O direito de arguir a nulidade do negócio jurídico não está sujeito a prescrição extintiva.
Recorridos:
I. — CC e mulher DD;
II. — EE;
III. — FF;
IV. — GG;
V. — HH;
VI. — II;
VII. — JJ; e
VIII. — O..., S.A.,
I. — RELATÓRIO
1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra
I. — CC e mulher DD;
II. — EE;
III. — FF;
IV. — GG;
V. — HH;
VI. — II;
VII. — JJ; e
VIII. — O..., S.A.,
pedindo que:
I. — seja declarada a nulidade:
a. — dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986;
b. — dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, de 4 de Maio de 1987, de 17 de Julho de 1991, de 27 de Julho de 2001 e de 23 de Novembro de 2007 descritos nos artigos 62.º a 101.º da petição inicial;
II. — seja declarada a nulidade, por venda de coisa alheia, dos contratos de compra e venda de acções descritos nos artigos 105.º e 106.º da petição inicial;
III. — seja restituída a participação social à herança de KK e da LL;
ou, em alternativa:
IV. — seja declarada a nulidade, por simulação,
a. — dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986;
b. — dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, de 4 de Maio de 1987, de 17 de Julho de 1991, de 27 de Julho de 2001 e de 23 de Novembro de 2007;
V. — seja declarado que KK doou, por conta da legítima, a CC uma participação de 45% na sociedade O..., S.A.;
vi. — seja conferida, para efeito de eventual redução por inoficiosidade, a doação feita por KK a CC;
2. Em qualquer caso, pediram que seja admitida a pretendida intervenção principal provocada activa e ordenada a citação para, como autores, intervirem nos autos, de MM, de NN, de OO e de PP.
3. A intervenção requerida pelos Autores foi admitida pelo Tribunal.
4. Face ao falecimento do Réu HH, foram habilitados como seus sucessores QQ e os co-Réus II e JJ.
5. Os Réus CC e mulher DD, EE, FF e GG; os sucessores habilitados do Réu HH, ou seja, QQ, II e JJ; os Réus II e JJ; e a Ré O..., S.A., contestaram.
6. Os Réus CC e mulher DD, EE, FF e GG e a Ré O..., S.A. deduziram a excepção peremptória da prescrição.
7. O Tribunal de 1.ª instância julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo os Réus dos pedidos.
8. Inconformados, os Autores AA e BB interpuseram recurso de apelação.
9. Os Réus contra-alegaram e requereram a ampliação do objecto do recurso:
I. — para que fosse reapreciada a decisão sobre a matéria de facto [contra-alegações dos Réus CC e mulher DD, EE, FF e GG];
II. — para que fosse apreciada a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir ou, em todo o caso, por contradição entre o pedido e a causa de pedir;
iII. — para que fosse apreciada a excepção dilatória de ilegitimidade processual dos Réus CC e mulher DD, EE, FF e GG e contra-alegações da Ré O..., S.A.;
IV. — para que fosse apreciada a excepção dilatória de ilegitimidade processual da Ré O..., S.A.;
V. — para que fosse apreciada a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal a quo para julgar os pedidos de declaração de nulidade dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, de 4 de Maio de 1987, de 17 de Julho de 1991, de 27 de Julho de 2001 e de 23 de Novembro de 2007;
VI. — para que fosse apreciada a excepção peremptória de abuso do direito.
10. O Tribunal da Relação julgou totalmente improcedente o recurso.
11. Inconformados, os Autores AA e BB interpuseram recurso de revista.
12. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
A) A REVISTA EXCEPCIONAL É NECESSÁRIA PORQUE SE TRATA DE QUESTÃO JURÍDICA QUE POSSUI RELEVO SIGNIFICATIVO PARA A MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO E PORQUE A DECISÃO RECORRIDA CONTRADITA OUTRA DESSE SUPREMO TRIBUNAL, BEBENDO O SEU SUSTENTO NO ARTIGO 671.º, N.º 3, ALÍNEAS A) E C) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
B) A QUESTÃO JURÍDICA É A DE SABER SE A NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO, PESE INVOCÁVEL A TODO O TEMPO, VÊ A SUA ARGUIÇÃO SUJEITA AO PRAZO ORDINÁRIO DE PRESCRIÇÃO, QUE É DE 20 ANOS.
C) TRATA-SE DE QUESTÃO DE ESPECIAL RELEVÂNCIA JURÍDICA CUJO ESCLARECIMENTO MARCADAMENTE NECESSÁRIO PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO E POSSUI UM CARÁCTER PARADIGMÁTICO E EXEMPLAR QUE É TRANSPONÍVEL PARA OUTRAS SITUAÇÕES SIMILARES.
D) NO SENTIDO DA RESPOSTA POSITIVA QUE O DOUTO ACORDÃO RECORRIDO DÁ A ESSA QUESTÃO JURÍDICA VÃO OS ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA DE 25 DE MAIO DE 2017, DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES DE 7 DE MARÇO DE 2019, OU DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 19 DE MAIO DE 2020.
E) JÁ EM SENTIDO DA PERPETUIDADE DA INVOCAÇÃO DA NULIDADE, VAI A UNANIMIDADE DA DOUTRINA, VG, MANUEL DE ANDRADE IN “TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA”, II, P 418, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, IN “CÓDIGO CIVIL ANOTADO”, I, P 263, CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, IN “TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL”, P 620, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS IN “TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL”, P 731.
F) E O ACÓRDÃO DESSE SUPREMO TRIBUNAL DE 16 DE NOVEMBRO DE 2023, QUE É O ACÓRDÃO- FUNDAMENTO DA CONTRADIÇÃO, RELEVANTE PARA OS EFEITOS DA ALÍNEA C) DO N.º 1 DO ARTIGO 672.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
G) A CONTRADIÇÃO É PATENTE DO ENUNCIADO DA QUESTÃO JURÍDICA DESSE DOUTO ACÓRDÃO, DA DECISÃO DA RELAÇÃO AÍ RECORRIDA, DA SUA FUNDAMENTAÇÃO ACERCA DA TESE GERAL DA NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO E DA SUA CONCLUSÃO.
H) ASSIM, MESMO PERANTE A UNANIMIDADE DA DOUTRINA, EXISTEM SÉRIAS DIVERGÊNCIAS NA JURISPRUDÊNCIA QUE EXIGEM A APRECIAÇÃO DESTA REVISTA, NO INTERESSE DA FIXAÇÃO DE UM SENTIDO DE INTERPRETAÇÃO UNIFORME QUE PERMITA A SEGURANÇA JURÍDICA E A CERTEZA DA APLICAÇÃO DO DIREITO.
I) EM QUALQUER CASO, ESTE RECURSO HAVIA SEMPRE DE SER RECEBIDO COMO REVISTA-REGRA, APENAS NO QUE CONCERNE AO PEDIDO ALTERNATIVO DA CONFERÊNCIA DA DOAÇÃO DISSIMULADA, PARA EFEITO DA SUA EVENTUAL REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE, NOS TERMOS DO ARTIGO 672.º, N.º 5 DA CITADA CODIFICAÇÃO ADJECTIVA.
J) A DECISÃO DO DOUTO SANEADOR-SENTENÇA FOI NO SENTIDO DE ESTAR JÁ CADUCO O EXERCÍCIO AO RESPECTIVO DIREITO, POR FORÇA DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 2178.º DO CÓDIGO CIVIL E DO DECURSO DO PRAZO DE DOIS ANOS CONTADOS DA ABERTURA DA SUCESSÃO.
K) O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PESE TENHA MANTIDO A DOUTA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, FÊ-LO, PORÉM, COM FUNDAMENTO INTEIRAMENTE DISTINTO, POIS LIMITOU-SE A SUSTENTAR QUE A ANTERIOR QUESTÃO, DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO A ARGUIR A NULIDADE, INVIABILIZAVA O PEDIDO EM CAUSA.
L) O QUE IMPLICA QUE O PRESENTE RECURSO, SE NÃO VIER A SER ADMITIDO POR VIA EXCEPCIONAL, TEM PELO MENOS DE SER RECEBIDO ENQUANTO REGRA NESTA PARTE, POR NÃO OCORRER, ENTÃO, A LIMITAÇÃO QUE DECORRE DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 671.º, N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
M) AO JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DA PRESCRIÇÃO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO OFENDEU O ESTABELECIDO PELO ARTIGO 286.º DO CÓDIGO CIVIL.
N) A PRESCRIÇÃO EXTINTIVA NÃO PODE SER APLICADA À NULIDADE ABSOLUTA, DESDE LOGO PORQUE SÃO RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO QUE PRESIDEM À DESTRUIÇÃO RETROACTIVA E ORIGINÁRIA DOS EFEITOS DO NEGÓCIO.
O) SÃO NORMAS IMPERATIVAS QUE O DIREITO ENTENDE DEVER IMPOR À SOCIEDADE, POR VALORES MAIORES DO BENEFÍCIO DA COMUNIDADE, AINDA QUE CONTRA O INTERESSE E A VONTADE DAS PARTES, RELATIVAMENTE A NEGÓCIOS TÃO GRAVEMENTE AFECTADOS E SERIAMENTE VICIADOS NA SUA VALIDADE QUE JURIDICAMENTE NÃO PODEM, NA SUA GÉNESE, POR IMPERATIVO DE NATUREZA PÚBLICA, SER ADMITIDOS A PRODUZIR EFEITOS.
P) POR SEU TURNO, A PRESCRIÇÃO EXTINTIVA É UM INSTITUTO DE ORDEM PÚBLICA, É CERTO, POR VIA DO QUAL OS DIREITOS SUBJECTIVOS SE TORNAM INEXIGÍVEIS, TRANSFORMANDO-OS EM MERAS OBRIGAÇÕES NATURAIS, QUANDO NÃO SÃO EXERCIDOS DURANTE O LAPSO DE TEMPO FIXADO NA LEI, REPRESENTANDO A OBLITERAÇÃO DA EXIGIBILIDADE DA PRESTAÇÃO.
Q) NÃO VISA, PORÉM, VALORES NATURAIS E ESTRUTURAIS DO SISTEMA JURÍDICO, MAS, BEM SIMPLESMENTE, CONFORTAR AS EXPECTATIVAS PARTICULARES DO DEVEDOR EM FUNÇÃO DO DECURSO DE UM DADO TEMPO, MUTANDO-AS EM OBRIGAÇÕES NATURAIS E DEFENDE, ASSIM, ESSENCIALMENTE, UM INTERESSE PRIVATÍSTICO.
R) DEPOIS, A NULIDADE ABSOLUTA É DE CONHECIMENTO OFICIOSO E TEM OBRIGATORIAMENTE DE SER CONHECIDA INDEPENDENTEMENTE DAS VONTADES PARTICULARES DOS SUJEITOS NEGOCIAIS, POIS TRATA-SE DE INSTITUTO QUE O TRIBUNAL TEM O PODER/DEVER DE CONHECER, MESMO QUE NÃO INVOCADO OU ALEGADO PELAS PARTES.
S) AINDA, A NULIDADE ABSOLUTA COMPORTA A IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE CONFIRMAÇÃO DE ANO NULO, QUE SE TRADUZ NA INADMISSIBILIDADE DA SANAÇÃO DO VÍCIO DE QUE PADECE, O QUE É LOGICAMENTE INCOMPATÍVEL COM A HIPÓTESE DE AQUELE PODER SER CONVALIDADO PELO SIMPLES DECURSO DO TEMPO E É ORIGINÁRIA, O NEGÓCIO AFECTADO NÃO TEM “AB INITIO” QUALQUER EFICÁCIA JURÍDICA E, DE TODO, NÃO PODE SER SANADA PELO DECURSO DO TEMPO.
