concreto, apesar de constarem evidenciados do elenco dos factos provados, não se vislumbra qual o iter lógico dos valores alcançados.
40) Considerando-se, então, este valor de salário, os 46 anos de média de vida ativa e, bem assim, que a recorrida ficou afetado de um défice de 35 pontos, temos que num raciocínio puramente linear, esta perda da capacidade de ganho inerente ao dano psico-somático repercute-se no valor (linear) de Euro 100.000,00.
41) Considerando, porém, que no caso concreto, resultou provado que as sequelas de que a recorrida ficou a padecer não são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual. Assim, cabe efetuar um juízo equitativo e sem olvidar a vantagem para o recorrido de receber tal valor adiantadamente de uma só vez, para Euro 100.000,00 (e ao invés dos Euro 150.000,00 fixados na douta sentença aqui posta em crise).
42) Ao contemplar diverso entendimento, andou mal o Mmo. Tribunal a quo, incorrendo em violação, além do mais, do disposto no art.º 562º do Cód. Civil.
43) Deverá, pois, a douta sentença proferida ser, nesta parte revogada e substituída por outra que, nos termos supra expostos, altere o valor indemnizatório em causa, fixando, assim, e a título de dano patrimonial, uma indemnização de Euro 100.000,00 (e no qual se incluirá o dano biológico).
44) Não se conforma igualmente a Seguradora recorrente com o valor de Euro 60.000,00 arbitrado como indemnização por danos não patrimoniais, por considerar que o mesmo se mostra igualmente excessivo.
45) Sendo certo que, “no que concerne aos danos não patrimoniais, interessa dizer que o Tribunal tem, para o efeito, não que encontrar e ajuizar o “quanto as coisas valem”, como o faz para a avaliação dos danos patrimoniais, mas sim que encontrar o “quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem reparação indireta” (Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 377): cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/10/2017, proferido no processo n.º 8543/10.1TBCSC.l1-7, disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se que para vítima de 55 anos à data do acidente, a que foi fixada incapacidade de 60%, tendo ficado a necessitar de supervisão de terceira pessoa para garantir as tarefas da vida diária tais como vestir-se, lavar-se, alimentar-se, com enorme sofrimento físico em termos de dores, depressão, perda de autonomia, dano estético relevante, fixou a quantia indemnizatória de Euro 60.000,00 a título de danos não patrimoniais.
46) Ora, comparando tais circunstâncias com a situação concreta da recorrida nos presentes autos não pode a Seguradora recorrente deixar de constatar que a quantia de Euro 60.000,00 arbitrada se mostra francamente desajustada aos efetivos danos em apreço.
47) Assim sendo, tendo por base os supracitados arestos, e atendendo à factualidade considerada provada e relevante para esta questão (sobretudo a períodos de défice funcional total, quantum doloris, dano estético e demais padecimentos havidos por força do acidente), temos que se mostraria justo e adequado o montante nunca superior a Euro 45.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela A., aqui recorrida.
48) Ora, se o juiz atribuiu o valor de danos não patrimoniais já atualizado, deixa de fazer sentido a aplicação retroativa do corretor monetário.
49) Segundo o acórdão uniformizador n.º 4/2002, os juros reportam-se à data da sentença, se esta teve em conta no cálculo do montante da indemnização a inflação verificada entre a data do evento danoso e a data da decisão que calcula o valor da indemnização, ou seja, se foi uma decisão atualizadora.
50) Pelo valor, dir-se-ia que sim.
51) Pela omissão de referência à atualização da indemnização, fica-se na dúvida.
52) Assim, devem ser contabilizados juros sobre o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais, desde a prolação da sentença.
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A A. contra-alegou, terminado nos moldes que de seguida se reproduzem,
I. Compulsados os autos, vem a Ré/Recorrente, lançar mão do disposto no art.º 647.º n.º 4 do CPC, atribuindo à respetiva apelação efeito suspensivo, com prestação da respetiva e devida caução;
II. Ora, s.m.o., não se perspetiva a ocorrência dos constrangimentos a que se reporta a Ré/Recorrente para fundamentar a atribuição de um tal efeito, pretendendo apenas a mesma protelar o desfecho da ação;
III. Atribuir um efeito suspensivo à presente apelação, não obstante salvaguardar à Ré/Recorrente, de alegados prejuízos, acarretaria constrangimentos à Autora/Recorrida, adiando o desfecho da demanda e, bem assim, a estabilização da vida da Autora;
IV. Pelo que deverá atribuir-se à presente apelação o efeito meramente devolutivo;
V. No que à apelação em si mesma diz respeito, a Autora/Recorrida concorda com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, não merecendo a mesma qualquer reparo;
VI. Face à prova produzida não há qualquer ponto da sentença que mereça censura e a subsunção dos factos ao direito é absolutamente cristalina;
VII. Não resulta dos autos qualquer elemento probatório que permita atribuir qualquer culpa Autora na produção do acidente;
VIII. Pelo contrário, tal não é possível afirmar quanto ao condutor do veículo segurado pela aqui Ré;
IX. Isto porque não cuidou o veículo ligeiro de passeiros OH de respeitar as mais elementares regras de segurança rodoviária, tendo, inclusive, acelerado a marcha com vista a adiantar o veículo;
X. A condutora do veículo TC não está obrigada a prever a imprevidência do condutor do veículo OH, não podendo prever que, tendo prioridade na via onde circulava, e embora o veículo que circulava em sentido contrário tenha dado pisca para indicar a sua manobra, que aquele efetivamente a vai concretizar antes da sua passagem;
XI. Atente-se, a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/09/2022, proferido no âmbito do processo n.º 24766/19.5T8PRT.P1, relativo ao acidente de viação em lide nos presentes autos, tendo-se concluído por uma condução imprudente e incauta do condutor do veículo OH;
XII. O veículo OH cortou a via de marcha do motociclo TC, impedindo-o de efetuar qualquer manobra que evitasse a colisão dos dois veículos;
XIII. Carecendo, portanto, de sentido o alegado pela Ré aqui Recorrente, concordando-se in totum com a douta sentença proferida;
XIV. Não poderá a Recorrente invocar o argumento de uma alegada velocidade excessiva do veículo TC com o objetivo único de imputar também à Autora a responsabilidade pelo sinistro;
XV. Não resulta dos autos qualquer elemento probatório que permita concluir a que velocidade seguia a Autora;
XVI. Tão pouco se poderá retirar de qualquer elemento probatório que a mesma seguia a velocidade excessiva em face do limite de velocidade permitido naquela via de trânsito;
XVII. E tal não poderá resultar, sem mais, dos cálculos realizados e discriminados no relatório de reconstituição do acidente;
XVIII. Isto porque a reconstituição de acidentes carece do mesmo relevo probatório que uma perícia;
XIX. Tanto mais que, no presente caso, um tal relatório mostra-se incompleto, carecendo de dados relativos à posição dos veículos, o local preciso do embate ou a velocidade que animava ambos os veículos;
XX. Pelo que não poderia o douto Tribunal a quo decidir que o facto a, b ou c se considerava provado tendo em conta o simples relatório de reconstituição de acidente;
XXI. Existindo nos autos prova suficiente, documental e testemunhal, o Tribunal deverá concentrar nela a formação da sua convicção com vista a formular o seu juízo, não podendo atribuir valor ao relatório em detrimento da demais prova produzida no processo;
XXII. Por outro lado, não poderia, no caso vertente, o douto Tribunal a quo socorrer-se de presunções judiciais a contento da Ré/Recorrente, atentas as circunstâncias do caso em concreto;
XXIII. Não resulta dos autos qualquer elemento tendente a imputar qualquer responsabilidade à Autora pela produção do acidente, o que já não se poderá dizer quanto ao condutor do veículo segurado pela Ré/Recorrente;
XXIV. Ademais, sempre se diga, não logrou a Ré/Recorrente afastar a respetiva culpa;
XXV. Pelo que nunca poderiam as presunções judiciais contribuir para imputar também à Autora uma tal responsabilidade;
XXVI. Pelo que bem andou o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu;
XXVII. Do mesmo modo, tão pouco poderá proceder o argumento da Ré/Recorrente quanto à aplicação ao caso da responsabilidade pelo risco.
XXVIII. Tal seria o caso se não se tivesse apurado a culpa de nenhum dos condutores no acidente de viação em causa, o que não sucedeu no presente caso;
XXIX. Pelo que, uma vez mais, bem andou o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu;
XXX. O mesmo se diga quanto ao quantum indemnizatório atribuído à Autora aqui Recorrida, mostrando-se o mesmo equilibrado e dentro dos juízos de equidade que devem pautar as decisões dos Tribunais, não merecendo qualquer reparo;
XXXI. Tão pouco assiste razão à Ré/Recorrente no que respeita ao cálculo dos juros de mora devidos, na medida em que, não resultando da douta sentença a fixação do montante de indemnização atribuído de forma atualizada, pelo que sempre serão devidos juros de mora desde a citação;
XXXII. Pelo que, em face do exposto, andou bem o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, concordando a aqui Recorrida, in totum, com a douta decisão proferida.
