TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CONCEITOS CONCLUSIVOS
PERÍODO DE ACTIVIDADE CRIMINAL
DURAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRACÇÕES
Sumário


1. Quando o autor dos factos vendeu quantidades consideráveis de estupefacientes de vários tipos, diretamente e por interposta pessoa, a vários destinatários, foi-lhe apreendida relevante quantia monetária proveniente do negócio, bem como conveniente e sortida parafernália de objetos para a realização da atividade (balança, moinho, plantas de cannabis em vaso e já secas, fios para as sustentar durante a maturação e baldes com terra para a sua alimentação), tudo isto dispondo de duas residências e duas viatura automóveis, não obstante uma das residências ser propriedade da família da namorada e uma das viaturas ser propriedade desta, pois, ainda assim, há que “sustentar” duas casas e dois carros, e no contexto de uma atividade laboral de ambos muito difusamente caracterizada e de impossível escrutínio, não ocorrem circunstâncias que decididamente apontem para uma ilicitude diminuta.
2. Deve ser considerado como não escrito, ou não ser sobre ele proferida pronúncia, o segmento da acusação ou da decisão recorrida do qual consta que o arguido vendeu estupefaciente, uma vez que tal vocábulo constitui conceito conclusivo ou de direito, ao passo que o facto é cocaína, cannabis, heroína ou outro que conste das tabelas legais.
3. O período de atividade, sendo importante, só por si, não é decisivo, uma vez que tal lapso temporal deriva da decisão do autor do facto, é certo, mas também da estratégia da investigação, que vai vigiando, acompanhando, recolhendo, assistindo, até ao momento em que opta por intervir e atuar, detendo e apreendendo, pelo que o dito período de atividade só é relevante na estrita medida necessária para captar a imagem global do facto, não podendo nem devendo o tribunal ficar refém, na qualificação jurídica dos factos, das estratégias ou critérios da investigação.
4. A complexa destrinça entre unidade e pluralidade de infrações já não se deve quedar apenas pelo critério da unidade ou pluralidade de resoluções criminosas, ainda que entrecortado com o critério dos juízos de censura, como era tradição entre nós, optando-se, assim, agora, por um critério valorativo ou substancial, que tem aquela unidade ou pluralidade resolutiva como indício, mas que se socorre de outros elementos para alcançar tal decisão.
5. Cumpre, portanto, indagar o ilícito típico em causa na lei e analisar em que medida essa previsão é, neste caso apenas abstratamente, posta em causa pelo comportamento do agente, avaliado na sua complexidade e globalidade.
6. O que aqui está, decididamente, em causa é efetuar a análise do comportamento global do arguido e do concreto sentido de ilícito que nele se exprime, para concluir se estamos face a um único crime ou a uma pluralidade de infrações, não obstante a conduta preencher, por várias vezes, a previsão típica, ou seja, cumpre apurar se o significado social do comportamento é único ou plúrimo.
7. Quando o agente é visado em investigação criminal por tráfico de estupefacientes, que se prolonga por vários meses, e durante esse período é observado pelas autoridades policiais investigadoras por dezasseis vezes, ainda que espaçadas no tempo, a conduzir automóvel sem carta de condução, sem que estas intervenham de imediato, e é submetido a julgamento num único processo penal por todas essas ações, comete apenas um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01.

Texto Integral


I RELATÓRIO

1
No processo n.º 6/19...., do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – J ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, teve lugar a audiência de julgamento durante a qual foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo, para o que aqui releva:

(…)
1. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo e em concurso real nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal na pena de 6 anos de prisão;
2. Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo e em concurso real nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nº 2, do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
3. Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das penas parcelas referias em 1 e 2 na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão – cfr. Artigo 77.º, n.º1, do C.P.
(..)

2
Não se tendo conformado com a decisão, o arguido AA apresentou recurso, formulando as seguintes conclusões:

I. O arguido não se conforma com a condenação pela prática do crime de trafico de estupefacientes uma vez que que da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (ou da ausência da mesma) é notório que o mesmo deveria ter sido absolvido da prática de tal crime ou, (no limite) deveria ter sido condenado pela prática de um crime de trafico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do DL 15/93.
II. Considera o recorrente que da análise da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento o que deveria ter resultado provado pelo Tribunal a quo era a prática de um crime de tráfico de menor gravidade.
III. No ponto 1 dos factos provados o Tribunal a quo dá como provado “O arguido AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... desde pelo menos meados de 2019 procedia ao fornecimento de produto estupefaciente, como cocaína, canábis (resina), vulgo haxixe, e canabis (folhas/sumidades) vulgo liamba ou erva, a terceiros para estes procederem à sua revenda ou venda direta a consumidores, recebendo em troca quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial.”
IV. Não vislumbra o recorrente de onde retira o Tribunal a quo que o recorrente fornecia cocaína a terceiros para estes procederem à sua revenda ou venda direta a consumidores, recebendo em troca quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial.
V. O recorrente nega tal circunstância, não tinha na sua posse cocaína, nem das buscas resultou a apreensão de tal produto estupefaciente.
VI. Do teor das interceções telefónicas não resulta qualquer comprovação ou dado objetivo que leve a esse facto e o mesmo se diga dos relatórios de vigilância bem como da inquirição das testemunhas.
VII. O arguido BB nega que o recorrente lhe vendesse qualquer tipo de produto estupefaciente.
VIII. Já o arguido CC admite apenas a aquisição de canábis para o seu consumo e ocasional cedência a amigos chegados.
IX. A ausência de prova estende-se aos pontos 2., 3. e 4. dos factos provados uma vez que nenhuma prova foi feita de que o recorrente adquiria os produtos estupefacientes em locais indeterminados e normalmente dirigia-se até à residência do arguido BB, sita na Rua ..., ..., ..., ... e ao estabelecimento comercial “EMP01...” do arguido CC, sito em ..., ..., para efetuar as entregas daquelas substâncias.
X. Convém recordar que os factos imputados ao recorrente se situam em plena situação pandémica onde não era permitido circular na rua, entre concelhos e os negócios estavam encerrados.
XI. Onde é que o recorrente ia comprar os aludidos “produtos estupefacientes” numa altura em que as viaturas eram fiscalizadas e as deslocações proibidas?
XII. Não existem nos autos elementos objetivos que permitam ao Tribunal a quo dar como assente a periodicidade mensal (ponto 3) que o arguido AA abastecia de produto estupefaciente o arguido BB.
XIII. Por seu turno no ponto 4 dá o Tribunal a quo como assente que arguido AA vendia produtos estupefacientes a outros indivíduos, a quem fornecia cocaína, haxixe e liamba na cidade ..., contando-se entre esses, o arguido CC.
XIV. Dos autos não resulta qualquer prova da venda a outros indivíduos na cidade ... sendo que apenas existem contactos registados entre o recorrente e o arguido CC.
XV. E como o próprio arguido CC, refere desde que foi ouvido em primeiro interrogatório e repetiu quando foi ouvido em sede de julgamento, o recorrente deslocava-se a ... e ao café explorado por si por várias razões (venda de vinho do Porto, azeite, tratar de negócios relacionados com propriedades) que não necessariamente a cedência de produto estupefaciente.
XVI. E nunca cocaína. Das poucas vezes que efetivamente se tratou de negócios relacionados com estupefacientes o produto em questão era canábis.
XVII. Nenhuma prova foi feita relativamente ao descrito em 5. dos factos provados. Em momento algum se provou que o recorrente também vendia produto estupefaciente diretamente aos consumidores da sua confiança.
XVIII. Há uma ausência de dados objetivos pelo que não é possível obter respostas às questões enunciadas não devendo este ponto constar os factos provados.
XIX. Do mesmo modo e em face de dados objectivos, o constante dos factos 11 a 40 (no que ao arguido BB diz respeito) não é possível sustentar a condenação do recorrente pela prática de um crime de trafico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º do DL 15/93.
XX. Em primeiro lugar porque não pode o Tribunal a quo considerar que todos os contactos telefónicos entre estes dois arguidos se destinavam ao fornecimento de produto estupefaciente.
XXI. Na verdade, desacompanhada de prova nesse sentido a existência de interceções telefónicas não são, nem podem ser, suficientes para dar como provados tais factos.
XXII. Falar de droga não é prova suficiente para a consumação do crime de tráfico.
XXIII. Os arguidos não foram intercetados em nenhum dos encontros relatados nos autos pelo que o Tribunal a quo utiliza em tais pontos a expressão quantidade concretamente não apurada de produto estupefaciente.
XXIV. De igual forma os factos 30., 33., 34.,35, 41., 42., 43.74.1, 74.2,74.3,74.4, 74.5, 74.6,74.7 referentes a entregas ao arguido CC apenas consta dos mesmos quantidade indeterminada de produto estupefaciente.
XXV. Sendo que comparando com a factualidade que é concretamente dada como provada (dados objetivos) temos o ponto 75.1 que dá como provado que o arguido CC transacionou quantidade indeterminada de estupefaciente com o consumidor identificado pelo código ...2. Sem que resulte dos autos qualquer prova de que efetivamente no dia 12 de Maio de 2021 tenha havido uma transação de produto estupefaciente.
XXVI. O mesmo se passa com os pontos 75.2 (aqui ainda mais claramente resulta que não existiu qualquer transação pois à pergunta do consumidor que não foi identificado responde o arguido CC de forma negativa), e nos pontos 75.3, 75.4, 76 não há qualquer prova da existência de transação além da transcrição telefónica.
XXVII. Por último temos os pontos 75.5 (uma única entrega de haxixe), o ponto 77 (cedência de haxixe duas vezes por ano) e 78 (numa festa arguido CC cedeu parte do haxixe que tinha).
XXVIII. Falamos aqui de quantidades francamente reduzidas de produto estupefaciente claramente destinado ao consumo pessoal dos intervenientes.
XXIX. A imagem global é, pois, absolutamente compatível com um trafico de menor gravidade pelo que mal andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática do crime previsto no artigo 21.º do DL 15/93.
XXX. Contribuindo para a caracterização da imagem global temos ainda a apreensão que foi levada a cabo na residência devoluta sendo que em termos de doses diárias individuais totalizam 83 doses (8 plantas de canábis com peso líquido de 312,300gramas e canábis seca com o peso líquido de 235,130 gramas).
XXXI. Considera o arguido que, face a esta factualidade dada como provada e sobretudo aquela que se encontra incorretamente dada como provada (e que não deveria ter sido dada como provada nos termos constantes do Acórdão) pelo Tribunal a quo não deveria o recorrente ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, e sim pela prática do crime de tráfico previsto no artigo 25.º do mesmo Decreto-Lei, tráfico de menor gravidade.
XXXII. O arguido vem condenado pela prática de um crime de tráfico que terá decorrido entre meados de 2019 e meados de 2021.
XXXIII. Ora, sempre se dirá que o período temporal não é significativo, as quantidades transacionadas (não sabemos ao certo quais terão sido) mas no panorama geral são claramente destinadas ao consumo pessoal de quem as adquiriu e toda a descrição das vendas efetuadas aponta para venda direta sem qualquer sofisticação e como tal suscetível de integrar a prática do crime de trafico de menor gravidade.
XXXIV. A única certeza que temos é relativamente ao tipo de produto estupefaciente que era transacionado e que se tratava de cannabis não havendo qualquer prova de que o recorrente transacionasse cocaína.
XXXV. E face à dimensão diminuta do volume de tráfico aqui observado, bem como ao reduzido lucro que gera a venda de haxixe é absolutamente impossível que o dinheiro apreendido ao arguido possa ser fruto da atividade aqui em investigação.
XXXVI. A origem deste dinheiro é licita e resulta de poupanças realizadas pelo arguido e pela mulher deste.
XXXVII. Ora, numa investigação que durou cerca de dois anos nenhuns elementos apoiam a qualificação jurídica do crime previsto no artigo 21.º e aponta, antes sim, para a prática do crime previsto no artigo 25.º.
XXXVIII. Na verdade, todo o enquadramento narrado na acusação e que apenas com algumas exceções veio a ser dado como provado é apenas compaginável com uma considerável diminuição da ilicitude em relação àquela que está suposta no tipo legal fundamental e que constitui a matriz deste tipo de condutas criminosas.
XXXIX. Face à prova produzida e aos factos dados como provados afigura-se que de todo o quadro factual apurado ressalta uma ilicitude esbatida que permite a sua subsunção no disposto no art.25º do D.L.15/93 e não já no tipo legal previsto no art.21º do mesmo diploma;
XL. Mostram-se errada e incorretamente dados como provados os pontos 1, 2, 3 (parcialmente) o ponto 5, 9, 11 a 47 e 74. Sendo que a prova que impõe decisão em sentido contrário são as declarações dos arguidos BB e CC.
XLI. Razão pela qual deveria o arguido recorrente ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade.
XLII. Mas ainda que assim não entendam não pode o recorrente conformar-se com a desproporcionalidade da pena de 6 anos de prisão que lhe foi determinada.
XLIII. Como facilmente se conclui da leitura do texto do Acórdão ora em crise o argumento fundamental para aplicação de uma pena tão dura foi a satisfação de uma das finalidades das penas, qual seja a da prevenção geral.
XLIV. Na verdade, a pena que lhe foi aplicada espelha grandemente uma conceção negativa de prevenção especial que não é admissível no nosso sistema jurídico-penal.
XLV. Salvo o devido respeito, subjaz na decisão recorrida um efeito de defesa social através da segregação do recorrente, como se o julgador procurasse atingir a sua neutralização social duradoura.
XLVI. A comunidade efetivamente necessita de sentir que este tipo de criminalidade é fortemente punido, porém necessita também de sentir que a pena aplicada é justa, proporcional e adequada ao caso concreto.
XLVII. O recorrente está perfeitamente inserido familiar e socialmente.
XLVIII. No caso concreto punir o recorrente com uma pena de prisão que terá necessariamente de ser efetiva terá um efeito mais nocivo e menos eficiente ao nível das necessidades de prevenção do que se lhe fosse aplicada uma pena inferior e sempre suspensa na sua execução.
XLIX. Não podemos deixar de concluir pela existência de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, acreditando que a severa censura do facto e a ameaça da pena de prisão, são mais do que suficientes para afastar o recorrente da criminalidade e continuar plenamente inserido na sociedade de forma útil e produtiva.
L. Entende o recorrente, por conseguinte, que o acórdão recorrido deverá ser revogado no segmento decisório respeitante à pena de 6 anos de prisão, devendo o mesmo ser condenado em alternativa numa pena de prisão que permita a suspensão da sua execução, por igual período de tempo, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.3, todos dos Código Penal.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
* Artigos 18.ºda Constituição da República Portuguesa;
* Artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro;
* Artigos 40.º, 43.º, 50.º, 52.º, 53.º, 54.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.ºdo Código Penal;
* Artigo 410.º n.º 1 e 2 alínea c) do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.

3
Também o Ministério Público apresentou recurso da decisão, formulando as seguintes conclusões:

1. Versa o presente recurso sobre o Acórdão proferido a 27-09-2024 com a referência ...47, depositado a 30-09-2024, na parte em que decidiu condenar o arguido AA «(...) pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo e em concurso real nos termos do disposto no artigo 30.º n.º 1 do Código Penal, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nº 2, do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão», por se discordar da qualificação jurídica atribuída à concreta factualidade em apreço.
2. A este respeito, entendeu o Tribunal a quo que o arguido actuou ao abrigo de uma resolução inicial, que manteve ao longo de toda a actuação de conduzir veículo, concluindo, por isso, pela existência de um só crime desde o primeiro momento em que o arguido conduziu o veículo sem para tal estar habilitado até ao momento em que, voluntariamente – porque nunca interceptado pelas autoridades para fiscalização –, cessou a sua actuação.
3. Entendemos, todavia, com todo o respeito que é devido, que em resultado da factualidade julgada provada, deveria o arguido AA ter sido condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, com dolo directo e em concurso real, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, de dezasseis crimes de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.
4. Ora, prescreve o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, que «O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».
5. Vale isto por dizer que haverá tantas violações de norma quantas vezes ela se tornar ineficaz nessa função determinadora da vontade, sendo certo que o que indica quantas vezes se verifica essa ineficácia é a resolução, i. e., tantas vezes o indivíduo resolveu agir por modo contrário ao imperativo da norma, tantas vezes se verifica a sua ineficácia, ou seja, a sua violação.
6. Ou, numa outra acepção, «(...) há concurso (efetivo) de crimes quando os factos se subsumem a crimes que protejam bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas» (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, pp. 218 e 219).
7. Partindo dos critérios apontados para aferição da existência do concurso, temos por certo que a decisão sobre a unidade ou pluralidade da infracção só poderá ser aferida em concreto, ou seja, de acordo com a factualidade apurada.
8. Neste pressuposto, por referência à factualidade concretamente provada nos pontos 101. a 116. e 124. do douto Acórdão recorrido, que aqui damos por integralmente reproduzida, verificamos, desde logo, que o arguido conduziu diferentes veículos automóveis (com as matrículas ..-..-XZ e ..-..-RN), em rotas distintas e em diferentes vias (EN ...12, A...4, A...5, A..., entre outras vias secundárias), assim como em localidades distantes entre si (designadamente ..., ..., ... e ...), e que entre a primeira e a última actuação criminosa levada a cabo pelo arguido decorreu um período superior a um ano e meio (entre 26-11-2019 e 09-07-2021), assim logrando conduzir veículo automóvel durante um longo período, em diversos horários e em percursos distintos, tendo certamente em vista a satisfação de necessidades de locomoção distintas.
9. Donde, necessariamente concluímos que em cada ocasião o arguido renovou o seu propósito, concretizado, de conduzir veículo automóvel, na via pública, sem que para tal se encontrasse habilitado.
10. Com efeito, para que se pudesse afirmar a existência de unidade resolutiva necessária seria a verificação de uma conexão temporal que, de harmonia com as regras da experiência, nos convencesse de que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o processo de motivação, o que se não coaduna com a factualidade provada no caso dos autos.
11. De facto, não poderá considerar-se existir uma só resolução criminosa quando o agente pratica o crime em dias, semanas, meses e anos distintos (assim como em diferentes localidades e vias), conforme sucedeu no caso dos autos, pois que a mediação de um período de tempo tão dilatado entre os factos criminosos sempre lhe permitiria mobilizar os factores críticos da sua personalidade para avaliar a sua anterior conduta de acordo com o Direito.
12. Cremos, por isso, perfilhando o entendimento sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-11-2022, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Ernesto Vaz Pereira, disponível em www.dgsi.pt, que, no caso dos autos, em cada uma das dezasseis ocasiões descritas nos pontos 101. a 116. dos factos provados, o arguido formulou uma nova resolução criminosa, independente e autónoma, que começou e terminou em cada um dos diversos dias ali identificados e que se não confunde com as seguintes, razão pela qual se não unificaram as sucessivas acções.
13. A verdade é que o arguido decidiu e executou, uma vez após outra, a prática de condução de veículo automóvel sem que fosse detentor da necessária licença, assim persistindo renovadamente na intenção de delinquir.
14. Pelo exposto, forçoso será concluir que não nos encontramos perante uma situação de crime de execução continuada, mas, antes, diante da realização plúrima do mesmo tipo legal de crime.
15. Nessa conformidade, não podemos deixar de pugnar pela alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido AA foi condenado e, consequentemente, pela sua condenação pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dezasseis crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.
16. Por conseguinte, deverá, igualmente, a pena aplicada ser ajustada em conformidade com o número de ilícitos criminais praticados.
17. Nesse pressuposto, respeitando as finalidades e critérios de determinação da medida da pena previstos nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2 e 71.º, do Código Penal, sendo elevadas as exigências de prevenção especial – considerando o seu elevado desígnio delituoso, a clara consciência da ilicitude da actuação, a actuação com dolo directo e, bem assim, o seu passado criminal, que conta com quatro condenações anteriores pela prática do mesmo tipo legal de crime –, sendo igualmente elevadas as exigências de prevenção geral – decorrentes do seu impacto directo na sinistralidade rodoviária –, temos por justa, proporcional e adequada a condenação do arguido numa pena não inferior a 8 (oito) meses de prisão por cada um dos dezasseis crimes de condução de veículo sem habilitação legal praticados.
18. Por conseguinte, atentando aos limites mínimos e máximos da moldura do concurso, valorando o ilícito global perpetrado e ponderando, em conjunto, a gravidade dos factos e a personalidade do arguido, entendemos justo, necessário, adequado e proporcional aplicar ao arguido AA, em cúmulo jurídico (englobando as penas parcelares referenciadas e a pena parcelar de seis anos de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal), uma pena única de 7 (sete) anos de prisão.
19. O Acórdão recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 30.º, n.º 1, do Código Penal, e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.