T) TAMBÉM, A NULIDADE ABSOLUTA OBRIGA À RESTITUIÇÃO DE TUDO O QUE FOI PRESTADO, OU SEJA, CONSTITUI UMA FORMA LEGAL DE LIQUIDAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO E FAZ VERDADEIRAMENTE DESAPARECER OPE LEGIS A REALIDADE QUE ATÉ ENTÃO LHE ESTAVA SUBJACENTE QUE, PREVÊ, NECESSARIAMENTE E POR NATUREZA, A VALIDADE DO NEGÓCIO, ENQUANTO SEU PRESSUPOSTO RACIONAL, PELO QUE, POR FORÇA DE ELEMENTAR LÓGICA, SE PRECLUDE COMPLETAMENTE A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO EXTINTIVA À DECLARAÇÃO DE NULIDADE.
U) NO QUE CONCERNE À QUESTÃO DA REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE, CAINDO, COMO SE ESPERA, A QUESTÃO DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO À ARGUIÇÃO DA NULIDADE ANTERIORMENTE APRECIADA, COM ELA CAIRIA INEVITAVELMENTE A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO A ESTE PROPÓSITO.
V) EM QUALQUER CASO, IMPORTA VER SE DEVE SUBSISTIR A ESTE PROPÓSITO A DECISÃO DO DOUTO SANEADOR-SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, QUE, AINDA QUE COM DIFERENTE FUNDAMENTO, JULGOU IMPROCEDENTE A ACÇÃO.
W) PERGUNTA-SE, POIS: ESTÁ CADUCO, PELO DECURSO DAQUELE PRAZO DE DOIS ANOS, O DIREITO À ACÇÃO DE REDUÇÃO DE LIBERALIDADES INOFICIOSAS, COMO SE PRETENDE NAQUELE DOUTO SANEADOR-SENTENÇA?
X) JÁ SE DISSE PERANTE A VENERANDA RELAÇÃO QUE É DOMINANTE NA JURISPRUDÊNCIA A TESE DE QUE TAL PRAZO DE CADUCIDADE APENAS SE APLICA QUANDO A LIBERALIDADE SEJA EFECTUADA A FAVOR DE QUEM NÃO SEJA HERDEIRO LEGITIMÁRIO DO AUTOR DA SUCESSÃO – CFR. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 9 DE ABRIL DE 2002 E ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 8 DE OUTUBRO DE 2018.
Y) ADEMAIS TAL PRAZO DE CADUCIDADE NÃO SE MOSTRA VERIFICADO NO CASO DOS AUTOS, POIS O ACTO DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA ASSUMIU UMA FORMA COMPLEXA E NÃO DECORRE EXCLUSIVAMENTE DO CONTRATO DE PARTILHA OUTORGADO ENTRE OS HABILITADOS HERDEIROS DO AUTOR DA SUCESSÃO EM 4 DE JANEIRO DE 2013 – CFR. ARTIGO 38.º DA INICIAL E SEU DOCUMENTO 5 -, MAS MOSTRA-SE ANTES COMPLEMENTADO, COMO SUA PARTE INTEGRANTE, PELO CONTRATO DE RECTIFICAÇÃO DESSA MESMA PARTILHA QUE ENTRE OS MESMOS INTERESSADOS VEIO A SER OUTORGADO EM 24 DE NOVEMBRO DE 2014 - CFR. ARTIGO 39.º DA PETIÇÃO E SEU DOCUMENTO 6.
Z) NO CASO DOS AUTOS, CORREU INVENTÁRIO, QUE É MEIO PROCESSUAL APTO A SUSCITAR A QUESTÃO DA REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE E EM CUJO REQUERIMENTO INICIAL A MESMA FOI EXPRESSAMENTE SUSCITADA, NO ÂMBITO DO QUAL OS AQUI RECORRENTES FORAM REMETIDOS PARA OS MEIOS COMUNS, PARA O QUE INSTAURARAM A PRESENTE ACÇÃO.
Termos em que deve a presente Revista ser admitida, como excepcional ou, parcialmente, como regra, e julgada procedente e revogado o douto Acórdão recorrido e ordenado o prosseguimento dos autos, como é de JUSTIÇA!
13. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.
14. Os Réus QQ, II, JJ e O..., S.A., requereram, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso.
15. Os Réus QQ, II e JJ finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:
1.ª — Não se verifica a contradição invocada pelos Autores entre o decidido no douto acórdão recorrido e no douto acórdão do S.T.J. de 16.11.2023, pelo que este fundamento não pode justificar a admissão do recurso como revista excepcional.
2.ª — A oposição de julgados não existe porque, se é certo que no acórdão recorrido se admite que possa ocorrer a prescrição (extintiva) dos direitos fundados na nulidade do negócio jurídico, a verdade é que no acórdão fundamento se apreciou e julgou uma outra questão, se podia o devedor escusar-se ao pagamento invocando a prescrição das obrigações que decorreriam do contrato não fosse ele nulo.
3.ª — O douto acórdão recorrido não adoptou, relativamente ao indeferimento do pedido alternativo da conferência da doação alegadamente dissimulada para efeito da sua eventual redução por inoficiosidade, uma fundamentação essencialmente diferente da adoptada pela Primeira Instância, pelo que existe dupla conforme também nessa parte e não é admissível, por isso, o recurso ordinário de revista.
4.ª — Não há incompatibilidade entre a norma do artigo 286.º do Código Civil, que estabelece que a nulidade é invocável a todo o tempo, e a sujeição do direito de invocar a nulidade e de dela extrair os seus efeitos a um prazo de prescrição.
5.ª — Tão imperativa e motivada por interesses públicos é a norma que prevê que a nulidade é invocável a todo o tempo como aquela que sujeita o exercício de um direito pelo seu titular a um dado termo.
6.ª — Ambos os regimes, da nulidade e da prescrição, são susceptíveis de conciliação, não havendo razões que justifiquem o sacrifício integral de um ao outro.
7.ª — A conciliação entre os dois institutos consegue-se distinguindo entre aquilo que é a solução do artigo 286.º, de não sujeição da arguição da nulidade a um prazo de caducidade — a nulidade é, por isso, invocável a todo o tempo —, e as normas vigentes em matéria de prescrição, que impõem àquele que, em concreto, pretenda beneficiar dos efeitos da nulidade a necessidade de a invocar dentro de certo prazo, contado da data em que passa a poder exercer esse direito, sob pena de prescrição.
8.ª — A nulidade pode ser invocada a todo o tempo; porém, a partir do momento em que adquire o direito de invocar a nulidade, o beneficiário tem um prazo para o fazer, sob pena de a ordem jurídica associar à sua inércia ou ao seu desinteresse a perda da possibilidade de exercer judicialmente esse seu direito e de exercitar em juízo o direito de exigir o cumprimento dos efeitos obrigacionais decorrentes da nulidade.
9.ª — Ora, como bem se afirma no douto acórdão recorrido, “No caso dos autos, o direito de invocar a nulidade da transmissão da participação social e de requerer a sua restituição estava, objectivamente, em condições de ser exercido a partir do momento em que foi praticado o primeiro acto de transmissão dessa participação”.
10.ª — Na situação em apreço, não obstante a suposta nulidade das cessões de quotas celebradas em 1986 fosse invocável a todo o tempo, os Autores (e os seus antecessores na titularidade desse direito) teriam de exercer o direito de arguir essa nulidade dentro do prazo prescricional de 20 anos que a lei estabelece no artigo 309.º do Código Civil.
11.ª — Ora, não o tendo feito durante mais de 30 anos (!), devem prevalecer as razões de segurança e certeza jurídica, de protecção do sujeito passivo, de afeiçoamento da situação jurídica a uma situação de facto absolutamente consolidada, mas também de censura de uma completa inércia dos supostos titulares do direito de se valerem da pretensa nulidade ao longo de um período de tempo que excede qualquer limite de razoabilidade.
12.ª — Por outro lado, e ainda que se entenda que o direito de arguir a nulidade, em si mesmo, não está sujeito ao prazo prescricional, já não caberão dúvidas de que a obrigação de restituição que a lei associação à nulidade do negócio está sujeita ao sobredito prazo; ora, atenta a natureza meramente declarativa e não constitutiva da sentença que declara a nulidade, aquele prazo prescricional conta-se da data em que o direito de arguição da nulidade e consequente restituição podia ser exercido e não da data em que tal nulidade haja sido declarada.
13.ª — O que leva a que também por essa via se tenha de considerar precludido o pretenso direito dos Autores à restituição à herança de KK da participação social cedida. Pelo que sendo, na presente acção, a declaração de nulidade dos actos jurídicos impugnados manifestamente instrumental relativamente a esta pretensão restitutória, é toda a acção que fica prejudicada pelo referido decurso do prazo prescricional.
14.ª — A viabilidade do pedido fundado na inoficiosidade da suposta liberalidade feita por KK a favor de CC supõe que se julgue provada a alegada simulação invocada pelos Autores e se considere existente aquela doação; ora, estando a impugnação dos negócios jurídicos alegadamente a ela conducentes barrada pelo decurso do prazo prescricional, sucumbe também necessariamente esta pretensão, que não tem capacidade para sobreviver autonomamente.
15.ª — Ainda que esta questão se pudesse considerar ultrapassada, sempre estaria efectivamente caducado o direito à redução da pretensa liberalidade por inoficiosidade.
16.ª — Segundo o melhor entendimento jurisprudencial, a norma do artigo 2178.º do Código Civil é aplicável também quando a liberalidade é feita a favor de herdeiro legitimário.
17.ª — Quanto à segunda razão invocada pelos Autores para a pretensa não aplicação da norma do artigo 2178.º do Código Civil, de que a aceitação da herança teria assumido uma “forma complexa” só completada em 24 de Novembro de 2014 com a rectificação do contrato de partilha, também não colhe, porque não podem caber dúvidas de que logo com o contrato de partilha de 4 de Janeiro de 2013 foi aceite a herança pelos aqui Autores, sendo para o efeito completamente irrelevante a subsequente rectificação.
18.ª — O que leva a que também o juízo contido na douta sentença da Primeira Instância relativamente à caducidade do direito de requerer a redução da alegada liberalidade por inoficiosidade não mereça qualquer censura.
19.ª — Improcedem, por isso, na totalidade, as conclusões do recurso interposto pelos Autores.
20.ª — Ainda que não se entenda que o pretenso direito dos Autores está prescrito, sempre o seu exercício seria ilícito porque abusivo.
21.ª — Os Autores e, antes deles, o seu pai, estiveram mais de 30 anos sem exercer o seu suposto direito de impugnação das cessões de quotas e dos aumento de capital e sem dar quaisquer sinais de não se conformarem com tais actos e de os pretenderem pôr em causa, tendo inclusivamente participado no contrato de partilha de KK e sua mulher.
22.ª — Assim, corridos 34 anos sobre as cessões de quotas impugnadas, é manifesto que o exercício do direito dos Autores, se porventura existisse, teria sempre que se considerar abusivo, porque contrário à boa fé.
23.ª — Estamos perante o abuso do direito na modalidade chamada de supressio ou verwirkung, em que, como a jurisprudência tem assinalado, está em causa o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido — como sucede na situação em apreço.
24.ª — Assinale-se que a questão do abuso do direito é de conhecimento oficioso e, de todo o modo, foi suscitada pelos Réus CC e outros na sua contestação.
25.ª — Subsidiariamente, prevenindo a eventualidade de procedência do recurso, os Réus requerem também a sua ampliação ao abrigo do artigo 636.º, n.º 1, do C.P.C., para nele ser conhecida a questão da incompetência material do Tribunal a quo para julgar os pedidos de “anulação, por nulidade” dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987, 17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 da O..., S.A..