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto;
b - da medida da responsabilidade pelo acidente;
c - da medida da indemnização por despesas, danos patrimoniais e dano biológico;
d - da medida da indemnização por danos não patrimoniais;
e - do momento a partir do qual devem ser contabilizados os juros sobre a indemnização por danos não patrimoniais.
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III - Fundamentação de facto (constante da sentença)
1- No dia 7 de outubro de 2018, cerca das 19.35h, na Rua ...), mais precisamente no entroncamento com a Avenida ..., na cidade de Valongo, concelho de Valongo, ocorreu um acidente de viação, em local como descrito na participação e croquis elaborado pela PSP e junto aos autos como doc. n.º 1 da petição inicial;
2- Foram intervenientes no acidente CC, condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-OH-.. e a autora, AA, condutora do motociclo de matrícula ..-..-TC;
3- Naquela altura e circunstâncias de tempo e lugar, a autora, AA, conduzia o motociclo TC na Rua ...), no sentido Valongo - Porto, via de dois sentidos, na sua mão de trânsito, atento o seu sentido de marcha;
4- Por sua vez, o condutor do veículo OH circulava na Rua ...), no sentido contrário Porto - Valongo;
5- Em momento em que o motociclo TC circulava na sua mão de trânsito, atento o seu sentido de marcha, o condutor do veículo OH, abrandou, sinalizou a luz de mudança de direção à esquerda, para ingressar e circular pela Avenida ..., que entronca com a Rua ..., invadindo a faixa de rodagem contrária por onde, então, circulava o motociclo TC, conduzido pela autora;
6- Em face dessa manobra do condutor do OH, a autora, conduzindo o TC, embateu com a frente do motociclo na parte lateral direita do OH;
7- O embate ocorreu na faixa de rodagem por onde, então, circulava o TC;
8- A estrada, no local onde veio a ocorrer o acidente, configura uma reta, tem bom piso, dois sentidos de trânsito, e cerca de 7,40 metros de largura;
9- Como consequência direta e necessária do acidente, a autora sofreu lesões graves, nomeadamente, e entre o mais:
a) “Traumatismo Crânio Encefálico ligeiro, mínimo HSD na tenda do cerebelo; Pequena contusão temporo-polar drt”;
b) “Fratura linear do ápex petroso bilateral com desalinhamento de topos ósseos e pequeno fragmento que se projeta na cavidade de Meckel à drt”;
c) “Fratura complexa da bacia”;
d) “Fratura de ambos os ramos isquiopúbicos, sem significativo desalinhamento; Diástase da sínfise púbica (alargamento máxima de 46 mm), ligeiramente desalinhada”;
e) “Fratura da vertente anterosuperior de ambos os acetábulos”;
f) “Fratura longitudinal da asa sagrada esquerda, com atingimento dos buracos de conjugação e afastamento máximo dos topos ósseos de 6 mm; Diástase das articulações sacro-íliacas, mais evidentemente à direita (afastamento máximo de 10 mm)”;
g) “Fratura do pedículo posterior esquerdo de L5”;
h) “Fratura terço distal da diáfise do fémur direito”;
i) “Fratura do radio distal esquerdo e estiloide cubital esquerda”;
j) “Fraturas da faceta articular superior esquerda e arco posterior de S1”
k) “Deformidade do fémur direito”;
l) “Limbus vertebrae de L5”;
m) “Edema e deformidade do punho esquerdo”;
n) “Ferida incisa no dorso do 2º dedo da mão direita” (doc. nº 4 junto com a petição inicial);
10- Do local do acidente foi de imediato transportada para o Centro Hospitalar ... na cidade do Porto, onde foi encaminhada para a unidade de cuidados intensivos, sendo, como foi sujeita a várias cirurgias, tratamentos e exames de diagnóstico, nomeadamente vários RX, TAC e RNM (mesmo doc.);
11- Logo nesse dia 8 de outubro de 2018, no aludido Hospital ... a autora foi submetida, no bloco operatório do serviço de urgência, a intervenção cirúrgica, com transfusão de sangue per-operatória, com os seguintes procedimentos: “osteotaxia de fractura da bacia e do fémur direito e a imobilização do punho esquerdo com tala gessada” (mesmo doc.);
12- Após a aludida cirurgia a autora foi sedada e colocada com ventilação mecânica invasiva (suporte ventilatório invasivo) (mesmo doc.);
13- Nos 17 dias seguintes, a autora manteve-se na unidade de cuidados intensivos, sedada, com ventilação mecânica invasiva, com cateter epidural (coma induzido), com colar cervical, leito duro e mobilização em bloco (mesmo doc.);
14- No dia 16 de outubro de 2018, no Hospital ..., a autora foi novamente sujeita a intervenção cirúrgica, pela especialidade de ortopedia, com os seguintes procedimentos:
“a) Fractura Bacia
- “Parafusos percutâneos nas sacroilíacas; Osteossíntese da sínfise com placa;
Extracção do fixador externo”;
b) Fractura cominutiva do punho esquerdo
- “Incisão distal do rádio sobre o tendão do FCRB, cerca de 8 cm, com Z final na prega do punho; Identificação do mediano e artéria radial”;
- “Plano pelo bordo radial do FCRB, até ao pronador quadrado”;
- “Desinseção radial do mesmo e abordagem do plano ósseo, fixação provisória com fios de Kirschner; controlo de RX”;
- “Adaptação de placa LOQTEQ; aplicação de 5p. distais e 2 diafisárias. Controlo RX”.
c) Fratura do fémur distal drtº
- “ Extração do Hoffmann II”;
- “Incisão suprimindo a pele em mau estado dos pinos, excisão dos trajetos e cauterização destes e dos furos ósseos”;
- “Identificação dos fragmentos proximal, distal e 3º fragmento em borboleta”;
- “Redução aberta de fratura de outros ossos, com fixação interna”;
- “Redução aberta de fratura do rádio e cubito, com fixação interna”;
- “Redução aberta de fratura do fémur, com fixação interna”;
- “Redução do foco e adaptação de placa LOQTEQ com 3p acima e 6 abaixo do foco, com interfragmentário”, “controlo de RX”, vide relatório hospitalar (referido doc. nº 4);
15- Ainda na unidade de cuidados intensivos, a autora foi extubada no dia 22.10.2018 (mesmo doc.);
16- Sendo-lhe diagnosticadas várias feridas, nomeadamente no braço direito por cateter arterial, no pescoço por cateter venosos central, no dorso central por cateter epidural, ferida cirúrgica no 2º dedo da mão direita, ferida cirúrgica no queixo e uma “infeção de ferida operatória”, vide relatório hospitalar (mesmo doc.);
17- Avaliada por cirurgia plástica, no dia 25 de outubro de 2018, foi também diagnosticada à autora uma “úlcera occipital com escara extensa e profunda”, pelo que foi efetuado “desbridamento mecânico de tecido necrosado e desvitalizado” (mesmo doc.);
18- Ainda na unidade de cuidados intensivos, a autora foi avaliada por ortopedia, sendo-lhe identificada ferida cirúrgica ao nível da coxa, pelo que no dia 24 de outubro de 2018, a autora foi novamente sujeita a mais uma intervenção cirúrgica (mesmo doc.);
19- No dia 25 de outubro de 2018, a autora foi transferida para a unidade de cuidados intermédios, no mesmo Hospital ... (mesmo doc.);
20- A autora continuou a efetuar tratamentos vários, nomeadamente tratamento à úlcera de pressão e a várias feridas (mesmo doc.);
21- No dia 26 de outubro de 2018, a autora foi transferida para o serviço de ortopedia do mesmo hospital;
22- No dia 31 de outubro de 2018, devido a infeção de material de osteossíntese do fémur direito, a autora foi novamente encaminhada para o bloco operatório para ser sujeita a nova cirurgia para “limpeza cirúrgica da coxa” (mesmo doc.);
23- No dia 7 de novembro de 2018, a autora foi novamente submetida a intervenção cirúrgica para “osteoclasia de facturada da base de M1 mão drt. e redução e fixação com 2 fios K” e “Limpeza cirúrgica da coxa direita” (mesmo doc.);
24- Em finais de novembro, ainda internada no hospital, a autora foi encaminhada para a especialidade de estomatologia que identificou forte suspeita de “eventual fratura condiliana mandibular” (mesmo doc.);
25- Naquele hospital, efetuou pelo menos os seguintes exames complementares de diagnóstico:
- dia 07/10/18 – TAC crânio encefálico;
- dia 07/10/18 – TAC coluna complexo;
- dia 07/10/18 - ECO coluna cervical;
- dia 07/10/18 – TAC abdómen-pélvico;
- dia 07/10/18 – RX tórax e membros;
- dia 08/10/18 – TAC crânio encefálico;
- dia 08/10/18 – TAC traumatismo esplénico;
- dia 08/10/18 – TAC asa esquerda do sacro;
- dia 08/10/18 – TAC punho esquerdo;
- dia 08/10/18 – TAC bacia;
- dia 09/10/18 – RX tórax;
- dia 09/10/18 – RNM cervical;
- dia 16/10/18 – RX punho esquerdo;
- dia 16/10/18 – RX fémur;
- dia 16/10/18 – RX punho esquerdo;
- dia 17/10/18 – TAC bacia;
- dia 17/10/18 – RX bacia;
- dia 17/10/18 – RNM coluna cervical;
- dia 17/10/18 - RNM politrauma;
- dia 18/10/18 – RX punho esquerdo;
- dia 18/10/18 – TAC crânio encefálico;
- dia 13/11/18 – RX fémur;
- dia 06/12/18 – RNM coluna cervical;
- dia 12/12/18 – RX mão direita;
- dia 15/01/19 - ECO partes moles;
- dia 15/01/19 – ECO articular;
- dia 15/01/19 - ECO coxa direita;
- dia 11/02/19 - TC temporo-mandibular;
- dia 15/03/19 – RX bacia e fémur;
- dia 20/05/19 – ECO cervical;
- dia 20/05/19 – ECO articular;
- dia 21/05/19 – RX mão direita;
- dia 28/05/19 – ECO partes moles;
- dia 05/06/19 - ECO reno vesical;
- dia 22/06/19 – TAC mão direita;
- dia 03/08/19 - TAC mão direita;
- dia 21/12/19 – ECO partes moles (mesmos doc. nº 4);
26- Foi prescrito à autora, antiobioterapia venosa e analgesia contínua, entre o mais:
- fosfato dipotássico 349mg/ml sol inj – contínua;
- sulfato magnésio 2000mg/10ml sol inj – 8/8h;
- propofol 20mg emuls – contínua;
- fentanilo 0.05 mg/ml sol inj – contínua;
- midazolam 50mg sol inj – contínua;
- noradrenalina 1mg/ml sol inj – contínua;
- ranitidina 50mg/2ml sol inj – 3id/7h;
- metoclopramida 10mg/2ml sol inj – 8/8h;
- cloreto potássio 75mg/ml sol inj – contínua;
- bisacodilo 5 mg comp oral - 12/12h;
- furosemida 20mg/2ml sol inj – 3id/7h-15;
- enoxaparina 40mg/0,4 sol inj – 1d 19/h;
- paracetamol 10mg/ml sol inj – sos 8/8h;
- picosulfato sódio 7.5mg/ml sol oral – 3id/9h;
- alprazolam 0.5mg comp – oral;
- ciprofloxacina- 750mg com;
- forxiga 10mg comp ver;
- amoxicilina ac clav.
