INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
SILÊNCIO
EFEITO COMINATÓRIO
DÍVIDA DE CÔNJUGES
BEM IMÓVEL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
RESPONSABILIDADE
COMUNICABILIDADE
EX-CÔNJUGE
PATRIMÓNIO
Sumário


I - Apresentada reclamação à relação de bens (art. 1104º e ss do CPC), o silêncio do reclamante perante a resposta do cabeça de casal não tem efeito cominatório, nos termos do nº2 do art. 574º.
II – O pagamento durante a constância do casamento, com dinheiro comum, das prestações de reembolso de empréstimo bancário contraído por um dos ex-cônjuges, antes do casamento, para compra de imóvel onde aquele construiu a casa que veio a ser a de morada de família, representa um crédito do património comum sobre o património próprio daquele ex-cônjuge, a ser pago no momento da partilha

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA instaurou, em 20/05/2023, ação de inventário subsequente a divórcio, por apenso aos autos de ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que intentou em 23/10/2018, contra BB, em que, por sentença proferida em 19/11/2019, transitada em julgado, o casamento de ambos foi declarado dissolvido por divórcio.

Requereu que fosse nomeado cabeça-de-casal por ser o ex-cônjuge mais velho.

Juntou compromisso de honra e relação de bens.

A requerida BB reclamou da relação de bens .

O cabeça-de-casal respondeu à reclamação apresentada.


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Produzidas as provas, foi proferida sentença, em que se decidiu fixar o património do casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para os efeitos do disposto no art. 1790º do CC, ordenando para esses efeitos:

(i) - a exclusão da relação de bens da verba n.º 2, por, à luz do regime de comunhão de adquiridos, se tratar de bem próprio da interessada BB;

(ii) - a exclusão da relação de bens das verbas n.ºs 35, 49, 52 e 54, por, à luz do regime de comunhão de adquiridos, se tratar de bens próprios do cabeça-de-casal;

(iii) - a inclusão/manutenção na relação de bens das verbas n.ºs 37, 43, 44, 45, 46, 48, 50, 51, 52 e 53, dado tratar-se de bens adquiridos na pendência do casamento, tratando-se, à luz do regime de comunhão de adquiridos, de bens comuns do extinto casal.

(iv) - a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, no montante de 10.890,06 euros, referente à aquisição de metade indivisa do terreno onde foi edificada a casa de morada de família, que respeita ao imóvel relacionado na verba n.º 54, por se tratar de pretenso de direito de crédito constituído antes do casamento;

(v) - a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente do pagamento de despesas realizadas com a construção da moradia não suportadas pelo empréstimo bancário;

(vi)- a improcedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente de pagamentos do empréstimo bancário contraído para a construção da moradia, em data anterior ao casamento, por se tratar de pretenso direito de crédito constituído antes do casamento e que, por isso, não pode ser considerado no presente processo inventário, onde o que releva é o património comum do extinto casal;

(vii) - a procedência do direito de crédito reclamado pela interessada BB, decorrente da sua comparticipação para amortização do crédito hipotecário durante o casamento (considerando-se para o efeito o período entre 05-12-2007 – data da celebração do casamento – e 23/10/2020 – data do trânsito em julgado da sentença que declarou dissolvido o casamento, por divórcio) e, em consequência, ordenou que fosse relacionada como direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o cabeça-de-casal (à luz do regime da comunhão de adquiridos) a quantia de 57.400,97 euros, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º 1;

(viii) - a improcedência de um direito de crédito a favor do cabeça-de-casal sobre a interessa BB, decorrente do uso, desgaste e depreciação do imóvel no período da constância do matrimónio e até à data da apresentação do requerimento junto a 14/04/2023.

Na sentença consta da seguinte parte dispositiva (que aqui se transcreve ipsis verbis):

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se fixar o património do casal à luz do regime da comunhão de adquiridos, para os efeitos do art. 1790º do CC, nos seguintes termos, respeitando-se a numeração constante da relação de bens junta a 30-11-2022 para melhor compreensão:

Verba n.º 1

Uma quota na sociedade L..., Unipessoal, Lda, NIPC .........30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia de ..., concelho de ..., com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;

Verba n.º 3

Um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00;

Verba n.º 4

Um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00

Verba n.º 5

Um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;

Verba n.º 6

Uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;

Verba n.º 7

Uma mesa em Inox, com tampo Branco, no valor de €200,00

Verba n.º 8

Um conjunto de 20 cadeiras da IKEA, modelo Urban, de cor branca, no valor de €100,00;

Verba n.º 9

Um conjunto de 4 cadeiras da IKEA, modelo Scarpo, de cor branca, no valor de €40,00;

Verba n.º 10

Um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respetivos colchões, no valor de €500,00;

Verba n.º 11

Um móvel de aparelhagem em madeira no valor de €100,00;

Verba n.º 12

Um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00

Verba n.º 13

Uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;

Verba n.º 14

Conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox Ikea, no valor de € 250,00;

Verba n.º 15

Espelho composto com base vermelha, no valor de € 100,00

Verba n.º 16

Um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de € 50,00

Verba n.º 17

Uma cadeira de massagens, no valor de €100,00

Verba n.º 18

Conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00

Verba n.º 19

Conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, Ikea, no valor de € 20,00

Verba n.º 20

Um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de € 500,00

Verba n.º 21

Um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00

Verba n.º 22

Uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00

Verba n.º 23

Um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de € 100,00

Verba n.º 24

Um conjunto de 3 móveis Ikea, de duas portas com frente lacada em branco, no valor de € 40,00

Verba n.º 25

Um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de € 40,00

Verba n.º 26

Um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo Archimoon e Lampadina, no valor de € 75,00

Verba n.º 27

Um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador Cyrus III, colunas Sonus Faber Concertino, leitor de CDs Ariston Maxim CD3 e suportes Target, no valor de € 300,00

Verba n.º 28

Um projetor Epson, no valor de € 100,00

Verba n.º 29

Uma televisão Samsung de 40", no valor de € 100,00.

Verba n.º 30

Uma televisão Samsung de 32", no valor de € 70,00.

Verba n.º 31

Um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas Sonus Faber Solo Center, Subwoofer REL e colunas KEF Surround, no valor de € 150,00

Verba n.º 32

Um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC TEAC e streamer Raspberry, no valor de € 100,00.

Verba n.º 33

Um Gira Discos Project, no valor de € 75,00.

Verba n.º 34

Um conjunto de três leitores de DVD, das marcas Denon, Samsung e Polaroid, no valor de € 20,00.

Verba n.º 36

Um conjunto de colunas Mission, no valor de € 40,00.

Verba n.º 37

Um amplificador Ayon, no valor de € 250,00.

Verba n.º 38

Uma máquina fotográfica Canon 450D, no valor de € 50,00.