26.ª — Para apreciar pedidos de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações de uma sociedade comercial, afigura-se certo que são exclusivamente competentes os Juízos de Comércio, atento o disposto no art. 128.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
27.ª — O que leva a que o Juízo Central Cível, onde esta acção foi proposta, não seja competente para apreciar os pedidos de invalidação dos aumentos de capital da O..., S.A. deduzidos pelos Autores.
28.ª — Na sentença proferida em Primeira Instância, o Tribunal não perfilhou este entendimento por considerar que quem está a pedir a declaração de nulidade ou anulação das deliberações sociais não são sócios da sociedade mas terceiros, cuja legitimidade lhes adviria da qualidade de pessoas alegadamente afectadas por tais negócios.
29.ª — Afigura-se, porém, que, atenta a natureza material da especialização dos Juízos de Comércio, é propósito da lei que todas as acções que sejam dirigidas à anulação ou declaração de nulidade de deliberações sociais sejam da competência daqueles Tribunais, independentemente da qualidade da pessoa que as propõe.
Termos em que:
a) Não deverá admitir-se a revista excepcional com fundamento na oposição de julgados invocada pelos Autores, e também não deverá admitir-se o recurso como revista ordinária na parte subsidiariamente requerida pelos Autores;
b) Caso se admita o recurso, deverá o mesmo ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
c) Caso assim não se entenda, sempre deverá considerar-se abusiva a pretensão dos Autores e, com esse fundamento, confirmar-se a decisão de absolvição dos Réus dos pedidos.
d) Caso ainda assim não se entenda, requer-se que, em ampliação do âmbito do recurso, se declare o Tribunal a quo incompetente em razão da matéria para julgar os pedidos de “anulação, por nulidade” dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987, 17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 da O..., S.A., com as legais consequências.
16. A Ré O..., S.A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A) DA (MANIFESTA) INADMISSIBILIDADE DA REVISTA INTERPOSTA PELOS AA./RECORRENTES
1) Analisadas as decisões proferidas pelas instâncias (i.e. o Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 10/09/2024, e o despacho saneador, proferido pelo tribunal de primeira instância em 22/01/2024), conclui-se que:
a) O despacho saneador, que conheceu do mérito da causa, julgou procedente a exceção perentória da prescrição invocada pelos réus nas respetivas contestações e, em consequência, absolveu aqueles de todos os pedidos contra si formulados pelos AA./Recorrentes.
b) Para o efeito, entendeu, que “O facto de a lei preceituar que a nulidade pode ser invocável a todo o tempo (…) não significa que não tenha prazo, pois que a segurança jurídica unitária do sistema, impõe que, decorrido o necessário tempo para o efeito, todos os actos jurídicos, mesmo que inválidos, se consolidem (com exceção da inexistência, que não vem ao caso). É assim que, não prevendo a lei outro prazo, seja aplicável o disposto no art. 309 do Código Civil, isto é, o prazo ordinário de prescrição de vinte anos. (…) tendo decorrido tal prazo, o acto consolidou-se na esfera jurídica dos interessados e de terceiros intervenientes, não podendo ser agora impugnado. Sento tal acto de cessão de quotas sociais válido, porque como tal se consolidou pelo decurso do tempo, tal validade estende-se aos actos subsequentes praticados pelos detentores das quotas sociais adquiridas (posteriores aumentos de capital e cessões).
c) Por sua, vez, o acórdão recorrido corroborou e confirmou, na íntegra, quer a decisão, quer o raciocínio e fundamentação seguidos pelo tribunal de primeira instância, motivo pelo qual julgou totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, manteve a decisão recorrida, tendo concluído “pelo acerto da decisão recorrida, ao considerar aplicável ao presente caso o prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do CC.”.
d) Note-se, aliás, que as decisões das instâncias não só coincidiram quanto à aplicação do referido prazo de prescrição ao caso dos autos, mas também quanto ao momento do início da respetiva contagem, inexistindo, portanto, qualquer divergência de raciocínio entre ambas as decisões.
2) Estamos, portanto e inequivocamente, perante uma coincidência total de fundamentos e decisão: em ambas as instâncias, são idênticos o percurso jurídico seguido pelas instâncias, o entendimento quanto a cada um dos fundamentos tidos em conta para a decisão e a própria decisão, existindo, assim, dupla conformidade decisória, motivo pelo qual o acesso a um terceiro grau de jurisdição estaria (e está), em princípio, vedado aos AA./Recorrentes, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC.
3) Os AA./Recorrentes afirmam, por isso, que a presente “revista é excecional”, excecionalidade que fundamentam, em concreto, no disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, as quais estabelecem que cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo 671.º do CPC quando:
e) “Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC) – doravante “Fundamento 1”; ou
f) “O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” (cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC) – doravante “Fundamento 2”.
4) Sucede, no entanto, que a tese dos AA./Recorrentes carece de fundamento.
5) Quanto ao Fundamento 1, porquanto:
a) O acórdão recorrido (à semelhança da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância) decidiu a questão aqui em discussão – a de saber se a invocação da nulidade está sujeita ao prazo ordinário de prescrição –, não ao arrepio, mas, antes perfilhando o mesmo exato entendimento seguido, deforma praticamente unânime, na jurisprudência conhecida e publicada.
b) Foram já pelo menos três as Relações que se pronunciaram sobre a mesma exata questão que aqui se discute – Relação de Évora, em Acórdão de 25/05/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1123/09.6TBOLH-G.E1; Relação de Guimarães, em Acórdão de 7/03/2019, no âmbito do processo n.º 876/18.5T8BRG.G1; Relação de Lisboa, em Acórdão de 19/05/2020, proferido no âmbito do processo n.º 5598/18.4T8LSB.L1-7; –, tendo todas elas dado resposta unânime à questão levantada pelos AA./Recorrentes nas respetivas alegações de recurso, ou seja, pronunciando-se no sentido de ser aplicável à arguição de nulidade do negócio jurídico o prazo ordinário de prescrição, previsto no artigo 309.º do Código Civil, e não sendo conhecidas decisões em sentido oposto (a decisão que é invocada e junta pelos AA./Recorrentes (aliás, como Acórdão-Fundamento), proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não tratou, como bem se assinalou no Acórdão recorrido, de questão idêntica, ou sequer semelhante, à questão que se discute nos presentes autos).
c) Muito embora se reconheça que esta questão não vem merecendo tratamento unânime no seio da doutrina, e que a jurisprudência sobre o tema não é copiosa (talvez, precisamente, porque a solução jurídica da questão em discussão é tão clara e inequívoca que não há muitos que a questionem jurisprudencialmente), a verdade é que, no seio da jurisprudência existente (que é recente, diversificada e sólida), o tema é completamente pacífico, o entendimento é absolutamente unânime, não se vislumbrando que esteja em causa uma questão controvertida, carente de um efeito reparador.
d) Por outro lado, também não estamos perante legislação nova, matéria especialmente complexa ou não tratada, motivo pelo qual também não se vislumbra a necessidade de um efeito preventivo, clarificador ou estabilizador.
e) O caso prático que os AA./Recorrentes invocam para defender os alegados “desmedidos relevo e importância para a sociedade em geral“, bem como a “generalidade e abstração” da questão aqui em discussão, relacionado com o esquema de fuga ao “então famigerado “Imposto sobre as Sucessões e Doações””, que terá sido “prática corrente de inúmeras famílias portuguesas”, além de ser exemplo único dado pelos AA./Recorrentes, e não confirmado, não está minimamente relacionado, direta ou indiretamente, com o tema em discussão nos presentes autos , além de que a solução jurídica aplicável ao exemplo dado pelos AA./Recorrente nunca poderia ser igual à solução jurídica aplicada – e bem – pelas instâncias no nosso caso, pois que, no caso equacionado pelos AA./Recorrentes, das duas uma: ou o herdeiro prejudicado foi parte no conluio e na “trapaça fiscal”, caso em que, se invocasse a respetiva nulidade, estaria a atuar em abuso do direito; ou o mesmo de nada sabia, caso em que o prazo de prescrição apenas iniciaria o seu curso no momento do conhecimento, pois só a partir daí o direito pode ser exercido (cf. artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil). O exemplo é, portanto, inócuo para a solução a dar à questão em discussão nos presentes autos.
f) Adicionalmente, apoiando-se ainda em tal exemplo, os AA./Recorrentes alegam, também, que, no limite, a questão “até pode muito bem ser vista como de importante relevo social, a ser possivelmente enquadrada na alínea b), do n.º 1 daquele artigo 672.º.” [que admite a revista excecional nos casos em que estejam em causa interesses de particular relevância social], no entanto, a R./Recorrida não vislumbra o enquadramento do exemplo dado pelos AA./Recorrentes em nenhum dos parâmetros da vida social que têm vindo a ser definidos, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, como relevantes para este efeito.
g) Não se pode, portanto, deixar de concluir que não tem aplicação ao caso sub judice o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, razão pela qual o recurso não deve ser admitido.
6) Por outro lado, quanto ao Fundamento 2, é inequívoco que o recurso apresentado pelos AA./Recorrentes com base neste fundamento não deve ser admitido, seja por força de um argumento formal, seja por força de um argumento substantivo:
a) Quanto ao argumento formal, porque os AA./Recorrentes, ao contrário do que lhes impunha a segunda parte da alínea c) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC, não só não juntaram uma cópia do Acórdão-Fundamento, mas apenas uma mera transcrição do mesmo retirada do website www.dgsi.pt, como não demonstraram que o Acórdão-Fundamento cuja transcrição juntaram tenha transitado em julgado, não estando, por isso, preenchido o requisito formal para a admissibilidade do seu recurso.
b) Em consequência, o recurso apresentado não deverá ser admitido, ou, caso assim não se entenda, deverá, então, ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, no sentido de os AA./Recorrentes fazerem prova do trânsito em julgado do Acórdão-Fundamento cuja transcrição apresentaram, sob pena de o seu recurso não ser admitido, o que se requer.
c) Quanto ao argumento substantivo, no caso sub judice é claro e evidente que o Acórdão-Fundamento e o acórdão recorrido não incidiram sobre a mesma questão fundamental de direito, não existe, entre ambos, uma identidade do núcleo da situação de facto, nem sequer uma identidade nas questões discutidas e relevantes para os respetivos resultados, pelo que não poderia, por isso, existir, e não existe, qualquer contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos à questão e discussão (que é distinta), nem sequer qualquer oposição frontal e explícita na apreciação dessa questão (cf. a título de exemplo, Acórdão do STJ de 24/04/2024, Processo n.º 6263/18.8T8PRT.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt), pelo que não estamos, portanto, perante qualquer oposição frontal de julgados e/ou posições.
d) Vejamos, com maior detalhe, as principais (e gritantes) diferenças entre ambas as decisões.
(i) Em primeiro lugar, ao passo que o acórdão recorrido se pronuncia e posiciona no sentido de ser aplicável, ao direito de invocar a nulidade de um negócio jurídico, o prazo ordinário de prescrição, previsto no artigo 309.º do Código Civil; já no Acórdão-Fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça não foi chamado a pronunciar-se sobre um caso semelhante, mas antes sobre a prescrição do eventual direito à restituição do que haja sido prestado no âmbito de um negócio cuja nulidade já tenha sido previamente decretada, ou seja, sobre a possibilidade de paralisar, por via da prescrição, as consequências e os efeitos decorrentes de um decretamento prévio da nulidade de um negócio, e não sobre a prescrição do direito de ver essa nulidade decretada (conforme sucede in casu).