- tramadol (mesmo doc.);
27- Atualmente, a autora, entre o mais, toma a seguinte medicação:
- Amitriptilina, 25mg, duração prolongada 1 comprimido 1 vez/dia ao deitar;
- Gabapentina, 400mg, duração prolongada, 1 comprimido 8/8 h;
- Fluoxetina, 20mg, duração prolongada, 2 comprimidos depois do peq. Almoço;
- Zolpidem, 10mg, 1 comprimido 1 vez dia;
- Duloxetina, 30mg duração prolongada, ½ comp.;
- Tramadol e Paracetemol;
- Nimesulina ratiopharm mg 100mg;
-Aspirina gr 100mg;
28- Foi-lhe dada alta hospitalar em 18 de dezembro de 2018;
29- Após alta hospitalar, e durante o ano de 2019 e 2020, foi acompanhada pelas especialidades de ortopedia, cirurgia plástica, uroginecologia, fisiatria, estomatologia, psicologia e dor crónica, urologia e nutrição em várias consultas externas, à razão de, em média, uma consulta semanalmente durante o ano de 2019 e uma quinzenal no ano de 2020, o que perfaz uma média de mais de 72 consultas externas, na Casa de Saúde ... e no Centro Hospitalar ..., efetuando vários exames complementares, nomeadamente RX, TAC e RNM, sentindo, como sente dores na perna direita, membros superiores (ambas as mãos/punho), coluna, bacia, maxilares e sofre de grave quadro de incontinência urinária (mesmo doc.);
30- Desde a alta hospitalar, 18 de dezembro de 2018, até finais de maio de 2019 a autora esteve em repouso domiciliário, ficando acamada, a deslocar-se em cadeira de rodas e a deambular no domicílio com o apoio de canadianas;
31- Iniciando a partir de 26 de dezembro de 2018 um longo percurso, até final de 2020 e inícios de 2021, de tratamentos, sessões de fisioterapia, hidroterapia, consultas externas de várias especialidades, nomeadamente RPP devido ao quadro de incontinência urinária e exames de diagnóstico;
32- A partir de 26 de dezembro de 2018 até março de 2020 a autora realizou, no Hospital ..., diariamente (5 dias por semana) sessões de fisioterapia e desde abril de 2020 até final de 2020 realizou 3 sessões semanalmente, o que perfaz mais de 400 sessões de fisioterapia (fisioterapia, hidroterapia, tratamento pélvico e terapia ocupacional);
33- A autora, em 10 de setembro de 2019, no seguimento do tratamento devido ao acidente, foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital ..., com o seguinte diagnóstico “Luxação crónica da articulação trapezo-metacarpiana com hiperextensão compensatória da metacarpofalangica à direita”, pelo que foi realizada “artrodese da articulação não especificada” (mesmo doc. nº 4);
34- Em 17 de junho de 2020, também no Hospital ..., a autora foi sujeita a nova cirurgia pela especialidade de cirurgia plástica, para tratamento da úlcera da região occipital (referido doc. nº 4);
35- A autora poderá vir a necessitar de novas cirurgias ao maxilar, estética, para correção ou remoção de material de osteossíntese ou para cirurgia/tratamento do quadro de incontinência urinária;
36- De igual modo, a autora terá ainda de suportar as despesas decorrentes dos tratamentos médicos, cirúrgicos e fisiátricos que necessitar no futuro e, bem assim, dos custos com medicamentos;
37- Ainda em consequência do acidente em causa, resultaram para a autora os tratamentos e sequelas descritos no exame médico-pericial do INML de 09.08.2023, que aqui se considera integrado nos seus dizeres e que concluiu pela seguinte forma:
“− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 07/10/2020.
− Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 76 dias. Acresce-se a este período um de 3 dias (cf. Discussão)
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 656 dias Acresce-se a este período um de 183 dias (cf. Discussão).
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 732 dias.
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período total de 87 dias.
Quantum Doloris fixável no grau 5/7.
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 35 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro
− As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares
− Dano Estético Permanente fixável no grau 5/7.
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4/7.
− Repercussão permanente na Atividade Sexual fixável no grau 4/7
− Ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas.

A examinanda apresenta alterações que poderão vir a determinar a realização de cesariana, nomeadamente:
(1) Múltiplas fraturas da pélvis consolidadas com algum desalinhamento
De acordo com os mesmos autores (Ommetti et al) as sequelas de fraturas ou fraturasluxação da pélvis, podem causar estreitamento do canal de parto o que poderá vir a constituir indicação para cesariana.
(2) Osteossíntese das sacroilíacas e da sínfise púbica (por diástase destas articulações)
Ainda de acordo com os mesmos autores (Ommetti et al) deve ser dada particular atenção à presença de material de osteossíntese que limite a amplitude de movimento das articulações sacroilíacas ou que bloqueie a sínfise púbica pois tais condições podem constituir indicação para cesariana.”;
38- Em esclarecimento posterior, datado de 09.08.2023, O INML concluiu ainda que:
“De acordo com a informação prestada pela Examinada “Precisou de ajuda de 3º pessoa (pais) durante 3-4 meses (para comer, para se lavar terão sido 6 meses).”, cf. consta na secção “A.
História do Evento” do relatório pericial final.
A examinanda é autónoma na realização das atividades da vida diária, mas referiu dificuldade na realização de tarefas esporádicas tais como passar a roupa a ferro ou trocar a cama. Pode admitir-se que beneficia de ajuda de 3ª pessoa também ela esporádica, pelo que é difícil apresentar uma estimativa concreta, não obstante e tendo em conta o questionado sugere-se ajuda de 3ª pessoa num período de 2-3h com periodicidade quinzenal.”