Verba n.º 39

Uma máquina vídeo Canon, no valor de € 30,00.

Verba n.º 40

Conjunto de material informático, composto por monitor Samsung, teclado e rato da marca Microsoft, câmara Axis 207MW, câmara Axis 207W, telefone Philips sem fios e medidor de consumo elétrico, no valor de € 40,00.

Verba n.º 41

Conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca Krups, fervedor Krups, máquina de café Siemens, máquina de sumos Hurom HF-SBG06 e aspirador portátil, no valor de €150,00.

Verba n.º 42

Uma bicicleta BH Top Line, no valor de € 30,00.

Verba n.º 43

Um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, no valor de € 500,00.

Verba n.º 44

Duas carpetes de linho e lã, modelo Koma, da firma de Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, no valor de €700,00.

Verba n.º 45

Uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), modelo Koma, da firma de Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), no valor de € 300,00.

Verba n.º 46

Duas carpetes de lã, modelo Kripton, da firma Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de € 500,00.

Verba n.º 47

Um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00.

Verba n.º 48

Um candeeiro de marca Catellani & Smith FIL de Fer, com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00.

Verba n.º 50

Um conjunto de 8 cadeiras Starch for Kartell, brancas, no valor de €200,00.

Verba n.º 51

Uma colcha em pele natural de cordeiro de cor castanha, no valor de € 200,00.

Verba n.º 53

Uma carpete Woodnotes, preta com risca camel, no valor de € 50,00.

Verba n.º 55º

Direito de crédito, no montante de € 57 400,97, correspondente ao valor monetário do património comum utilizado para o cumprimento da dívida referida na verba n.º1 do passivo constante da relação de bens junta a 30-11-2022, sendo devedor o cabeça-de-casal”.

Após, proferiu-se a seguinte forma à partilha:

“Procede-se a inventário para separação de meações do casamento, celebrado sob o regime da comunhão geral de bens entre AA e BB.

Foi relacionado passivo.

Notificados para os termos do disposto no art. 1110º, n.º 1, al. b) do CPC, o interessado AA, por requerimento junto a 06/02/2023, apresentou proposta referente à forma à partilha.

Procede-se à partilha do património comum do casal da seguinte forma, conforme sugerido pelo interessado:

Ao valor dos bens descritos, abate-se o passivo aprovado e divide-se o total assim obtido em duas partes iguais, constituindo uma metade a meação da interessada e a outra metade a meação do interessado/cabeça de casal (cfr. art. 1732º do CC).

No preenchimento dos quinhões, ter-se-á em conta o deliberado e licitado na constância do matrimónio, por força do disposto no art. 1790º do CC.

Assim, ponderando o acervo patrimonial acima determinado de acordo com o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio, deverá calcular-se a sua partilha nos seguintes termos, tendo em conta que não existe passivo:

Ao valor dos bens descritos, abate-se o passivo aprovado e divide-se o total assim obtido em duas partes iguais, constituindo uma metade a meação da interessada e a outra metade a meação do interessado/cabeça de casal (cfr. art. 1732º do CC).

No preenchimento dos quinhões, ter-se-á em conta o deliberado na conferência de interessados.

A definição final do quinhão de cada interessado deverá corresponder ao valor apurado de acordo com o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio”.


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Inconformado com o decidido, o cabeça-de-casal AA interpôs recurso da sentença, no segmento em que nela se fixou o património comum do extinto casal.

A Relação de Guimarães, por acórdão de 14.11.2024, julgou a apelação em parte procedente, tendo decidido:

I- Revogar a sentença recorrida no segmento em que calculou as amortizações liquidadas pelo património comum do ex-casal formada por recorrente e recorrida, para amortizar o empréstimo bancário contraído pelo primeiro junto do BPI para construção da casa, tendo por referência o período entre 05/12/2007 e 23/10/2020 e que, em consequência, fixou, sob a verba n.º 55 da relação constante daquela sentença, um direito de crédito do património comum daquele extinto casal sobre o recorrente (cabeça-de-casal) no montante de 54.400,97 euros, e em sua substituição determinam que o identificado direito de crédito do património comum do extinto casal sobre o recorrente, respeitante às ditas amortizações, seja determinado por referência ao período entre 05/12/2007 e 21/10/2018, determinação essa a realizar pela 1ª Instância após a obtenção de prova documental necessária para o efeito;

II- Ordenar a eliminação do elenco dos factos provados na sentença recorrida da facticidade vertida na alínea E) e, bem assim, da facticidade vertida no ponto 1º dos factos nela julgados não provados, e ordenar o aditamento da seguinte facticidade ao elenco dos factos aí julgados provados:

“E- O veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi adquirido por AA no estado de solteiro”.

“E1- O amplificador descrito na verba n.º 37 foi comprado por AA com recurso ao produto da venda de equipamentos da mesma natureza por ele adquiridos no estado de solteiro”.

III- Revogar o segmento da sentença recorrida em que se julgou que o veículo automóvel relacionado sob a verba n.º 2, à luz do regime (hipotético) de comunhão de adquiridos, é bem próprio da recorrida AA, e substituem-no por outro em que julgam que esse veículo, à luz do regime da comunhão de adquiridos, é bem próprio do recorrente AA;

IV- Revogar o segmento da sentença recorrida em que, em sede de fixação do património comum do extinto casal formado por recorrente e recorrida à luz do regime (hipotético) de comunhão de adquiridos, para efeitos do disposto no art. 1790º do CC, sob a verba n.º 37, se relacionou “um amplificador Ayon, no valor de 250,00 euros”, ordenando a eliminação dessa verba daquela relação, por à luz do regime hipotético de comunhão de adquiridos o dito amplificador ser bem próprio do recorrente AA;

V- No mais, confirmam a decisão recorrida.”


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Recurso de revista.

Ainda inconformado, o cabeça de casal AA, interpôs recurso de revista, concluindo como segue as suas alegações recursivas:

1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 14 de Novembro de 2014, que julgou, parcialmente, improcedente a Apelação deduzida pelo Recorrente da decisão proferida em 1.ª instância, primeiro, na parte que respeita ao efeito confessório que se lhe assaca e que não foi reconhecido face à inatividade processual da recorrida, mormente no que diz respeito às duas relações de bens corrigidas apresentadas posteriormente à inicial, uma por decorrência do reconhecimento de verbas acusadas como estando em falta e outra por força da decisão judicial e acordo alcançado no incidente de reclamação à relação de bens,

2. e, por outro lado, declarou totalmente improcedente no que concerne ao reconhecimento do valor pago na constância do casamento atinente ao crédito hipotecário contraído pelo Recorrente, no estado de solteiro deste, para construção do imóvel que passou a constituir a casa de morada de família como consubstanciando um encargo normal da vida familiar que obstaculiza à sua devolução à recorrida em sede de partilha.