(ii) Em segundo lugar, (i) enquanto o Acórdão-Fundamento se debruça sobre a prescrição extintiva de curto prazo prevista na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, (ii) o acórdão recorrido versa sobre o prazo ordinário da prescrição extintiva (20 anos).
(iii) Em terceiro e último lugar, contrariamente ao que sucedeu nos presentes autos, depreende-se do teor do Acórdão-Fundamento que a exceção de prescrição do direito de invocar a nulidade do negócio não foi ali especificamente suscitada pelo réu, que se defendeu apenas por via da prescrição do crédito emergente da relação de liquidação, pelo que, na falta de invocação, nem se encontrava o tribunal em posição de conhecer daquela espécie de prescrição, pois que esta carece sempre de invocação (cf. artigo 303.º do Código Civil).
e) Em suma, e conforme bem se referiu no douto acórdão recorrido, “o caso concreto decidido neste aresto [invocado pelos AA./Recorrentes nas alegações de recurso de apelação, e que constitui, agora, o Acórdão-Fundamento] não tem qualquer paralelo com a situação em apreço nos presentes autos, nem se afigura que o referido acórdão pretenda solucionar ou, sequer, vise a questão a decidir neste recurso. Por conseguinte, não cremos que aquela jurisprudência seja transponível para o nosso caso.”
7) Acresce, por fim, que, segundo os AA./Recorrentes, ainda que se entenda que não estão reunidos os requisitos para a admissibilidade da revista excecional, “havia, em qualquer caso, este recurso de ser recebido como revista-regra, ainda que com alcance mais limitado e circunscrito, agora apenas quanto à segunda componente da decisão e no que concerne ao pedido alternativo da conferência da doação dissimulada, para efeito da sua eventual redução por inoficiosidade, o que se requer nos termos do artigo 672.º, n.º 5 da citada codificação adjectiva.”
8) Sucede, no entanto, que, também nesta parte carece de provimento a argumentação dos AA./Recorrentes, desde logo, porque, conforme tem vindo a ser o entendimento deste douto Supremo Tribunal de Justiça, a dupla conformidade decisória afere-se em função de cada segmento decisório autónomo da decisão recorrida, e não em função dos fundamentos utilizados e/ou dos pedidos formulados, individualmente considerados, conforme pretendem os AA./Recorrentes.
9) Ora, a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal a quo é composta por um (e apenas um) segmento decisório, pelo que apenas em relação ao mesmo se pode apreciar a existência de uma dupla conformidade decisória, inexistindo margem para uma “revista-regra” parcial, apreciada em função de fundamentos e não de segmentos decisórios. Desta forma, o recurso apresentado pelos AA./Recorrentes não deve ser admitido.
10)Sem prescindir, ainda que assim não fosse, a verdade é que, mesmo tendo por referência cada um dos fundamentos apreciados por ambas as instâncias decisórias, a coincidência entre ambas é total e incontestável:
a) Ambas entenderam ser aplicável à arguição da nulidade o prazo de prescrição ordinário, fixado no artigo 309.º do Código Civil;
b) Ambas entenderam que tal prazo de prescrição iniciou o respetivo curso aquando da realização do primeiro dos atos impugnados pelos AA./Recorrentes e que, por isso, se encontrava integralmente decorrido quando os AA./Recorrentes intentaram a presente ação judicial;
c) Ambas entenderam que, por se encontrar prescrito o direito de invocar a nulidade de tal ato, resultou prejudicada a sindicância dos demais atos impugnados nos presentes autos.
11)Não se vislumbra, portanto, ao contrário do que pretendem os AA./Recorrentes, a existência de qualquer divergência de fundamentação relevante para efeitos de admissão de revista ordinária.
12)Note-se que, mesmo quanto à questão concretamente levantada pelos AA./Recorrentes, ou seja, ao “pedido alternativo da conferência da doação dissimulada, para efeito da sua eventual redução por inoficiosidade”, não existe qualquer divergência entre a fundamentação vertida na sentença proferida pelo tribunal de primeira instância e a do acórdão recorrido: em ambos os casos se entendeu que a apreciação da validade dos demais atos de compra e venda de ações e aumentos de capital posteriores à cessão de quotas de 1986 dependia da possibilidade e procedência da impugnação do contrato de cessão de quotas de 1986, motivo pelo qual julgaram a ação totalmente improcedente.
13)É certo que, na sentença proferida pelo douto tribunal de primeira instância se acrescenta um último comentário, referindo-se que, ainda que assim não fosse, “também teria já decorrido o prazo para o efeito, uma vez que o de cujos, KK, faleceu em ... de ... de 2011, a sua herança mostra-se aceite pelos herdeiros legitimários, tendo caducado o direito de acção para redução de liberalidades inoficiosas”. No entanto, trata-se de uma afirmação lateral, que se encontra entre parêntesis, facilmente se concluindo, sem qualquer esforço interpretativo, que se trata de um raciocínio subsidiário, complementar e acessório, que não constitui a fundamentação fulcral para a decisão vertida a final, não constituindo, por isso, uma divergência relevante para efeitos de integração do conceito de “fundamentação essencialmente diferente” previsto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC.
14) O recurso de revista deve, por isso, ser julgado inadmissível, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, seja pelo facto de a decisão recorrida não admitir recurso de revista, seja por existir dupla conformidade decisória entre o despacho saneador proferido pela primeira instância e o acórdão recorrido, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, seja por não estarem verificados os requisitos para a revista excecional, previstos no n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
Sem prescindir,
B) DA ALEGADA INAPLICABILIDADE AO CASO DOS AUTOS DO REGIME DA PRESCRIÇÃO
15) O prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil aplica-se ao direito de invocar a nulidade de um negócio jurídico.
16) Isto, designadamente, porque: (i)a prescrição é um dos modos de afirmação de justiça; (ii) a prescrição aquisitiva aplica-se à declaração de nulidade, pelo que não faria sentido deixar de aplicar a prescrição extintiva; (ii) estão sujeitos a prescrição todos os direitos, apenas excecionando a lei os direitos indisponíveis e aqueles isentos de prescrição e não existe previsão expressa neste sentido quanto aos efeitos da nulidade; (iv) a nulidade de negócio jurídico não constitui motivo de suspensão ou interrupção da prescrição, e este é inderrogável e apenas admite a renúncia depois de decorrido o seu prazo; (v) os princípios constitucionais da certeza e segurança jurídicas, da estabilidade das relações jurídicas e da proteção da confiança, todos eles essenciais para a paz jurídica e social, postulam a prevalência da prescrição extintiva sobre os efeitos da nulidade.
17) Este entendimento tem vindo a ser reiteradamente sufragado pelas decisões dos nossos tribunais superiores. Nesse sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/03/2019 (Processo n.º 876/18.5T8BRG.G1), no qual se refere, entre o mais, que “muito embora insanável pelo decurso do tempo e, consequentemente, vedada a produção dos efeitos próprios do negócio nulo, essa persistência perpétua do vício, justamente porque tem subjacente uma materialidade negocial, “pode, porém, ser precludida, no aspeto prático, pela verificação da usucapião (prescrição aquisitiva), se a situação de facto foi actuada de acordo com os efeitos a que tendia o negócio.” (18) Se assim é para este caso de prescrição aquisitiva ou positiva, não encontramos razões para que, com base na inércia negligente e/ou desinteresse do titular do direito em efetivar a nulidade assim invocável a todo o tempo, não possamos igualmente concluir pela mesma preclusão, no caso de verificação da prescrição extintiva ou negativa.”
18) Se assim não fosse, todo e qualquer negócio jurídico, independentemente da data da sua celebração, poderia vir a ser posto em causa ad aeternum, assim se minando e violando princípios basilares do nosso ordenamento jurídico e da nossa vida em sociedade, como são os princípios constitucionais da certeza e segurança jurídicas, da estabilidade das relações jurídicas e da proteção da confiança, todos eles essenciais para a paz jurídica e social [v. a respeito destes princípios os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 862/2013, 355/2013 e 127/2012].
19)Assim, a norma contida no artigo 286.º sempre deveria ser considerada inconstitucional quando interpretada no sentido de ser permitida a invocação da nulidade para além do prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil, por violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas, que assentam no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas”.
20) Por tudo o exposto, bem andou o douto Tribunal a quo quando, corroborando o entendimento da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, aplicou o prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil ao direito que os AA./Recorrentes pretendiam exercer nos presentes autos, pelo que improcede, portanto, o argumento utilizado pelos AA./Recorrentes.
21) Ora, no que diz respeito à contagem do prazo de prescrição, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
22) A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 07/07/2022 (Processo n.º 2/19.3YQSTR-G.L1.S1), esclareceu que: “O art. 306 n.º 1, do CCivil, adotou em matéria de prescrição um sistema objetivo que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição “quando o direito puder ser exercido”, significando esta expressão que a prescrição se inicia quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exigir do devedor o cumprimento da obrigação.” (negritos e sublinhados nossos)
23) Resulta da causa de pedir, tal como configurada pelos AA./Recorrentes na petição inicial, que foi em 1986 que ocorreu e se completou o referido e suposto conluio entre KK e o seu filho, ou seja, independentemente de aos atos praticados em 1986 se terem ou não seguido outros atos com o mesmo fito, aqueles primeiros sempre teriam, isoladamente considerados e por si só, o suposto intuito (de acordo com a tese dos AA./Recorrentes) de favorecer CC.
24) E se assim é, então aqueles primeiros atos estariam, por si só, feridos de nulidade, pelo que os AA./Recorrentes estavam, desde julho de 1986, em condições de, objetivamente, exercerem o seu suposto direito (impugnar os contratos de cessão de quotas e os aumentos de capital nesse ano realizados), sendo, para esse efeito, totalmente irrelevantes quaisquer atos ou factos que posteriormente tenham vindo a ocorrer, bem como quaisquer fatores subjetivos subjacentes, cuja nulidade, aliás, daqueles depende (sendo a nulidade daqueles condição sine qua non e pressuposto da invalidade destes).
25) Os AA./Recorrentes não invocaram, sequer, qualquer impossibilidade (objetiva ou subjetiva) para não o terem feito, nem mesmo o respetivo desconhecimento (que de resto, para além de inócuo, sempre sairia prejudicado pelo facto de os atos em questão terem sido praticados por escritura pública, de nada valendo a invocação do respetivo desconhecimento).
26) Assim sendo, tendo o prazo de prescrição iniciado a sua contagem no momento da prática do primeiro ato impugnado, ou seja, em 1986, resulta por demais inequívoco que o direito de os AA./Recorrentes invocarem a nulidade dos atos que aqui impugnam já há muito (pelo menos desde 2006) havia prescrito na data em que intentaram a presente ação.
27) Por outro lado, em consequência e por imperativo lógico, estando tal ato, por decurso do prazo prescricional, consolidado na ordem jurídica, sai prejudicada a invocação da nulidade dos demais, estendendo-se a estes a validade e consolidação daqueles atos.
Sem prescindir,
28) Também, pelo menos, quanto os aumentos de capital realizados em 1987 e 1991, individualmente considerados, haviam já decorrido mais de 20 anos na data em que os AA./Recorrentes intentaram a presente ação judicial, pelo que, ainda que se entendesse que é sobre o momento da prática de cada um dos atos impugnados que deve ser contado o prazo de prescrição respetivo, no que não se concede, sempre teria forçosamente de se considerar caducado o direito de os AA./Recorrentes invocarem a nulidade dos aumentos de capital de 1987 e 1991 (mais concretamente, desde 2007, quanto ao primeiro, e desde 2011 quanto ao segundo).