39- A autora necessitou da ajuda de uma terceira pessoa, durante, pelo menos, 5 meses desde a alta hospitalar até final de maio de 2019, período durante o qual esteve incapacitada para realizar toda e qualquer tarefa, nomeadamente para tomar banho/higiene pessoal, deslocar-se à casa de banho, cozinhar refeições, vestir-se, calçar-se, companhia durante alguns períodos em casa, já que necessitava de ser vigiada durante o período em que esteve acamada/impossibilitada de sair da habitação;
40- A autora era solteira, não obstante viver com os pais, a mãe trabalhava a efetuar limpezas em casas particulares, deixando, como deixou de trabalhar parcialmente noutros locais, para cuidar da autora, sua filha, que se comprometeu a pagar tais horas que lhe foram dedicadas;
41- Como acima referido (relatório do INML), a autora irá continuar a necessitar de ajuda de uma terceira pessoa para executar tarefas domésticas que exigem algum esforço;
42- A autora reside atualmente noutra morada, com companheiro e em união de facto entre ambos;
43- A autora, devido ao acidente dos autos, pagou, a título de despesas médico-medicamentosas, tala de imobilização, cadeira de rodas e dispositivos auxiliares de marcha a quantia de €1.185.90 (mil cento e oitenta e cinco euros e noventa cêntimos);
44- A autora, em consequência do acidente, sofre de incontinência urinária, pelo que teve de começar a usar diariamente absorventes higiénicos de grande absorção, tendo o custo de cada embalagem o valor de cerca de € 6,95 (seis e euros e noventa e cinco cêntimos), necessitando e gastando em média 3 embalagens semanalmente, pelo que tem o custo médio mensal de cerca de €83,40 (oitenta e três euros e quarenta cêntimos), com o aludido material de proteção, tendo a autora, suportado o custo de €2.168,40 (dois mil cento e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos);
45- A autora, ainda em consequência do acidente, pagou, a título de transportes (táxi) para se deslocar aos tratamentos nos primeiros quinze dias após a alta, o valor de € 260,90 (duzentos e sessenta euros e noventa cêntimos);
46- Teve se deslocar diariamente, pelo menos durante dois anos (algumas ocasiões mais de que uma vez por dia), por causa das consultas agendadas e para efetuar tratamentos, fisioterapia, hidroterapia e exames complementares de diagnóstico, o que passou a fazer na sua própria viatura, solicitando a familiares que conduzissem o veículo;
47- Tendo, para esse efeito, efetuado cerca de 9.600 km durante aquele período temporal;
48- A autora, devido ao acidente dos autos, não consegue exercer a sua profissão de operadora especializada (departamento de charcutaria), já que não consegue, nomeadamente, e entre o mais, subir a escadas/escadotes (carregar presuntos que se encontram pendurados), estar de pé mais de meia hora seguida (o trabalho é executado integralmente de pé), não consegue manipular máquinas e ferramentas de corte (fiambreiras, facas, cutelos e outros), porquanto não consegue segurar com firmeza e precisão facas e cutelos e sente muitas dores em ambas as mãos e punho, não consegue segurar e carregar material pesado (peças de carnes, presuntos, embalagens com peças de fiambre, chouriços, etc…), sente dores em ambas as mãos/punho, coluna, joelho e tíbia direita e tem associado ao esforço um quadro de incontinência urinária;
49- À data do acidente, a autora exercia as funções de operadora especializada (departamento de charcutaria), na sociedade comercial “B..., S.A.” (Supermercados C...), auferindo o vencimento mensal líquido de € 911,64 (novecentos e onze euros e sessenta e quatro cêntimos);
50- Após baixa médica, a autora foi reintegrada no seu local de trabalho, mas em funções diferentes, atendendo ao acima referido;
51- A autora era, à data do acidente, uma mulher jovem, com 22 anos de idade (doc. junto aos autos);
52- A autora, mesmo com os longos tratamentos a que foi sujeita, tem, entre o mais:
a) várias cicatrizes visíveis em ambas as mãos/pulsos;
b) área de alopecia (falta de cabelo) da região occipital (dez virgula cinco por três centímetros de dimensão);
c) cicatriz submentoniana com 3 cm;
d) zona cicatricial alargada da região cervical anterior e inferior;
e) pontos cicatriciais hipertróficos da região anterior direita do torax;
f) cicatriz linear, transversal da região púbica, com 12 cm;
g) cicatriz da face volar;
h) pequenas áreas cicatriciais da região púbica direita e esquerda, e
i) cicatriz na face lateral do membro inferior direito, desde o terço proximal até abaixo do joelho, com 29 cm de comprimento por três de largura (doc. nº 12 junto com a petição inicial);
53- Para efetuar correções cirúrgicas para debelar tais cicatrizes, o seu custo será de cerca de € 12.670,00 (doze mil seiscentos e setenta euros);
54- Em consequência do acidente, a autora não consegue conduzir motociclos, atividade lúdica a que se dedicava;
55- Sente-se socialmente limitada com as cicatrizes e mazelas sofridas, deixando de frequentar ginásio, piscinas, praia e eventos sociais;
56- A autora perspetiva seguir as pisadas de seu pai e pretendia ingressar nos quadros da Guarda Nacional Republicana, tendo, no dia 03.09.2018, submetido a sua candidatura e procedido à sua inscrição no portal de recrutamento da G.N.R. (processo nº ...39), tendo para o efeito pago o valor de € 40,56, para validação da candidatura (doc. 14 junto com a petição inicial);
57- Aquando do acidente, a autora ficou com toda a roupa danificada, um par de calças, camisa, blusão de pele, sapatos, capacete e telemóvel destruídos, tudo no valor de cerca de € 600,00 (seiscentos euros);
58- A ré, por contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ...67/6, à data do acidente, garantia a responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação do veículo ..-OH-..;
59- A autora, mercê do acidente de viação e como resulta da perícia médico-legal do INML, irá continuar durante a necessitar de apoio médico (consultas) e medicamentoso.
*

Factos considerados não provados na sentença:
- as referências a velocidade a que seguiriam ambos os veículos no momento do acidente;
- as referências à propriedade, posse e direção efetiva de ambos os veículos;
- que o condutor do automóvel OH não tivesse visto qualquer trânsito em sentido contrário quando decidiu prosseguir a manobra de mudança de direção;
- que quando o condutor do OH iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda o motociclo tripulado pela autora estivesse a cerca de 90 metros, seguindo esta desatenta e em velocidade imprudente.
*

IV - Fundamentação jurídica

A - Da reapreciação da matéria de facto
A R. requer que seja aditada à matéria adquirida para os autos o seguinte facto:
A condutora do TC circulava na referida Avenida a velocidade não concretamente apurada, mas superior a 50 km/h, não detendo a sua marcha no espaço livre e visível à sua frente (100 metros).
Fundamenta a sua pretensão no depoimento de BB e no estudo do sinistro, elaborado pela testemunha ora identificada.
Do relatório do sinistro apresentado pela R., subscrito pela aludida testemunha, consta, assinaladamente, o seguinte:
(…) no contacto estabelecido com o agente participante (DD), nas instalações da PSP em Valongo, foi-me transmitido pelo próprio que não tinha mais nenhum dado relevante e que desconhecia inclusivamente a posição final quer da viatura quer do corpo do motociclista.
(…) através de diálogo estabelecido com os bombeiros voluntários (EE vol.22 e FF vol.67), que estiveram no local a prestar auxílio à vítima, foi possível aferir que o corpo do motociclista se encontrava imobilizado na hemifaxa que circulava a cerca de 15 metros do local de embate, conforme representado no croqui elaborado à escala nas fig. 7 e 8.
Esta dinâmica acontece, quando o motociclista no momento do embate perde o contacto com o motociclo sendo projetado à velocidade correspondente entre a energia que circulava e a dissipada no embate com o veículo ligeiro de passageiros e transposição do mesmo.
E conclui:
(…) no momento em que o veículo ligeiro de passageiros inicia a manobra de mudança de direção à esquerda em direção à Avenida ..., o motociclo encontrava-se a uma distância de 93 metros do local do embate, gastando neste percurso 3,67 segundos, o que é substancialmente superior ao tempo de reação do condutor que é cerca de 1segundo.
(…) as conclusões em relação às condições em que ocorreu o acidente são:
9.1 - O motociclo, aqui designado por veículo “V2”, circulava a uma velocidade mínima compreendida entre os 92 km/h e os 93 km/h, no momento em que se produziu o embate entre as duas viaturas.
9.2 – Nesse mesmo instante, o veículo ligeiro de passageiros, aqui designado por veículo “V1”, circulava a uma velocidade máxima de 16 km/h tal como devidamente calculado através do método da quantidade de movimento.
9.3 - A velocidade máxima permitida para o local é de 50 km/h.
9.4 – Existe visibilidade a uma distância de cerca de 100 metros do local onde se produziu o embate, em cada um dos sentidos de circulação.
9.5 – Se o condutor do motociclo circulasse à velocidade máxima permitida para o local (50 km/h), necessitaria apenas de 26 metros de distância para imobilizar o veículo em perfeitas condições de segurança, considerando já o tempo de reação do condutor.
9.6 - No instante em que o condutor do veículo ligeiro de passageiros inicia a manobra de mudança de direção à esquerda em direção à Avenida ..., o motociclo encontrava-se a uma distância de 93 metros de distância do local de embate.
Para chegar às assinaladas conclusões, constata-se que BB se alicerçou na distância a que a condutora do motociclo ficou do local do acidente. Conforme decorre do relatório carreado para os autos, é com base neste pressuposto que toda a narrativa é gizada, já que, naturalmente, para poder proceder ao cálculo da velocidade, era necessário medir a distância entre o local do embate e o local para o qual a A. foi projetada.
A este propósito lê-se no estudo: o condutor do motociclo após a colisão é projetado, e fica imobilizado a cerca 15 metros de distância do local do acidente, segundo declarações dos bombeiros que estiveram no local a prestar auxílio à vítima.
Em julgamento, o condutor do veículo ligeiro, CC, referiu que quando já estava a virar, tem ideia de ver uma coisa à sua frente, verificando-se logo em seguida o embate. As testemunhas que seguiam no veículo, GG e HH depuseram no sentido de não estar a prestar atenção. HH, que seguia ao lado do condutor, e que seria a pessoa que mais facilmente se poderia ter apercebido do que ocorreu, disse que ia a olhar para o telemóvel.