3. A presente revista é, assim se comunga, admissível nos termos preceituados no n.º 3, do artigo 671.º, do Código de Processo Civil, que refere que “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”.

4. Pois, ainda que o Acórdão colocado em crise não tenha tido voto de vencido, como não se olvida que assim foi, laborou sobre uma fundamentação de direito substancialmente diferente da acolhida pela 1.ª Instância, quer no que diz respeito ao efeito confessório (artigo 574.º, n.º 1 e 2 ex vi artigo 549.º, ambos do CPC), quer no que concerne ao limite e existência do crédito que foi reconhecido à Recorrida,

5. O que legitima, em linha com o atual entendimento jurisprudencial firmado neste tocante, em particular sobre o manto do vertido nos Arestos deste excelso Supremo Tribunal de Justiça, datados de 29.09.2022 e 07.07.2022, a sua sindicância por esta via recursória;

6. O recurso a outros argumentos jurídicos é patente, desde logo, no que se atém ao não reconhecimento do efeito cominatório previsto nos artigos 567.º, n.º 2 e 574.º, n.º 2, ambos do CPC, aplicável ex vi artigo 546.º, n.º 2, do CPC, em que a 1.ª Instância diverge da 2.ª ao entender esta última que há de facto uma violação da regra de direito probatório material do artigo 574.º, n.º 2, do CPC, no que concerne ao adscrito na relação de bens inicial quanto ao momento de aquisição de tais bens, mas rejeitando quanto às duas relações de bens corrigidas oferecidas os autos, aqui arrimado no argumento de que o Tribunal não notificou a recorrida, como podia fazê-lo sob a égide dos poderes de gestão processual (artigo 6.º, n.º 1, do CPC) e da adequação formal (artigo 547.º, do CPC), para o exercício de contraditório quanto a essa facticidade um vez que não existia articulado específico para tal e nem mesmo isso foi sindicado na audiência prévia que lhe sucedeu.

7. Como se intui do argumentário plasmado no douto aresto de que agora se recorre a divergência quanto a este aspeto é, também ela, manifesta, o que é, ao fim ao cabo, o que sucede, mutatis mutandis, com a questão atinente ao pedido do recorrente de exclusão do crédito da verba n.º 55 da relação de bens com base no facto de que as prestações bancárias pagas por conta do empréstimo subscrito pelo recorrente em estado de solteiro para construção da habitação onde o casal veio a residir durante todo o período do casamento constituem encargos normais da vida familiar que não são passíveis de, dada a sua natureza, serem devolvidas no ocaso do casamento, o que é in totum rejeitado, mas apoiado em solução legal diversa da primeira instância, existindo, em bom rigor um inovação jurídico/legal que não tem paralelo na primeira decisão

8. Solução essa que surge arreigada no fundamento de que o crédito em apreço, por ter sido contraído antes do casamento, configura uma dívida da responsabilidade exclusiva do recorrente, pelo que tendo esta sido amortizada, nessa consonância, durante a existência desse vínculo com o produto de trabalho de ambos os cônjuges então o cabeça-de-casal (recorrente) é devedor de metade de tal quantitativo ao património comum.

9. Adensando, ainda, em apoio dessa solução que na verdade há uma falta de alegação e, acima de tudo, prova quanto à concordância da realização dessa dívida previamente ao matrimónio.

10. O que tudo concatenado levou a desconsiderar que o pagamento do mesmo é, em justa medida, um normal encargo da vida familiar, ou seja, a necessidade de habitação do agora decesso casal, ainda que seja admitido que de facto o pagamento das prestações de um crédito habitacional da casa de morada de família constituiu um encargo normal de vida familiar.

11. Por esta ordem de razões, sem desprimor para outras que possam ser descortinadas com este específico propósito, perfilha-se do justificado entendimento de que o presente recurso de revista é, assim, admissível nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, como se propugna por ver reconhecido e decidido.

I – Dos efeitos cominatórios da falta de impugnação especificada do teor das relações de bens retificadas apresentadas na vigência do processo de inventário:

12. O Recorrente pretende, por esta via recursiva, suscitar a apreciação dos fundamentos legais acolhidos pelo Acórdão, dos quais discorda por várias ordens de razões, quanto às verbas n.ºs 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 52 e 53 - todos móveis – das duas últimas relações de bens, designadamente quanto ao não reconhecimento do efeito cominatório emergente da inatividade processual da recorrida após a apresentação das duas relações de bens que sobrevieram à inicial, uma por força da reclamação à relação de bens apresentada, bem como à outra apresentada por decorrência do despacho quanto a esse incidente e ao acordo alcançado em sede de julgamento do mesmo, designadamente na parte que se refere que as verbas in casu foram adquiridas em estado de solteiro pelo recorrente, com tudo o que daí advém face à aplicação do consignado no artigo 1790.º, do Código Civil.

13. Pois, entende, respaldado no entendimento que o processo de inventário é, pela sua natureza, dinâmico e sujeito a várias vicissitudes no que concerne ao relacionamento de bens e à sua situação jurídica, devendo a parte interessada reagir tempestivamente aos factos de que possa discordar, como poderia ser eventualmente o caso da descrição adicional feita – por assim legalmente imposto pelo n.º 4, do artigo 1098.º, do CPC - quanto a estas concretas verbas que foi referido, por ser curial fazê-lo dado o regime de comunhão geral de bens, que todos eles foram adquiridos em estado do solteiro do recorrente, fazendo dos mesmos bens próprios por conta da ficção de aplicação do regime da comunhão de bens adquiridos em sede de partilha.

14. Não concorda o recorrente com o entendimento acolhido de que é de rejeitar que essa inatividade processual da recorrida, ou seja, falta de reação tempestiva após apresentação dessas relações de bens, possa ter o efeito consignado pelo aqui recorrente, isto é, que seja de dar como aceite por admissão/confissão, nos termos do disposto nos arts. 574º, n.º 2 e 293.º, n.º 3 do CPC, na medida em que não há articulado posterior à resposta apresentada pelo cabeça-de-casal, nem houve convite formal por parte do Meritíssimo Juiz para exercer tal contraditório ou deferimento dessa possibilidade de reação para sede de audiência prévia.

15. Em apoio dessa discordância desponta, desde logo, o disposto no n.º 1, do artigo 149.º, do CPC, que gira sob a epígrafe de Regra Geral sobre o prazo, - 10 dias - bem como artigo 415.º, do CPC, aplicável também por decorrência do previsto no artigo 549.º, do CPC, ou seja, da aplicação das regras gerais e comuns aplicáveis aos processos comuns.