29) E se assim é, então sempre se veria prejudicada (desde logo por falta de qualquer interesse em agir por parte dos AA./Recorrentes) a impugnação dos restantes dois aumentos de capital, ocorridos em 2001 e 2007, aos quais os próprios AA./Recorrentes atribuem total irrelevância, pelo menos quando considerados isoladamente, referindo que os mesmos não tiveram qualquer “expressão significativa no capital ou na sua distribuição entre os acionistas, que manteve a já aludida distribuição proporcional” (pelo que sempre se deveria considerar contraditório – e abusivo – afirmar que o último aumento de capital veio completar um processo volitivo complexo, quando, na própria petição inicial, se afirma que o mesmo não teve qualquer especial relevância para efeitos da construção volitiva complexa invocada).
30) Em virtude do exposto, facilmente se conclui que bem andaram as duas instâncias decisórias em julgar procedente a exceção de prescrição do direito dos AA./Recorrentes e, como consequência, ao absolverem, na íntegra, os réus dos pedidos contra si formulados, pelo não merece, assim, qualquer censura, devendo ser confirmado, o acórdão recorrido, o que se requer.
Sem prescindir,
C) DO PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO À AÇÃO DE REDUÇÃO DE LIBERALIDADES INOFICIOSAS
31) A jurisprudência tem vindo a debater a aplicação do prazo previsto no referido artigo 2178.º do Código Civil à redução por inoficiosidade de liberalidades feitas a favor de herdeiros legitimários. No entanto, a esmagadora maioria da jurisprudência recente dos nossos Tribunais Superiores tem-se vindo a pronunciar consistentemente no sentido contrário ao invocado pelos AA./Recorrentes, ou seja, defendendo a aplicação de tal prazo mesmo no caso em que o pedido de redução é realizado pelos herdeiros legitimário [v. a este respeito, por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/10/2017 (Processo 1208/13.4YXLSB.L1-6) e de 06/10/2011 (Processo 1948/08.0YXLSB- A.L1- 2), nos quais se entendeu que, por razões de segurança e certeza jurídicas impõem a aplicação do referido prazo de caducidade igualmente às liberalidades inoficiosas realizadas a favor de herdeiro legitimário, mais fazendo notar que não existe fundamento para as distinguir das liberalidades que beneficiam terceiros, pelo que, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir].
32)Os AA./Recorrentes dispunham de um prazo de dois anos contados da aceitação da herança de KK, para requerer a redução por inoficiosidade da invocada liberalidade, sob pena da caducidade do respetivo direito.
33)Sucede, no entanto, que tal prazo já havia decorrido na data os AA./Recorrentes propuseram a presente ação, sem que os AA./Recorrentes o tivessem requerido.
34)Com efeito, tendo o inventário sido instaurado, conforme referem os AA./Recorrentes nas respetivas alegações, “em 17 de Dezembro de 2015”, e considerando que, nos termos do n.º 1 do artigo 2052.º, a herança pode ser aceita pura e simplesmente, ou a benefício de inventário, completando o artigo 2053.º do mesmo diploma que “A aceitação a benefício de inventário faz-se requerendo inventário (…).”, o direito de requerer qualquer redução por inoficiosidade caducou transcorridos dois anos desde aquela data, ou seja, em 17 de dezembro de 2017.
Ainda sem prescindir,
D) EXCEÇÃO PERENTÓRIA DO ABUSO DO DIREITO
35) Ainda que se entendesse que o direito que os AA./Recorrentes pretendem exercer não se encontra prescrito, no que não se concede, então sempre se deveria concluir que a instauração da presente ação pelos AA./Recorrentes configura um manifesto e flagrante abuso do direito, os termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade de supressio.
36) É matéria aceite e não controvertida (por resultar, quer da petição inicial, quer da contestação apresentada pela R./Recorrida, quer da contestação apresentada pelos Réus CC, DD, FF e GG40 (na qual, aliás, foi expressamente deduzida esta exceção41)) – a seguinte:
a) Os contratos de cessão de quotas que estão na origem da presente ação judicial foram celebrados em 28/07/1986;
b) A primeira vez que os AA./Recorrentes suscitaram questões sobre tais contratos foi no âmbito do processo de inventário instaurado em 17/12/2015, ou seja, mais de 29 (vinte e nove) anos após a celebração daqueles negócios;
c) A presente ação foi instaurada em 13/07/2020, ou seja, quase 34 (trinta e quatro) anos após a celebração daqueles negócios.
37) Perante o decurso de tão dilatado lapso de tempo (mais de 30 anos!) e tendo em consideração os três impressivos factos acima elencados, é mais do que natural que se tivesse instalado nos Réus a convicção de que os negócios e atos descritos na petição inicial, em particular o negócio de cessão de quotas que está na origem de todos os demais (e do qual estes dependem), celebrado em 1986, jamais iriam ser colocados em causa.
38) Por isso, os AA./Recorrentes, ao terem instaurado a presente ação contra os Réus, agem com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio, o que constitui uma exceção perentória de conhecimento oficioso, que deve ser conhecida e julgada procedente e, em consequência, ser a R./Recorrida absolvida na íntegra de todos os pedidos formulados pelos AA./Recorrentes, o que se requer seja declarado nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil.
Sempre sem prescindir, e a título subsidiário:
E) DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO A REQUERIMENTO DA R./RECORRIDA (ARTIGO 636.º DO CPC)
39) Acautelando a hipótese de este Venerando Tribunal vir a reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pelos AA./Recorrentes, no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio concebe, a ampliação do âmbito do recurso é o meio processual próprio para requerer a reapreciação dos fundamentos em que a parte vencedora tenha decaído.
40)Pese embora a R./Recorrida tenha sido integralmente absolvida dos pedidos contra si formulados, em virtude de o Tribunal de primeira instância ter julgado procedente a exceção perentória de prescrição do direito invocado pelos AA./Recorrentes e o douto Tribunal quo ter confirmado tal decisão, a verdade é que o despacho saneador proferido julgou improcedentes as exceções da ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade passiva deduzidas pela R./Recorrida, e, muito embora a ampliação do âmbito da apelação deduzida pela R./Recorrida perante o Venerando Tribunal da Relação, este considerou prejudicada a apreciação de tal ampliação.
41) Assim, requer-se a V. Exas. que, em caso de procedência do recurso interposto pelos AA./Recorrentes, sejam tais exceções, nas quais a R./Recorrida decaiu em primeira instância e que não chegaram a ser apreciadas em segunda instância, reapreciadas por V. Exas.
42)Sem prescindir, subsidiariamente, caso V. Exas. entendam que a ampliação do âmbito da revista não é o meio processualmente adequado para requerer a reapreciação das exceções abaixo invocadas, julgadas improcedentes em primeira instância, e não reapreciadas pelo tribunal recorrido e/ou caso entendam que não pode este Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao Tribunal a quo em tal reapreciação (na senda, designadamente, do exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/2022 (Processo n.º 164/17.4T8BGC-A.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt), desde já se requer a V. Exas., a título subsidiário, que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 193.º doCPC, corrijam oficiosamente tal erro na qualificação do meio processual utilizado, determinando que se sigam os termos processuais adequados, designadamente a remessa do processo à Relação, para apreciação das questões aqui invocadas.
Quanto à exceção da ineptidão da petição inicial:
43) A petição inicial é inepta, designadamente quando a causa de pedir seja ininteligível.
Neste caso, a causa de pedir é ininteligível, desde logo porquanto são inúmeras as contradições de que padece:
a) Em primeiro lugar, porque os factos alegados pelos AA./Recorrentes são contraditórios. Se, por um lado, alegam que a causa de pedir assenta num alegado conluio levado a cabo pela sociedade R./Recorrida e pelos seus, à data, sócios, KK, CC e HH, por outro lado, alegam que, de forma frontalmente contraditória com o antes alegado, que a sociedade R./Recorrida afinal foi vítima desse conluio.
b) Em segundo lugar, porque os AA./Recorrentes, apesar de terem alegado que a R./Recorrida foi vítima do alegado conluio, acabaram por colocá-la, sem fundamento justificado e com absoluta ausência de explicação, no lado passivo da presente ação.
c) Em terceiro lugar, porque a posição dos AA./Recorrentes oscila igualmente quanto ao pagamento do preço relativo aos negócios celebrados em 28 de julho de 1986, afirmando os AA./Recorrentes, ora afirmando que tais preços foram pagos, ora afirmam que os mesmos não foram pagos, ora ainda que, afinal, não têm a certeza se foram ou não efetivamente pagos. Tratando-se do principal facto constitutivo da sua causa de pedir, tal posição é não só contraditória, como impediu (e impede) que a R./Recorrida entenda afinal qual a posição dos AA./Recorrentes quanto a este facto.
d) Em quarto lugar, e ainda a respeito do pagamento do preço, porque foram os próprios AA./Recorrentes que juntaram com a sua petição inicial, sem invocarem a sua falsidade, a escritura através da qual os contratos de cessão de quotas em questão, identificados nos artigos 64.º e 65.º da petição inicial, foram outorgados (cf. Documento n.º 10 junto com a petição inicial), e na qual se atesta, sem margem para quaisquer dúvidas, que o pagamento dos preços foi efetivamente realizado; sendo que, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil, os documentos autênticos – como é o caso da escritura referida no artigo antecedente – fazem prova plena dos factos que neles são atestados, sendo que a sua força probatória apenas pode ser ilidida com base na sua falsidade (cf. artigo 372.º do Código Civil).
e) Em quinto e último lugar, porque os AA./Recorrentes, tendo alegado, por um lado, que (i) se o pagamento dos valores em questão foi efetivamente realizado, os preços foram muitíssimo inferiores ao seu valor contabilístico e venal, causando um alegado prejuízo no património de KK, acabaram por reconhecer (ii) que desconheciam “no presente momento, nas sobreditas circunstâncias” tais valores.
44) Não se compreende, portanto, que linha argumentativa querem os AA./Recorrentes, afinal, seguir, quais os fundamentos de facto da ação, tudo desaguando na impossibilidade de se perceber onde radicam as pretensões formuladas.
45) Face ao exposto, não se pode senão concluir que, ao ter julgado improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir invocada pela R./Recorrida na respetiva contestação, oTribunal de primeira instância interpretou equivocadamente e, por isso, violou o disposto nos artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º n.º 2 e 577.º alínea b) do CPC.
46) Consequentemente, caso venha a ser dado provimento ao recurso interposto pelos AA./Recorrentes, no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe, deve a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, em virtude da ininteligibilidade da causa de pedir, ser reapreciada, e julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a R./Recorrida absolvida da instância, o que se requer a V. Exas. seja declarado, nos termos conjugados do disposto nos artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º n.º 2 e 577.º alínea b) e 636.º, n.º 1 do CPC.
Sem prescindir,
47) O alegado nas conclusões 43) a 46) demonstra, também, uma verdadeira contradição entre a causa de pedir e o pedido que os AA./Recorrentes formulam nos presentes autos, desde logo porque as pretensões dos AA./Recorrentes, manifestadas nos pedidos que formulam na petição inicial, não se coadunam, nem apresentam qualquer nexo causal com os fundamentos de facto que integram e compõem a causa de pedir, uma vez que aí alegam que não sabem se os preços foram ou não efetivamente pagos, e se correspondiam, ou não, ao valor de mercado das participações sociais.
48) Os AA./Recorrentes não podem pedir a anulação de um contrato com base em fraude à lei, e muito menos a sua anulação por simulação relativa (por trás da qual figuraria uma verdadeira doação), quando alegaram, anteriormente, que não sabem se os preços acordados para as cessões de quotas foram ou não pagos, e se correspondiam ou não ao valor de mercado e, por consequência, no fundo, que não sabem se efetivamente houve, ou não, prejuízo para o património pessoal de KK.