*
Termos em que, julgando V. Exas. procedente o presente recurso, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dezasseis crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 8 (oito) meses de prisão por cada um dos dezasseis crimes apontados, aplicando, em cúmulo jurídico (englobando as penas parcelares referenciadas e a pena parcelar de seis anos de prisão pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas), uma pena única de 7 (sete) anos de prisão, com que se fará, como sempre, JUSTIÇA!

4
O Ministério Público respondeu ao recurso apresentado pelo arguido, propondo a sal improcedência. Concluindo pelo modo seguinte:

1. Percorrida a argumentação recursiva, quanto à factualidade julgada provada, somos de entendimento de que o Tribunal a quo ponderou devidamente os elementos de prova ao seu dispor e fundamentou de forma motivada e detalhada a sua convicção – sem prejuízo da nossa discordância quanto à qualificação jurídica dos factos atinentes ao crime de condução sem habilitação legal, nos termos expostos no recurso interposto pelo Ministério Público a 28-10-2024 – razão pela qual, cremos, não merece qualquer reparo ou censura.
2. Na verdade, o Colectivo a quo demonstrou, quanto à matéria impugnada pelo Recorrente, a sua convicção de um modo objectivo, seguro, e por isso inatacável, tecendo a fundamentação com vista a expor analítica e criticamente aqueles elementos probatórios que levaram à condenação.
3. É consabido que, de harmonia com o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, o recurso não serve, ou não deve servir, para que as teses nascidas de convicções interiores dos Recorrentes, não coincidentes com o que foi a convicção do Tribunal a quo, vençam (cf. Ac. STJ de 08-10-1997, proc. n.º 897/97, apud Simas Santos e Leal-Henriques in “Código de Processo Penal Anotado”, Vol. I, pág.702), sendo certo que, formulada a convicção do julgador em juízos objectivos e motiváveis, nada se pode apontar à convicção do Tribunal recorrido.
4. Nesta senda, entendemos que o Acórdão recorrido apreciou criticamente a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, contido no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, de acordo com as regras da experiência e com a sua livre convicção, não merecendo, por isso, quanto à factualidade julgada provada, qualquer reparo ou censura.
5. Deve, pois, nesta parte, improceder o recurso interposto, tendo-se por adequado o douto Acórdão recorrido.
6. Os factos julgados provados permitem a subsunção aos elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, não merecendo qualquer guarida a pretendida subsunção de tal factualidade ao tipo especialmente atenuado do artigo 25.º do mesmo diploma, pois que a conduta do Recorrente não se apresenta na forma privilegiada que é, de resto, pressuposto para a subsunção a tal ilícito criminal (cf. Ac. STJ de 08-04-2021, R. Margarida Blasco, em www.dgsi.pt).
7. Com efeito, estão em causa inúmeras transacções, efectuadas num largo período de tempo, com frequência quase diária e com dispersão territorial, encontrando-se o Recorrente no topo do circuito de distribuição, circunstâncias que, no seu conjunto, elevam de modo significativo a ilicitude da conduta do Recorrente, não permitiam ao Tribunal adoptar decisão diferente da de subsumir a sua actuação ao crime previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
8. Como tal, também nesta parte deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido, o qual se mostra suficientemente fundamentado de direito para subsumir daqueles factos ao crime de tráfico de estupefacientes e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
9. O Tribunal a quo respeitou os critérios de determinação da medida da pena, aplicando aos arguidos Recorrentes a pena ajustada em função da respectiva culpa e das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes – sem prejuízo, uma vez mais, da nossa posição quanto ao crime de condução sem habilitação legal plasmada no recurso no recurso interposto pelo Ministério Público a 28-10-2024, que aqui damos por reproduzida –, nos artigos 40.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
10. Neste particular, salientou, por um lado, as elevadas exigências de prevenção, e, por outro lado, as não menos elevadas exigências de prevenção especial, plasmadas no elevado desígnio delituoso do arguido, a clara consciência da ilicitude da actuação, a intensidade do dolo, que é directo, o elevado desvalor da sua acção, e, bem assim, no seu passado criminoso.
11. Concomitantemente, por força das mesmas elevadas exigências de prevenção especial e do grau de culpa do arguido, não podia o Tribunal a quo ter optado por dosear a pena de prisão aplicada pelo crime de tráfico de estupefaciente em menor escala e, menos ainda, por substituir essa pena principal por pena de prisão suspensa.
12. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido seria, pois, manifestamente insuficiente face a tais exigências de prevenção, sendo certo que solução distinta da aplicação duma pena de prisão efectiva seria sentida como injustificada indulgência.
*
Nestes termos, e noutros que V/ Exas. doutamente suprirão, entende-se que não deverá ser dado provimento ao recurso e que, assim decidido, V/ Exas. farão inteira e sã JUSTIÇA!

5
Também o arguido se pronunciou em relação ao recurso do Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, pelo modo que se segue:

AA, arguido nos autos acima referenciados e aí devidamente identificado, vem, para isso tendo sido notificado, nos termos do disposto no artigo 413.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. Penal apresentar a sua resposta à motivação de recurso interposto pelo Ministério Público, no processo em epígrafe, nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão proferido a 27-09-2024 com a referência ...47, depositado a 30-09-2024, no qual, naquilo que ora releva, se decidiu “Condenar o arguido AA pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo e em concurso real nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nº 2, do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão”.
2. Considera o recorrente que o Tribunal a quo errou uma vez que, e em resultado da factualidade julgada provada deveria o arguido AA ter sido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada e com dolo directo e em concurso real, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal, de dezasseis crimes de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.
3. Entendemos que não assiste qualquer razão ao MP e que bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veiculo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro nos precisos termos em que condenou.
4. Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, a factualidade provada, mostra claramente que o arguido nunca foi intercetado nem aquando nem após a prática dos factos pelos quais vinha acusado.
5. Ora, a repetição criminosa não afasta a forma de crime continuado, uma vez que ela resultou de uma renovação de oportunidades, que proporcionaram ao arguido, a repetição da sua conduta anterior.
6. O arguido, não criou, procurou ou planeou de forma organizada, novas situações que lhe permitissem praticar novas infracções.
7. As situações favoráveis à reiteração criminosa, não foram criadas pelo arguido; a realidade exterior é que solicitou o arguido, é que lhe facilitou o caminho.
8. Foram as circunstâncias externas que sendo sempre as mesmas, e anteriormente experimentadas com sucesso pelo arguido, facilitaram a repetição da condução do veículo nas ocasiões e circunstâncias dadas como provadas.
9. Da factualidade provada, nada se pode extrair que leve à conclusão de que a conduta do arguido, se deve a "motivos estritamente endógenos", a uma tendência da sua personalidade, independentemente de qualquer solicitação externa.
10. Não se podendo concluir que o arguido tenha adoptado a conduta que adoptou por determinado motivo, uma vez que nada se apurou nesse sentido.
11. Ao não existir qualquer interceção aquando das situações referidas na acusação não tomou o arguido uma nova decisão criminosa.
12. Conduziu, pois, nas 16 situações, no quadro da mesma situação exterior que tinha proporcionado a sua primeira conduta, o que vem novamente favorecer a tentação da sua repetição, nada lhe tendo entretanto acontecido, o que voltou a fazer com que cada vez fosse menos exigível ao arguido, comportar-se diferentemente.
13. O que fundamenta e justifica o instituto do crime continuado, são questões atinentes à culpa do agente,
14. O pressuposto de diminuição considerável da culpa do agente, constante do n° 2 do artigo 30° do C. Penal, está directamente relacionado com factores externos, factores que facilitem a repetição de atitude já anteriormente assumida.
15. O arguido, apenas acedeu a esses chamamentos exteriores, a essas novas oportunidades surgidas, para continuar a conduzir sem a respectiva licença.
16. É neste contexto que diminui consideravelmente a sua culpa, e não o contrário, pelo que também diminuirá consideravelmente a censura ao seu comportamento.
17. Não se estará de modo algum a beneficiar o arguido que nunca foi alvo de interceção pelas autoridades pelo que não teve de tomar uma nova resolução criminosa cada vez que voltava a conduzir em iguais circunstâncias, não sendo, com o devido respeito, deste modo, demonstrado que o arguido, com a sua conduta, tenha manifestado uma personalidade contrária ao direito.
18. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente por não lhe assistir qualquer razão, não tendo o Tribunal a quo violado nenhuma das disposições legais referidas.

V.Ex.as, porém, decidirão como for de JUSTIÇA.

6
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado pelo arguido, e da procedência do recurso apresentado por si.

7
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi dito.

8
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

II FUNDAMENTAÇÃO

1 Objeto dos recursos:

A Recurso do arguido:

a)
A decisão recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova?

b)
Ocorre erro de julgamento em relação aos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3 (parcialmente) 4, 5, 9, 11 a 47 e 74 da decisão recorrida?

c)
Os factos dados como provados integram a prática pelo recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01?

d)
A pena aplicada ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes deve ser reduzida, e deve ser decretada a suspensão da sua execução?

B Recurso do Ministério Público:

a)
Os factos dados como provados integram a prática em concurso efetivo, real, de dezasseis crimes de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro?

b)
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deve o arguido ser condenado na pena de prisão de 8 meses pela prática de cada um dos crimes referidos na questão anterior?

c)
Ainda em caso de resposta afirmativa à anterior questão, a pena do concurso de infrações em causa nos autos deve fixar-se em prisão de 7 anos?

2 Decisão recorrida (excertos relevantes):
***
2. Fundamentação de facto
2.1  Matéria de facto provada, com relevância para a decisão da causa