16. Com efeito, nessa primeira relação de bens corrigida apresentada com a resposta foram compilados igualmente 76 documentos, o que significa que sempre podia a parte exercer o contraditório quanto aos mesmos, o que não o fez, nem mesmo alguma coisa se predispôs a dizer neste domínio no âmbito da audiência prévia realizada no dia 20 de julho de 2022.

17. Assente nesta dinâmica processual é manifesto que a recorrida podia, antes devia se assim era sua intenção, ter manifestado oposição ao teor dessa relação de bens, até porque a terceira surge apresentada por determinação judicial e com base no acordo alcançado que removeu várias verbas da relação de bens corrigida anteriormente apresentada, reforçado a ideia de que esta estava apta para produzir todos os seus efeitos processuais.

18. O facto insofismável que emerge dessa relação de bens é de que esta produziu a plenitude dos seus efeitos, não sendo compaginável ficcionar meios efeitos ou outros de circunstância consoante o momento e a qual das partes se vale da mesma, tudo em prol da certeza jurídica e unidade processual.

19. Ademais entende-se que a recorrida nunca colocou em causa de forma frontal, nem mesmo indiretamente diga-se, o momento de aquisição de tais bens consignados pelo recorrente nessas duas relações de bens, nem isso sucede, em bom rigor, na reação serôdia e anacrónica que teve após convite formal do tribunal já no âmbito da proposta de forma à partilha que a própria não impulsionou, é múnus deixar referido.

20. Rejeitar a existência do efeito cominatório, mesmo que semipleno, à total inércia processual às duas relações de bens corrigidas que foram justificadamente apresentadas ofenda, melhor dito viola, as regras probatórias vertidas nos artigos 149.º, n.º 1, 415.º, ex vi 549.º, bem como o 574.º, n.º 1 e 2, todos os CPC.

21. Pois, isso significaria admitir a perpetuação duma relação de bens até, quiçá, ao mapa de partilha, a qual afinal poderia ser sempre até ao fim do processo colocada em causa com o argumento de que o que ali está adscrito quanto à situação jurídica dos bens não foi prendado com o sacrossanto direito ao contraditório, o que se julga constituir uma entorse processual a vários princípios legais, como seja da cooperação e boa-fé processual (artigos 7.º e 8.º, do CPC), inclusive podendo até configurar um abuso de direito.

22. Arreigado no princípio da economia processual, na concentração dos actos, na oportunidade da defesa e na regular tramitação da instância não se consegue descortinar amparo legal para tal laxismo processual da contraparte que assim “consegue”, com o beneplácito do Tribunal, deixar o processo seguir os seus termos (até com julgamento da reclamação à relação de bens) e já numa fase final deste faz recrudescer uma suposta intenção de rebater a verdadeira natureza própria ou comum do bem, isto ainda que sob o burilado cenário dum regime de comunhão de adquiridos e sob o mote do estabelecido no artigo 1790.º, do CC.

23. Discordância esta do recorrente que está, ao que se julga, em linha com, por exemplo, oAcórdão da Relação de Lisboa, datado de 09.02.2023 e Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 07.12.2023.

24. Destarte, a falta de tomada de posição da interessada/recorrida quanto às datas de aquisição dos bens constantes das relações de bens que sobrevieram à primeira, mormente as verbas n.ºs 43, 44, 45, 46, 48,49, 50, 51, 52 e 53, tem que ter o competente efeito cominatório suscitado (admitido por ausência de impugnação), com base no preceituado nos artigos 149.º, n.º 1, 415.º, ex vi 549.º, bem como o 574.º, n.º 1 e 2, todos os CPC, alterando-se a decisão in casu por este ser o entendimento mais conforme o direito e o caso concreto de molde a que tais bens seja considerados próprios do recorrente.

25. Ao não ter decido desta forma o Acórdão violou violação a regra de direito probatório material contida no artigo 574.º, n.º 2, do CPC.

II – Da inexistência do crédito relacionado sob a verba n.º 55 – A Sua exclusão:

26. Está provado e pacificamente assente nos autos que o extinto casal sempre teve a sua casa de morada de família instalada no imóvel cujo crédito hipotecário está na sua génese e que consta relacionado na verba n.º 55, tendo ali vivido e permanecido na constância do casamento e mesmo até ao presente momento fruto do fixado em termos de atribuição de casa de morada de família no âmbito do divórcio, em consonância e dentro do espírito do que dispõe o art. 1673.º, do CC.

27. Sendo pacífico, ao que se julga, que na constância do casamento o crédito bancário em apreço foi, com o produto do trabalho de ambos os cônjuges, amortizado nos limites que ainda estão por fixar, mas correspondentes ao período compreendido entre a data de casamento e o dia de entrada da ação de divórcio em juízo – 05.12.2007 a 23.10.2018.

28. Também não existindo grande controvérsia de que o pagamento dum empréstimo bancário, realizado antes do matrimónio ou na constância deste, por ambos os cônjuges (mesmo que em medidas diferentes desde que seja com o produto do seu trabalho) é subsumido, sem mais, a encargos normais de vida familiar (al. b), do n.º 1, do artigo 1691.º, do CC), como o doutíloquo aresto culmina por admitir sem nuances ou reservas dignas de registo.

29. Por essa ordem de razões, não pode o recorrente concordar, sempre o devido respeito por opinião contrária, que seja rejeitado que o pagamento dessa dívida na constância do casamento configura um encargo normal da vida familiar, isto arreigado no facto de que o crédito antecede o casamento e a casa construída pela afetação desse financiamento é bem próprio do recorrente.

30. Pois, é incontroverso e está à saciedade provado, quer nestes autos quer nos apensos, que este tinha em vista garantir as necessidades de habitação do casal – artigo 1691.º, n.º al. a) e b), do CC -, contando que o extinto casal instalou ali a sua residência após o casamento por comum acordo, tendo rejeitado, por exemplo, partir para o arrendamento duma outra habitação, como poderia tê-lo feito.

31. Ora, ainda que o recorrente seja obrigado a admitir que a sua alegação pode ser algo nebulosa no que toca aos efeitos de vinculação a esse crédito na constância do casamento, do que aqui se penitencia, a qual pode deixar a ideia de que pretendia que a recorrida fosse condenada a pagar até o que está antes do casamento e mesmo o passivo atual, o que nunca foi sua intenção é imperioso referir, dúvidas não podem subsistir que da globalidade da sua alegação e do pedido final que formula o que o recorrente sempre se bateu é para que tudo o quanto foi pago na constância do matrimónio quanto a esse crédito bancário fosse considerado um encargo normal da vida familiar, como aliás o aresto acaba por admitir mas com intuito divergente.