49) Conclui-se, portanto, que, também por este motivo, ao ter julgado improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir invocada pela R./Recorrida na respetiva contestação, oTribunal de primeira instância interpretou equivocadamente e, por isso, violou o disposto nos artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º n.º 2 e 577.º alínea b) do CPC.
50) Consequentemente, caso venha a ser dado provimento ao recurso interposto pelos AA./Recorrentes, no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe, deve a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, em virtude de contradição entre o pedido e a causa de pedir, ser reapreciada, e julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a R./Recorrida absolvida da instância, o que se requer a V. Exas. seja declarado, nos termos conjugados do disposto nos artigos 186, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º n.º 2 e 577.º, alínea b) e 636.º, n.º 1 do CPC.
Acresce, ainda sem prescindir,
Quanto à exceção dilatória da ilegitimidade processual da R./Recorrida:
51) O n.º 1 do artigo 30.º do CPC dispõe que “o réu é parte legítima quando tem interesse direito em contradizer”, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, “o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”
52) É inequívoca a falta de interesse em contradizer da R./Recorrida, desde logo porque a eventual procedência da presente ação não é apta a causar-lhe qualquer prejuízo.
53) Com efeito, a procedência dos pedidos formulados na petição inicial sempre culminaria, em tese, com a restituição da “aludida participação social ou o seu valor à data da abertura da sucessão, neste caso pelo CC, à herança de KK e, depois, da LL” (cf. pedido iv. da petição inicial; negrito e sublinhado nossos).
54) Sucede que tal participação social, na presente data, já não existe na ordem jurídica, porquanto tal quota deixou de existir em 17 de julho de 1991, data da transformação da R./Recorrida em sociedade anónima (cf. Documenton.º13 junto com a petição inicial), sendo que as ações próprias que foram, após a transformação em sociedade anónima, atribuídas à R./Recorrida (as quais, do ponto de vista jurídico, não se confundem com as quotas próprias cuja restituição à herança os AA. pretendem), acabaram por ser extintas em 29 de novembro de 2011 (cf. Inscrição 11 da Certidão Permanente da Sociedade R. e Documento n.º 15 da petição inicial), o que foi, aliás, expressamente confessado pelos AA./Recorrentes no artigo 117.º da petição inicial, e aceite pela R./Recorrida na respetiva contestação, nos termos do disposto do artigo 358.º do Código Civil e artigo 46.º do CPC.
55) É, por isso, juridicamente impossível a sua restituição em espécie, uma vez que não se pode restituir aquilo que já não existe, restando, portanto, apenas a segunda hipótese, ou seja, a restituição do valor correspondente, nos termos previstos, aliás, no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, que dispõe que “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
56) Quer isto, portanto, dizer que, ainda que a presente ação venha a ser julgada procedente – no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe –, o seu desfecho apenas poderá implicar a condenação do R. CC a restituir à herança o montante correspondente à aludida participação social, condenação essa que, conforme bem se compreende, não é passível de acarretar para a R./Recorrida qualquer prejuízo, e, portanto, carece esta de legitimidade para figurar no lado passivo da presente ação.
57) Conclui-se, portanto, que, ao ter julgado improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da R./Recorrida invocada por esta na respetiva contestação, o Tribunal de primeira instância interpretou equivocadamente e, por isso, violou o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e) do CPC.
58) Consequentemente, caso venha a ser dado provimento ao recurso interposto pelos AA./Recorrentes, no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe, deve a presente exceção dilatória de ilegitimidade passiva ser reapreciada, e julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a R./Recorrida absolvida da instância, o que se requer a V. Exas. seja declarado, nos termos conjugados do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e) 636.º, n.º 1 do CPC.
Por fim, sempre sem prescindir,
F) APRECIAÇÃO DE QUESTÕES NÃO CONHECIDAS PELAS INSTÂNCIAS
59) Pese embora a R./Recorrida tenha sido integralmente absolvida dos pedidos contra si formulados (em virtude de o tribunal de primeira instância ter julgado procedente a exceção perentória de prescrição do direito invocado pelos AA./Recorrentes e o douto Tribunal a quo tenha mantido, na íntegra, tal decisão), a verdade é que o Tribunal de primeira instância não conheceu:
a) Nem da exceção dilatória de falta de interesse em agir dos AA./Recorrentes, invocada pela R./Recorrida na respetiva contestação;
b) Nem das demais exceções por esta invocadas na contestação (designadamente a exceção perentória de prescrição do alegado direito dos AA./Recorrentes de peticionarem a restituição de valor correspondente às participações sociais; exceção perentória de falta de pressupostos para a declaração de nulidade dos contratos de cessão de quotas e aumentos de capital e exceção perentória de inoponibilidade à R./Recorrida da declaração de nulidade, por venda de coisa alheia, dos contratos de compra e venda de ações).
60) Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
61) De acordo com Abrantes Geraldes, “Tal não depende sequer da prévia ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do artigo 636.º, como ficou expresso na fundamentação do AUJ n.º 11/15”.
62) Neste sentido, acautelando a hipótese de a apelação que foi interposta pelos AA./Recorrentes viesse a ser julgada procedente, a R./Recorrida requereu, na resposta às alegações de recurso de apelação que apresentou perante o Tribunal da Relação do Porto, que, nos termos do referido n.º 2 do artigo 665.º do CPC, aquele Tribunal conhecesse dos c), f), g), h), i) e j) da contestação, correspondentes a matéria de exceção invocada pela R./Recorrida em tal articulado, os quais ainda não haviam sido apreciados.
63) Nos termos do disposto no artigo 679.º do CPC, ao recurso de revista são aplicáveis as disposições relativas ao julgamento da apelação interposta para a Relação, “com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes”.
64) Pese embora o entendimento sobre este tema não seja unânime, esta exclusão do artigo 665.º parece significar que, ao Supremo Tribunal de Justiça, está vedada a apreciação, pela primeira vez, de questões que tenham sido consideradas prejudicadas pelas primeira e segunda instâncias.
65) Conforme ensina Abrantes Geraldes: “Tal significa que foi retirada a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se substituir de imediato à Relação, devendo agir do seguinte modo:(…) Quando o acórdão da Relação não estiver afetado por nulidade, mas não tenha apreciado determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, se tal acórdão for revogado, impõe-se a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciadas em primeira mão as questões omitidas.” (cf. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, pp. 483 e 484. No mesmo sentido, veja-se o AUJ n.º 11/15).
66) Assim, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos conjugados do disposto nos artigos 665.º, n.º 2 e 679.º do CPC, e acautelando a hipótese de poder vir a considerar-se procedente a presente revista, no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe, os autos sejam remetidos à Relação para o conhecimento dos seguintes pedidos, correspondentes a matéria de exceção invocada pela R./Recorrida na contestação:
a) Pedido c) (cf. artigos 83.º a 98.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
b) Pedido f) (cf. artigos 114.º a 129.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
c) Pedido g) (cf. artigos 135.º a 151.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
d) Pedido h) (cf. artigos 135.º a 137.º e 152.º a 171.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
e) Pedido i) (cf. artigos135.º a137.º e172.º a185.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
f) Pedido j) (cf. artigos 186.º a 192.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete).
Sem prescindir,
67) Caso V. Exas. entendam que o Supremo Tribunal de Justiça não está impedido de apreciar, pela primeira vez, questões que tenham sido consideradas prejudicadas pelas primeira e segunda instâncias, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, conheçam dos pedidos elencados no parágrafo antecedente, correspondentes a matéria de exceção invocada pela R./Recorrida na contestação.
Sempre sem prescindir,
68) Caso V. Exas. entendam que o meio próprio processual próprio para requerer a apreciação dos pedidos acima referidos, não conhecidos pelo tribunal recorrido, designadamente por as considerar prejudicados pela solução dada ao litígio, é, designadamente, a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC, corrijam oficiosamente tal erro na qualificação do meio processual utilizado, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Exas. mui doutamente suprirão:
a) Deve julgar-se a revista inadmissível, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, seja pelo facto de a decisão recorrida não admitir recurso de revista, seja por existir dupla conformidade decisória entre o despacho saneador proferido pela primeira instância e o acórdão recorrido, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, seja por não estarem verificados os requisitos para a revista excecional, previstos no n.º 1 do artigo 672.º do CPC, o que se requer seja declarado.
Sem prescindir,
b) Deve o presente recurso de revista ser julgado totalmente improcedente, negando-se-lhe o provimento, designadamente pelas razões e no sentido das conclusões e alegações acima apresentadas, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Sem prescindir,
c) Deve decidir-se que os AA./Recorrentes, ao terem instaurado a presente ação contra os Réus, agem com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio, o que constitui uma exceção perentória de conhecimento oficioso, que deve ser conhecida e julgada procedente e, em consequência, ser a R./Recorrida absolvida na íntegra de todos os pedidos formulados pelos AA./Recorrentes, o que se requer seja declarado nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil.
Sem prescindir,
d) Acautelando a hipótese de este Colendo Tribunal vir a reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pelos AA./Recorrentes, deve ser admitida a ampliação do âmbito do recurso e, em consequência:
(i) Deve a exceção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, ser reapreciada, e julgada procedente, por provada, e em consequência, ser a R./Recorrida absolvida da instância, o que se requer a V. Exas. seja declarado, nos termos conjugados do disposto nos artigos 186, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 278.º, n.º1, alínea b), 576.º n.º 2 e 577.º, alínea b) e 636.º, n.º 1 do CPC.
(ii) Deve a exceção dilatória de ilegitimidade passiva ser reapreciada, e julgada procedente, por provada, e em consequência, ser a R./Recorrida absolvida da instância, o que se requer a V. Exas. seja declarado, nos termos conjugados do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea e) 636.º, n.º 1 do CPC.
e) Sem prescindir, subsidiariamente, caso V. Exas. entendam que a ampliação do âmbito da revista não é o meio processualmente adequado para requerer a reapreciação das exceções acima invocadas, julgadas improcedentes em primeira instância, e não reapreciadas pelo tribunal recorrido e/ou caso entendam que não pode este Supremo Tribunal de Justiça substituir-se ao Tribunal a quo em tal reapreciação, desde já se requer a V. Exas., a título subsidiário, que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC, corrijam oficiosamente tal erro na qualificação do meio processual utilizado, determinando que se sigam os termos processuais adequados, designadamente a remessa do processo à Relação, para apreciação das questões aqui invocadas.