Da acusação pública:
1. O arguido AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... desde pelo menos meados de 2019 procedia ao fornecimento de produto estupefaciente, como cocaína, canabis (resina), vulgo haxixe, e canabis (folhas/sumidades) vulgo liamba ou erva, a terceiros para estes procederem à sua revenda ou venda direta a consumidores, recebendo em troca quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial.
2. O arguido AA adquiria os produtos estupefacientes em locais indeterminados, e, normalmente, dirigia-se até à residência do arguido BB, sita na Rua ..., ..., ..., ... e ao estabelecimento comercial “EMP01...” do arguido CC, sito em ..., ..., para efetuar as entregas daquelas substâncias.
3. Dessa feita, pelo menos mensalmente o arguido AA abastecia de produto estupefaciente o arguido BB, também conhecido pela alcunha de “DD”, residente na Rua ..., ..., ... ..., ....
4. Para além disso, o arguido AA vendia produtos estupefacientes a outros indivíduos, a quem fornecia cocaína, haxixe e liamba na cidade ..., contando-se entre esses, o arguido CC.
5. Por vezes, o arguido AA também vendia produto estupefaciente diretamente aos consumidores da sua confiança.
6. O arguido AA era ainda possuidor de uma segunda habitação, sita Rua ..., ..., ... - ... – ..., local onde efetuava o corte e acondicionamento do produto estupefaciente antes de sair para distribui-lo pelos compradores.
7. E era também numa casa devoluta anexa a nessa morada que o arguido AA procedia ao cultivo de plantas de canabis, com vista a proceder à posterior revenda do produto estupefaciente que daí adviesse depois das referenciadas plantas atingirem o estado de maturação necessário e serem devidamente secas e preparadas para o efeito.
8. No dia 02 de junho de 2021, o arguido AA mantinha nessa morada, em ..., 15 vasos de plantas de canábis.
9. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritos, o arguido AA utilizou, respetivamente, nas deslocações para os locais previamente combinados com os compradores e com vista à concretização das entregas/recebimentos de produtos estupefacientes, os seus veículos automóveis, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-RN e ..., modelo ..., cor ..., com a matrícula ..-..-XZ, pertença da sua companheira EE.
10. Nos períodos supra referidos, o arguido AA utilizava, respetivamente e entre outros, o seguinte número de telemóvel: ...42.
11. No dia 04 de agosto de 2019, o arguido AA forneceu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores
12. No dia 26 de novembro de 2019, o arguido AA forneceu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
13. No dia 30 de maio de 2020, o. arguido AA entregou quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
14. No dia 24 de junho de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
15. No dia 11 de julho de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
16. No dia 09 de dezembro de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
17. No dia 10 de dezembro de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
18. No dia 18 de dezembro de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
19. No dia 29 de dezembro de 2020, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
20. No dia 04 de janeiro de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
21. No dia 7 de janeiro de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
22. No dia 25 de março de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
23. No dia 6 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores
24. No dia 07 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
25. No dia 8 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
26. No dia 15 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
27. No dia 22 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
28. No dia 29 de abril de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
29. No dia 6 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
30. No dia 11 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido CC, para posterior venda a terceiros consumidores.
31. No dia 20 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína o arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
32. No dia 26 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
33. No dia 04 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido CC, para posterior venda a terceiros consumidores.
34. No dia 11 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido CC, para posterior venda a terceiros consumidores.
35. No dia 26 de maio de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido CC, para posterior venda a terceiros consumidores,36. No dia 09 de junho de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de produto estupefaciente ao arguido CC, para posterior venda a terceiros consumidores.
37. No dia 14 de junho de 2021, o arguido AA vendeu quantidade de cocaína não concretamente apurada a FF, para o seu consumo.
38. No dia 17 de junho de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores,
39. No dia 23 de junho de 2021, o arguido AA vendeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores
40. No dia 24 de junho de 2021, o arguido AA ve.ndeu quantidade não concretamente apurada de cocaína ao arguido BB, para posterior venda a terceiros consumidores.
41. No dia 08 de junho de 2021, o arguido AA contactou o arguido CC, questionando como estava a desenrolar-se o negócio. O arguido CC disse-lhe que não tinha a encomenda preparada, perguntando se dá para esperar mais uns dias. O arguido AA deu-lhe conta que tinha pressa, ao que o arguido CC disse-lhe que o avisava quando estivesse pronta.
42. No dia 04 de maio de 2021, pelas 11:57 horas, o arguido AA telefonou ao arguido CC para marcarem encontro, de imediato, na cidade ....
43. Com efeito, pelas 12:16 horas, o veículo automóvel, da marca ..., modelo ..., de cor ..., de matrícula ..-..-XZ, conduzido pelo arguido AA estacionou junto à igreja matriz e este deslocou-se ao estabelecimento do arguido CC “EMP01...” para lhe entregar produto estupefaciente.
44. Pelo menos nos dias 04, 11 e 26 de maio de 2021, o arguido AA forneceu produtos estupefacientes ao arguido CC, deslocando-se com alguma regularidade ao seu encontro, nomeadamente ao estabelecimento comercial denominado de “EMP01...”, para  fornecer de tais produtos.
45. Nas circunstâncias temporais descritas, até pelo menos 09 de julho de 2021, o arguido AA era o fornecedor de produtos estupefacientes do arguido BB, uma vez que se deslocava semanalmente ao seu encontro, nomeadamente à residência deste, para lhe entregar tais substâncias.
46. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o Verão de 2018 e até ao dia 09 de julho de 2021 – data em que foi detido no âmbito destes autos – o arguido BB também conhecido por “DD”, dedicou-se à distribuição de produtos estupefacientes que lhe eram previamente entregues pelo arguido AA, procedendo à venda a terceiros consumidores de substâncias estupefacientes, nomeadamente cocaína, mediante entrega de quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial, bem como à cedência de tal substância a indivíduos do seu círculo de contactos mais próximo.
47. Assim, no período compreendido entre meados do ano de 2019 e julho de 2021, o arguido BB, recebia mensalmente pelo menos mensalmente, do arguido AA 16 (dezasseis) gramas de cocaína (de cada vez) que vendia diretamente a indivíduos que lhos adquiriam para seu consumo, entre outros locais, na sua residência, à data, sita na Rua ..., ... – ... e nos estabelecimentos de bebidas (bares) de ..., mediante entrega de quantia monetária ou outra contrapartida de natureza patrimonial.
48. Para o efeito, para além de outras vias, o arguido BB era contactado através do número ...40, através do qual combinava fornecimento, entregas e vendas de estupefacientes, sendo usada linguagem cifrada, dizendo-lhe os consumidores, entre outras expressões, que iam passar lá a “tomar café, ou beber uma mini…”, “cão preto”, entre outras expressões, para ludibriar as autoridades policiais.
49. Após ser contactado telefonicamente para o efeito, o arguido BB efetuou, pelo menos, as seguintes entregas de cocaína a consumidores, mediante o pagamento do respetivo preço:
49.1. No dia 07 de agosto de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.2. No dia 09 de agosto de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a HH, para o seu consumo ;
49.3. No dia 12 de setembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a HH, para o seu consumo;
49.4. No dia 18 de setembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a HH, para o seu consumo;
49.5. No dia 01 de outubro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.6. No dia 16 de novembro de 2019, o arguido BB é contactado, através de SMS, por II, para combinarem a aquisição de cocaína por parte desta.
49.7. No dia 9 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.8. No dia 11 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu 60€ de cocaína a JJ, para o seu consumo;
49.9. No dia 18 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.10. No dia 22 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a HH, para o seu consumo;
49.11. No dia 23 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a KK, recebendo em troca a quantia de 90,00€ –;
49.12. No dia 26 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.13. No dia 30 de novembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.14. No dia 07 de dezembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a GG, para o seu consumo;
49.15. No dia 14 de dezembro de 2019, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.16. No dia 23 de janeiro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo como contrapartida, a quantia de 60,00€;
49.17. No dia 18 de fevereiro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.18. No dia 25 de fevereiro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.19. No dia 27 de fevereiro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.20. No dia 08 de junho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a LL, em troca do pagamento da quantia de 60,00€;
49.21. No dia 11 de junho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo a quantia de 60,00€;
49.22. No dia 24 de junho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo a quantia de 60,00€;
49.23. No dia 30 de junho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.24. No dia 07 de julho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a MM, para o seu consumo ;
49.25. No dia 11 de julho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a MM, para o seu consumo;
49.26. No dia 27 de julho de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a NN, para o seu consumo;
49.27. No dia 01 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a GG;
49.28. No dia 20 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.29. No dia 21 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, mediante a entrega da quantia de 60,00€;
49.30. No dia 21 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo como pagamento a quantia de 60,00€;
49.31. No dia 27 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€;
49.32. No dia 31 de agosto de 2020, o arguido BB vendeu quantidade não determinada de cocaína a MM, para o seu consumo;
49.33. No dia 01 de setembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a MM, para o seu consumo;
49.34. No dia 09 de setembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a MM;
49.35. No dia 10 de outubro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo a quantia de 60,00€.
49.36. No dia 16 de outubro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€.
49.37. No dia 23 de outubro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a KK, para o seu.
49.38. No dia 24 de outubro de 2020, o arguido BB vendeu quantidade indeterminada de cocaína a HH, para o seu consumo.
49.39. No dia 29 de outubro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€.
49.40. No dia 04 de dezembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 60,00€.
49.41. No dia 04 de dezembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, recebendo como pagamento a quantia de 60,00€.
49.42. No dia 21 de dezembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, mediante o pagamento da quantia de 60,00€.
49.43. No dia 23 de dezembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, mediante o pagamento da quantia de 60,00€.
49.44. No dia 24 de dezembro de 2020, o arguido BB vendeu cocaína a JJ, mediante a entrega da quantia de 60,00€.
49.45. No dia 29 de janeiro de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.46. No dia 27 de março de 2021, o arguido BB vendeu cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.47. No dia 27 de março de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.48. No dia 29 de março de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.49. No dia 20 de abril de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.50. No dia 21 de abril de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00.
49.51. No dia 22 de abril de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.52. No dia 25 de abril de 2021, o arguido BB entregou cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.53. No dia 26 de abril de 2021, o arguido BB vendeu cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.54. No dia 28 de abril de 2021, o arguido BB vendeu cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00€.
49.55. No dia 06 de maio de 2021, o arguido BB vendeu cocaína a OO, mediante o pagamento da quantia de 40,00.
50. No período assinalado, o arguido BB manteve contacto presencial com o seu fornecedor, o arguido AA, e compradores/consumidores de produtos estupefacientes,
Com efeito, foi possível apurar que:
51. No dia 09 de outubro de 2019, o arguido BB recebeu duas chamadas, através das quais combinou com um indivíduo designado por ..., utilizador do n.º ...93, um encontro nas proximidades da Estação de Camionagem de ... para proceder à entrega de produto estupefaciente.
52. No dia 16 de outubro de 2019, o arguido BB saiu da sua residência e já na rua estabeleceu contacto com uma mulher, conotada como consumidora de produtos estupefacientes.
53. No dia 13 de novembro de 2019, um indivíduo, conotado como consumidor de produtos estupefacientes, condutor da viatura da marca ..., modelo ..., cor cinzento de matrícula ..-..-SZ parou junto da residência e entrou para a residência do arguido BB para adquirir produto estupefaciente
54. No dia 26 de novembro de 2019, BB recebeu uma chamada telefónica a perguntar onde estava, tendo o arguido respondido que estava .em casa. Passado alguns minutos um indivíduo, conotado como consumidor de produtos estupefacientes, estacionou o veiculo de marca ..., modelo ..., cor ... de matricula ..-..-FS, junto da residência do arguido BB e entrou na residência para comprar estupefaciente.
55. No dia 13 de abril de 2021, KK, conotado como consumidor de produtos estupefacientes, condutor da viatura de marca ..., modelo ... de cor ... e de matricula ..-..-OS, saiu da residência do arguido BB, aonde se dirigira para comprar cocaína.
56. No dia 27 de abril de 2021, o mesmo indivíduo, condutor do veículo automóvel, da marca ..., modelo ..., de cor ... e de matricula ..-..-OS, entrou na residência do arguido BB, tendo-lhe adquirido cocaína.
57. No dia 27 de abril de 2021, KK chegou apeado, entrou na residência do arguido BB e pouco tempo depois saiu da residência do arguido e deslocou-se, apeado, em direção ao centro da localidade de ....
58. Nesse dia, pouco tempo depois de sair da residência do arguido BB, pelas 22:14 horas, na Avenida ... – ..., KK tinha consigo dois pacotes de cocaína, com um peso total de 1,720 gramas.
59. Desde o final do ano de 2018, GG, utilizador do número ...12, dirigia-se à residência do arguido BB e ali consumia cocaína conjuntamente com ele, cedida de forma gratuita, e por cerca de 6 a 7 vezes por semana, trazia dali um pacote de cocaína em troca de serviços de mecânica ou jardinagem.
60. Desde o início do mês de dezembro de 2020 e até finais de junho de 2021, cerca de 3 vezes por semana, após ser contactado telefonicamente por OO, utilizador do n.º ...43, o arguido BB vendeu-lhe, de cada vez, 1 pacote de cocaína pelo valor unitário de 40,00€.
61. No período compreendido entre fevereiro de 2019 e até julho de 2021, altura em que foi detido, 2 vezes por semana, o arguido BB vendeu canabis (folhas sumidades) a MM, utilizador do n.º ...04, mediante o pagamento, de cada vez, da quantia de 20,00€.
62. No período compreendido entre setembro de 2019 e até julho de 2021, altura em que foi detido, 2 vezes por semana, o arguido BB vendeu, em cada uma dessas ocasiões, 1 pacote de cocaína a PP, utilizador do n.º ...70, pelo preço unitário de 50,00€.
63. A partir do Verão de 2018 e até maio de 2021, quando QQ, utilizador do n.º ...82, frequentava a residência do arguido BB, este cedia-lhe gratuitamente 2 ou 3 riscos de cocaína para o seu consumo pessoal e noutras alturas, deu-lhe 1 pacote de heroína para consumo noutros locais.
64. Por período não concretamente apurado, quando II, utilizador do n.º ...93, frequentava a residência do arguido BB, este cedia-lhe cocaína para o seu consumo.
65. No período compreendido entre julho de 2019 e julho de 2021, cerca de 2 vezes por semana, após ter contactado através das redes sociais Messenger ou WhatsApp, o arguido BB entregou na sua residência cocaína a JJ, utilizador do n.º ...79, 1 ou 2 pacotes de cocaína, pelo preço unitário de 60,00€.
66. Desde maio de 2019 a julho de 2020, no EMP02... em ... ou na residência, em ..., entre 1 a 2 vezes por semana, o arguido BB vendeu a LL, utilizador do n.º ...22, de cada vez, entre 1 a 2 pacotes de cocaína, pelo valor unitário de 60,00€.
67. No início de março de 2020 e até julho de 2021, de 3 em 3 semanas, na sua residência, o arguido BB entregou de cada vez 1 pacote de cocaína a RR, utilizador do n.º ...40, sem lhe comprar qualquer quantia.
68. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde dezembro de 2020 e até ao dia ../../2021 – data em que foi detido no âmbito destes autos – o arguido CC, dedicou-se, quer à distribuição de produtos estupefacientes, mormente canabis (resina) e canabis (folhas/sumidades), que lhe eram previamente entregues pelo arguido AA, quer à venda a terceiros de substâncias estupefacientes, a título lucrativo, efetuando tais vendas diretamente a indivíduos que lhe adquiriam para seu consumo.
69. O arguido CC efetuava venda direta aos consumidores dos produtos estupefacientes que se deslocavam, por norma, à sua residência sita na Travessa ..., ..., ... e ao seu estabelecimento comercial “EMP01...” sito no Largo ..., ..., ....
70. Assim, no período compreendido entre dezembro de 2020 e julho de 2021, o arguido CC, recebia pelos, menos, duas vezes por mês, do arguido AA, produtos estupefacientes, designadamente canabis (folhas sumidades) e canabis (resina), que vendia a título lucrativo, efetuando tais vendas diretamente a indivíduos que lhos adquiriam para seu consumo.
71. Tendo em vista a aquisição e venda dos sobreditos produtos estupefacientes, por regra, terceiros consumidores destes produtos contactaram o arguido CC previamente por via telefónica, mas também por WhatsApp e Messenger.
72. Nos períodos suprarreferidos, o arguido CC utilizava o número de telemóvel ...09 .
73. Para além de contactar com os seus compradores de estupefaciente, através de um código pré-estabelecido entre os arguidos AA e CC, indicando-lhe, por exemplo, “vamos tomar um café”, estes combinavam assim as entregas de estupefaciente.
74. Com efeito:
74.1 No dia 10 de dezembro de 2020, o arguido CC adquiriu quantidade indeterminada de estupefaciente ao arguido AA.
74.2 No dia 25 de março de 2021, o arguido CC mandou uma SMS ao arguido AA, com o seguinte teor “J<SI> chegou...”, referindo-se à entrega de produto estupefaciente.
74.3 No dia 25 de março de 2021 o arguido CC foi contactado pelo arguido AA e no decorrer da conversa o AA refere que já se encontra junto à porta do estabelecimento do CC, ao que este lhe diz que dentro de dois minutos já lá passa, de forma a assim efetuarem entrega de produto estupefaciente.
74.4 No dia 05 de abril de 2021, o arguido CC enviou uma SMS ao arguido AA, com o seguinte teor: “4 feira ao fim de almoço…”, de forma a combinarem a entrega de estupefaciente.
74.5 No dia 03 de maio de 2021, a propósito da entrega de estupefaciente, o arguido CC ligou ao arguido ao AA e no decorrer da conversa refere que nesse dia não podia ir ao seu encontro, mas que no dia seguinte (terça-feira) se encontram no local habitual.
74.6 No dia 04 de maio de 2021 o arguido CC foi contactado pelo arguido AA e nesse dia, junto ao seu estabelecimento comercial recebeu quantidade não concretamente determinada de estupefaciente.
74.7 No dia 11 de maio de 2021 CC contactou telefonicamente o arguido AA para lhe fazer a entrega de produto estupefaciente, o que ocorreu nesse dia.
75. O arguido CC era contactado telefonicamente pelos consumidores/compradores de produtos estupefacientes, usando expressões/ códigos que são usuais para ludibriar as autoridades policiais conforme, de uma forma sucinta, se indicam:
75.1 No dia 12 de maio de 2021, o arguido CC transacionou quantidade indeterminada de estupefaciente com o consumidor identificado pelo código ...2 -.
75.2 No dia 14 de maio de 2021 o arguido CC transacionou quantidade indeterminada de estupefaciente com o consumidor identificado pelo código ...3, utilizador do n.º ...37 que enviou duas SMS ao CC: “Como é meu menino Já acordas te?” “Como estamos de bolinhas? Ainda na(...) e (...)o tenho tudo para ti. Abraço”.
No dia 14 de maio de 2021, o arguido CC respondeu às SMS anteriores recebidas do consumidor identificado como D43. “Nem bolas nem quadrados ????.
No dia 14 de maio de 2021 o consumidor identificado como DC43 respondendo à SMS de CC anteriormente recebidas diz: “Tá mau meu menino?”.
O arguido CC respondeu “Ya . T<SI> fodido”.
75.3 No dia 25 de maio de 2021, o arguido CC comprou quantidade indeterminada de estupefaciente ao indivíduo identificado pelo código ...5, utilizador do n.º ...92.
75.4 No dia 29 de maio de 2021 o arguido CC transacionou quantidade indeterminada de estupefaciente com o consumidor identificado pelo código ...6, utilizador do n.º ...08 .
75.5 No dia 08 de junho de 2021, o arguido entregou haxixe a SS.
76. No dia 06 de maio de 2021, o arguido CC saiu do interior do seu estabelecimento para a esplanada e neste momento o condutor de um veiculo de matricula ..-..-OC, estendeu a sua mão direita em forma de concha em direção do arguido, e este colocou-lhe estupefaciente na palma da sua mão.
77. Por período não concretamente apurado, cerca de 2 vezes por ano, o arguido CC cedeu quantidade não determinada de haxixe a SS.
78. Numa festa que ocorreu em dia não concretamente apurado, o arguido CC que tinha na sua posse haxixe, cedeu parte a TT, utilizadora do n.º ...11, para o consumo próprio desta.
79. No dia 9 de julho de 2021, pelas 17:20 horas, o arguido AA vinha a conduzir o veículo ..., modelo ..., de cor ... e com a matricula ..-..-XZ, na saída da A...4, para a localidade de ... e no banco do passageiro, a sua companheira EE.
80. No mesmo dia, pelas 17:30, no cruzamento da N103-5 com EM de .../..., foram encontrados na posse do arguido AA 4 notas de 20€, 1 nota de 10€ e 8 de 50€, todas do BCE, perfazendo o total de 490,00€;
81. No mesmo dia, pelas 17:45 horas, no interior do veículo ..., modelo ..., cor ... e de matricula ..-..-XZ, foram encontrados os seguintes objetos:
– 1 telemóvel de marca ...;
– 1 telemóvel de marca ...”.
82. No dia 09 de julho de 2021, pelas 22:35 horas, na residência do arguido AA sita na Rua ..., ..., ... - ... – ..., este mantinha os seguintes bens:
Na Cozinha:
– 1 (uma) balança digital marca ...” modelo...., no armário da cozinha, debaixo do fogão.
– 2 (dois) rolos de fita-cola preta – marca (3M), no compartimento junto da lareira da residência.
– 1 moinho marca ...” modelo ..., no armário da cozinha debaixo do fogão.
83. No dia 09 de julho de 2021, pelas 22:35 horas, na residência devoluta situada ao lado da Rua ..., ..., ... - ... – ..., o arguido AA mantinha:
– 8 (oito) plantas de canabis colocadas em vaso/balde com o peso líquido de 312,300 gramas que daria para 74 doses diárias individuais.
– 1 saco de pano branco contendo no seu interior canabis já seca e pronta para consumo com o peso líquido de 235,130 gramas que daria para 9 doses diárias individuais e vários sacos de plástico para embalagem do produto estupefaciente.
– 22 (vinte e dois) pedaços de fios de “nylon” branco, idênticos aos apreendidos na garagem de arrumos, da residência visada, estando estes colocados nas traves de madeira do telhado do imóvel, e que serviram para sustentar as plantas de canabis durante o processo de secagem.
– 5 baldes de plástico de cor ... com resíduos de terra iguais aos que tinham as plantas de canabis.
No piso inferior da residência – garagem de arrumos do imóvel:
– 1 rolo de fio “nylon” de cor ....
No logradouro anexo à residência:
– 5 (cinco) baldes de plástico de cor ... com resíduos de terra.
84. No dia 09 de julho de 2021, pelas 22:10 horas, na residência situada na Rua ..., ..., ... – ..., o arguido AA mantinha os seguintes objetos:
Numa divisão que serve de arrumos:
– um computador de marca ....
No quarto do casal:
– 25 cartuchos carregados com chumbo e 4 carregados com bala, em razoável estado de conservação e em condições de serem disparadas por armas de fogo, que se encontravam num gaveto do fundo do guarda-vestidos.
Na cozinha:
–1 telemóvel de marca ... “...” de cor ..., em cima de um móvel /aparador.
85. No dia 10/07/2021, pelas 00:20 horas, no veículo ..., modelo ..., cor ... e de matricula ..-..-RN, o arguido AA tinha dois documentos como sendo cartas de condução, uma emitida pelas autoridades da ... e outra pelas autoridades da ..., que se encontravam no interior de uma carteira dentro do porta-luvas do veículo.
86. Do documento como sendo uma carta de condução da ... emitida pelas autoridades da República ... a 17/02/2004, constavam, entre outros, os seguintes elementos: o nome do arguido AA e a sua fotografia e a validade até ../../2014.
87. Do documento como sendo uma carta de condução da ... emitida pelas autoridades daquele país a 23/08/2017, constavam, entre outros elementos, o nome do arguido AA, a sua fotografia e a data de validade até ../../2022.
88. O arguido AA não era titular de qualquer título que o habilitasse a conduzir.
89. Tais documentos não foram emitidos pelas autoridades competentes, pois que foi o arguido que os adquiriu no Porto em data concretamente não apurada a um indivíduo não identificado.
90. No dia 09 de julho de 2021, pelas 18:50 horas, na Residencial ..., em ..., o arguido BB tinha na sua posse um telemóvel de marca ..., modelo ... e 140€ em notas de 10€, do BCE.
91. Nas mesmas circunstâncias espácio-temporais no veículo automóvel, da marca ..., o arguido BB mantinha os seguintes objetos:
– 1 certificado de matrícula;
– 1 pen drive no habitáculo do pneu suplente/mala;
– Documentação diversa no banco traseiro e no interior de pasta.
92. Nas mesmas circunstâncias espácio-temporais o arguido BB tinha no veículo automóvel ..., modelo ..., com matricula ..-..-ZJ, um certificado de matricula, que se encontrava no porta luvas.
93. No dia 09 de julho de 2021, pelas 18:45 horas, na Residencial denominada “...”, sita na Avenida ... n.º 600 - ... ..., o arguido BB detinha os seguintes objetos:
No escritório:
– um disco externo de 500GB de marca ..., com o s/n ...09, que se encontrava em cima da mesa da secretaria;
– uma pen drive de 16GB de cor ..., que se encontrava em cima de um PC;
– duas pen drive, que se encontravam no interior da primeira gaveta da secretaria;
–vários recibos de remuneração, que se encontravam na gaveta do meio da secretaria
– um PC da marca ..., com nº ..., que se encontrava em cima da mesa da secretária;
– um computador da marca ..., com o nº de série ...40..., que se encontrava em cima de uma caixa.
94. No dia 09/07/2021, pelas 20:55 horas, na residência sita na Rua ..., ..., ... - ... – ..., o arguido BB tinha os seguintes objetos:
Na sala:
– uma pasta com documentos referente a um individuo de nome UU e uma empresa EMP03..., em cima da mesa da sala;
– uma arma dissimulada por uma caneta, com os dizeres “...”, calibre 22 com comprimento total de 11,5 cm, em cima da mesa;
– um computador portátil de marca ... em cima da mesa;
– um cartão de memoria de 4 GB ao lado do computador;
– 5 discos rígidos, em cima da mesa da cómoda;
– um telemóvel de marca ..., com o IMEI ...32, no interior de uma gaveta de um móvel;
– um telemóvel de marca ..., modelo S, em cima da mesa;
No quarto do arguido:
– 460,00€ em notas de 20€, do BCE, no quarto do visado no interior da primeira gaveta da mesa de cabeceira;
– uma arma de calibre 7.65mm, de marca IDEAL, com o n.º ...85, originária de ..., com cano com 8 cm de comprimento e 16 cm de comprimento total, com uma munição nacâmara, em razoável estado de conservação, e carregador introduzido contendo 8 munições de calibre 7,65mm e um carregador vazio, no interior da mesma gaveta;
– uma arma de fogo transformada de calibre 6.35mm, da marca ..., modelo ..., com cano de 6 cm e comprimento total de 12 cm, suscetível de efetuar disparo, em razoável estado de conservação, com carregador contendo munições 6.35mm, no interior da mesma gaveta;
– 33 munições de calibre 7.65mm, no interior da mesma gaveta;
– um envelope contendo três pacotes de cocaína com o peso individual de 5.36 gramas, 5.31 gramas e 5.33 gramas, num total de 15,926 gramas, correspondente a 23 doses diárias individuais e uma colher para ajudar na medição do estupefaciente, no interior da mesma gaveta;
– uma balança de precisão de marca ..., modelo ... com vestígios de cocaína, no interior da mesma gaveta;
– um pequeno espelho, contendo resíduos de cocaína, na mesma gaveta da mesa de cabeceira;
– 400,00 euros em notas de 20 euros, no interior de um livro com os dizeres “VV”, em cima da mesa de cabeceira;
– 650,00 euros em 1 nota de 200 euros, 1 nota de 100 euros e 7 notas de 50 euros, em cima da mesa da cabeceira no interior de um livro;
– 4.000,00 euros em 60 notas de 50 euros e 50 notas de 20 euros, no interior do guarda roupa, num bolso de um casaco;
Num outro quarto:
– uma arma de fogo longa – espingarda de calibre 12, da marca ..., com 71,5cm de cano e comprimento total de 115cm, com o nº ...41, em razoável estado de conservação e em condições de efetuar disparos, no interior do guarda roupa;
Na cozinha:
– vários recortes de plástico, que servem para o acondicionamento de estupefacientes, no interior de um saco do lixo;
– dois pedaços de papel enrolado, no interior de um saco do lixo.
95. Entre as 15:08 horas e as 15:55 horas e 16:20 horas e as 16:55 horas do dia ../../2021, o arguido CC detinha, no interior do estabelecimento denominado café “EMP01...” sito Largo .... ..., em ..., ... e na sua residência, sita na Travessa ..., ..., ...:
Na posse do arguido CC:
– 1 telemóvel da marca ..., com o cartão SIM nº ...09.
– Escondido num bolso das calças, 1,375 gramas de canabis (folhas/sumidades) que daria para 2 doses diárias individuais.
–365€ (7 notas 20€, 22 notas de 10€ e 1 nota de 5€) do BCE destinadas a adquirir estupefaciente ao arguido AA.
No estabelecimento denominado “Café EMP01...” sito Largo .... ... – ... – ..., o arguido CC detinha ainda:
– 1 computador de marca ..., que se encontrava em cima do balcão.
– 1 computador de marca ..., que se encontrava em cima de uma mesa junto à máquina de setas.
Na residência sita na Travessa ..., ..., ... ..., o arguido CC detinha:
Na Cozinha:
– 1 arma de fogo de marca ..., com o n.º ...21, de cal. 6.35 mm, com 8cm de cano e o comprimento total de 13,5cm, em razoável estado de conservação, 2 carregadores carregados com 6 munições de cal. 6.35mm cada um deles e 1 caixa contendo 6 munições 6.35mm.
96. Os arguidos BB e AA utilizaram os veículos ..., modelo ..., com matricula ..-..-ZJ e ... com a matrícula ..-..-RN no desenvolvimento da atividade de tráfico, tendo-os adquirido com o lucro que lhes adveio da prática do crime.
97. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos resultaram dos fornecimentos e vendas do estupefaciente, sendo o lucro resultante dessa atividade.
98. Os moinhos, balanças, fita-cola, baldes, fio de nylon, plásticos, baldes apreendidos eram usados no cultivo, preparação, acondicionamento e pesagem do estupefaciente.
99. Os telemóveis, computadores, discos rígidos, discos externos, cartões de memória, pen drives, foram usados no estabelecimento de contactos com fornecedores, compradores e consumidores de estupefaciente, servindo também para registar e acondicionar informação relativa à atividade desenvolvida pelos arguidos.
100. Entre o dia ../../2019 e o dia 09 de julho de 2021, o arguido AA entregou aos arguidos BB e CC para venda a terceiros consumidores as seguintes quantidades de produtos estupefacientes:
■ agosto 2019 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína), perfazendo um total de: 20 x 50= 1.000€;
■ novembro 2019 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína), perfazendo um total de: 20 x 50= 1.000€;
■ maio 2020 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína), perfazendo um total de: 20 x 50= 1.000€;
■ junho de 2020 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína), perfazendo um total de: 20 x 50= 1.000€;
■ julho de 2020 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína), perfazendo um total de: 20 x 50= 1.000€;
■ dezembro de 2020 – 4 entregas, em cada entrega, 4 pacotes de cocaína (4x4pacotesx5gramas = 16pX5g =80gramas cocaína), perfazendo um total de: 80 x 50= 4.000€;
■ janeiro de 2021 – 2 entregas, em cada entrega, 4 pacotes de cocaína (2x4pacotesx5gramas = 8pX5g =40gramas cocaína) 40 x 50= 2.000,00€;
■ março de 2021 – 1 entrega de 4 pacotes de cocaína (1x4pacotesx5gramas = 4pX5g =20gramas cocaína) 20 x 50= 1.000;
■ abril de 2021 – 6 entregas, em cada entrega, 4 pacotes de cocaína, (6x4pacotesx5gramas = 24pX5g =120gramas cocaína) 120 x 50= 6.000,00€;
■ maio de 2021 – 4 entregas, em cada entrega, 4 pacotes de cocaína, (4x4pacotesx5gramas = 16pX5g =80gramas cocaína) 80 x 50= 4.000,00€;
■ junho de 2021 – 4 entregas, em cada entrega, 4 pacotes de cocaína, (4x4pacotesx5gramas = 16pX5g =80gramas cocaína) 80 x 50= 4.000,00€;
No âmbito dessa atividade, entre muitos outros consumidores, o arguido BB vendeu Cocaína:
■ Entre junho de 2019 e finais de junho de 2021, a JJ, titular do cartão SIM nº ...79, com periodicidade de duas vez por semana, um (1) grama de Cocaína (5 doses) pelo valor de €60,00 (sessenta euros), perfazendo um total de: 480€ mês x 24= 11.520,00€.
■ Entre junho de 2019 e finais de junho de 2021, a KK, titular do cartão SIM nº ...14, com periodicidade de duas vez por mês, um e meio (1,5) grama de cocaína (7 doses) pelo valor de €90,00 (noventa euros), perfazendo um total de: 180€ mês x 24= 4.320,00€.
■ Entre junho de 2019 e finais de junho de 2021, a LL, titular do cartão SIM nº ...22, com periodicidade de duas vez por semana, dois (2) gramas de cocaína (10 doses) pelo valor de €120,00 (cento e vinte euros), perfazendo um total de: 480€ mês x 24= 11.520,00€.
■ Entre início de dezembro de 2020 e finais de junho de 2021, a OO, titular do cartão SIM nº ...43, com periodicidade de três (3) vez por semana, grama e meio (1.5) de cocaína (7.5 doses) pelo valor de €120,00 (cento e vinte euros), perfazendo um total de: 480€ mês x 7= 3.360,00€.
■ Entre início de junho de 2020 e finais de junho de 2021, a MM, titular do cartão SIM n.º ...04, com periodicidade de duas (2) vez por semana, (2) gramas de Cocaína (10 doses) pelo valor de €120,00 (cento e vinte euros), perfazendo um total de: 480€ mês x 12= 5.760,00€.
■ Entre início de agosto de 2019 e finais de junho de 2021, a GG, titular do cartão SIM n.º ...12, com periodicidade de uma (1) vez por semana, (1) grama de Cocaína (5 doses) pelo valor de €60,00 (sessenta euros), perfazendo um total de: 240€ mês x 23= 5.520,00€.
■ Entre início de agosto de 2019 e finais de junho de 2021, a GG, titular do cartão SIM n.º ...12, com periodicidade de uma (1) vez por semana, (1) grama de Cocaína (5 doses) pelo valor de €60,00 (sessenta euros), perfazendo um total de: 240€ mês x 23= 5.520,00€.
■Entre início de agosto de 2019 e finais de junho de 2021, a HH, titular do cartão SIM n.º ...25, com periodicidade de uma (1) vez por semana, (1) grama de Cocaína (5 doses) pelo valor de €60,00 (sessenta euros), perfazendo um total de: 240€ mês x 23= 5.520,00€.
101. No dia 26/11/2019, pelas 15:00 horas, na Rua ..., ..., ... o arguido AA conduzia o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
102. No dia 07/01/2021, pelas 13:57 horas, na via no sentido ... – ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
103. No dia 06/04/2021, pelas 15:00 horas, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
104. No dia 08/04/2021, pelas 09:55 horas, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
105. No dia 15/04/2021, pelas 17:22 horas, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
106. No dia 29/04/2021, pelas 11:00 horas, na A... na direção ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
107. No dia 04/05/2021, entre as 11:00 e as 11:20 horas, no Bairro ..., na Rua ..., em ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
108. No dia 06/05/2021, pelas 15:55 horas, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
109. No dia 11/05/2021, pelas 15:08 horas, na A...5, sentido ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
110. No dia 26/05/2021, pelas 14:12 horas, na A...4, no concelho ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
111. No dia 02/06/2021, pelas 15:40 horas, na localidade de ..., em ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
112. No dia 14/06/2021, pelas 14:15 horas, na A...4, sentido ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
113. No dia 17/06/2021, pelas 18:02 horas, na EN ...12 em direção ao ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
114. No dia 23/06/2021, pelas 15:40 horas, na Rua ..., ..., ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
115. No dia 24/06/2021, pelas 18:02 horas, na EN ...12 em direção ao ..., o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-RN sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
116. No dia 9/07/2021, pelas 17:20 horas, na saída da A...4, para a localidade de ... o arguido AA conduziu o automóvel ligeiro com a matrícula ..-..-XZ sem que, para tanto, fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse para o efeito.
117. O arguido AA é atualmente portador de carta de condução.
118. O arguido BB não eram titular de qualquer licença que o habilitasse a possuir e deter as armas e munições identificadas supra, não estando as mesmas registadas/manifestadas.
119. Os arguidos AA, BB e CC conheciam as características psicotrópicas e estupefacientes dos mencionados produtos estupefacientes, e sabiam que com as suas condutas descritas causavam efeitos nefastos na saúde pública e estavam a contribuir em larga escala para a degradação de gerações vindouras da sociedade em que se encontram inseridos, limitando assim consequentemente o bom desenvolvimento físico e cognitivo destes jovens que consomem drogas.
120. Mais sabiam que a posse, detenção, preparação, tratamento, divisão em doses, cultivo, venda ou cedência eram atos que não lhes estavam autorizados e que eram punidos e proibidos pela lei penal.
121. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, cientes da punibilidade das suas condutas, com pleno conhecimento das características estupefacientes e psicotrópicas das substâncias que produziram, cultivaram, adquiriram, detiveram, cederam e venderam a terceiros com o propósito de obterem proveitos económicos, dos quais viviam, fazendo de tal atividade o seu modo de vida.
122. O arguido CC aproveitou-se ainda do facto de explorar o café “EMP01...” para assim encapotar a atividade de venda de estupefacientes, servindo-se desse local para efetuar transações de droga junto dos clientes que lá se deslocavam com o intuito primordial de lhe adquirir estupefaciente.
123. O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia deter as armas e munições acima melhor identificadas, uma vez que não possuía qualquer licença de uso e porte de arma e as armas não se encontrava registadas/manifestadas.
124. O arguido AA bem sabendo que só podia conduzir aqueles veículos, na via pública, caso estivesse legalmente habilitado, quis, ainda assim, levar a cabo as condutas descritas, praticando o ato de condução nos dias e locais assinalados supra.
125. O arguido AA sabia ainda que os documentos identificados como cartas de condução da República ... e ... estavam desconformes com a realidade, não tendo sido emitidos pelas autoridades nacionais competentes, tendo o arguido procedido à sua aquisição junto de pessoa não autorizada à emissão de tais documentos.
126. O arguido AA adquiriu as identificadas cartas de condução bem sabendo que as mesmas não eram autênticas, e manteve-as na sua posse, detendo-as.
127. Os arguidos AA, BB e CC agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, acima descritas, eram proibidas e punidas pela lei penal.
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Do registo criminal do arguido AA
128. Por decisão proferida nos autos n. 385/79, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa em 19.10.1979, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto e detenção de arma proibida na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, extinta por perdão de pena, Por decisão proferida nos autos n. 1444/78, pelo Tribunal da Comarca de Bragança, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla na pena de 2 meses e 5 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo periodo de dois anos, extinta por amnistia;
129. Por decisão proferida nos autos nº 65/82, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, arguido foi condenado pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, a pena de 2 anos e 22 dias de prisão;
130. Por decisão proferida nos autos n. 479/82, pelo Tribunal da Comarca de Montemor-o Novo, realizado o cúmulo das penas referidas em 15j e 16) foi condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, extinta pelo cumprimento e concedida a liberdade definitiva por decisão de 18.06.1987, com efeitos a partir de 18.06.1985.
131. Por decisão proferida em 28.03.1989, pelo Tribunal da Comarca do Porto foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 7 anos e nove meses de prisão, extinta pelo cumprimento e concedida a liberdade definitiva por decisão de 04.10.1996, com efeitos a partir de 14.05.1996;
132. Por decisão proferida nos autos 7387/00 ... pelo Tribunal da Comarca de Chaves em 18.12.2002 foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente e um crime de detenção de arma proibida na pena de 11 anos de prisão, extinta pelo cumprimento e concedida a liberdade definitiva por decisão de18.04.2012;
133. Por decisão proferida nos autos n. 303/14.... pelo Tribunal da Comarca de Viana do Castelo em 22.10.2014 foi o arguido condenado pela prática naquela data de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 90 dias de multa, à razão diária de 10,00EUR, extinta pelo cumprimento em 04.09.2017.
134. Por decisão proferida nos autos n. 87/17.... pelo Tribunal da Comarca de Viseu – Juízo Local de Castro Daire em 2019.10.28 foi o arguido condenado pela prática em 2017.10.10 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de falsificação ou contrafação de documento, na pena única de 220 dias de multa, à razão diária de 7,00EUR, extinta pelo cumprimento em 201.06.09.
135. Por decisão proferida nos autos n. 110/23.... pelo Tribunal da Comarca de Viseu – Juízo Local Criminal de Lamego em 2023.07.13 foi o arguido condenado pela prática em 2023.06.27 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa, à razão diária de 5,50EUR.
136. Por decisão proferida nos autos n. 134/23.... pelo Tribunal da Comarca de Viseu – Juízo Local Criminal de Lamego em 2023.09.14 foi o arguido condenado pela prática em 2023.07.25 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 1 de prisão suspensa por 3 anos.
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Dados relevantes do processo de socialização; condições pessoais e sociais; e, impacto da situação jurídico-penal – arguido AA
Do relatório social consta, nomeadamente, que: “À data dos factos subjacentes ao presente processo judicial, AA vivia com a companheira, em casa de família desta, composta por três andares e dotada de boas condições de habitabilidade e conforto. O ambiente familiar foi caracterizado como harmonioso, organizado e afetivamente gratificante por ambos os membros do casal. AA dedicava-se à compra e venda de produtos alimentares nomeadamente (vinho, azeite, queijo e enchidos) e nos tempos livres auxiliava a companheira num pequeno negócio, que a mesma mantém, de produção e comercialização online de roupas para bebé. Esporadicamente, colaborava ainda com o irmão mais velho da companheira na comercialização de vinho referente a um negócio de família daqueles.
A situação económica do agregado familiar, foi referida como desafogada; já que subsistiam ambos dos negócios que mantinham, acrescido da agricultura de subsistência, cujos valores rondavam os 1500/2000€ mensais. Nos tempos livres AA refere que sempre privilegiou a prática desportiva, atividade, contudo mais condicionada desde 2015 data em que sofreu um enfarte de miocárdio. No meio social de origem a comunidade conhece bem a situação de reclusão de AA e os factos que estiveram na sua origem, contudo tal facto não provocou grande censura social, pela falta de proximidade do mesmo à comunidade.”
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2.2. Matéria de facto não provada, com relevância para a decisão da causa