32. Da ali convocada jurisprudência - o Acórdão da Relação do Porto, produzido no âmbito do processo 1975/17.6T8VLG, datado de 09.11.2020, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 3442/17.9T8CSC.L1-7, datado de 12-10-2021, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 13920/20.7T8SNT-D.L1-8, datado de 24-02-2022, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 667/19.6T8STS.P1, datado de 29-04-2021, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo 2152/09.5TBBRG.G1.S1, de 20-03-2014, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 5837/19.4T8GMR.G2.S1, de 14-03-2023, entre aqueloutra doutrina que se encontra chamada para este particular efeito, ressuma patente que admitir o ressarcimento de metade desse quantitativo pago na constância do matrimónio ao ex-cônjuge redunda num subversão normativa, colocando o casamento como um negócio e empobrecendo injustificadamente, neste caso, o recorrente, com o inerente enriquecimento sem causa da recorrida.

33. A questão que se pretendia dirimir e que se julga ter sido preterida na decisão in casu esgota-se na seguinte pergunta: Assiste à recorrida o direito de ser ressarcida em metade do valor que foi pago na constância do casamento por conta do empréstimo bancário contraído pelo outro cônjuge quando este se destinava a custear a habitação em que o casal fixou a sua residência desde o casamento?

34. Da citada jurisprudência e da doutrina que acima se trouxe para este fim à liça que labora sobre igual entendimento ao do recorrente, assim se acredita ser o caso, resulta, em contraponto com o decidido, que a afetação dum bem próprio (sob apelo do art. 1790.º do CC) à casa de morada de família do casal e o pagamento do competente empréstimo que à construção deste imóvel estava associado não pode ser obnubilado com tal argumento, como se julga ter sido o caso.

35 Admitir o contrário redunda, como é fácil de interiorizar, num cenário injusto que permitiria à recorrida recuperar financeiramente tudo o quanto foram, em justa medida, as despesas com a habitação durante o casamento, o que levado ao limite do absurdo, o que se suscita a V. Exas. que prelevem a veleidade de o evidenciar, a habilitaria também a exigir ser ressarcida à razão de metade de tudo o quanto foram dispêndios com essa habitação, como sejam os juros, os seguros, os impostos, as manutenções no imóvel, etecetera.

36. O que se julga ser contrário ao regime legal, pois que contenderia com a lógica de que o casamento não se pode transformar num negócio, ou mesmo, o que se refere sem qualquer remoque, num verdadeiro PPR.

37. Nessa lógica que se vem adscrevendo entende-se que a questão como foi colocada no aresto agora colocado em crise se alavanca numa premissa falaciosa, ou seja, é inócuo e não releva para o caso saber quem contraiu o empréstimo nem de quem será o bem sob a égide do normativo aplicável ao caso – art. 1790.º, do CC -, mas, isso sim, que esse custo na constância do casamento se esgota num normal encargo, como sucede com tantos outros, da vida familiar do casal, não existindo numa desproporcionalidade que clame por uma solução sob o manto da equidade.

38. Aliás, se mais nenhum argumento legal houvesse sempre seria de apelar, o que a título subsidiário se o faz, ao instituto do enriquecimento sem causa, porquanto passaria, em caso de improcedência do supra suscitado, a constituir a solução legal para repor a justiça e evitar o empobrecimento injustificado do recorrente.

39. Sobre esse mote é de lapidar importância trazer aqui à colação o escalpelizado e decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 2152/09.5TBBRG.G1.S1, de 20- 03-2014, que com uma profundidade e sapiência que não nos assiste, explicita o porquê de numa situação muito equivalente à destes autos, ainda que sob o domínio duma união de facto, não existir um enriquecimento do recorrente pelo facto da recorrida durante o casamento ter contribuído para o pagamento dum mútuo associado à casa de morada de família e findo esta não ter recebido nenhuma quantia por sua conta.

40. Com efeito, todos os pressupostos do enriquecimento sem causa, caso se perfilhe do entendimento que a recorrida tem direito a ser ressarcida de tais montantes, estão na sua plenitude preenchidos.

41. Pelo que a não vingar o argumento de discordância central sempre sob este domínio seria de apelar ao referido instituto para rejeitar, como se pugna, a devolução de qualquer quantitativo à recorrida por conta do pagamento desse empréstimo na constância do casamento, excluído, em qualquer caso, a verba n.º 55 da competente relação de bens.

42. Estribado nos impetrados fundamentos o recorrente é compelido a suscitar a V. Exas., por esta via, que se dignem a repor a legalidade e, consequentemente, que seja revogada a anterior decisão e substituída por outra que passe por reconhecer que tal quantitativo é inexigível e, com base em qualquer um dos argumentos suscitados, determinando que essa verba 55 deve ser expurgada da competente relação de bens, porquanto não existe qualquer direito de crédito da recorrida sobre o recorrente por decorrência do montante amortizado na pendência do casamento ao mútuo em análise.

43. O que se suscita arreigado no entendimento de que o acórdão em apreço não deu, face às particularidades deste caso, o correto entendimento ao disposto na parte final da redação do artigo 1692.º, al. a), do CC, que atribui ao cônjuge a que respeita, a responsabilidade pelas dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, mas que exclui essa responsabilidade individual “dos casos indicados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior” (sublinhado nosso), ou seja, as dívidas para “ocorrer aos encargos normais da vida familiar” que, por força do artigo 1691.º, al. b), do CC, são da responsabilidade de ambos os cônjuges.

44. Pelo que só a eliminação dessa verba da relação de bens, isto é, a determinação de que não existe um crédito dessa ordem de grandeza sobre o recorrente, se mostra mais conforme o direito e a justiça que o caso clama.

45. E, radicado nesse facto, provado à abundância nos autos, que ali instalaram a sua residência após o casamento, considerar esta dívida como sendo da responsabilidade de ambos os cônjuges na constância do matrimónio unicamente.

46. Ao decidir desta forma o acórdão violou, além do mais, o disposto artigo 1692.º, al. a), do CC, quando conjugado com o disposto no artigo 1691.º, al. b), do CC.

47. Decidindo-se, enfim, pela revogação das partes decisórias do acórdão em tudo o que não se mostre conforme o aqui alegado e justificado.

Na procedência do recurso deve revogar-se o acórdão recorrido e substituído por outro que:

a) Considere, conforme anteriormente se alegou e concluiu, que por decorrência do efeito cominatório as verbas n.ºs 43, 44, 45, 46, 48,49, 50, 51, 52 e 53 da Relação de Bens, são bens próprios do recorrente, porque adquiridos por este antes do casamento;

b) Elimine a verba 55 - direito de crédito - da relação de bens, uma vez que o valor pago na constância do casamento por conta da dívida referida na verba n.º 1 do passivo constitui um normal encargo da vida familiar que não é passível de ser ressarcido ou, se assim não for entendido, que o reconhecimento do mesmo constitui um enriquecimento sem causa da recorrida que obstaculiza ao seu reconhecimento.

Não foram apresentadas contra alegações.