Sempre sem prescindir:
f) Acautelando a hipótese de Colendo Tribunal vir a reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pelos AA./Recorrentes, no que não se concede e apenas por mera cautela e dever de patrocínio aqui se concebe, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º e 679.º do CPC, os autos sejam remetidos à Relação para o conhecimento dos seguintes pedidos, correspondentes a matéria de exceção invocada pela R./Recorrida na contestação:
(i) Pedido c) (cf. artigos 83.º a 98.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
(ii) Pedido f) (cf. artigos 114.º a 129.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
(iii)Pedido g) (cf. artigos 135.º a 151.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
(iv)Pedido h) (cf. artigos 135.º a 137.º e 152.º a 171.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
(v) Pedido i) (cf.artigos135.ºa137.ºe172.ºa185.ºda contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
(vi)Pedido j) (cf. artigos 186.º a 192.º da contestação, para os quais, por questões de economia processual, se remete);
g) Sem prescindir, Caso V. Exas. entendam que o Supremo Tribunal de Justiça não está impedido de apreciar, pela primeira vez, questões que tenham sido consideradas prejudicadas pelas primeira e segunda instâncias, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, conheçam dos pedidos elencados na alínea antecedente, correspondentes a matéria de exceção invocada pela R./Recorrida na contestação.
h) Sempre sem prescindir, caso V. Exas. entendam que o meio próprio processual próprio para requerer a apreciação dos pedidos acima referidos, não conhecidos pelo tribunal recorrido, designadamente por as considerar prejudicados pela solução dada ao litígio, é, designadamente, a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, desde já se requer a V. Exas. que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC, corrijam oficiosamente tal erro na qualificação do meio processual utilizado, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Com o que V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
17. A Formação prevista no artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista excepcional.
18. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:
I. — se o direito de arguir a nulidade do negócio jurídico previsto no artigo 286.º do Código Civil está sujeito à prescrição;
em caso de resposta negativa,
II. — se os direitos derivados da declaração de nulidade do negócio jurídico estão sujeitos à prescrição;
em caso de resposta negativa,
III. — se, em concreto, o exercício do direitos invocados pelos Autores, agora Recorrentes, é um exercício ilegítimo;
em caso de resposta negativa,
IV. — se a acção de redução, por inoficiosidade, da doação feita por KK a CC caducou por aplicação do artigo 2178.º do Código Civil.
19. Os Réus, agora Recorridos, requereram em ampliação do objecto do recurso que fossem apreciadas as excepções dilatórias:
I. — da incompetência em razão da matéria do Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca do Porto para julgar os pedidos de anulação ou de declaração de nulidade dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, de 4 de Maio de 1987, de 17 de Julho de 1991, de 27 de Julho de 2001 e de 23 de Novembro de 2007 descritos nos artigos 62.º a 101.º da petição inicial;
II. — da ineptidão da petição inicial,
a. — por ininteligibilidade da causa de pedir;
b. — por contradição entre o pedido e a causa de pedir;
III. — de falta de interesse em agir dos Autores, agora Recorrentes, em relação aos pedidos de declaração de nulidade dos aumentos de capital de 25 de Setembro de 1986, de 4 de Maio de 1987, de 17 de Julho de 1991, de 27 de Julho de 2001 e de 23 de Novembro de 2007 descritos nos artigos 62.º a 101.º da petição inicial.
20. Os Réus, agora Recorridos, requereram ainda, para o caso de procedência do recurso e de improcedência das excepções dilatórias, fossem conhecidas todas as questões dadas como prejudicadas na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
21. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) Está pendente sob o n.º 6143/15, pelo cartório da Notária RR, o processo de inventário em que são inventariados KK e LL, no qual se discute, entre o mais, a validade dos contratos de cessão de quotas que são objecto da presente acção e a sua nulidade, por simulação, questão que foi aí decidido ser causa prejudicial daquelas partilhas, a dirimir perante os Tribunais Judiciais;
2) Em vida, aquele KK pretendeu dispor da sua sucessão a favor do CC, seu filho, por ser sua vontade assegurar a continuação na sociedade “O..., S.A.” através dele, fim que prosseguiu mediante a participação, nesse propósito, do HH e da própria sociedade;
3) De facto, o KK, decidiu, nesse propósito, de comum acordo com o seu filho CC, em execução de plano previamente gizado, também com o fito de prejudicar os demais filhos e seus herdeiros, transmitir a sua participação social na sociedade para a própria “O..., S.A.”, de modo a beneficiar aquele seu filho através do respectivo património social nela acumulado;
4) Com a intenção de vir depois a anular a participação social assim transmitida através de sucessivos aumentos de capital por incorporação de reservas societárias, maquinando-o, como se disse, com a colaboração e participação da própria sociedade e do seu referido sócio;
5) Pois que o HH deu o seu assentimento a esse plano, comprometendo-se a fazer tudo o que fosse necessário para o executar, não só dispondo da sua própria quota na sociedade, mas também no sentido de formar todas as deliberações sociais que se revelassem necessárias a tal pernicioso propósito;
6) Então, aqueles concertaram-se para executar uma complexa operação, em primeira linha, através de contratos de cessões de participações sociais e, depois, de subsequentes aumentos de capital da sociedade, que todos realizaram com a intenção, vontade e propósito de contornar, em embuste, as regras legais que presidem à sucessão;
7) De forma a encabeçar desde logo o filho CC, escolhido pelo KK, em vez dos demais, na parte deste na sociedade, antecipando e ultrapassando, com o acervo dos infra identificados negócios e actos aquelas regras legais, instrumentalizando a esse apontado fim as normas societárias, em prejuízo também do interesse social e da sociedade e em benefício ilícito daquele filho;
8) Assim sintetizada a sua causa de pedir, está em causa na presente acção a anulação, por nulidade decorrente de contrato sucessório, fraude à lei ou simulação, dos contratos de cessão de quotas de 28 de Julho de 1986 e dos aumentos de capital da sociedade de 25 de Setembro de 1986, 4 de Maio de 1987,17 de Julho de 1991, 27 de Julho de 2001 e 23 de Novembro de 2007 e também a anulação, por venda de coisa alheia, de contrato(s) de compra e venda de acções realizado(s) em data indeterminada, todos da sociedade “O..., S.A.”;
9) De onde se extraí, como sua decorrência e de forma alternativa, a restituição à sua herança daquela participação social na sociedade ou da quantia correspondente ao seu valor, ou, pelo menos, a sua conferência na respectiva partilha, para efeito da sua eventual redução por inoficiosidade;
10) Em ... de ... de 2011, faleceu KK, no estado de casado em primeiras núpcias e no regime da separação de bens com LL, que também usava e era conhecida por LL;
11) O autor da sucessão, fez testamento, lavrado no dia 08 de Fevereiro de 1990, exarado a folhas 46 e seguintes do livro T-220, do extinto quinto Cartório Notarial do Porto, pelo qual legou à sua esposa, LL, e para o caso desta lhe sobreviver, o usufruto vitalício dos bens que viessem a preencher os quinhões dos seus descendentes na sua herança;
12) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) sua identificada mulher LL;
b) seu filho, CC;
c) seu filho, OO, casado com NN, sob o regime da separação de bens;
d) sua filha, MM;
e) seu neto AA, filho do filho pré-falecido do autor da sucessão, SS;
f) sua neta, BB, filha do filho préfalecido do autor da sucessão, SS;
13) Entretanto, em ... de ... de 2012, faleceu a referida LL, que também usava e era conhecida por TT, no estado de viúva do finado KK;
14) A autora da sucessão fez testamento, lavrado no dia 30 de Janeiro de 2004, exarado a folhas 76 e seguintes do competente Livro 1-B, do extinto Oitavo Cartório Notarial ... pelo qual legou instituiu vários legados a sua filha MM;
15) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) seu filho, CC;
b) seu filho, OO, casado com NN, sob o regime da separação de bens;
c) sua filha, MM;
d) seu neto AA, filho do filho pré-falecido do autor da sucessão, SS;
e) sua neta, BB, filha do filho préfalecido do autor da sucessão, SS;
15) Por escrito de 04 de Janeiro de 2013, os identificados herdeiros de KK e LL procederam à partilha dos bens imóveis e parte dos bens móveis que integravam as respectivas heranças, através de documento particular com termo de autenticação lavrado pelo solicitador UU, a fls. 65, do seu livro de notas 012-A;
16) Por escrito de 24 de Novembro de 2014, todos os aí outorgantes rectificaram esse contrato de partilha;
17) A soma dos bens em partilha em tais contratos, tal como atribuído por todos os interessados, face à rectificação operada, foram:
a) da herança aberta por óbito de KK, de €113.510,00;
b) da herança aberta por óbito de LL, de €916.229,50;
18) Entretanto, em ... de ... de 2015, faleceu OO, no estado de casado no regime da separação de bens com NN;
19) O autor desta sucessão fez testamento, lavrado no dia 23 de Março de 2015, exarado a folhas 5 e seguintes do competente Livro 3-B, do Cartório da Notária VV;
20) Sucederam-lhe como seus herdeiros legítimos:
a) sua referida mulher, NN;
b) seu filho, OO;
c) seu filho, PP, casado com WW, sob o regime da separação de bens;
21) Gira desde 1908 a então sociedade comercial por quotas “M...e Filhos, Lda”, que, entretanto, mudou a sua denominação social para “O..., S.A.”, na forma de sociedade anónima, tendo por objecto a indústria e comércio de cordoaria, de fibras naturais e sintéticas, redes e cabos metálicos;
22) Em meados da década de 1980, as participações sociais da sociedade encontravam-se assim distribuídas entre os seus sócios, com as seguintes quotas e percentagem relativa do capital social:
• HH 55.000.000$00, correspondente a 50,00% do capital social;
• KK 49.500.000$00, correspondente a 45,00% do capital social;
• CC 5.500.000$00, correspondente a 5,00% do capital social;
23) Pelo menos no primeiro semestre de 1986, o falecido KK conluiou-se com o seu filho CC no sentido de lhe entregar, transmitindo-a, a titularidade da participação social de 45% que detinha na sociedade, com o indicado valor nominal de 49.500.000$00 e representada por aquela quota, em prejuízo dos seus demais herdeiros já supra identificados;
24) Tentaram então, convencer os seus demais filhos a dar autorização para a realização de uma suposta cessão onerosa daquela quota a efectuar pelo KK ao seu filho CC, que o pai dos aqui autores, SS, então ainda vivo, recusou;
25) Perante tal recusa, naquele denunciado fim e de acordo com o entre eles planeado, em 28 de Julho de 1986, o falecido KK declarou ceder aquela quota com o valor nominal de 49.500.000$00 que detinha na “O..., S.A.”, à própria sociedade, pelo preço declarado de 72.030.000$00, através de escritura pública outorgada a fls. 9 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas 50-D, do então Cartório Notarial da ...;
26) No mesmo acto notarial, o HH, dividiu a quota que possuía na sociedade com o valor nominal de 55.000.000$00 em duas quotas, uma de 30.250.000$00, que reservou para si e outra de 24.750.000$00, que declarou ceder ao CC, por preço declarado correspondente ao do valor nominal;
27) Os autores não podem afirmar com segurança se os preços declarados, respectivamente de 72.030.000$00 e de 24.750.000$00 foram efectivamente pagos, suspeitando que não foram;
28) O propósito daquelas divisão e cessão efectuada pelo HH ao CC foi apenas o de restabelecer as posições relativas existentes antes da cessão efectuada à sociedade no mesmo acto notarial, de forma a que se mantivesse o equilíbrio de poder entre os dois sócios, repondo o balanço de forças anteriormente existente entre ambos eles, de metade do capital social para cada um;
29) Posteriormente, logo no dia 25 de Setembro de 1986, como únicos sócios da “O..., S.A.”, o CC e o HH aumentaram o capital social da sociedade para 395.000.000$00, mediante um aumento de 285.000.000$00 por incorporação de reservas livres de 72.205.005$37, de reservas de reinvestimento de 84.687.941$00, de reservas de reavaliação de 14.853.149$56, de outras reservas de reavaliação de 61.469.329$60 e ainda de outras reservas de reavaliação de 51.784.574$47, através de escritura pública outorgada a fls. 71 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas 38-C, do então Cartório Notarial da ....
O DIREITO
22. A primeira e a segunda questões suscitadas pelos Autores, agora Recorrentes, consistem em averigua se o direito de arguir a nulidade do negócio jurídico previsto no artigo 286.º do Código Civil está sujeito à prescrição e, em caso de resposta negativa, se os direitos derivados da declaração de nulidade do negócio jurídico estão sujeitos à prescrição.