A circunstância de BB referir que, questionados os bombeiros, estes lhe terão indicado (aonde, no local, num mapa, num croquis?) o preciso local onde a A. ficou imobilizada é manifestamente insuficiente para estear a convicção do tribunal a propósito da precisa distância a que a A. terá ficado do local do embate e, por consequência, da velocidade a que seguia.
Atente-se ainda em que na participação do acidente elaborada pela autoridade policial consta que só o motociclo se encontrava no local, nada tendo sido presenciado acerca do exato local do embate.
Nas declarações do condutor do veículo ligeiro prestadas à entidade policial logo após o acidente, portanto com uma imediação muito superior ao depoimento em audiência, lê-se o seguinte: (…) ao virar no cruzamento à minha esquerda só visualizei a mota quando já estava a atravessar a via contrária, então tentei adiantar-me para evitar a colisão, mas a mota ainda embateu contra a minha viatura.
Esta versão é compatível com a circunstância, visível nas fotografias do veículo ligeiro, de este exibir maiores estragos na porta traseira do lado direito, o que mais leva a crer que o seu condutor se adiantou na marcha. Se se tentou adiantar na faixa da rodagem, presumivelmente, alguma distância teria do motociclo.
A apelante sugere ainda que o tribunal retire a ilação de que o motociclo seguia a velocidade superior a 50km através de ilações ou presunções, de meios lógicos ou mentais de descoberta dos factos, operações probatórias que se firmam em regras da experiência conhecidas pelo homem médio. Não se entrevê, porém, quais estes possam ser. A gravidade dos danos no veículo ligeiro não é suscetível de, por si só, demonstrar a velocidade a que seguia o motociclo. O tribunal não se pode bastar com meras suposições ou conjeturas.
Em conclusão, não existem elementos bastantes no processo que permitam firmar a convicção no que respeita à velocidade a que seguia o motociclo, assinaladamente que esta sequer excedia 50km por hora ou uma qualquer velocidade entre 50 e 93km horários.
Desatende-se, por isso, esta pretensão da R..
Requer a R. que passe a constar dos factos assentes
- Aditamento ao facto 2: 2A) veículo motociclo de marca HONDA, modelo ..., 3A)
- No sentido de circulação do motociclo, e antes da zona de conflito, existe o sinal vertical A16a (passagem para peões e o C11b) proibição de virar à esquerda e o H7- passagem de peões, seguido das marcas rodoviárias M11.
- Ao longo da via que antecede a zona de conflito, existe a linha contínua, passando a descontínua nas zonas de intersecção com as vias adjacentes à Rua ... e particularmente no entroncamento com a Avenida ....
- Sendo certo que a velocidade máxima legalmente permitida no local é de apenas 50 km/h.
A matéria de facto adquirida deve espelhar de forma tão concreta quanto possível a prova produzida nos autos, atentas todas as soluções plausíveis de direito. Por não ser controvertido e permitir o enquadramento da matéria dos autos, aquiesce-se à pretensão da recorrente, no que se refere à marca e modelo do motociclo e à velocidade máxima permitida no local. Aditam-se, assim, os seguintes factos à matéria assente:
- O motociclo em que a A. seguia era da marca HONDA, modelo ....
- A velocidade máxima legalmente permitida no local é de 50 km/h.
A apelante não justifica o acrescento atinente à sinalização existente no local, nem esta tem relação direta com o acidente a que se reportam os presentes autos. Não se entrevendo fundamento para o aditamento, indefere-se, nessa parte, a alteração da matéria de facto.
*

b - Da medida da responsabilidade pelo acidente e do afastamento da responsabilidade pelo risco
Sustenta a apelante que nos acidentes de viação em que não se logre apurar, como causa, a velocidade dos intervenientes, o risco decorre da natureza do próprio veículo enquanto máquina potencialmente perigosa, que circula por estradas públicas, onde, em qualquer altura, pode ocorrer voluntária ou involuntariamente, um acidente. E prossegue, uma vez que o condutor do veículo, para para além de ter abrandado, assinalou previamente a sua intenção de manobra, atento o disposto nos artigos 503.º/1 e 506.º do Código Civil, a responsabilidade pelo risco seria de imputar, de forma equitativa, em igual medida, a ambos os intervenientes.
Tem o seguinte teor a conclusão 37 das alegações: assim, e no caso de ser considerado por este Douto Tribunal, não ter existido qualquer violação de norma estradal, por banda dos condutores, deve a douta sentença recorrida, ser revogada, por uma outra, cujo desfecho seja o de responsabilizar, de forma equitativa, e sem culpa, os condutores dos veículos intervenientes.
Para melhor esclarecimento, transcreveremos em seguida as normas do Código da Estrada que melhor interessam ao caso em apreço, inclusivamente segundo a versão do acidente avançada pela R..
Preceitua o art.º 24.º/1 (princípios gerais) (com fundamento no qual, aliás a ora apelante comunicou à A. que entendia existirem culpas concorrentes em 50% para cada um dos condutores) que o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Art.º 29.º (princípio geral): O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direção deste.
Art.º 30.º/1 (regra geral) - Nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita.
Art.º 35.º/1 (disposição geral para algumas manobras em especial) - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.
Art.º 44.º/1 (mudança de direção para a esquerda) - O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
Relativamente à velocidade, sabemos já que nada se apurou em concreto acerca da velocidade a que os veículos seguiam.
Quanto à dinâmica do acidente, sabemos que o condutor do veículo ligeiro deveria ter procedido à manobra de mudança de direção, certificando-se previamente que da sua realização não resultaria perigo ou embaraço para o trânsito e que deveria ceder a passagem ao motociclo, já que este se lhe apresentava pela direita. A via tinha visibilidade de 100 metros, pelo que é de supor que o condutor do veículo ligeiro teve oportunidade de visualizar a A..
O condutor do veículo de matrícula ..-OH-.. infringiu, assim, as normas estradais contidas no art.º 30.º/1 e no art.º 35.º/1 do Código da Estrada aludidas, já que não cedeu a passagem a veículo que se lhe apresentava pela direita e que iniciou a manobra de mudança de direção para a esquerda sem se certificar de que o podia fazer em segurança.
Ao invés, nada se apurou de irregular no que concerne à conduta da A., assinaladamente quanto à velocidade.
Tendo sido violadas concretas regras estradais, inexiste fundamento para sequer fazer apelo à responsabilidade pelo risco, conforme o preceituado no art.º 506.º do C.C..
Deve, por isso, ser mantida a decisão de 1.ª instância que imputou ao condutor do veículo ligeiro a totalidade da responsabilidade pelo embate.
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c - Da medida da indemnização por despesas, danos patrimoniais e dano biológico
Quanto à indemnização fixada, a sentença recorrida condenou a R. a pagar a € 250 000, 00, sendo € 150 000,00 por perda de capacidade de ganho, € 50 000, 00 referentes a despesas já efetuadas e àquelas com que terá que arcar até ao final da sua vida (consultas, tratamentos médicos, medicamentos e fraldas) e € 50 000,00 a título de dano biológico.
Alega a recorrente que a decisão não mostra alicerçada em critérios suficientemente concretizados, mostrando-se um tanto ou quanto arbitrária, ficando a Seguradora sem perceber - pois tal não foi mencionado na decisão em causa - quais foram os cálculos que estiveram na origem das verbas atribuídas, na vertente patrimonial (como por exemplo, o cálculo do valor do vencimento/salário mensal, das despesas passadas e futuras) elementos esse que se mostram absolutamente essenciais e que, no caso concreto, apesar de constarem evidenciados do elenco dos factos provados, não se vislumbra qual o iter lógico dos valores alcançados.
A recorrente prossegue dizendo considerando-se, então, este valor de salário, os 46 anos de média de vida ativa e, bem assim, que a recorrida ficou afetado de um défice de 35 pontos, temos que num raciocínio puramente linear, esta perda da capacidade de ganho inerente ao dano psico-somático repercute-se no valor (linear) de Euro 100.000,00.
E conclui que, considerando que as sequelas de que a recorrida ficou a padecer não são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, caberia efetuar um juízo equitativo, sem olvidar a vantagem para a recorrido de receber tal valor adiantadamente de uma só vez. Pugna a apelante pela fixação do dano em € 100.000,00, em que inclui a compensação pelo dano biológico.
Em súmula, a apelante entende que a indemnização deverá passar de € 250.000,00 para um valor unitário de €100.000,00 de compensação para a globalidade dos prejuízos em causa.
Debrucemo-nos num primeiro momento sobre as despesas.
A sentença recorrida condenou a R. a pagar à A. € 50.000,00 referentes a despesas já efetuadas e àquelas com que terá que arcar até ao final da sua vida (consultas, tratamentos médicos, medicamentos e fraldas).
Embora a apelante pretenda que o valor atinente seja integrado na quantia de € 100 000, 00, que entende ser a adequada a indemnizar a A. por danos patrimoniais, despesas e dano biológico, as suas conclusões cingem-se a afirmar que o tribunal de 1.ª instância não esclareceu o modo como alcançou o valor em causa.