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Fundamentação.

O acórdão recorrido teve como provado:

A- O cabeça-de-casal, AA, e a interessada, AA, celebraram entre si casamento, com convenção antenupcial no regime de comunhão geral de bens, a ...-...-2007 - cfr. certidão de assento de casamento junta com o requerimento inicial no processo principal.

B- O divórcio entre o cabeça-de-casal e a interessada acima mencionados foi decretado por sentença proferida nos autos principais a 27-11-2019, transitada em julgado a 02-07-2020.

C- A petição inicial que deu origem ao processo especial de divórcio a que os presentes autos estão apensos foi apresentada em Tribunal, por via eletrónica, a 23-10-2018.

D- A relação de bens comuns do casal a partilhar nos autos, apresentada a 30-11-2022, tem o seguinte teor:

Verba n.º 1

Uma quota na sociedade L..., Unipessoal, Lda, NIPC .........30, constituída em 07.06.2017, com sede na Rua ..., da freguesia de ..., concelho de Guimarães, com o capital social de €1.000,00 (mil euros), registada a favor do Requerente, no valor nominal de €1.000,00;

Verba n.º 2

Um veículo automóvel de matrícula ..-..-NA, marca Seat, modelo Ibiza, do ano de 1999, no valor de €300,00;

Verba n.º 3

Um sofá em pele branca, tipo wall, composto por três módulos, no valor de €200,00;

Verba n.º 4

Um conjunto de dois sofás em pele branca, tipo twin, no valor de €200,00

Verba n.º 5

Um conjunto de duas chaises, em pele castanha, tipo landscape, no valor de €400,00;

Verba n.º 6

Uma chaise, em pele castanha, tipo Hockney, no valor de €200,00;

Verba n.º 7

Uma mesa em Inox, com tampo Branco, no valor de €200,00

Verba n.º 8

Um conjunto de 20 cadeiras da IKEA, modelo Urban, de cor branca, no valor de €100,00;

Verba n.º 9

Um conjunto de 4 cadeiras da IKEA, modelo Scarpo, de cor branca, no valor de €40,00;

Verba n.º 10

Um conjunto de 4 chaises e 2 bancos, em alumínio, e respectivos colchões, no valor de €500,00;

Verba n.º 11

Um móvel de aparelhagem em madeira, no valor de €100,00;

Verba n.º 12

Um móvel de TV com duas gavetas, no valor de €20,00

Verba n.º 13

Uma mesa de jantar, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00;

Verba n.º 14

Conjunto de mesa de escritório com tampo em MDF folheado e base em inox, cadeira ajustável mesh e candeeiro com base me inox Ikea, no valor de € 250,00;

Verba n.º 15

Espelho composto com base vermelha, no valor de € 100,00

Verba n.º 16

Um sofá em pele castanha, tipo Wall, de 2 lugares, no valor de € 50,00

Verba n.º 17

Uma cadeira de massagens, no valor de €100,00

Verba n.º 18

Conjunto de duas mesas, com tampo em MDF folheado e base em inox, no valor de €100,00

Verba n.º 19

Conjunto de duas cadeiras de escritório em pele sintética branca, Ikea, no valor de € 20,00

Verba n.º 20

Um quarto de casal, composto por uma cama em pele branca, tipo wall, 2 estrados articulados, 2 colchões individuais, e espelho com aro em madeira, no valor de € 500,00Verba n.º 21

Um quarto de casal, composto por uma cama em pele castanha, tipo wall, 2 estrados e 1 colchão, um móvel de uma porta com frente lacada em branco e 1 candeeiro de cerâmica, no valor de €200,00

Verba n.º 22

Uma cama em linho com colchão tempur, no valor de €250,00

Verba n.º 23

Um conjunto de mesa de cozinha e quatro cadeiras, no valor de € 100,00

Verba n.º 24

Um conjunto de 3 móveis Ikea, de duas portas com frente lacada em branco, no valor de € 40,00

Verba n.º 25

Um conjunto de 2 candeeiros com base em inox e abajur, um bege e outro preto, no valor de € 40,00

Verba n.º 26

Um conjunto de 2 candeeiros Flos, modelo Archimoon e Lampadina, no valor de € 75,00

Verba nº 27

Um conjunto de aparelhagem Hi-Fi, composto por amplificador Cyrus III, colunas Sonus Faber Concertino, leitor de CDs Ariston Maxim CD3 e suportes Target, no valor de € 300,00

Verba n.º 28

Um projetor Epson, no valor de € 100,00

Verba n.º 29

Uma televisão Samsung de 40", no valor de € 100,00.

Verba n.º 30

Uma televisão Samsung de 32", no valor de € 70,00.

Verba n.º 31

Um conjunto de altifalantes Home Cinema, composto por colunas Sonus Faber Solo Center, Subwoofer REL e colunas KEF Surround, no valor de € 150,00

Verba n.º 32

Um conjunto de equipamentos Hi-Fi, composto por DAC TEAC e streamer Raspberry, no valor de € 100,00.

Verba n.º 33

Um gira-discos Project, no valor de € 75,00.

Verba n.º 34

Um conjunto de três leitores de DVD, das marcas Denon, Samsung e Polaroid, no valor de € 20,00.

Verba n.º 35

Par de colunas Sonus Faber Cremona, no valor de €500,00.

Verba n.º 36

Um conjunto de colunas Mission, no valor de € 40,00.

Verba n.º 37

Um amplificador Ayon, no valor de € 250,00.

Verba n.º 38

Uma máquina fotográfica Canon 450D, no valor de € 50,00.

Verba n.º 39

Uma máquina vídeo Canon, no valor de € 30,00.

Verba n.º 40

Conjunto de material informático, composto por monitor Samsung, teclado e rato da marca microsoft, câmara Axis 207MW, câmara Axis 207W, telefone Philips sem fios e medidor de consumo eléctrico, no valor de € 40,00.

Verba n.º 41

Conjunto de pequenos eletrodomésticos, composto por torradeira da marca Krups, fervedor Krups, máquina de café Siemens, máquina de sumos Hurom HF-SBG06 e aspirador portátil, no valor de €150,00.

Verba n.º 42

Uma bicicleta BH Top Line, no valor de € 30,00.

Verba n.º 43

Um sofá em pele castanha, tipo Andy, composto por três módulos e costas, no valor de € 500,00.

Verba n.º 44

Duas carpetes de linho e lã, modelo Koma, da firma de Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), com as medidas de 260x260 e 260x250, no valor de €700,00.

Verba n.º 45

Uma carpete de lá feltrada, branca, da firma Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), modelo Koma, da firma de Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), no valor de € 300,00.

Verba n.º 46

Duas carpetes de lã, modelo Kripton, da firma Tapeçarias Ferreira e Sá (TFS Carpets), adquirida no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de € 500,00.