A. Que o arguido AA, nas circunstâncias  de tempo, modo e lugar, referido em 3 dos factos provados fizesse o abastecimento de estupefaciente uma vez por semana.
B. Que o arguido AA, nas circunstâncias  de tempo, modo e lugar, referido em 47 dos factos provados fizesse o abastecimento de estupefaciente duas vezes por mês.
C. O arguido AA com vista a usar os documentos referidos em 85 a 87 dos factos provados como se fossem autênticos e dessa forma ludibriar as autoridades policiais, fazendo-as crer que possuía título para a condução de veículos automóveis.
D. O arguido AA adquiriu as identificadas cartas de condução referida nos factos provados de forma, a utilizá-las, mostrando-as às autoridades policiais para obter um benefício de poder conduzir automóveis sem estar legalmente habilitado a tal, através do engano junto das autoridades fiscalizadoras do trânsito, face ao crédito que os documentos ofereciam.
E. Os arguidos AA e CC agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podiam deter as armas e munições acima melhor identificadas, uma vez que não possuíam qualquer licença de uso e porte de arma e as armas não se encontravam registadas/manifestadas.
F. Os arguidos AA e BB ao longo do tempo em que se dedicaram à atividade de tráfico de estupefacientes auferiram pelo menos as seguintes vantagens:
- O arguido AA obteve, pelo menos, a seguinte vantagem patrimonial ilícita: 26.000,00€ (vinte e seis mil euros).
- O arguido BB obteve, pelo menos, a seguinte vantagem patrimonial ilícita: 53.040,00€ (cinquenta e três mil e quarenta euros).
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A mais não se responde, por se tratar de meras conclusões vertidas na acusação pública/contestações e/ou de factualidade inócua e/ou irrelevante para a boa decisão da causa.
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3. Motivação da decisão de facto