Para além da referência a deslocações, consta dos factos assentes que a A. poderá vir a necessitar de novas cirurgias ao maxilar, estética, para correção ou remoção de material de osteossíntese ou para cirurgia/tratamento do quadro de incontinência urinária e que terá de suportar as despesas decorrentes dos tratamentos médicos, cirúrgicos e fisiátricos que necessitar no futuro e, bem assim, dos custos com medicamentos. No ponto 27 consta a medicação atualmente tomada pela A. (amitriptilina, gabapentina, fluoxetina, zolpidem, duloxetina, tramadol e paracetamol, nimesulina e aspirina). No ponto 43 consta que a A. pagou, a título de despesas médico-medicamentosas, tala de imobilização, cadeira de rodas e dispositivos auxiliares de marcha a quantia de € 1 185,90. No ponto 44, que em consequência da incontinência urinária, a A. teve de começar a usar diariamente absorventes higiénicos de grande absorção, tendo o custo de cada embalagem o valor de cerca de € 6,95 necessitando e gastando em média três embalagens semanalmente, pelo que tem o custo médio mensal de cerca de € 83,40, tendo suportado já custo de € 2 168, 40. No ponto 45 consta que a A., ainda em consequência do acidente, pagou, a título de transportes (táxi) para se deslocar aos tratamentos nos primeiros quinze dias após a alta, o valor de € 260,90. No ponto 46 consta que teve se deslocar diariamente, pelo menos durante dois anos (algumas ocasiões mais de que uma vez por dia), por causa das consultas agendadas e para efetuar tratamentos, fisioterapia, hidroterapia e exames complementares de diagnóstico, o que passou a fazer na sua própria viatura, solicitando a familiares que conduzissem o veículo. No ponto 47 consta que, para esse efeito, efetuou cerca de 9 600 km durante aquele período temporal. No ponto 53 que as correções cirúrgicas para debelar as cicatrizes terão um custo de cerca de € 12 670, 00.
De acordo com a publicação do INE “Tábuas de Mortalidade em Portugal - NUTS - o triénio 2021-2023, a esperança de vida à nascença para as mulheres foi estimada em 83,67 anos
Veja-se que só o valor mensal dos pensos para a incontinência urinária, se multiplicados pelo número de meses que integram a aludida esperança média de vida para as mulheres portuguesas, ascende a € 60 048, 00 (720 (60 anos x 12 meses) x 83,40).
Atenta a amplitude e diversidade das afeções da A. e a extensão do auxílio médico e medicamentoso de que tem carecido por força do acidente e de que continuará a precisar, a quantia fixada pelo tribunal de 1.ª instância não é exagerada.
No que se refere aos prejuízos de natureza estritamente patrimonial que extravasam a componente de despesas apurou-se que a A. não consegue exercer a sua profissão de operadora especializada no departamento de charcutaria, que à data do acidente exercia, auferindo o vencimento mensal líquido de € 911,64 e que após baixa médica foi reintegrada no seu local de trabalho, mas em funções diferentes. Bem assim, que a A. se tinha candidatado anteriormente a ingressar na Guarda Nacional Republicana. Atentas as limitações de que padece, é manifesto que a prossecução dos seus intentos nesta vertente lhe ficou vedada.
Partimos da circunstância essencial de à data do acidente a A. ter 22 anos de idade.
A plêiade de limitações de que enferma não deixa dúvidas acerca da impossibilidade de aumentar a sua remuneração como guarda nacional republicana ou em qualquer profissão que exija esforço físico, por mínimo que seja, já que o uso das mãos e dos punhos é muito limitado. Tem dores na coluna, no joelho e na tíbia. Por outro lado, não consegue ficar em pé por mais de meia hora e sofre de incontinência urinária.
Há a considerar que as limitações de ganho se prolongam durante cerca de 45 anos (entre os 22 e os 67 anos) e, para além desse lapso temporal, no que concerne ao período da reforma, uma vez que, tendencialmente, a pensão refletirá um rendimento mais diminuto.
A progressão salarial com evolução na carreira ou o enveredar por uma nova profissão previsivelmente melhor remunerada (como seria ingressar na Guarda Nacional Republicana) foram francamente cerceados pelas sequelas do acidente.
Levando em linha de conta a esperança média de vida para as mulheres portuguesas de 83 anos que vimos de referir, teremos uma diminuição do nível de rendimentos durante cerca de 60 anos, o que equivale a 720 meses. Dividindo a indemnização fixada em 1.ª instância por 720 meses, alcançamos uma indemnização de € 208, 33 mensais.
Este quantitativo não se nos afigura exagerado a título de ressarcimento por perda de rendimento.
Mas mesmo que assim não se entendesse, pelo que iremos dizer em seguida a propósito da indemnização pelo dano biológico, o quantitativo indemnizatório no seu conjunto não deverá ser reduzido.
Relativamente ao dano biológico, está em causa termo que tem vindo a entrar na terminologia da doutrina e da jurisprudência nacionais por influência direta da doutrina e da jurisprudência italiana. Na jurisprudência portuguesa o conceito tem vindo a ser utilizado sobretudo a respeito da fixação de indemnizações em caso de acidentes de viação (cf. ac. do S.T.J. de 26.01.2012, proc. 220/2001-7.S1, João Bernardo, com resenha histórica do conceito e construção do dano biológico, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados).
O dano biológico tem uma componente física e psíquica, repercutindo-se na vida concreta do lesado. Neste sentido, entende-se que tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial, o que só casuisticamente é verificável. Há que avaliar se a lesão originará durante o período da vida ativa do lesado e/ou para além dele, uma perda da capacidade de ganho ou uma afetação das potencialidades somática, psíquica ou intelectual, a latere do agravamento natural resultante da idade. Tem a natureza de perda in natura que o lesado sofreu nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar (cf. ac. do S.T.J., de 21-4-2022, proc. 96/18.9T8PVZ.P1.S1, Fernando Baptista).
Lê-se no ac. do S.T.J. de 18-10-2018 (proc. 3643/13.9TBSTB.E1.S1, Hélder Almeida): a doutrina e a jurisprudência vêm considerando como integrantes do dano biológico diversas vertentes, parâmetros ou modos de expressão, entre eles avultando, pelo seu significado ou relevância o “quantum doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária –, o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural e cívica) – o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida – e, por fim, o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.
No ac. do S.T.J. de 10-11-2016 (proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, Lopes do Rego) consigna-se que ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal refletir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e refletindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o dano biológico remete mais acentuadamente para as consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado (cf. ac. do S.T.J de 24-2-2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, Maria Graça Trigo).
Em suma, dano biológico é o prejuízo na qualidade de vida do lesado, no que ela poderia ter sido e que, por causa da lesão, não é, nem será, a afeção do dia a dia, nas relações sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. É um dano de perda imediata e para o futuro, eventualmente mais gravoso com o passar dos anos. Poderá vir a demandar esforços acrescidos em todas ou nalgumas das vertentes identificadas da potencial vida do lesado. Tem em consideração que a desvalorização funcional comporta um esforço suplementar e uma diminuição da qualidade de vida futura. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para em termos de diminuição de proventos. Suscita especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes.
Inexistindo uma tabela a aplicar pelos tribunais, a fim de tornar as indemnizações tão equilibradas quanto possível, e com vista a introduzir segurança no sistema, há que proceder a uma análise comparativa.
O decurso dos anos - tratando-se, no caso concreto, de acidente de 2018 - e o acentuado o fenómeno inflacionista em curso menos devem fazer propender para a diminuição de valores.
Recordemos a factualidade que mais diretamente respeita a esta matéria, sem descurarmos a dificuldade de distinguir com precisão quanto se reporta especificamente ao dano biológico e quanto diz respeito estritamente aos danos não patrimoniais.
A A. não consegue, nomeadamente, e entre o mais, subir escadas/escadotes, estar de pé mais de meia hora seguida, manipular máquinas e ferramentas de corte e segurar com firmeza e precisão facas e cutelos. Sente muitas dores em ambas as mãos e punho, não consegue segurar e carregar material pesado, sente dores em ambas as mãos/punho, coluna, joelho e tíbia direita e tem associado ao esforço um quadro de incontinência urinária. Não consegue conduzir motociclos, atividade lúdica a que se dedicava. Tem várias cicatrizes visíveis em ambas as mãos/pulsos, área de alopecia (falta de cabelo) da região occipital (dez virgula cinco por três centímetros de dimensão), cicatriz submentoniana com 3 cm; zona cicatricial alargada da região cervical anterior e inferior; pontos cicatriciais hipertróficos da região anterior direita do torax; cicatriz linear, transversal da região púbica, com 12 cm; cicatriz da face volar; pequenas áreas cicatriciais da região púbica direita e esquerda, e cicatriz na face lateral do membro inferior direito, desde o terço proximal até abaixo do joelho, com 29 cm de comprimento por três de largura. A A. sente-se socialmente limitada com as cicatrizes e mazelas sofridas, deixando de frequentar ginásio, piscinas, praia e eventos sociais.