Verba n.º 47

Um tapete em pele de cordeiro natural, branco, no valor de €50,00.

Verba n.º 48

Um candeeiro de marca Catellani & Smith FIL de Fer, com 90 cm de diâmetro, adquirido no estado de solteiro pelo Requerente, no valor de €150,00.

Verba n.º 49

Um candeeiro de marca Pallucco, modelo Faro, no valor de € 100,00.

Verba n.º 50

Um conjunto de 8 cadeiras Starch for Kartell, brancas, no valor de €200,00.

Verba n.º 51

Uma colcha em pele natural de cordeiro de cor castanha, no valor de € 200,00.

Verba n.º 52

Um conjunto de jogo de cama, composto por capa de edredão, 2 fronhas e lençol, 100% de linho, cor natural, da marca Ivano Redaelli, no valor de €150,00.

Verba n.º 53

Uma carpete Woodnotes, preta com risca camel, no valor de € 50,00.

Verba n.º 54

Prédio urbano, destinado a habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por rés de chão e andar, tipo T4, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2524 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 1046, com o valor patrimonial tributário de € 147 720,00.

PASSIVO

Verba n.º 1

Dívida ao BANCO BPI, referente ao empréstimo bancário contraído em 8 de agosto de 2002 e para construção do imóvel relacionado na verba 55 do ativo - conforme decorre dos Docs. 7 a 9 juntos, mormente do extrato bancário atualizado, que atualmente se cifra em € 27 259,29.

E- O veículo automóvel descrito na verba n.º 2 foi comprado por BB em 22/03/1999.

F- As colunas descritas na verba n.º 35 foram compradas por AA em novembro de 2006.

G- O candeeiro descrito na verba n.º 49 foi comprado por AA em 18/02/2002.

H- O conjunto de cama descrito na verba n.º 52 foi comprado por AA em 21/07/2005.

I- O prédio descrito na verba n.º 54 foi comprado por AA em 14/03/2002.

J- Entre 05/12/2007 e 23/10/2020, o casal formado por AA e BB amortizaram a quantia de 57.400,97 euros no empréstimo contraído pelo primeiro para a construção da casa que aquele construiu no prédio descrito na verba n.º 54.

Factos aditados pela Relação:

K- A casa que foi construída por AA no prédio descrito na verba n.º 54, mediante recurso a empréstimo bancário hipotecário contraído por aquele, em 08 de agosto de 2002, junto do Banco BPI, S.A., constituiu a casa onde o casal formado por AA e BB e o seu agregado familiar residiram na constância do casamento.


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E foi julgado não provado:

1- O amplificador descrito na verba n.º 37 tivesse sido comprado por AA com recurso ao produto da venda de bem pelo mesmo adquirido em data anterior a 05/12/2007;

2- O sofá descrito na verba n.º 43 tivesse sido comprado por AA em data anterior a 05/12/2007;

3- As carpetes descritas na verba n.º 44 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;

4- A carpete descrita na verba n.º 45 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2007;

5- As duas carpetes descritas na verba n.º 46 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;

6- O candeeiro descrito na verba n.º 48 tivesse sido comprado por AA em data anterior a 05/12/2017;

7- As oito cadeiras descritas na verba n.º 50 tivessem sido compradas por AA em data anterior a 05/12/2007;

8- A colcha descrito na verba n.º 51 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2017;

9- A carpete descrita na verba n.º 53 tivesse sido comprada por AA em data anterior a 05/12/2007.

Fundamentação de direito.

Insurge-se o Recorrente contra o facto de terem sido relacionados os bens supra identificados sob as verbas nºs 43, 44, 45, 46, 48,49, 50, 51, 52 e 53, defendendo que a circunstância de a Recorrida não ter tomada posição quanto à questão das datas de aquisição dos mesmos, deveria ter levado a Relação, por incumprimento do ónus de impugnação (art. 574º do CPC), a considerá-los como bens próprios do Recorrente/cabeça de casal.

Será assim?

Recordemos que a Recorrida, notificada da relação de bens apresentada pelo Recorrente reclamou contra a não relacionação daqueles bens, vindo aquele responder que os adquiriu em data anterior ao casamento, sendo por isso bens próprios.

Ora, estatui o art. 1105º, do CPC, sobre a reclamação à relação de bens:

1. Se for deduzida (…) reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão.

2. As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.

3. A questão é decidida depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092º e 1093º.

(…).

Em comentário a esta disposição, Miguel Teixeira de Sousa e outros, in “O Novo Regime do Processo de Inventário (…), Almedina, 2020, pag. 86, escrevem:

“O nº1 regula a resposta à oposição, impugnação ou reclamação que tenha sido deduzida de acordo com o disposto no art. 1104º. O procedimento permite o exercício do contraditório em articulado próprio, pelos legítimos contraditores dos interessados que tenham deduzido oposição, impugnação ou reclamação (nº1).

A dedução pelos citados de qualquer oposição, impugnação ou reclamação (art. 1104º) não constitui um incidente do inventário, traduzindo-se, antes e apenas, no exercício pelos citados de um direito de defesa que é processado nos próprios autos e inserida na tramitação normal e típica do processo de inventário. Também a resposta dos interessados a essa oposição, impugnação ou reclamação se insere na tramitação do processo de inventário (nº1).”

E a pag. 83 da obra citada lê-se:

“A oposição, impugnação ou reclamação apresentada por qualquer interessado implica que o facto passe a ser controvertido e, portanto, que se impõe uma actividade probatória das partes e uma decisão do juiz.”

Decorre do exposto que apresentada reclamação contra a relação de bens (art. 1104º), o cabeça de casal tem o ónus de responder, no prazo de 30 dias, seguindo-se a decisão do juiz, “depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias” (nº2 do art. 1105º).

Não se trata de um incidente do inventário, mas apenas o exercício do contraditório pelo interessado na partilha perante a relação de bens: faculdade de dela reclamar; resposta do cabeça de casal; a que se segue a decisão juiz que, no limite, pode remeter os interessados para os meios comuns.

Foi o que se passou. A Recorrida reclamou da relação de bens; o Recorrente/cabeça de casal respondeu e a Srª Juiz decidiu. Falece por conseguinte razão ao Recorrente quando defende dever aplicar-se o efeito cominatório (art. 574º do CPC) – e considerar-se que os bens em causa não integram o património comum, por serem bens próprios – por a Recorrida não ter respondido à sua alegação de que adquiriu os bens ainda no estado de solteiro.