O tribunal colectivo fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras de experiência comum, tal como impõe o art. 127.º do Código de Processo Penal.
Estribou o tribunal colectivo a sua convicção na análise concatenada do acervo documental que instrui estes autos (com especial ênfase para indicado na acusação pública, que aqui se dá por integralmente reproduzido), dos relatórios exames de toxicologia, das declarações dos arguidos em julgamento, dos depoimentos testemunhais produzidos em julgamento, dos relatórios sociais para determinação da sanção a aplicar aos arguidos (cf. art. 370, n.º1 do Código de Processo Penal) e dos certificados de registo criminal dos mesmos.     
Mas vejamos.
Em primeiro lugar importa ter presente o comportamento em julgamento dos arguidos.
O arguido AA nega a prática dos factos imputados. Nunca vendeu droga ao senhor BB, foi diversas vezes a ..., era amigo de um primo do senhor BB, que tem um lagar de azeite em ..., e vendia, comprava o azeite e vendia o vinho do Porto que levava para a .... Algumas vezes foi a casa do BB, mas nunca para venda de drogas. Conhece o arguido CC, por tentar comprar-lhe uma bicicleta, levou-lhe três garrafões de vinho, um ofereci-lhe, um ofereci-lhe e dois comprou. Foi ao café do arguido CC porque a sua mulher tem algumas propriedades em ... e ia tratar de assuntos econômicos diversos e foi ao café do arguido CC.  Nunca vendeu droga nenhuma, é totalmente falso o que diz o arguido BB. Conhece o arguido BB. Conheço-o há muito tempo, comprava géneros alimentares, alimentícios para o hotel, antigamente, onde ele trabalhava, e conheceu-o nessa altura, a relação foi uma relação comercial, nunca lhe vendeu droga, não é consumidor de produtos estupefacientes. Não vendeu droga a ninguém. Quanto aos bens apreendidos que estavam na sua casa, na segunda habitação: Uma balança de WW marca ..., que estava no armário da cozinha debaixo do fogão; Dois rolos de fita-cola preta, junto à lareira e um moinho, marca ..., no armário da cozinha debaixo do fogão, referiu que a balança é uma balança de cozinha, de pesar, não é uma balança de precisão, é uma balança normal de cozinha. O moinho está avariado. O rolo de fita-cola, são rolos normais. Nunca foi a essa habitação. Na residência situada ao lado dessa, estavam oito plantas de canábis, colocadas num balde, num vaso, com um peso líquido de 312,3 gramas, que daria para 74 doses diárias individuais. O saco de pano branco que contém no seu interior canábis já seca e pronta para consumo, com um peso líquido de 135,2 gramas, daria para 9 doses diárias individuais, em vários sacos plásticos., refere que esses produtos não eram seus. Na sua residência principal foi apreendido um computador, que levaram, e outro que tinha a reparar e levou-o para reparar no hotel. O computador ... era da sua mulher. No quarto do casal estavam 25 cartuchos carregados com chumbo e 4 carregados com bala, que pertenciam ao sogro e cunhados, no tempo em que iam à caça.
Relativamente aos documentos falsos admite tê-los comprado nunca os usou para apresentar às autoridades
A versão do arguido é inverosímil no que ao crime de tráfico se refere, na verdade o arguido tenta justificar a posse dos bens aprendidos nas suas habitações, nega ter alguma relação com os bens apreendidos na propriedade anexa à sua. Ora, é verdade que todos os bens apreendidos que não as plantas podem ter um uso que não seja o de serem usados para a plantação, acondicionamento e venda de produtos estupefacientes, no entanto não foi isso que sucedeu, conforme resulta de toda a conjugação da prova, desde escutas telefónicas a relatório de vigilância. Na verdade o arguido nega factos que os coarguidos admitem, ou seja, que o mesmo lhes vendeu produtos estupefacientes. A versão do arguido resulta inverosímil quer das declarações dos coarguidos, quer das abundantes provas resultantes de escutas e vigilâncias, a saber: cfr. relatório de vigilância n.º 19 e fotogramas n.ºs 267 a 272, juntas a fls. 89 a 98 do Apenso IV; – cfr. Relatório de Vigilância n.º 30, de fls. 1297 a 1299, fotografias juntas a fls. 466 a 473, VI volume; intercetado nos autos sob o código ...40; (cfr. sessão 1613 do alvo ...60); (cfr. relatório de vigilância nº 4, fotogramas n.º 50/51, fls. 23/25 Apenso IV); (cfr. sessão 835/836 do alvo ...60); (cfr. sessão 1854 do alvo ...60), (cfr. sessão 1854 do alvo ...60). , (cfr. sessão 118 do ...40 e sessão 8443 do alvo ...60). (cfr. sessão 209 do ...40). (cfr. sessão 527 do ...40). (cfr. sessão 1039 do ...40). cfr. sessão 2264 do ...40). cfr. sessão 1314 do ...40, relatório de vigilância nº 5, fotogramas n.º 52 a 61, fls. 27 a 31 do apenso IV) cfr. sessão 3843 do ...40). (cfr. sessão 14111 do alvo ...60, relatório de vigilância nº 8, fotogramas n.º 62 a 71, fls. 33 a 37 do apenso IV). cfr. sessão 4208 e 4221 do ...40) (cfr. relatório de vigilância nº 9, fotogramas n.º 75 a 80, fls. 39 a 42 Apenso IV); (cfr. sessão 14317 do alvo ...60 e relatório de vigilância nº 8, fotogramas 139 a 170, fls. 54 a 64 Apenso IV). (cfr. sessão 14574 do alvo ...60). (cfr. sessão 14812 do alvo ...60, relatório de vigilância nº 14, fotogramas 209 a 264, fls. 75 a 87 Apenso IV) , (cfr. relatório de vigilância nº 20, fotogramas 303 a 318, fls. 100 a 113 Apenso IV), (cfr. sessão 5366 do ...40 e relatório de vigilância nº 22, fotos 348 a 353, fls. 115 a 121 Apenso IV). , (cfr. sessão 15532 do alvo ...60). cfr. sessão 5844 e 5845 do ...40). cfr. sessão 5107 do ...40, relatório de vigilância nº 19, fotogramas 273 a 276, fls. 89 a 98 Apenso IV). (cfr. sessão 5366 do ...40, relatório de vigilância nº 22, fotogramas 348 a 353, fls. 115 a 121 Apenso IV). (cfr. sessão 2845 do ...40, relatório de vigilância nº 28, fotogramas 420 a 426, fls. 161 a 173 Apenso IV). (cfr. sessão 6220 do ...40). (cfr. relatório de vigilância nº 31, fotogramas 450 a 545, fls. 196 a 205 Apenso IV). (cfr. sessão 6518 do ...40, relatório de vigilância nº 32, fotogramas 455 a 469, fls. 208 a 213 Apenso IV). (cfr. sessão 16613 do alvo ...60, relatório de vigilância nº 33, fotos 0475 a 0498, fls. 215 a 221 Apenso IV). , (cfr. sessão 6786 do ...40). (cfr. sessão 7214 do ...40). (cfr. sessão n.º 5107, alvo ...40). (cfr. consta do relatório de vigilância n.º 19, de fls.89 a 95, relatório fotográfico, de fls. 97 a 98 do Apenso IV). (cfr. relatório de vigilância n.º 22, de 11 de maio de 2021, de fls. 115 a 119 e Relatório fotográfico, de fls.120 e 121, do Apenso IV, e relatório de vigilância n.º 28, de 26 de maio de 2021, de fls. 1280 do vol. VI), intercetado nos autos sob os códigos ALVO ...60 e ...60), sessão 2804 do alvo ...60; cfr. sessão 2949 do alvo ...60; sessão 5413 do alvo ...60;  cfr. sessão 5651 do alvo ...60; cfr. sessão 6292 do alvo ...60; cfr. sessão 7994 do alvo ...60; sessão 8093 do alvo ...60; sessão 8490 do alvo ...60; sessão 8637 do alvo ...60;  sessão 8682 do alvo ...60; relatório de vigilância nº 04, fls.23/24 do Apenso IV;  sessão 8959 do alvo ...60; sessão 9289 do alvo ...60; sessão 9537 do alvo ...60; sessão 9537 do alvo ...60; sessões ...75, ...76, ...77, ...78, do alvo ...60; sessões 12031e ...36 do alvo ...60; sessões ...09 e ...10 do alvo ...60; cfr. sessões 1205 do alvo ...60; cfr. sessões 1205 do alvo ...60; sessões 1854 do alvo ...60; cfr. sessões 2053 do alvo ...60; sessões 2391 do alvo ...60; sessões 2574 do alvo ...60; sessões 3269 do alvo ...60; sessão 3454 do alvo ...60; sessões 4266 e 4268 do alvo ...60;  sessões 4372 do alvo ...60; sessões 4450 do alvo ...60; sessões 4695 do alvo ...60; sessões 4815 do alvo ...60; sessões 8863 do alvo ...60;  sessões 6631 do alvo ...60; sessões 6674 do alvo ...60, sessões 6933 do alvo ...60, sessões 7282 do alvo ...60, sessões 7296 do alvo ...60, sessões 7574 do alvo ...60, 8116 do alvo ...60, sessões 8116 do alvo ...60, sessões 9352 do alvo ...60, sessões 9732 do alvo ...60, sessões 9817, 9818, 9819, e 9820 do alvo ...60, sessões ...85 do alvo ...60, sessões ...74 do alvo ...60, sessões ...76 do alvo ...60, sessões ...36 do alvo ...60, sessões ...90 do alvo ...60, sessões ...13 do alvo ...60, sessões ...54 do alvo ...60, sessões ...17 do alvo ...60, sessões ...41 do alvo ...60, sessões ...15 do alvo ...60, sessões ...87 do alvo ...60 e Relatório de Vigilância nº 20, fotos nº 285 a 288 e 298 a 304, fls.100/113 do Apenso IV; relatório de vigilância n.º 01, de fls. 03 a 05 e relatório fotográfico, de fls. 6 a 9 do Apenso IV); relatório de vigilância n.º 02, de fls. 11 e 12 e relatório fotográfico, de fls.13 a 16 do Apenso IV); relatório de vigilância n.º 03, fls. 18 e 19 e relatório fotográfico, fls. 20 e 21 do Apenso IV), relatório de vigilância n.º 04, fls. 23 e 24, do Apenso IV), intercetado nos autos sob os códigos ALVOS ...40), Sessão 209, CD_40 do ...40, Sessão 3836, CD_51 do ...40, Sessão 3873, CD_51 do ...40, Sessão 4134, CD_52 do ...40, Sessão 5069, CD_54 do ...40, Sessão 5107, CD_54 do ...40, Sessão 5366, CD_55 do ...40, Sessão 69, CD_55 do alvo ...40, Sessão 466 e 467, CD_56 do alvo ...40, Sessão 473, CD_56 do alvo ...40, Sessão 475, CD_56 do alvo ...40, Sessão 475, CD_56 do alvo ...40, Sessão 1383, CD_57 do alvo ...40, sessão 1933 do alvo ...40, relatório de vigilância n.º 21, de fls. 1165 a 1192 do volume VI).
Como impressivamente refere o Professor Medina de Seiça, em obra dedicada ao tema (O Conhecimento Probatório do Co-Arguido, StudiaIuridica 42, Coimbra Editora 1999, pp. 141) o conhecimento trazido ao processo pelo co-arguido como que se assemelha ao “rosto dúplice de Jano”, o Deus da mitologia romana que simultaneamente olhava para o passado e para o futuro, isto é, e retornando ao ensinamento de Medina de Seiça, se, por um lado, o co-arguido se apresenta com o rosto sorridente e confiável de quem está “pressupostamente próximo dos acontecimentos”, por outro, depressa se abate a cortina e se vislumbra a imagem “assustadora de quem, precisamente em virtude dessa proximidade, se encontra em posição privilegiada para falsear e omitir”.
Por esta razão, tem-se subordinado a valoração das declarações desfavoráveis do co-arguido a várias cautelas, uma das quais é a chamada técnica da corroboração – vide, na jurisprudência e com interesse, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, relatado pelo Conselheiro Vítor Gomes, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, cujo relator é o Juiz Conselheiro Armindo Monteiro, disponível em dgsi.pt, com o processo n.º 97/06.0JRLSB.S1.
Assim o que se pretende com a corroboração é que as declarações do co-arguido só possam fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando exista “alguma prova adicional tornando provável que a história do co-arguido é verdadeira e que se torna razoavelmente seguro” decidir com base nas suas declarações – conferir ob. cit., pp. 218/28.
Claro está que quando se alude a corroboração não se está implicitamente a perorar pela exigência de uma prova tarifada, o que sempre constituiria aliás uma total subversão das regras de produção de prova, simplesmente pendemos e tendemos a considerar que as declarações de co-arguido revestem um especial melindre, devendo o co-arguido transmitir nas suas declarações algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória – vide, com especial interesse e em sentido menos exigente que os anteriormente citados, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.03.2008, in dgsi.pt, com o processo n.º 08P694, com relato do Exmo. Senhor Conselheiro Santos Cabral.
No caso dos autos, como referimos, para além das declarações dos coarguidos temos a corroborar as escutas telefónicas e vigilâncias. De referir, que não obstante os arguidos XX e CC, também referirem não terem traficado e serem meros consumidores, à data dos factos, (ao contrário do arguido AA), certo é que das escutas e vigilância é percetível que tal não corresponde à verdade. De facto, o arguido BB admitiu ceder algum produto estupefaciente a amigos, no entanto das diversas escutas é percetível constatar que alguns dos consumidores que contactavam o arguido BB não tinham confiança/amizade para com o mesmo e apenas se deslocavam a casa do arguido para adquirirem produto estupefaciente e, para o efeito, muitas das vezes contactavam o arguido previamente com linguagem “codificada” a questionar se poderiam passar por casa do mesmo. Acresce que não é crível que alguém que gasta do seu rendimento para adquirir produto estupefaciente depois cedesse de modo gratuito a terceiros, muitos deles sem qualquer ligação, seja familiar seja de amizade, sem obter qualquer contrapartida. Diga-se, aliás, que o mesmo procedimento também ocorria com o arguido CC, no café do mesmo, sendo o estabelecimento o local onde, por norma, os consumidores se deslocavam sobre a aparência de “apenas” irem consumir produtos de cafetaria e/ou jogar, nomeadamente, jogos de dardos, o que obviamente também ocorreria, sem qual obstasse a que também fosse adquirido produtos estupefacientes como é percetível nas escutas telefónicas relativamente ao mesmo em que se pode perceber do contexto das mesmas que o arguido era contactado por consumidores para saber se teria algo, ou seja produto estupefaciente.
De referir, ainda, que as testemunhas inquiridas (GG, solteiro, mecânico, JJ, solteiro, estudante, SS, divorciada, dentista, TT, solteira, delegada de informação médica, YY, casado, domicílio: militar da GNR, LL, casado, gerente de restaurante, KK, solteiro, técnico superior a prestar serviço no Município ..., ZZ, solteiro, formador de cozinha, OO, solteiro, torneiro mecânico, QQ, solteiro, trabalha na agricultura, II, solteira, cabeleireira, AAA, casado, GNR, a chefiar o núcleo de investigação criminal da GNR ..., MM, solteiro, trabalha numa loja, HH, solteiro, comerciante, BBB, casado, GNR no Núcleo de Investigação criminal da G.N.R. ...., CCC, casado, GNR, a prestar serviço no NIC da GNR ...., DDD, casado, cabo, a prestar serviço no NIC da GNR ..., EEE, casado, agente da GNR, a prestar serviço no NIC da GNR ..., FFF, casado, militar da GNR, a prestar serviço no NIC da GNR .... GGG, casado, cabo do GNR a prestar serviço no Núcleo de Apoio Operativo da G N R de Bragança, HHH, solteiro, pianista, residente em ..., III, casado, cabo da GNR a prestar serviço no núcleo de investigação Criminal da GNR de Bragança, EE, solteira, empresária, JJJ, casado, reformado, KKK, casado, construtor civil, LLL, estado civil: solteiro, reformado da EMP04..., MMM, estado civil: casado, profissão: engenheiro agrónomo, NNN, estado civil: divorciado, empresário agrícola, OOO, estado civil: divorciada, empresária hoteleira, PPP, solteiro, operário fabril, QQQ, casado, desempregado, RRR, solteiro, jardineiro, SSS, casado, trabalha por conta própria, TTT, presente no gabinete de videoconferência de ..., estado civil: viúva, reformada, UUU, casado, reformado, VVV, padrasto do arguido CC, solteiro, motorista internacional de mercadorias, WWW, casado, sócio gerente da EMP05... Caixilharia) conforme a experiência neste tipo de criminalidade atesta, ou negam que as expressões constantes das escutas se referissem a produtos estupefacientes ou, admitindo, referem menos vezes do que aquelas que resultam da conjugação de toda a prova, sendo que várias testemunhas, por alegadas contradições com a fase de inquérito, foram extraídas certidões para respetivo procedimento criminal, conforme resulta das respectiva atas. Os OPC´s inquiridos limitaram-se a confirmar as diligências efectuadas pelos mesmos nos presentes autos, bem como dos documentos por si elaborados e /ou testemunhado pelos mesmos.
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Por último, quanto aos factos não provados, o sentido da decisão dos julgadores resultou da ausência de produção de prova que atestasse, com a suficiência e segurança exigíveis, da sua ocorrência ou verificação. Na verdade, relativamente aos documentos falsos que o arguido AA detinha no interior do seu veículo automóvel, certo é que não os usou. Relativamente às munições apreendidas ao referido arguido a justificação dada pelo mesmo, de que seriam do sogro e cunhados que seriam caçadores e tinham deixado em sua casa, não resulta infirmada ficando a dúvida se, não obstante estarem guardados na residência do mesmo e em local recôndito, seriam ou não do arguido, pelo que se tem de aplicar o princípio do in dubio pro reu, o qual consiste, em traços largos, na circunstância de na apreciação da prova, caso surjam dúvidas sobre um qualquer facto, deverá o mesmo ser valorado em benefício do arguido.