23. O artigo 286.º do Código Civil é do seguinte teor:
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
24. O Tribunal de 1.ª instância considerou que o prazo ordinário de prescrição do artigo 309.º do Código Civil devia aplicar-se ao direito de arguir a nulidade do negócio jurídico — o decurso do prazo de vinte anos sobre a data da conclusão do negócio teria como efeito a consolidação de todos os negócios inválidos, incluindo os negócios nulos.
25. O Tribunal da Relação fez duas distinções:
I. — em primeiro lugar, distinguiu os direitos subjectivos e os negócios jurídicos, para sustentar que o prazo ordinário de prescrição só pode aplicar-se a direitos subjectivos;
II. — em segundo lugar, dentro dos direitos subjectivos, distinguiu os direitos decorrentes de um negócio jurídico nulo e os direitos decorrentes da nulidade do negócio jurídico, para sustentar que o prazo ordinário de prescrição só deve aplicar-se aos direitos decorrentes da nulidade do negócio jurídico.
26. O sumário do acórdão recorrido di-lo de forma impressiva:
I. – Não pode proceder, nem teria qualquer efeito, a invocação da prescrição dos direitos e deveres emergentes de um negócio jurídico nulo, pois a prescrição pressupõe, logicamente, a validade dos direitos a ela sujeitos e, por conseguinte, do negócio de que emergem.
II. – Mas nada obsta à invocação da prescrição dos direitos e deveres que a lei faz decorrer da própria nulidade, que não se confundem com os direitos e deveres contratuais considerados nulos, a não ser que estejam em causa direitos indisponíveis ou legalmente isentos de prescrição.
27. Manuel de Andrade 1 e Cabral de Moncada 2, ainda na vigência do Código Civil de 1867, afirmavam que a nulidade podia ser arguida a todo o tempo, quer por via de acção, quer por via de excepção.
28. O único limite à arguição da nulidade encontrar-se-ia na usucapião: “… o princípio de que a nulidade absoluta pode, por via de regra, ser invocada a todo o tempo não prevalece[ria] sobre a doutrina da prescrição aquisitiva” 3; ainda que não prevalecesse sobre a prescrição aquisitiva, sempre prevaleceria sobre a doutrina da prescrição extintiva 4.
29. Em rigor, não poderia falar-se de prescrição extintiva do direito de arguir a nulidade, “visto não haver prazo marcado para a propor e visto todo o tempo ser bom para fazer averiguar o que não é senão uma situação de facto: a não existência do acto (quod ab initio vitiosum est non potest tractu temporis convalescere)” 5.
30. O regime das antigas nulidades absolutas corresponde sensivelmente ao regime da nulidade do negócio jurídico do Código Civil de 1966 e o regime das antigas nulidades relativas, ao regime da anulabilidade do negócio jurídico do Código Civil de 1966 6.
31. O artigo 286.º do Código Civil de 1966 é constantemente interpretado no sentido de que a nulidade é perpétua 7 — logo, insanável pelo decurso de um prazo 8.
Em consequência, o direito de arguir a nulidade seria imprescritível 9, com o único limite da actuação de uma causa constitutiva 10, como a usucapião 11.
32. O acórdão recorrido propõe-se superar a dificuldade distinguindo a prescrição extintiva do direito de arguir a nulidade do negócio jurídico e a prescrição extintiva dos direitos derivados da declaração de nulidade do negócio jurídico nulo.
33. Em favor da distinção dir-se-á que o artigo 1422 do Código Civil italiano, sob a epígrafe Imprescritibilidade da acção de declaração de nulidade, diz de forma expressa que
“A acção para fazer declarar a nulidade não está sujeita a prescrição, ressalvando-se os efeitos da usucapião e da prescrição das acções de restituição”.
34. Inspirando-se no artigo 1422 do Código Civil italiano, o n.º 1 do artigo 5.º do anteprojecto de Rui de Alarcão dizia que
“A nulidade pode fazer-se valer a todo o tempo, salvos os efeitos [da] usucapião e da prescrição dos direitos de restituição” 12.
35. Em todo o caso, deverá chamar-se a atenção para três coisas:
36. Em primeiro lugar, o legislador deu ao artigo 286.º do Código Civil português uma redacção diferente do artigo 1422 do Código Civil italiano: o artigo 1422 do Código Civil italiano faz alusão expressa a dois limites do direito de arguir a nulidade — a prescrição aquisitiva e a prescrição extintiva das acções de restituição — e o artigo 286.º do Código Civil português não faz alusão expressa a nenhum.
37. O silêncio do artigo 286.º do Código Civil depõe no sentido de que o legislador tenha optado pela continuidade com doutrina e com a jurisprudência anteriores, em que se designava a prescrição aquisitiva ou usucapião como o único limite — depõe no sentido de que o legislador tenha preferido a continuidade à ruptura.
38. Em segundo lugar, a doutrina e a jurisprudência posteriores designam a prescrição aquisitiva ou usucapião como o único limite do direito de arguir a nulidade a todo o tempo.
39. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2023 — processo n.º 567/20.7T8VFR.P1.S1 — confirma-o, dizendo que
“[d]eclarada oficiosamente a nulidade do negócio jurídico, nos termos dos artigos 286.º e 289.º, n.º 1, do Código de Civil, não pode o devedor fazer uso, em sua defesa, do instituto da prescrição extintiva previsto no artigo 310.º, alínea g), do mesmo diploma legal”.
40. Em terceiro lugar, em concreto, não está em causa o exercício de direitos de restituição.
41. Os direitos de restituição do artigo 1422 do Código Civil italiano e do artigo 5.º do anteprojecto de Código Civil português relacionam-se uma acção de repetição do indevido — com uma acção comparável à acção de repetição do indevido do artigo 476.º do Código Civil português —: o devedor que realizasse uma prestação para cumprir a obrigação constituída por um contrato nulo estaria a realizar uma prestação para o cumprimento de uma obrigação que não existe 13.
42. Em concreto, a nulidade do negócio jurídico é invocada por terceiros, para que se declare que os negócios alegadamente nulos não produziram os efeitos pretendidos pelas partes — a restituição da participação social à herança de KK e da LL não é uma restituição aos Autores, agora Recorrentes, de nenhuma prestação que tivessem realizado em cumprimento de uma obrigação.
43. Ou seja: ainda que se admita que “[a] circunstância de a nulidade ser insanável pelo decurso do tempo não impede o funcionamento […] das chamadas acções de repetição ou, como melhor se dirá, dos créditos ou direitos de restituição” 14, não estaria em causa uma acção de repetição ou, em qualquer caso, o exercício dos direitos de restituição.
44. Os Autores, agora Recorrentes, não propõem uma acção de condenação dos Réus, agora Recorridos, à restituição de uma prestação.
45. A acção de declaração de nulidade é uma acção de simples apreciação, no sentido da alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º do Código de Processo Civil — e os Autores, agora Recorrentes, enquanto terceiros, pretendem unicamente a declaração de que os contratos alegadamente nulos não produziram qualquer efeito.
46. Ora “todo o tempo [é] bom para fazer averiguar o que não é senão uma situação de facto: a não existência do acto” 15.
47. Independentemente da resposta que, em geral, deva dar-se à questão da prescritibilidade dos direitos derivados da declaração de nulidade do negócio jurídico, deverá dizer-se que o direito de arguir a nulidade do negócio jurídico não está sujeito à prescrição e, que, em concreto, os direitos derivados da declaração de nulidade do negócio jurídico invocados pelos Autores, agora Recorrentes, não prescreveram.
48. A terceira questão suscitada consiste em averiguar se, em concreto, o exercício do direitos invocados pelos Autores, agora Recorrentes, é um exercício ilegítimo.
49. Os Réus, agora Recorridos, alegam que deve dar-se por preenchidos os pressupostos do abuso do direito na modalidade de suppressio.
50. Ora os factos dados como provados são insuficientes para que se aprecie e decida a questão — o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação diz, expressamente, que os factos dados como provados são, tão-somente, os factos relevantes para o conhecimento da excepção peremptória de prescrição.
51. O artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
3. — O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.
52. Entende-se que se encontra preenchida a primeira hipótese — “a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito”.
53. Independentemente das controvérsias em torno da interpretação do artigo 684.º do Código de Processo Civil, a questão suscitada não pode ser conhecida de imediato pelo Supremo Tribunal de Justiça.
54. Entendendo-se, como se entende, que se encontra preenchida a primeira hipótese do n.º 3 do artigo 682.º, os autos devem ser remetidos ao Tribunal da Relação, para que seja apreciada a questão do abuso do direito e, desde que se conclua que não estão preenchidos os pressupostos do abuso do direito, para que sejam conhecidas as questões prejudicadas.
III. — DECISÃO
Face ao exposto,
I. — concede-se provimento ao recurso;
II. — determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que seja ampliada a matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Custas a final.
Lisboa, 27 de Março de 2025
Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)
Maria de Deus Correia
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
________
1. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pág. 417.
2. Luís Cabral de Moncada, Lições de direito civil, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1995, págs. 713-714.
3. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial negócio jurídico, cit., pág. 412 — com a concordância de Luís Cabral de Moncada, Lições de direito civil, cit., pág. 713 (nota n.º 1).
4. Luís Cabral de Moncada, Lições de direito civil, cit., pág. 713: “Nem a ratificação voluntária do acto, nem a prescrição extintiva do direito de o fazer declarar nulo por parte do interessado poderão torná-lo válido em tempo algum”.
5. Luís Cabral de Moncada, Lições de direito civil, cit., págs. 713-714.
6. Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 285.º.º, in: Código civil anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 262-163.
7. Cf. designadamente Inocêncio Galvão Telles, Manual dos contratos em geral, 4.ª ed, Coimbra Editora, 2022, págs. 359-360.
8. Cf. designadamente Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 620, ou Rui de Alarcão, A confirmação dos negócios jurídicos anuláveis, Atlântida Editora, Coimbra, 1971, págs. 68-71.
9. Expressão de Maria Clara Sottomayor, anotação ao artigo 286.º, in: Luís Carvalho Fernandes / José Carlos Brandão Proença (coord.), Comentário ao Código Civil, vol. I — Parte geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, págs. 708-709.
10. Expressão de António Menezes Cordeiro, anotação ao art. 286.º, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil comentado, vol. I — Parte geral, Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 844-846.
11. Cf. designadamente Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela (com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita), anotação ao art. 286.º.º, in: Código civil anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 262-263; Carlos Alberto da Mota Pinto / António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, cit., pág. 620; ou Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, vol. II — Fontes, conteúdo e garantia da relação jurídica, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, 2001, pág. 503 — dizendo, expressamente, que “[a] nulidade […] é invocável a todo o tempo, ou seja, não há para esse efeito outro limite que não seja o da eventual usucapião dos direitos aparentemente emergentes do negócio nulo”.
12. Rui de Alarcão, “Invalidade dos negócios jurídicos — Anteprojecto para o novo Código Civil”, in: Boletim do Ministério da Justiça, n.º 89 (Outubro de 1959), págs. 199-267 (221).
13. Em consonância com a representação das acções de restituição como acções de repetição do indevido, o n.º 2 do artigo 7.º do anteprojecto de Rui de Alarcão determinava a aplicação ao caso das disposições relativas ao enriquecimento sem causa (“Invalidade dos negócios jurídicos — Anteprojecto para o novo Código Civil”, cit., pág. 235).
14. Rui de Alarcão, “Invalidade dos negócios jurídicos — Anteprojecto para o novo Código Civil”, cit., págs. 221-2222, ou A confirmação dos negócios jurídicos anuláveis, cit., pág. 70 (nota n.º 81).
15. Luís Cabral de Moncada, Lições de direito civil, cit., págs. 713-714.