Vejamos alguns casos concretos de avaliação pelos tribunais de recurso, já que importa, não normalizar ou padronizar as indemnizações, mas conferir alguma unidade ao sistema jurídico, tornando tão previsíveis, quanto possível e desejável, as decisões judiciais.
No ac. do S.T.J. de 16-6-2016 (proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2, Tomé Gomes), decidiu-se que “tendo a A. a idade de 40 anos, à data da consolidação das sequelas, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de € 25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”.
No ac. da Relação de Lisboa de 26-9-2017 (proc. 10421/14.T2SNT-7, Carlos Oliveira), tendo o lesado 43 anos, sendo o défice funcional permanente da integridade física de 7 pontos, ponderando-se o rendimento mensal mínimo garantido, fixou-se uma indemnização de € 13 000, 00.
No ac. do S.T.J. de 6-12-2017 (proc. nº 559/10.4TBVCT.G1.S1, Maria Graça Trigo), à lesada com défice funcional de 2 pontos, 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior, foi atribuída indemnização de € 20 000,00.
No ac. do S.T.J. de 28-02-2019 (proc. 1940/14.5T8CSC.L1.S1, Nuno Pinto Oliveira) decidiu-se que o montante de € 50 000 euros era adequado a indemnizar o dano biológico sofrido pela lesada em acidente de viação, na consideração das seguintes circunstâncias: (i) a autora tinha 28 anos de idade, (ii) ficou com um défice funcional permanente da integridade física de 20 pontos, (iii) era estudante e sofreu uma diminuição da sua capacidade de concentração pelo período de dois anos, o que implicou um esforço acrescido, (iv) não consegue ficar muito tempo na mesma posição, (v) o eczema e impossibilidade de permanecer muito tempo de pé limitaram a escolha da especialidade médica da autora, (vi) actualmente exerce a profissão de médica e as lesões sofridas limitam a capacidade de trabalho e de resistência na sua vida profissional.
No ac. da Relação de Guimarães de 30-5-2019 (proc. 1760/16.2T8VCT.G1, Margarida Sousa), tendo o lesado 48 anos aquando da consolidação médico-legal das lesões, sendo o défice funcional de 4 pontos, a indemnização foi de € 15 000, 00.
No ac. da Relação do Porto de 12-7-2021 (proc. 3924/18.5T8AVR.P1, Eugénia Cunha), tendo o lesado 52 anos de idade e ficado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, sendo o quantum doloris no grau 5/7 e o dano estético permanente no grau 3/7, fixou-se uma indemnização de € 40 000, 00.
No ac. do S.T.J de 24-2-2022 (proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, Maria Graça Trigo), tendo o lesado 34 anos à data do sinistro e ficado com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00), estando em causa lesões com significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões), atribuiu-se uma indemnização de € 50 000, 00.
No ac. do S.T.J. de 21-4-2022 (proc. 96/18.9T8PVZ.P1.S1, Fernando Baptista): datando o acidente de 1-2-2015, sendo o défice funcional permanente de 2, tendo a vítima com 51 anos de idade, com profissão de enfermeira instrumentista, sendo o défice compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas a exigir esforços suplementares, a indemnização por dano biológico foi de € 22 000, 00.
No ac. do S.T.J. de 11-10-2022 (proc. 1822/18 1T8PRT.P1.S1, Ricardo Costa), com acidente ocorrido em 23/12/2015, em que a vítima tinha 35 anos de idade, era médico e professor, ficou com défice funcional permanente de 3 pontos, com necessidade de esforços suplementares no desempenho habitual da atividade profissional, a indemnização por dano biológico foi de € 30 000, 00.
No ac. de 17-1-2023 (proc. 5986/18.6T8LRS.L1.S1, António Barateiro Martins), tendo a lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma incapacidade de 14,8 pontos, sem rebate profissional, mas com sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, entendeu-se equitativo fixar a indemnização por tal dano biológico em € 50 000,00.
Compulsada esta resenha, afigura-se-nos que o montante fixado, por confronto com a jurisprudência mais recente, e sem descurar o caso concreto, ficou inclusivamente aquém dos valores que vêm sendo fixados. As limitações da A. são penosas e inabilitantes e prolongar-se-ão por todos os anos para aquela expectavelmente vindouros. Daí que, no cômputo global, tal qual expresso pela apelante, a indemnização referente a despesas, danos patrimoniais por perda de ganho e dano biológico não deva sofrer redução.
A apelante censura outrossim à sentença recorrida a circunstância de não ter tomado em consideração o facto de a apelada ir receber a indemnização de uma só vez.
A vantagem de a indemnização ser percebida de uma só vez baseia-se na ideia de se tratar de um capital reprodutor de rendimento. Atentas as taxas de juro que vêm sendo praticadas no mercado financeiro nos últimos anos, dificilmente a entrega única poderá, todavia, ser considerada como constituindo factor para um abaixamento significativo da indemnização.
Considerando que os quantitativos fixados não são elevados, tampouco é de reduzir a indemnização por força desta condicionante.
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d - Da medida da indemnização por danos não patrimoniais;
Não se conforma igualmente a recorrente com o valor de €60.000,00 arbitrado como indemnização por danos não patrimoniais, por considerar que o mesmo se mostra excessivo. Entende que a indemnização deverá ser de € 45.000,00.
A reparação de um dano deve, em princípio, como já se disse, servir para reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562.º do C.C.).
A indemnização pode ser alcançada de duas formas: ou através da reconstituição natural, em espécie ou específica, ou mediante uma compensação monetária, em dinheiro.
O nosso Código Civil, como se viu, consigna o princípio geral da indemnização em espécie.
Esta reconstituição, obviamente, é impossível quanto aos danos não patrimoniais em geral e no tocante ao dano morte em particular.
Trata-se, por isso, de impor ao ofensor uma sanção em benefício do ofendido, sanção, que, pela própria natureza das coisas, só poderá consistir em facultar a este um substituto pecuniário.
É que, fora das hipóteses em que a infração cometida tivesse carácter criminal ou disciplinar e não existindo danos patrimoniais, o infrator escaparia a toda e qualquer sanção, sem embargo da lesão causada na esfera pessoal de outros, o que só é aceitável para quem tenha uma visão inteiramente não punitiva da responsabilidade civil.
Por outra parte, entende-se que determinadas satisfações de ordem material, intelectual ou espiritual, proporcionadas por um maior bem-estar económico poderão, de algum modo, ainda que imperfeitamente, minorar o dano não patrimonial sofrido.
Dispõe o art.º 496.º/1 do C.C. que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela de direito. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (art.º 496.º, nº 1 do Código Civil).
E o n.º 3 deste mesmo art.º que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º.
O art.º 494.º para o qual este último remete estabelece que quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
No art.º 496.º apela-se a um conceito normativo de dano (normativer Schadensbegriff). O dano não é qualquer prejuízo sentido ou afirmado por alguém como tal. Apesar de a ordem jurídica o não definir em geral, ele deve justificar-se por aplicação de critérios normativos, alicerçar-se numa ponderação da ordem jurídica. (Frada, Manuel Carneiro da, Direito Civil Responsabilidade Civil O Método do Caso, Almedina, 2006, pp. 89-90).
A compensação por danos não patrimoniais, para responder atualizadamente ao comando do art.º 496.º do C.C. e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Não está em causa verdadeiramente em causa uma indemnização, mas apenas encontrar o montante adequado de uma compensação por danos não patrimoniais, de acordo com o disposto nos artigos 494.º e 496.º do C.C..
Torna-se forçoso encontrar um quantitativo dentro dos padrões jurisprudenciais em vigor, que possa, porventura, servir para suportar o custo de lenitivos do sofrimento.
Antes de mais, sempre se repetirá que os danos não patrimoniais em questão são obviamente de molde a merecer a tutela do direito. Estão em causa não só os sofrimentos experimentados pela A. no momento do acidente e meses subsequentes, as dores e o medo, como o cortejo de verdadeiros transtornos que se seguiram, no caso envolvendo internamento hospitalar entre 7-10-2018 e 18-12-2018, deslocações aos médicos de especialidades múltiplas e a hospitais, exames, cirurgias, fisioterapia. Há que ponderar as mudanças no quotidiano, as dependências de terceiros, as limitações nas atividades correntes, incluindo, nos meses iniciais, para tomar banho e para comer, os esforços acrescidos e o próprio sofrimento ao longo dos anos vindouros, que não se incluem no dano biológico.