Castanheira Neves “.. aponta ao in dubio o objectivo de responder à questão de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez chegado o momento de se pronunciar, seja em que situação for, não adquira a certeza sobre os factos que constituem a acusação e em relação aos quais não adquira o convencimento real e efectivo de que o réu é responsável, concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida” (Cfr. C. Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1967-1968, pág. 56).

O in dubio tem os seus momentos principais de actuação em sede de acusação e julgamento, funcionando, apenas, em caso de dúvida como último recurso. Previamente a fazê-lo funcionar, intervém o principio da investigação, segundo o qual compete ao juiz oficiosamente o dever de instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento.

Em suma, só é legítimo avocar a regra in dubio pro reo desde que todas as outras formas de solucionar o problema se tenham mostrado, de todo em todo, inconsequentes ou metodologicamente erradas.
Assim sendo, não tendo logrado obter-se prova cabal (permanecendo dúvidas) de que o arguido praticou os factos descritos na acusação, têm os respectivos factos de dar-se como não provados. O mesmo se diga no que ao crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido CC, que alegou que a arma apreendida era do seu padrasto, facto que o mesmo confirmou, ficando, no entanto, a dúvida porque razão a mesma estava na sua residência razão pela qual se aplica o mesmo princípio supra referido.
Quanto à perda de vantagens peticionada, o Tribunal deu como não provada uma vez que da acusação e da prova em audiência não resulta qualquer factualidade relativamente aos custos de aquisição do produto estupefaciente por parte dos arguidos (qual o preço pago pelos mesmos na aquisição do produto que vendiam, bem como outros custos que pudessem ter, nomeadamente, com viagens para aquisição do produto), pelo que vantagem não é o valor que os arguidos recebem quando vendem o produto estupefaciente multiplicado pelo número de vendas, vantagem é a diferença entre o custo na aquisição e o valor da venda efectuada, o que não resultou provada.  Acresce que os valores peticionados a serrão excessivos quer pelo período de vendas e número de vendas em causa,
Assim se formou a convicção do tribunal colectivo.
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4. Enquadramento jurídico-penal
Da responsabilidade criminal do arguido AA
Os arguidos vêm publicamente acusados da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, o arguido AA por referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal e aos restantes arguidos, ao arguido BB, por referência à tabela I-B e ao arguido CC por referência à tabela  I-C.
A norma contida no art. 21º, n.º1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, dispõe que pratica um crime de tráfico de estupefacientes quem, sem para tal estar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transportar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
Ou seja, nos termos da lei, qualquer uma das condutas: cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver uma das plantas, substâncias ou preparações referidas nas tabelas I a III e, desde que não exista autorização para tal, considera-se como um acto de tráfico, integrando assim o elemento objectivo do crime de tráfico de estupefacientes que encontra assento no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
O tráfico de estupefacientes, em todas as modalidades de execução descritas no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, consubstancia-se como um crime de perigo comum, uma vez que, para a sua consumação não exige o legislador a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados com a incriminação: a vida; a integridade física e a liberdade dos consumidores, bens esses que podem reconduzir-se a um bem geral - a saúde pública. 
Tem entendido a jurisprudência que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real efectivo, bastando a criação de um perigo de lesão do bem jurídico (a saúde pública) para que o crime esteja exaurido.
O sobredito preceito contém uma “descrição típica alargada, de forma a compreender todas as actividades susceptíveis de traduzir contacto não lícito com algum dos produtos estupefacientes indicados nas respectivas tabelas, recuando a protecção legal a qualquer manifestação de consequências danosas, como é próprio dos crimes de perigo, não sendo necessário que se trate de verdadeiro acto de transacção” (Ac. STJ de 16.06.2008, proc. nº 08P1228, in http://www.dgsi.pt).
Neste contexto, a grande generalidade do tráfico de estupefacientes cabe dentro da ampla abrangência deste segmento normativo, que se configura como o tipo matricial, caindo os casos de gravidade diminuída no tipo privilegiado dos arts. 25º e 26º do mesmo diploma e os de excepcional gravidade no tipo agravado do respectivo art. 24º.
As normas dos arts. 21º, 25º e 26º do D.L. nº 15/93 consagram uma diferente gradação das penas aplicadas ao tráfico de estupefacientes, consoante o diverso nível de ofensa da conduta em relação aos bens jurídicos violados e, igualmente, uma diferente consideração da real perigosidade das drogas.
O legislador, ao estabelecer molduras distintas, teve o ensejo de adequar proporcionalmente o tratamento penal da conduta ilícita, valorando as drogas em causa e o correlativo grau de perigosidade.
Com efeito, o tráfico será agravado (as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo) quando se verifique alguma das circunstâncias previstas nas alíneas do art. 24.º do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, nomeadamente, para o caso que nos ocupa, se o agente utilizar a colaboração, por qualquer forma de menores ou de diminuídos psíquicos (alínea i)) e/ou se o agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando (alínea j).
Já o regime previsto no art. 26, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, respeitante ao tráfico para consumo, estabelece que “Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”
O legislador criou este tipo privilegiado de crime, para punir aqueles que não fazendo do tráfico uma forma de vida, a ele se dedicam no entanto como forma de angariar meios para sustentarem as suas necessidades de consumo.
Este tipo legal exige um dolo específico como vem entendendo uniformemente a jurisprudência do STJ: o agente tem de ter como finalidade exclusiva do seu tráfico conseguir plantas, substâncias para seu uso pessoal (vide, entre outros, ac. STJ de 20.03.2002, in CJ ac. STJ, I, pág. 239, Ac. STJ de 23.11.2011, proc. n.º127/09.3PEFUN, 5ª secção, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, consultável in www.dgsi.pt)
 É certo que, em termos doutrinários, a exigência da exclusividade da afectação do lucro do tráfico ao financiamento do consumo já tem sido entendida com alguma benevolência por razões humanistas de prevenção especial. “A exigência da exclusividade da afectação do lucro do tráfico ao financiamento do consumo tem de ter em consideração antes de mais que o traficante-consumidor, para consumir, precisa evidentemente…de sobreviver! E essa sobrevivência será geralmente, senão inevitavelmente, dada a carência de meios e a situação de marginalidade social que caracteriza estas situações, conseguida precisamente da mesma forma que a droga – através do tráfico. (…) «Exclusividade», entendida em «em termos hábeis» (…) não afasta, antes inclui necessariamente, o financiamento da auto-sobrevivência” – Eduardo Maia Costa, em comentário ao Ac. STJ de 17.05.2000, proc. n.º260/00, in Revista do Ministério Público, n.º83, pág. 187.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, a letra da lei não permite extrapolações, sendo o seu sentido unívoco ao exigir a “finalidade exclusiva”. Nessa conformidade, para o preenchimento do crime previsto e punido pelo art. 26, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro tem de estar provada a finalidade exclusiva do tráfico por si exercido para assegurar o consumo de estupefacientes. (vide neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11.06.2012, consultável in www.dgsi.pt., que seguimos de perto e transcrevemos em parte)
Por sua vez, o regime consagrado no art. 25º do aludido diploma, referente ao tráfico de menor gravidade, fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela ponderação e valoração conjunta dos diversos factores apurados, considerados na globalidade circunstancial da conduta do arguido.
Há, pois, que ponderar não só as circunstâncias elencadas exemplificativamente nessa norma, mas todas as outras que possam manifestar uma ilicitude da acção de relevo inferior do que a tipificada no art. 21º, nº 1.
Trata-se de uma “válvula de segurança do sistema na medida em que evita que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionais ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial” (Lourenço Martins, “Nova Lei da Droga:Um Equilíbrio Instável”, Anotação ao art. 25; Ac. STJ de 08.10.98, CJ, T-III, pag. 189).
Consagrando uma pena substancialmente mais leve, o art. 25º demanda do julgador e intérprete, no essencial, que equacione se a imagem global da factualidade apurada se encaixa ou não nos limites da moldura ínsita no art. 21º, sob pena de a reacção penal ser, a priori, desproporcionada (cfr. Maria João Antunes, “Droga - Decisões de Tribunais de 1ª Instância”, 1993, Comentários, pag. 296).
Quanto à “válvula de segurança do sistema”, ou seja, ao estatuído no artigo 25.º, alínea a) do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro que prevê um crime de tráfico “privilegiado”, um tráfico de menor gravidade, devendo dizer-se, antes de mais, que o artigo 21.º do mesmo diploma legal assume um cariz matricial em relação ao crime previsto e punido pelo artigo 25.º, uma vez que apenas quando se provem as contingências deste último se afastará a conduta da previsão do artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
De harmonia com o artigo 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º15/93, se nos casos anteriormente indicados “(…) a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.”.
O crime de tráfico de menor gravidade do artigo 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, é “(…) uma forma privilegiada do crime do art.º 21º, (…) crime que tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude”, conforme assim se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2000, CJ, Tomo I, página 190.
Esta diminuição acentuada depende, nos termos do artigo 25.º do referido diploma legal, “(…) da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa.” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09-10-2003, in www.dgsi.pt).
Assim sendo, a avaliação da ilicitude de um facto como consideravelmente diminuída, nos termos dos preceitos legais em análise “(…) não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo(…)”, ou seja, é decisiva a “(…) imagem global do facto, no que se refere à ilicitude (…). (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.07.2004, in www.dgsi.pt).
O tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25º do citado diploma legal, constitui, como já foi dito, um privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes, que ocorre na estrita medida, não da verificação de uma considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente: nos meios utilizados; na modalidade ou circunstâncias da acção; na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Como referiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 2.6.99 (proc. nº269,99 (proc. nº269/99, Relator: Conselheiro Lourenço Martins), “a disposição do art.25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, tipo especial em relação ao art.21 nº1, do mesmo diploma, importada da lei italiana, é usada pelo legislador como uma espécie de válvula se segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal a aplicar pelo tribunal; só que a aplicação do referido art.25º, visando no caso concreto avaliar se a ilicitude dos factos se mostra consideravelmente diminuída, está de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas, ainda que a título meramente exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização global dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros se os houver; a conclusão da diminuição considerável da ilicitude há-de resultar dessa apreciação complexiva, em que assumem relevo os “meios utilizados” – ou seja, a organização e logística demonstradas -, a “modalidade ou circunstâncias da acção” – isto é, o grau de perigosidade para a difusão da droga – a “qualidade” das substâncias ou preparações – aferida em termos de danosidade tal como é indicada pela sua concreta colocação em cada uma das tabelas anexas ao DL nº 15/93, de 22 de Janeiro – e a “quantidade”, não apenas da droga detida no momento da intervenção policial, mas que o agente tenha “manipulado” em algumas das operações enunciadas no art. 21º”. 
A propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 2000, Processo nº 2.803/00, 5ª Secção, que entendeu que “Se a acção do arguido se desenvolveu por um período de tempo reduzido, não foi apoiada por grandes meios; se radicou visivelmente (ainda que não exclusivamente) em necessidade de consumo, se originou por modo patente na degradação do seu percurso de vida (do que não lhe cabe inteira responsabilidade), não mostra ligações a grandes ou significativos circuitos ou meandros de tráfico, não revela ligações profundas com aquele meio e se apresenta artesanal nos moldes e pouco expressivo nas consequências, há que concluir que a mesma tem acolhimento na previsão do artigo 25º do DL 15/93.”
Postas estas considerações a respeito do tráfico e outras actividades ilícitas, importa analisar a responsabilidade criminal quanto ao ilícito em análise.
Da factualidade apurada resulta que o arguido, em execução de plano que previamente urdiu, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas referida nos factos provados, sem para tal estar autorizada, comprou, transportou, vendeu, cedeu e ofereceu, fora dos casos previstos no art. 40.º do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, substâncias estupefacientes compreendidas na tabela I-A e I-B, mais concretamente haxixe(I-C) e cocaína (I-B).
Mais se provou que o arguido, apesar de não ser consumidor, conhecia perfeitamente a natureza e as características das substâncias estupefacientes que comprou, transportou, vendeu e cedeu, e, bem assim, que não estava autorizada a comprá-las, transportá-las, vendê-las, oferecê-las e cedê-las, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, apesar de saber que a conduta que empreendia era proibida e punida por lei como crime.
Perante este quadro, com a conduta do arguido AA mostram-se preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo art. 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro.
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(…)
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O arguido AA vem acusado da prática em autoria material, na forma consumada de dezasseis crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98 de 03 de janeiro, por referência ao artigo 121.º, n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-lei n.º 114/94 de 03 de maio, na redação atualmente em vigor.
Estabelece tal norma incriminadora, no seu n.º 1 que “Quem, conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado no termos do Código da Estrada é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Por seu turno, estabelece o n.º 2, “Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel, a pena de prisão é de 2 anos ou multa até 240 dias”.

Assim, os elementos do tipo legal do crime pelo qual vem acusado o arguido são:
1) A condução de veículo motociclo ou automóvel;
2) Na via pública ou equiparada;
3) Ausência de título que habilite à condução dos referidos veículos.
Nos termos dos artigos 121.º, n.º 1 e 122.º, n.º 1 do Código da Estrada, só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver habilitado para o efeito, designando-se carta de condução, o documento que titula a habilitação legal para conduzir automóveis na via pública.
Nos termos do artigo 13.º do Código Penal, para ser assacada responsabilidade penal ao agente é, ainda, necessário que o facto seja praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
No crime de condução sem habilitação legal, não estando prevista a punição por negligência, o crime é punível, somente, a título doloso, em qualquer uma das suas modalidades.
Artilhados com a estrutura do tipo legal do crime imputado ao arguido, cumpre, então, aferir se este cometeu o crime de que vem acusado.
Foi comunicado ao arguido que: “…tribunal entende que poderá não estar em causa a prática dos dezasseis crimes em questão mas de um só crime, uma vez que entende o tribunal que a atuação delituosa não se esgota num ato instantâneo e se trata de uma atuação de caráter duradouro, prolongado no tempo, sem prejuízo da unidade do crime, desde que haja uma única resolução presidir a toda essa atuação, não existe crime continuado, mas um só crime.
É o caso do crime em apreço, que é um crime de consunção instantânea, que só termina quando o agente é intercetado ou cessa voluntariamente essa atuação e dela tem conhecimento as autoridades, que tem competência para proceder criminalmente. O que o tribunal entende, pelo poderá ser o caso nos autos, podendo não estar em causa os dezasseis crimes imputados mas um crime, nos termos referidos.”
O M.P. respondeu, não concordando com a alteração referida, alegando, em síntese, que inexiste qualquer situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente; “entende o Ministério Público que em cada uma das vezes – e que, note-se, são dias diferentes ao longo do tempo descrito no libelo acusatório – o arguido formulou nova intenção criminosa, uma nova resolução criminosa que se iniciou e terminou em cada um dos diversos dias imputados na Acusação Pública. De resto, são rotas e percursos distintos, horários distintos, e a satisfação de necessidades de locomoção distintas que dia a dia o arguido ia renovando.”.
Vejamos.
Desde já dizemos, com todo o respeito e consideração, discordar da posição do M.P. Na verdade, contrariamente do que pode resultar da posição do M.P., a verificação de crime continuado não se caracteriza, na sua essência, pela homogeneidade das condutas, que apenas traduz reiteração criminosa, mas sim pela diminuição considerável da culpa. Não se verifica um novo ilícito sempre que o arguido interrompe a condução e volta a conduzir. Na verdade, da prova produzida e dos factos apurados ressalta que existiu uma resolução inicial do arguido que foi mantida ao longo de toda a actuação de conduzir veículo, pelo que existe um só crime desde o primeiro momento em que o arguido conduz o veículo sem para tal estar habilitado até à altura em que é interceptado pelas autoridades ou, como nos caso dos atos voluntariamente cessou a sua atuação. Aderindo ao Ac. do STJ de 8-3-84 BMJ 335-185: “Embora a actuação delituosa não se esgote num acto único e instantâneo e se trata de uma actuação de carácter duradouro, prolongada no tempo, sem prejuízo da unidade do crime, desde que haja uma única resolução a presidir a toda essa actuação, não existe crime continuado, mas um só crime..” ou seja é um crime de execução continuada. Trata-se de situações em que se admite haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, mas sempre, e só, quando exista uma mesma resolução criminosa desde o início assumida pelo agente, como é o caso dos autos, razão pela qual o arguido será condenado pela prática de um crime de execução continuada.
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5. Da escolha e determinação da medida da pena
Na determinação da medida da pena a impor a cada um dos arguidos há que atender ao critério plasmado no art. 71.º do Código Penal, tomando em consideração a culpa dos arguidos e as exigências de prevenção que no caso concreto se façam sentir, havendo, nos termos do n.º2 do mencionado preceito legal, que ponderar o grau de ilicitude do facto e o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do seu dolo, bem  como a conduta anterior ao facto e a sua falta de preparação para manter um conduta lícita, manifestada nesse mesmo facto.
“As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena.” (cf. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, págs. 227).
Assim, “a função da culpa é a de estabelecer o máximo de pena concreta ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito Democrático. Como limite que é, pois, a medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado (donde justamente decorre a formulação corrente do “princípio da culpa”; “não há pena sem culpa e a medida da pena não ultrapassar a da culpa”), e não para fornecer em última instância a medida da pena: esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção. Duas precisões se revelam ainda, no entanto, particularmente importantes neste contexto. A primeira (…) servirá para reafirmar que já pela via da culpa revela para a medida da pena a consideração do ilícito-típico ou, como se exprime o art. 72, n.º2, alínea a) do Código Penal, “o grau de ilicitude de facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de -violação dos deveres impostos ao agente”. A tanto vincula, sem necessidade de considerações adicionais, a ideia, seguramente exacta, de que a culpa jurídico penal não é uma «culpa em si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e assim, num concreto tipo de ilícito. A segunda previsão (...) é a de que (...) não relevam para a medida da pena, por via da culpa, quaisquer consequências atípicas ou extratipicas do facto" (autor e obra citados, a págs.238-239).
Postas estas perfunctórias considerações, detenhamo-nos no caso vertente.
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Da pena a aplicar ao arguido AA
O arguido AA incorreu na prática, em parte autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal.
Nessa medida, sendo a pena prevista no art. 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, de 4 a 12 anos de prisão. 