A lei não prevê a existência de um terceiro articulado de resposta à resposta do cabeça de casal, como bem refere o acórdão recorrido, que nesta parte se subscreve inteiramente:

“O processo de inventário não comporta réplica ao articulado de resposta à reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, pelo que, tendo neste último articulado o recorrente alegado factos essenciais novos para a partilha do património comum do extinto casal (os bens em causa foram por si adquiridos no estado de solteiro) - por, atento o comando do art. 1790º do CC, terem reflexo na futura partilha a realizar -, embora assistisse à recorrida o direito a responder a esses novos factos, não o podia fazer através de articulado junto ao processo de inventário por sua iniciativa, por lhe estar legalmente vedado. Para facultar o exercício do direito ao contraditório pela recorrida (reclamante) quanto a essa nova facticidade, ou o juiz, através dos poderes de gestão processual (art. 6º, n.º 1 do CPC) e de adequação formal (art. 547º do CPC), a notificava para que exercesse o direito ao contraditório quanto a essa nova facticidade; ou, por analogia com o disposto no art. 3º, n.º 4 do mesmo Código, deferia esse contraditório para a audiência prévia (art. 1109º do CPC) ou para a conferência de interessados (art. 1111º do CPC). Só então, isto é, dada a oportunidade à recorrida para se pronunciar quanto a essa facticidade nova, caso a mesma não a impugnasse é que se produziria o efeito estabelecido nos art. 574º, n.º 1 e 2, ex vi, art. 549º, n.º 1, ambos do CPC1.

No caso, o tribunal não notificou a recorrida BB para, na sequência da resposta à reclamação apresentada pelo recorrente, responder, querendo, aos factos novos por ele alegados naquela resposta (aqueles bens foram adquiridos pelo cabeça-de-casal no estado de solteiro), nem convocou a realização de audiência preliminar, nem se realizou ainda a conferência de interessados. Daí que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, a recorrida não teve ainda possibilidade de exercer o seu direito ao contraditório quanto à sua alegação de que os bens em causa foram por ele adquiridos ainda no estado de solteiro. Por outro lado, na resposta à proposta de forma à partilha proposta pelo recorrente, a recorrida alegou discordar “da matéria constante de 13 do referido requerimento, devendo os bens discriminados nas verbas (…) 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51 e 52 (…) considerar-se bens comuns, porquanto os bens aí descritos foram efetivamente adquiridos por ambos, através de comparticipação mútua” (cfr. fls. 354 do processo físico), com o que impugnou a alegação do recorrente, de que aqueles tinham sido por si adquiridos ainda em estado de solteiro.

Daí que, na sentença recorrida, ao realizar o julgamento de facto quanto a essa alegação do recorrente em função da prova produzida nos autos e submetendo-a ao princípio da livre apreciação da prova, o tribunal a quo não tivesse infringido a norma de direito probatório material do art. 574º, n.º 2 do CPC, improcedendo este fundamento de recurso.”

Com o que improcede este primeiro fundamento da revista.


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Nas conclusões 26ª a final, o Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido que reconheceu um crédito do património comum do ex-casal sobre ele, recorrente/cabeça de casal, correspondente ao valor da amortização do empréstimo bancário contraído junto do BPI, no período entre 05.12.2007 e 21.10.2018.

Decisão assim justificada:

“ (…) como bem decidido pela 1ª Instância, estando apurado que, na constância do casamento, o ex-casal formado por recorrente e recorrida amortizaram as prestações emergente daquele contrato de mútuo, com hipoteca, que o primeiro celebrou com o BPI, para a construção da dita casa (cfr. alínea J da matéria apurada), tratando-se de uma dívida própria do recorrente (arts. 1692º, n.º 2, al. a) e 1694º, n.º 2 do CC), que foi liquidada à custa do património comum daquele ex-casal, verifica-se que esse património comum detém um direito crédito, correspondente ao montante amortizado, no período entre 05/12/2007 e 23/10/2018, sobre o recorrente (cabeça-de-casal), cujo montante terá de ser apurado nos termos acima já determinados.

Decorre do que se vem dizendo que, sem prejuízo do período relevante para o cálculo do referido direito de crédito do património comum sobre o recorrente (cabeça-de-casal) não ser o considerado pela 1ª Instância, mas antes o de 05/12/2007 e 23/10/2018, ao assim decidir, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que são assacados pelo recorrente, improcedendo este fundamento de recurso.”

Em contrário, argumenta o Recorrente que o empréstimo foi contraído para aquisição de uma habitação que constitui a casa de morada de família, e que as amortizações do empréstimo devem ser qualificadas como encargos da vida familiar, da responsabilidade de ambos os cônjuges (art. 1691º do CC), inexistindo, assim, qualquer direito de crédito da Recorrida sobre ele (sic). A entender-se de outro modo, verificar-se-ia um enriquecimento sem causa da Recorrida.

Vejamos.

Estão em causa as prestações de reembolso do empréstimo bancário contraído pelo Recorrente, ainda no estado de solteiro, em 08 de Agosto de 2002 (o casamento com a Recorrida ocorreu em 05.12.2007).

O acórdão recorrido, tal como havia feito a sentença, qualificou, e bem, a dívida decorrente do empréstimo como apenas do Recorrente, por força do disposto no art. 1692º, alínea a) do CCivil: “São da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam as dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento sem o consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do artigo anterior.”

As alíneas b) e c) do art. 1691º referem-se às dívidas contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar ou pelo cônjuge administrador, dentro dos limites dos seus poderes de administração, casos em que as dívidas são da responsabilidade comum, sendo que nenhuma das hipóteses previstas nas citadas alíneas se verifica. Trata-se portanto de dívida do Recorrente, mutuário no empréstimo em causa.

Provou-se que entre 05/12/2007 e 23/10/2020, o casal formado por AA e BB amortizaram a quantia de 57.400,97 euros no empréstimo contraído pelo primeiro para a construção da casa que aquele construiu no prédio descrito na verba n.º 54. (J)

Ora, dispõe o nº2 do art. 1697º do CC, “ sempre que por dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.”

Será o caso de haver pagamento de dívidas próprias com bens comuns e, consequentemente, um prejuízo do património comum que terá de ser compensado no momento da partilha (Cristina Araújo Dias, em comentário ao art. 1697º do Código Civil Anotado, Livro IV, Almedina, coordenação de Clara Sottomayor).

Também Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, 3ª edição, pag. 473, dão como exemplo de “situação donde resulta um crédito do património comum, o caso de pagamento, pelas forças de património comum, de dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges.”

Donde, o acórdão recorrido que reconheceu a existência de um crédito do património comum, não da Recorrida, não merece censura, por ter feita a boa aplicação da lei. Resta dizer que a jurisprudência citada pelo Autor/recorrente não tem utilidade para o caso em análise por respeitar a situações diversas da apreciada nos autos.

Com o que improcede também nesta parte a revista.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 27.03.2025

Ferreira Lopes (relator)

Arlindo Oliveira

Fátima Gomes

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1. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, ob. cit., pág. 87.