Relativamente ao pedido da apelante de redução do valor indemnizatório por danos não patrimoniais, para além de todo o enquadramento fáctico expressivo do sofrimento da A., respigamos a factualidade que se segue:
30- Desde a alta hospitalar, 18 de dezembro de 2018, até finais de maio de 2019 a autora esteve em repouso domiciliário, ficando acamada, a deslocar-se em cadeira de rodas e a deambular no domicílio com o apoio de canadianas;
31- Iniciando a partir de 26 de dezembro de 2018 um longo percurso, até final de 2020 e inícios de 2021, de tratamentos, sessões de fisioterapia, hidroterapia, consultas externas de várias especialidades, nomeadamente RPP devido ao quadro de incontinência urinária e exames de diagnóstico;
32- A partir de 26 de dezembro de 2018 até março de 2020 a autora realizou, no Hospital ..., diariamente (5 dias por semana) sessões de fisioterapia e desde abril de 2020 até final de 2020 realizou 3 sessões semanalmente, o que perfaz mais de 400 sessões de fisioterapia (fisioterapia, hidroterapia, tratamento pélvico e terapia ocupacional);
33- A autora, em 10 de setembro de 2019, no seguimento do tratamento devido ao acidente, foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital ..., com o seguinte diagnóstico “Luxação crónica da articulação trapezo-metacarpiana com hiperextensão compensatória da metacarpofalangica à direita”, pelo que foi realizada “artrodese da articulação não especificada” (mesmo doc. n.º 4);
34- Em 17 de junho de 2020, também no Hospital ..., a autora foi sujeita a nova cirurgia pela especialidade de cirurgia plástica, para tratamento da úlcera da região occipital (referido doc. nº 4);
35- A autora poderá vir a necessitar de novas cirurgias ao maxilar, estética, para correção ou remoção de material de osteossíntese ou para cirurgia/tratamento do quadro de incontinência urinária;
O Período de Défice Funcional Temporário Total foi fixado num período de 76 dias. Acresce-se a este período um de 3 dias (cf. Discussão)
O Período de Défice Funcional Temporário Parcial foi fixado num período 656 dias. Acresce-se a este período um de 183 dias (cf. Discussão).
O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total foi fixado num período total de 732 dias.
O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial foi fixado num total de 87 dias.
O quantum doloris foi fixado no grau 5/7.
O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixado em 35 pontos, com admissão da existência de dano futuro
As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares
O Dano Estético Permanente foi fixado no grau 5/7.
A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer foi fixada no grau 4/7.
A Repercussão Permanente na Atividade Sexual foi fixada no grau 4/7
A A. sente-se socialmente limitada com as cicatrizes e mazelas sofridas, tendo deixado de frequentar ginásio, piscinas, praia e eventos sociais.
No âmbito da indemnização por danos não patrimoniais assume fundamental relevo a equidade. Sem embargo, haverá, uma outra vez, que ponderar a indemnização fixada no contexto do que vem sendo jurisprudencialmente praticado.
Escreveu Laurinda Gemas (Revista Julgar n.º 8, 2009, nota de rodapé 57): a quase estagnação dos montantes indemnizatórios atribuídos a título de danos não patrimoniais não é fácil de ultrapassar, para ela contribuindo, por um lado, o baixo valor dos pedidos formulados (registando-se, por razões sociológicas, um certo “pudor em pedir dinheiro” para compensar uma dor que é irreparável, sendo frequentes as decisões judiciais que reconhecem a moderação do pedido); por outro lado, o não reconhecimento pelos tribunais da relevância da função punitiva da responsabilidade civil no âmbito dos acidentes de viação (uma vez que a condenação recai, em regra, sobre a seguradora) e também a necessidade de recurso comparativo às decisões proferidas em casos idênticos. Por isso, embora frequentemente invocada a necessidade de tendencial ampliação dos montantes indemnizatórios, essa subida não tem sido generalizada, por forma a acompanhar a subida do custo de vida e o mais amplo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais (vida, integridade física e saúde).
A realidade, porém, é que este texto, de 2009, está marcado pelo tempo. Paulatinamente, os montantes indemnizatórios têm vindo a ser atualizados, refletindo a relevância crescente conferida a prejuízos da natureza daqueles sob discussão.
Procedamos a breve resenha que cremos elucidativa.
No ac. do S.T.J. de 25-5-2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1, Lopes do Rego), a um lesado com 19 anos, com um défice permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos e quantum doloris de 4/7 foi fixada indemnização a título de danos não patrimoniais de € 50 000, 00.
No ac. da Relação de Guimarães de 27-2-2020 (proc. 4000/16.0T8BRG.G1, Purificação Carvalho), a um lesado com um défice permanente de 22, 4 pontos e quantum doloris de 4/7 foi fixada indemnização de € 40 000, 00.
No ac. da Relação do Porto de 12-7-2021 (proc. 3924/18.5T8AVR.P1, Eugénia Cunha), a um lesado com 52 anos de idade, défice permanente de 14 pontos e quantum doloris de grau 5/7, atribuiu-se indemnização de € 40 000, 00.
No ac. da Relação de Guimarães de 21-10-2021 (proc. 5405/19.0T8GMR.G1, Pedro Maurício), a um lesado de 21 anos, com défice permanente de 10 pontos e quantum doloris de grau 4/7, atribuiu-se indemnização de € 22 000, 00.
No ac. do S.T.J. de 8-11-2022 (proc. 2133/16.2T8CTB.C1.S1, António Magalhães,), a um lesado com 30 anos, com défice permanente correspondente a 15 pontos, e quantum doloris de 6/7, atribuiu-se indemnização de € 70 000, 00.
O mosaico espelhado deixa a nu a dificuldade de encontrar valores expectáveis.
Como se lê no ac. do S.T.J. de 2-2-2023 (proc. 2501/10.3TVLSB.L1.S1, Ana Paula Lobo), na avaliação dos danos não patrimoniais, em que o critério da sua fixação segundo a equidade é o único aplicável cremos difícil a definição de um padrão indemnizatório seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça por mais minuciosa que seja a análise dos dados disponíveis em cada processo e em cada fundamentação da indemnização arbitrada. O número de variáveis a considerar é muito elevado dado que cada decisão se molda ao caso concreto com idades, profissões, situações profissionais, sociais, económicas e culturais muito diversas, é escrita por uma pluralidade de juízes com a sua própria visão do direito e do mundo, num mosaico plurifacetado em que será possível delinear pouco mais que tendências e, mesmo estas, fortemente condicionadas não pela justiça do caso concreto mas pelos espartilhos processuais que condicionam, quando não afunilam e fazem descolar da realidade as decisões exclusivamente de direito nos recursos de revista.
Já se viu que os critérios sempre fundamentalmente em análise consistem na idade do lesado e consequente esperança média de vida, ou seja, o número de anos durante os quais é expectável que venha a ter que suportar os sofrimentos físicos e imateriais inerentes ao défice permanente, o grau deste - ainda que défices de nível razoavelmente díspar atinjam indemnizações similares - e as dores envolvidas.
A estes critérios aferidores acresce uma plêiade de factos avulsos, como sejam as concretas circunstâncias que se seguiram ao evento desencadeador da responsabilidade civil, a sua duração e impacto na vida do sinistrado.
Está em causa um juízo de justiça concreta, não sindicável ou aferível por uma base normativa, o que torna a questão mais sensível e de difícil avaliação.
No caso concreto não se nos afigura existir um desvio, no sentido do excesso, à suposta média. A lesada padeceu durante um largo período de modo particularmente intenso as repercussões do acidente, as sequelas são graves e abrangentes e é muito jovem, pelo que é previsível que o seu sofrimento psíquico se mantenha durante quase 60 anos - a justeza dos montantes indemnizatórios alcançados provém, precisamente, do lapso temporal pelo qual os padecimentos, previsivelmente, farão o seu caminho.
Mesmo reportada à data da citação - 11-5-2021 -, não se entende a indemnização fixada como excessiva.
Entende-se, por conseguinte, ser de manter a indemnização fixada.
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e - Do momento a partir do qual devem ser contabilizados os juros sobre a indemnização por danos não patrimoniais.
A apelante sustenta que os juros de mora sobre o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais devem ser contabilizados desde a prolação da sentença e não desde a data da citação.
Alega que se o juiz atribuiu o valor de danos não patrimoniais já atualizado, dizendo dever ser o caso, atento o valor da indemnização, ficando-se, todavia, na dúvida pela omissão de referência à atualização da indemnização, deixa de fazer sentido a aplicação retroativa do corretor monetário.
A sentença condenou a R. a pagar a indemnização fixada, acrescida de juros de mora contabilizados a partir da data da citação.
A citação correu em 11-5-2021, conforme consta do aviso de receção, visível no histórico do processo.
O acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2022, de 9-5 dita que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.
O valor indemnizatório fixado reporta-se a sofrimento que não se consubstanciou no dia do acidente, nem nos anos subsequentes até à data da citação. Visa, inclusivamente, reparar prejuízos que tendencialmente se manterão enquanto a apelada for viva. Entre a data do acidente e a data da citação distaram mais de dois anos e meio. Nessa data o período de sofrimento mais agudo da A. estaria já decorrido. Do texto da sentença flui inequivocamente que o tribunal a quo não fixou a indemnização atualisticamente. De outra forma, não teria condenado a R. a suportar juros desde a data da citação. Conforme já se expendeu, mesmo reportada à data da citação - 11-5-2021 -, não se entende a indemnização fixada como excessiva.
Tampouco existe, pois, fundamento para revogar a sentença nesta parte.

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V - Dispositivo

Nos termos sobreditos acorda-se em julgar inteiramente improcedente a apelação, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.


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As custas serão suportadas pela apelante por ter decaído totalmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).


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Porto, 24-3-2025

Teresa Fonseca
Jorge Martins Ribeiro
José Nuno Duarte