Conforme “supra” mencionado, o arguido, praticou, em autoria material, e na forma consumada, um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do Código da Estrada.
Este crime é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Prevendo este tipo de crime duas espécies de pena (pena de prisão e pena de multa) cumpre, agora, a este Tribunal optar por uma delas, segundo o critério estabelecido no artigo 70.º do Código Penal.
Na situação presente, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois é crime que constitui uma das grandes causas da sinistralidade rodoviária em Portugal, e, portanto, impõe a intervenção firme do direito punitivo do Estado para dissuadir este tipo de condutas.   
Por outro lado, atento o facto de o arguido ter já sofrido quatro condenações (3 das quais posteriores aos factos em causa nos autos) por este ilícito criminal, a última das quais em pena de prisão suspensa, é manifesto que apenas a pena de prisão pode garantir as finalidades da punição, dado que as anteriores penas de multa não cumpriram o desiderato de evitar que o arguido voltasse a enveredar por este tipo de criminalidade.
Face ao exposto, não restará ao Tribunal senão dar preferência à pena privativa da liberdade uma vez que só esta afigura realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. artigo 70.º do Código Penal), que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal).
Assim, entende o Tribunal que as finalidades da punição só ficarão asseguradas, de forma adequada e suficiente, com a aplicação de uma pena de prisão.
Com efeito, na determinação da pena, recorre-se ao critério geral previsto no art. 71, nº1 do Código Penal, o qual dispõe que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, o nº2 do aludido art. 71.º do Código Penal, estabelece que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.”
Para avaliar da medida da pena há que indagar, no caso concreto, factores que se prendam com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
No que tange ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta ilícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.

Ora, com reporte ao arguido AA, como factores agravantes temos:
- O elevado desígnio delituoso do arguido;
- A clara consciência da ilicitude da actuação;
- A intensidade do dolo, que é directo, porquanto o arguido representou o facto como crime e agiu com a intenção de o concretizar;
- O elevado desvalor da sua acção, associado à personalidade do arguido, plasmada nos factos, relevadora de um claro distanciamento da necessidade de respeito pelo bem jurídico violado, posto que se alheou dos possíveis efeitos nocivos decorrentes da inserção na comunidade de produto estupefacientes que transaccionou, vendeu e/ou cedeu;
- O grau de ilicitude do facto que é elevado, atendendo às modalidades da acção preenchidas com a conduta do agente (aquisição, oferta, transporte, venda e cedência a consumidores finais do produto estupefaciente); ao tipo e natureza de produto estupefaciente comprado, oferecido, transportado, vendido e cedido (cocaína – drogas duras e haxixe), ao alargado período de tempo em que se dedicou à actividade de tráfico de estupefacientes, ao número de pessoas a quem vendeu; à quantidade de substâncias estupefacientes que disseminou pela comunidade.
- As exigências de prevenção geral, que se revelam prementes, face ao número crescente de situações de tráfico de estupefacientes, aos malefícios que de tal actividade decorrem para a saúde dos jovens e para toda a sociedade, ao aproveitamento económico que surge associado a este fenómeno, bem como ao aumento da criminalidade a ele associado
- são elevadas as exigências de prevenção geral, também no que ao crime sem habilitação legal se refere, pois é crime que constitui uma das grandes causas da sinistralidade rodoviária em Portugal, e, portanto, impõe a intervenção firme do direito punitivo do Estado para dissuadir este tipo de condutas; e,
- O seu passado criminal, onde se contabiliza um antecedente criminal pelo cometimento de um crime da mesma natureza e pelo qual foi condenado a 11 anos de prisão e ter já sofrido quatro condenações (3 das quais posteriores aos factos em causa nos autos) por condução sem habilitação legal.
Já como factores atenuantes, ponderam-se:
- O apoio familiar com que conta.
Sopesados os circunstancialismos acima enunciados e salvaguardadas as finalidades da pena e as exigências de prevenção, quer gerais quer especiais, que se fazem sentir no caso concreto, temos por adequada a aplicação ao arguido AA de uma pena concreta de 6 anos de prisão, pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal e de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática, como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º, nº 2, do Código da Estrada.
***
Nos termos do n.º 1 do art. 77º do Cód. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. A medida da pena única será determinada considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
A pena a aplicar ao concurso de crimes é encontrada dentro de uma moldura abstracta que possui como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, não podendo ultrapassar (…) 25 anos tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2 ao referido art. 77º do Cód. Penal), ou seja, o limite mínimo da moldura abstracto-concreta da pena única a aplicar ao arguido terá como limite mínimo a pena máxima parcelar aplicada e como limite máximo a soma de todas as penas parcelares.
Tomando em considerações o que acima se explanou, entende-se ser justo e adequado condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
*
*
3 O direito.

A Recurso do arguido:

a) A decisão recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova?

A matéria de facto dada como provada numa decisão jurisdicional pode ser escrutinada em recurso por dois modos: o primeiro, que é também de verificação oficiosa, está previsto no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e consubstancia uma imperfeição do texto da própria decisão e/ou do raciocínio nele expendido, por si só considerado ou conjugado com o objeto do processo e as regras da experiência, desdobrando-se nos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova; o segundo, previsto no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, através do qual, e mediante a reanálise de segmentos probatórios testemunhais ou outros, devidamente circunscritos e identificados, se discute a bondade do juízo efetuado na decisão, igualmente em relação a pontos factuais específicos devidamente individualizados, quer por imparidade entre o selecionado conjunto probatório existente e o que foi julgado como assente, quer por incorreta aplicação do principio da livre apreciação da prova.

Vejamos o que consta do Código de Processo Penal a respeito do primeiro modo:

  Artigo 410.º
Fundamentos do recurso
1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada

Para melhor compreender o disposto neste artigo 410.º convém analisar a sua história.
O artigo 410.º do Código de Processo Penal corresponde quase na íntegra à versão original desta norma – a única exceção é o acrescento da alínea b) “(…) ou entre a fundamentação e a decisão”.
E na versão original do Código de Processo Penal, os tribunais superiores conheciam, em regra, de direito – o Supremo Tribunal de Justiça, por natureza, dir-se-ia, e os tribunais da relação por causa do disposto nos artigos 364.º , n.ºs 1 e 2, e 389.º, n.º 2, que fazia depender o recurso da matéria de facto da declaração no inicio da audiência de julgamento de que se não prescindia da documentação em ata das declarações ali prestadas oralmente, o que só era possível perante tribunal singular e/ou em processo sumário, que, como todos sabemos, raramente ocorria, por corresponder a um  julgamento com depoimentos escritos, naturalmente demorado. Ainda na versão original do Código, os recursos apresentados das decisões do tribunal coletivo e de júri eram da competência do Supremo Tribunal de Justiça – cfr. art.º 432.º, alínea c), dessa versão original.
Por isso, o artigo 410.º do Código de Processo Penal constituía, por assim dizer, uma válvula de segurança do sistema, uma salvaguarda extrema, para situações gritantes e absolutamente evidentes, através da qual a lei processual garantia ao tribunal de recurso, que apenas tinha poderes de cognição em relação à matéria de direito, algumas competências excecionais para entrar no campo da matéria de facto, naqueles casos, como se disse, gritantes e incontornavelmente óbvios. Foi por isso que se passou a chamar este mecanismo “revista alargada”, pois, o Supremo Tribunal de Justiça, que, tradicionalmente, apenas conhecia de revista, passou a ter alguns poderes de cognição em sede de matéria de facto; claro que esses poderes também estavam ao alcance da relação quando conhecia apenas de direito, que como se viu, também era a regra, mas neste caso não se tratava de revista alargada porque a recurso para a relação nunca foi designado por recurso de revista – cfr. sobre o tema, o interessantíssimo estudo do Prof. Paulo Merêa Bosquejo Histórico do Recurso de Revista, in BMJ, n.º 7, 1948, pag. 43 e segs., e Damião da Cunha, in O Caso Julgado Parcial, UCE, Porto, 2002, pag. 183 e segs.
E, quer na altura, quer agora, precisamente por se tratar de tão grave e evidente imperfeição da decisão, a consequência consistia e consiste, regra quase geral, no reenvio, que obriga a novo julgamento, total ou parcial, com outros juízes (isto mais tarde) – cfr. art.º 426.º, 39.º (original) e 40.º (atual) do Código de Processo Penal, sendo certo que a redação original do primeiro sofreu apenas alterações de pormenor (é certo que o art.º 430.º do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de o tribunal da relação, perante a existência de um dos vícios elencados no n.º 2 do art.º 410.º, ordenar, a requerimento, a renovação da prova se tiver razões para crer que isso permitirá evitar o reenvio do processo, mas, como é consabido, esse não é o procedimento habitualmente seguido pelos tribunais superiores).
Todavia, os excecionais (como acima se explicou) fundamentos de recurso previstos no art.º 410.º, designadamente no seu n.º 2, do Código de Processo Penal tornaram-se atualmente, de modo absolutamente incompreensível, quase invariável e sistematicamente invocados, quando é certo e seguro que o cerne do recurso de facto se encontra previsto no art.º 412.º, n.º 3, do mesmo Código, que contém apertados e exigentes requisitos no que se refere à sua invocação, nem sempre respeitados e cumpridos pelos recorrentes – dir-se-ia até que o vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, quase perdeu razão de ser, atendendo à atual dimensão da impugnação do julgamento de facto prevista no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do mencionado Código, ficando assim ainda mais restringida a aplicação do respetivo regime.
A matéria de facto que padeça deste vícios está ” (…) ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada.” – cfr. Conselheiro Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, pag. 1356/7. Ainda por isso, o seu conhecimento é oficioso.
E é preciso ter bem presente que a “(…) indagação, por parte do tribunal ad quem dos vícios a que se refere o art.º 410.º (…)” constituiu “ (…) uma tarefa puramente jurídica, de matéria de direito afinal, já que mais nenhuma prova é necessária ao tribunal respetivo para que possa concluir pela eventual existência ou não dos falados vícios. (…). Já a eventual correção dos vícios aqui elencados, implica sempre uma decisão sobre a matéria de facto a levar a cabo nos termos do art.º 426.º, n.ºs 1 e 2, quer pelo próprio tribunal de recurso com jurisdição em matéria de facto, ou, tal não sendo possível, pelo tribunal reenviado para o efeito.” -  Cfr. Conselheiro Pereira Madeira, ob. cit., loc. cit.
No que concerne à configuração técnica teórica dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, passamos a transcrever, na parte que aqui interessa, os brilhantes ensinamentos do Conselheiro Pereira Madeira na obra acima citada, que são sintéticos e absolutamente esclarecedores:
“O erro notório na apreciação da prova é o terceiro dos vícios da matéria de facto aqui em causa. Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta.
Porém, a ser assim, com um alcance tão restrito, o preceito acabaria por perder grande parte do seu interesse prático, acabando afinal por deixar encobertas, situações de erro clamoroso, ainda que porventura não acessíveis ao cidadão comum. Impor-se-á, assim, uma leitura algo mais abrangente que não acoberte situações de julgamento erróneo não inteiramente escancaradas à observação do homem comum, todavia, que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser <<notório>>. Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras da experiência. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem.” – cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 1357/9.

O recorrente invoca expressamente este vício apenas na parte final da sua síntese conclusiva, sendo certo que ao longo das conclusões brande, pugnacíssimo, um conjunto de contundentes críticas ao julgamento de facto. Todavia, essas críticas, osmoticamente sobrepostas com aqueloutras tendentes a persuadir sobre o erro de julgamento, a seguir apreciado, e, até de modo desordenado, dir-se-ia, com as destinadas a ilustrar o seu dissídio em relação à qualificação jurídica dos factos que foi seguida no acórdão recorrido, em nada permitem configurar, ainda que de modo meramente hipotético, a existência de tal vício, pois em lado algum elenca e explana as regras da experiência que, ostensivamente (não esqueçamos), o raciocínio plasmado na decisão recorrida desconsidera ou afronta,  seja do ponto de vista do homem médio ou comum, seja do ponto de vista deste ainda que também com os conhecimento do jurista. E devemos ter presente que quando se invoca este vício, assume-se, simultaneamente, a obrigação de identificar expressamente o concreto preceito empírico violado ou desatendido pela decisão, sob pena de a sua arguição não passar de um procedimento meramente proclamatório, impedindo o tribunal de recurso de perceber deviamente o pensamento do recorrente, ou endossando-lhe a hercúlea tarefa de adivinhar tais cogitações. Por outro lado, ainda que todos estes parâmetros sejam respeitados pelo recorrente, a sua argumentação a este respeito deve, para persuadir sobre o caráter ostensivo da imperfeição em causa, assumir a adstringência intelectual de irrespondíveis entimemas, tal como Aristóteles no-los ensinou na sua inigualável Retórica (Livro I, Da Natureza da Retórica, 1354a a 1355b). Ora, nada disso se vislumbra sequer na argumentação do recorrente, sendo certo que da leitura que fazemos da fundamentação de facto da decisão recorrida não constatamos, nem ao nível do frágil lobrigar, qualquer indício de tal imperfeição, pelo que o recurso só pode fenecer nesta parte.
*
b)
Ocorre erro de julgamento em relação aos factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3 (parcialmente) 4, 5, 9, 11 a 47 e 74 da decisão recorrida?

Vejamos agora o segundo dos modos acima indicados de sindicar o julgamento de facto, consubstanciado na invocação de erro de julgamento.
Atentemos no que consta no Código de Processo Penal em relação ao que ora nos ocupa:

Artigo 412.º
Motivação do recurso e conclusões
(…)
3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(…)
6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Estamos, deste modo, em face do triplo dever (ónus, segundo outros) que legalmente impende sobre o inconformado recorrente de facto.
Assim, se a indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados não apresenta dificuldade de maior, bastando indicá-los tout court, sendo certo que a maior parte das decisões têm a factualidade estruturada através de numeração (convém, todavia, ter presente que alguns números contêm vários pontos concretos), já as concretas provas dizem respeito ao conteúdo específico das provas, não sendo suficiente a simples indicação de uma testemunha ou perícia, por exemplo, para fundar aquela pretensão – quanto à prova gravada, é necessário indicar com precisão o ficheiro áudio de que consta, e até a data da sessão da audiência em que foi produzida, se forem várias, bem como o momento inicial e final (minutos e segundos), na dita gravação, do excerto em causa, e quanto às restantes provas (documental, pericial, apreensões, etc.), o preciso local dos autos em que foram adquiridas e produzidas, designadamente a data ou referência da sua junção, bem como a explicitação da parte ou partes do seu teor que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa, não sendo necessária, todavia, atualmente, a transcrição da gravação áudio invocada, tal como esclarece o Conselheiro Pereira Madeira, ob., cit., pag. 1390, nota 6, e resulta do Acórdão n.º 3/2012, de 18 de Abril, DR, n.º 77/2012, Série I, de 18/04/2012, cujo dispositiva reza assim:
Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.
(Tenha-se presente que se não conhece processo em que se não tenha dado cumprimento ao aludido dever de consignação na ata.)
Observação importantíssima tem que ver com as condições de procedência do recurso em sede de impugnação da matéria de facto. Na verdade, o julgamento efetuado em primeira instância beneficia, em pleno, dos princípios da oralidade e imediação da produção de prova, o que, consabidamente, confere aos julgadores melhores possibilidades de apreciar a prova com rigor e clarividência, permitindo um juízo mais aproximado da verdade material e, portanto, uma mais precisa reconstituição desta.
Por isso, a lei estabelece no preceito ora em análise que a argumentação do recorrente deve conter a indicação das provas que impõem uma decisão diversa, bem como, naturalmente, qual é ela. Que impõem, e não apenas que aconselham, permitem, autorizam ou facultam. E tal exigência não deriva, como muitas vezes se afirma, do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art.º 127.º do Código de Processo Penal, pois este tanto se aplica ao julgamento do tribunal recorrido como ao julgamento do tribunal de recurso; na verdade, tão livre é um tribunal quanto o outro para apreciar a prova; a diferença entre ambos radica, precisamente, na aludida proximidade em relação à prova produzida na primeira instância, a qual confere particulares garantias de fiabilidade do juízo que assim sobre elas se produz, ideia que a lei acolhe expressamente, quando opta pelo vocábulo impõe para autorizar uma alteração daquele julgamento primordial – basta pensarmos na diferença entre um julgador numa sala de audiências com várias pessoas olhar diretamente o arguido, a testemunha ou o perito nos olhos, assistir às suas reações, postura corporal, esgares, hesitações ou assertividade, e olhares, assistir ao seu interrogatório ou formular-lhe as perguntas que entender necessárias, no momento que lhe parecer ser pertinente ou adequado, mostrar-lhe documentos ou outras partes do processo, apreciar, no decurso da audiência,  comparativa e simultaneamente as reações isoladas ou recíprocas de uns e outros, enfim, ter perante si este completíssimo e riquíssimo cenário, dir-se-ia teatro até, por um lado, e entre um outro julgador que está durante umas horas, dias ou até mais, fechado no seu gabinete, com uns auscultadores nos ouvidos e de olhos abertos, cerrados ou semicerrados, tentando captar a maior parte que lhe é humanamente possível de toda aquela riqueza de pormenores através da simples audição, para percebermos por que (acertado) motivo a lei tomou a opção acima referida. É, na verdade, esta diferença fundamental de condições que justifica que a intervenção do tribunal de recurso no julgamento da matéria de facto só ocorra se estiver irrefutável e cabalmente demonstrado que há um claro e evidente erro de apreciação, seja por inexperiência, desconhecimento, precipitação ou outro qualquer motivo, de tal modo que se torne absolutamente indiscutível proceder à correção ou acerto da decisão nesta sede.

Assim, e em conclusão, o art.º 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, apenas autoriza a alteração do julgamento de facto quando as provas invocadas pelo recorrente impõem uma decisão diversa, não bastando que a permitam; trata-se de concluir que se impõe quase como um imperativo categórico kantiano um “julgamento necessário” e não apenas que se configura como aceitável ou possível um “julgamento diferente”.
Além disso, é consabido que a jurisprudência e a doutrina entendem de forma unânime que o recurso do julgamento da matéria de facto não se traduz na realização de um novo e inteiro julgamento pelo tribunal recorrido, antes constituindo um meio de sanar evidentes erros, devidamente circunscritos, sendo certo que não se pode negar que a verificação de um desse erros de julgamento possa ter consequências mais ou menos extensas na decisão da matéria de facto, consoante a sua relevância e a matéria a que respeitar. Seguro é que uma pretensão recursiva de inconformismo genérico e total com o julgamento da matéria de facto, traduzida na proposta de uma completa inversão do decidido se afigura como quase inaceitável à luz do teor da nossa lei e da interpretação que dela é feita, como se disse - cfr., a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/04/2008, processo n.º 899/88, de 14/05/2008, processo n.º 1139/08, de 12/06/2008, processo n.º 4375/97 (cfr. ob. cit., pag. 1388 e seguintes).
O princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do Código de Processo Penal, estatui que o tribunal aprecia o valor da prova de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção; a ele se contrapõe ao princípio da prova legal, nos termos do qual o valor dos meios de prova é legalmente tarifado.
“O princípio da livre apreciação da prova significa, negativamente, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor da prova e, positivamente, que as entidades a quem caiba valorar a prova o façam de acordo com o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, numa apreciação que terá de ser sempre objetivável, motivável, e, por conseguinte, suscetível de controlo.” – cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 4.ª Edição, pag. 202.
Ou seja, este princípio não constitui, evidentemente, uma autorização genérica da lei para decidir de forma  arbitrária ou caprichosa, pois a livre convicção terá de resultar sempre de um esforço intelectual e emocional sério, profundo e rigoroso, e da conjugação aturada de todos os elementos nesse campo aproveitáveis dos autos, conferindo e validando essa íntima opção com os dados objetivos e consabidos das regras da experiência, de modo a chegar a uma decisão compreensível e verosímil, da qual até se pode discordar, mas que, intelectualmente, se aceita, pelo menos como possível, razoável, numa palavra, normal. Não é, portanto, necessário que todos concordem com a decisão para que se conclua que foi aplicado o principio em causa com rigor; o que é preciso é que essa decisão observe estritamente os passos e requisitos acima elencados na difícil tarefa de reconstituição histórica e aplicação da lei que aos tribunais incumbe levar a cabo no seu múnus de dirimir litígios na comunidade. Depois disto, e cumprido isto, aceitar ou não a confissão como livre ou eficaz, acreditar nesta ou naquela testemunha, conferir ou não relevância a um documento (sendo autêntico, pode a falsidade afastar o seu valor legal), apoiar-se ou não numa perícia (com especial fundamentação em caso de divergência, é claro), por exemplo, é uma prerrogativa exclusiva do poder jurisdicional. E, como dissemos, este campo da decisão também é sindicável nesta sede, mas para que com ele se bula ter-se-á de concluir pela análise da prova que a decisão assim livremente tomada contraria frontalmente as regras da experiência, põe em causa os mais elementares bom senso e prudência, desafia de modo incontroverso as circunstâncias práticas e humanas da vida, enfim, constitui um autêntico paradoxo, não sendo nunca suficiente, como acima já se disse, a simples invocação do desrespeito dos mencionados preceitos empíricos, ainda que com invulgar clamor, sendo, pelo contrário, sempre e simultaneamente, exigível a sua concreta individualização ou identificação, o que constitui, aliás, um verdadeiro dever intelectual e processual, não podendo,  este respeito, esquecer-se a profunda lição do magnifico Óscar Wilde, no Retrato de Dorian Gray, pois, muitas vezes, “ a experiência é o nome que damos aos nossos erros.”
Não obstante tudo o que se disse, devemos procurar sempre dar cumprimento ao norteador Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2010, processo n.º 3518/06-3, citado por Simas Santos/Leal Henriques, Recursos penais, Rei dos Livros, 9.ª Edição, pag. 151, nota 1, segundo o qual “o recurso em matéria de facto (quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto) não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre  a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgado, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (…)  ou da renovação da prova nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer. A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objeto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. (…). Paralelamente, o regime de impugnação das decisões em matéria de facto não consente a afirmação de que o tribunal de recurso «só pode afastar-se do juízo feito pelo julgador de primeira instância, naquilo que não tiver origem nos dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum»”. Em sentido semelhante, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2008, processo n.º 3066/08, referido por Pereira Madeira, ob. cit., pag. 1405, no qual se lê que “(…) o recorrente tem direito à reapreciação da matéria de facto fixada em primeira instância pelo tribunal coletivo, o que envolve necessariamente uma nova apreciação das produzidas e a emissão de um novo juízo em matéria de facto, embora rigorosamente restrito aos pontos questionados pelo recorrente. Deste modo, é de rejeitar a interpretação que limita o recurso da matéria de facto à análise da «razoabilidade» da convicção de facto do tribunal coletivo, e exclui uma autêntica reapreciação da matéria de facto, pois coloca-se frontalmente contra legem, por constituir, afinal, a negação da dupla jurisdição  em matéria de facto, que o legislador inequivocamente quis introduzir, interpretação que afeta decisão respetiva de nulidade, por omissão e pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c, e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.”
Na verdade, costuma ler-se nas posições enunciadas pelos sujeitos processuais, quando ocorre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que lhes é favorável, a proclamatória afirmação de erigir a oralidade e a imediação a sacrossantos e absolutamente inultrapassáveis pressupostos da decisão, inalcançáveis pela Relação, e, por isso, conferidores de inexpugnável solidez ao assim decidido. Como se vê, não é assim, de todo, sendo que os poderes da Relação tanto se dirigem às puras imparidades probatórias como à razoabilidade da operacionalização da livre apreciação da prova, sendo que, em qualquer caso, se tratará sempre de uma imposição, afigurando-se evidente ser mais fácil surpreender essa imposição nos casos de imparidade do que nos restantes - uma coisa é saber se a testemunha A ou o documento x dizem isto ou aquilo, outra é apreciar se o que é dito ou o que está escrito corresponde à verdade. E tenha-se presente que, se bem que a imediação da Relação com as provas pessoais seja impossível de alcançar (salvo nos – inexistentes, de resto - casos de renovação da prova), ela é alcançada com outras provas, como a prova documental, por exemplo, e que a oralidade está decididamente, pelo menos parcialmente, ao alcance desta instância, uma vez que as audiências de julgamento são objeto de gravação áudio digital, sendo possível, pelo menos, ouvir tudo o que é dito, quando é dito e como é dito, o que representa instrumento de análise não totalmente despiciendo – ou seja, mesmo na instância de recurso permanece uma réstia de oralidade, ao contrario de antanho, em que a impugnação da matéria de facto era levada a cabo com base em depoimentos escritos, o que faz, se não toda, muita diferença.
E não há dúvida de que a pretensão aqui formulada pelo recorrente está muito próxima, se não a abraçar mesmo, da dita postura de abrangente varrimento do decidido, tantos são, comparativamente com os que constam da acusação, os pontos concretos cuja alteração reclama,
Assim sendo, há que reconhecer que o recorrente cumpriu (de modo exuberante, como se viu) o dever de indicação dos concretos pontos de facto sobre que incide erro de julgamento.
Todavia, no que concerne ao conteúdo específico das provas que imporão a opção pela sua pretensão, deve recordar-se que a sua motivação recursiva apenas se refere a dois pequeníssimos excertos de declarações de arguidos – pontos 15 (arguido BB) e 25 (arguido CC) -, a que soma um tão estridente quão conclusivo niilismo probatório, sem, contudo, concretizar (tal como fez com as declarações de arguidos) os passos da prova de onde possa inferir-se a dita imposição probatória. Por outro lado, o tribunal não conferiu credibilidade a tais declarações, e indicou as provas, e respetivo conteúdo, com base nas quais decidiu – escutas e prova testemunhal, não obstante muita desta ter redundado, ainda assim, na já conhecida extração de certidão típica destes processos. Ora, aquele niilismo probatório enfaticamente afirmado e reafirmado tinha que ser demonstrado com passagens de depoimentos, analise de documentos (fotogramas, por exemplo), conteúdo de escutas, etc., etc. Dir-se-á que é tarefa ciclópica, e será, mas invocar apenas os aludidos tão minudentes quão convenientes excertos probatórios e esperar que seja o tribunal de recurso a contrapor tal raciocínio com as provas positivas a que o tribunal recorrido diz ter atendido na fundamentação, é pretensão que a lei manifestamente não acolhe – apenas com a intenção de demonstrar ao recorrente o evidentíssimo desacerto da sua posição, rememore-se que teve ainda este o “cuidado” de indicar os mencionados frugalíssimos momentos da prova, mas a ser como pretende, e imaginando, por exemplo, que os arguidos não tivessem prestado declarações, bastar-lhe-ia afirmar que “não há prova alguma dos factos”, para endossar ao tribunal de recurso a tarefa de encontrar, na miríade probatória produzida, as provas positivas ou concretas, em ordem a convencê-lo da falta de razão da sua posição e em ordem a manter o julgamento da primeira instância. Ora, luce meridiana clarior, não é assim, como todos sabemos. É precisamente ao contrário, é o recorrente que tem de indicar o local onde a prova se torna inexistente, para convencer o tribunal de recurso da bondade da sua posição. E fê-lo, mas apenas em relação a uma pequena parte do acervo das provas. Havia que fazê-lo também em relação às restantes, designadamente àquelas a que o tribunal diz ter atendido para decidir como decidiu – v.g., a testemunha x, quando perguntada sobre a ou b, disse y, ou disse nada saber; dos documentos z ou q não resulta do que o tribunal diz resultar, por isto ou por aquilo; das apreensões feitas na busca de determinado dia apenas se pode concluir pela veracidade deste ou daqueles factos, por esta ou aquela razão; enfim, as hipóteses são infinitas. Não tendo seguido este procedimento, e tendo presente que o texto da decisão dá conta que o tribunal atendeu a toda uma pletora de provas para fundar o seu julgamento, apenas se pode com concluir que o recorrente não deu cumprimento aos pressupostos legais para que esta instância assuma poderes de cognição de facto, pelo que nada permite sequer, em face da lei, qualquer incisão do bisturi recursivo neste domínio da decisão impugnada.
O recurso deve, portanto, ser rejeitado nesta parte.

c)
Os factos dados como provados integram a prática pelo recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01?

Em face dos factos dados como provados, o tribunal procedeu à subsunção jurídico-penal daqueles, equacionando a sua pretendida inclusão na previsão do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, que fundamentadamente afastou, para concluir pela respetiva integração na norma constante do artigo 21.º do mesmo diploma legal.
Recordando que é pacífico nos autos que a conduta do recorrente integra a conduta típica tráfico de estupefacientes, vejamos como se exprimiu na decisão recorrida o pensamento do tribunal   a este respeito:

O tráfico de estupefacientes, em todas as modalidades de execução descritas no artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, consubstancia-se como um crime de perigo comum, uma vez que, para a sua consumação não exige o legislador a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados com a incriminação: a vida; a integridade física e a liberdade dos consumidores, bens esses que podem reconduzir-se a um bem geral - a saúde pública. 
Tem entendido a jurisprudência que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real efectivo, bastando a criação de um perigo de lesão do bem jurídico (a saúde pública) para que o crime esteja exaurido.
O sobredito preceito contém uma “descrição típica alargada, de forma a compreender todas as actividades susceptíveis de traduzir contacto não lícito com algum dos produtos estupefacientes indicados nas respectivas tabelas, recuando a protecção legal a qualquer manifestação de consequências danosas, como é próprio dos crimes de perigo, não sendo necessário que se trate de verdadeiro acto de transacção” (Ac. STJ de 16.06.2008, proc. nº 08P1228, in http://www.dgsi.pt).
Neste contexto, a grande generalidade do tráfico de estupefacientes cabe dentro da ampla abrangência deste segmento normativo, que se configura como o tipo matricial, caindo os casos de gravidade diminuída no tipo privilegiado dos arts. 25º e 26º do mesmo diploma e os de excepcional gravidade no tipo agravado do respectivo art. 24º.
As normas dos arts. 21º, 25º e 26º do D.L. nº 15/93 consagram uma diferente gradação das penas aplicadas ao tráfico de estupefacientes, consoante o diverso nível de ofensa da conduta em relação aos bens jurídicos violados e, igualmente, uma diferente consideração da real perigosidade das drogas.
O legislador, ao estabelecer molduras distintas, teve o ensejo de adequar proporcionalmente o tratamento penal da conduta ilícita, valorando as drogas em causa e o correlativo grau de perigosidade.
(…)
Por sua vez, o regime consagrado no art. 25º do aludido diploma, referente ao tráfico de menor gravidade, fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela ponderação e valoração conjunta dos diversos factores apurados, considerados na globalidade circunstancial da conduta do arguido.
Há, pois, que ponderar não só as circunstâncias elencadas exemplificativamente nessa norma, mas todas as outras que possam manifestar uma ilicitude da acção de relevo inferior do que a tipificada no art. 21º, nº 1.
Trata-se de uma “válvula de segurança do sistema na medida em que evita que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionais ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial” (Lourenço Martins, “Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável”, Anotação ao art. 25; Ac. STJ de 08.10.98, CJ, T-III, pag. 189).
Consagrando uma pena substancialmente mais leve, o art. 25º demanda do julgador e intérprete, no essencial, que equacione se a imagem global da factualidade apurada se encaixa ou não nos limites da moldura ínsita no art. 21º, sob pena de a reacção penal ser, a priori, desproporcionada (cfr. Maria João Antunes, “Droga - Decisões de Tribunais de 1ª Instância”, 1993, Comentários, pag. 296).
Quanto à “válvula de segurança do sistema”, ou seja, ao estatuído no artigo 25.º, alínea a) do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro que prevê um crime de tráfico “privilegiado”, um tráfico de menor gravidade, devendo dizer-se, antes de mais, que o artigo 21.º do mesmo diploma legal assume um cariz matricial em relação ao crime previsto e punido pelo artigo 25.º, uma vez que apenas quando se provem as contingências deste último se afastará a conduta da previsão do artigo 21º, n.º 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.
De harmonia com o artigo 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º15/93, se nos casos anteriormente indicados “(…) a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.”.
O crime de tráfico de menor gravidade do artigo 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, é “(…) uma forma privilegiada do crime do art.º 21º, (…) crime que tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude”, conforme assim se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2000, CJ, Tomo I, página 190.
Esta diminuição acentuada depende, nos termos do artigo 25.º do referido diploma legal, “(…) da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa.” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09-10-2003, in www.dgsi.pt).
Assim sendo, a avaliação da ilicitude de um facto como consideravelmente diminuída, nos termos dos preceitos legais em análise “(…) não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo(…)”, ou seja, é decisiva a “(…) imagem global do facto, no que se refere à ilicitude (…). (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.07.2004, in www.dgsi.pt).
O tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25º do citado diploma legal, constitui, como já foi dito, um privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes, que ocorre na estrita medida, não da verificação de uma considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente: nos meios utilizados; na modalidade ou circunstâncias da acção; na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Como referiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 2.6.99 (proc. nº269,99 (proc. nº269/99, Relator: Conselheiro Lourenço Martins), “a disposição do art.25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, tipo especial em relação ao art.21 nº1, do mesmo diploma, importada da lei italiana, é usada pelo legislador como uma espécie de válvula se segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal a aplicar pelo tribunal; só que a aplicação do referido art.25º, visando no caso concreto avaliar se a ilicitude dos factos se mostra consideravelmente diminuída, está de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas, ainda que a título meramente exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização global dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros se os houver; a conclusão da diminuição considerável da ilicitude há-de resultar dessa apreciação complexiva, em que assumem relevo os “meios utilizados” – ou seja, a organização e logística demonstradas -, a “modalidade ou circunstâncias da acção” – isto é, o grau de perigosidade para a difusão da droga – a “qualidade” das substâncias ou preparações – aferida em termos de danosidade tal como é indicada pela sua concreta colocação em cada uma das tabelas anexas ao DL nº 15/93, de 22 de Janeiro – e a “quantidade”, não apenas da droga detida no momento da intervenção policial, mas que o agente tenha “manipulado” em algumas das operações enunciadas no art. 21º”. 
A propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 2000, Processo nº 2.803/00, 5ª Secção, que entendeu que “Se a acção do arguido se desenvolveu por um período de tempo reduzido, não foi apoiada por grandes meios; se radicou visivelmente (ainda que não exclusivamente) em necessidade de consumo, se originou por modo patente na degradação do seu percurso de vida (do que não lhe cabe inteira responsabilidade), não mostra ligações a grandes ou significativos circuitos ou meandros de tráfico, não revela ligações profundas com aquele meio e se apresenta artesanal nos moldes e pouco expressivo nas consequências, há que concluir que a mesma tem acolhimento na previsão do artigo 25º do DL 15/93.”
Postas estas considerações a respeito do tráfico e outras actividades ilícitas, importa analisar a responsabilidade criminal quanto ao ilícito em análise.
Da factualidade apurada resulta que o arguido, em execução de plano que previamente urdiu, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas referida nos factos provados, sem para tal estar autorizada, comprou, transportou, vendeu, cedeu e ofereceu, fora dos casos previstos no art. 40.º do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, substâncias estupefacientes compreendidas na tabela I-A e I-B, mais concretamente haxixe(I-C) e cocaína (I-B).
Mais se provou que o arguido, apesar de não ser consumidor, conhecia perfeitamente a natureza e as características das substâncias estupefacientes que comprou, transportou, vendeu e cedeu, e, bem assim, que não estava autorizada a comprá-las, transportá-las, vendê-las, oferecê-las e cedê-las, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, apesar de saber que a conduta que empreendia era proibida e punida por lei como crime.
Perante este quadro, com a conduta do arguido AA mostram-se preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo art. 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro.

Ora, se é certo que a decisão é exuberante em considerações teóricas e em citações jurisprudenciais a respeito da questão em análise, podemos conceder que é algo frugal na sua aplicação ao caso concreto. Seria preferível discorrer menos e concretizar mais, para mais eficazmente se atingir um dos principais objetivos da decisão jurisdicional, qual seja, a adesão do seu destinatário.

Nesta parte do recurso, a síntese conclusiva é prenhe de argumentação. Todavia, tal alinhamento discursivo caracteriza-se, como acima já se disse, por uma sobreposição de planos, através da qual se defende, simultaneamente, o erro de julgamento e o consequente adoçamento da integração típica, o que não é rigoroso, uma vez que a segunda dependeria sempre do sucesso da primeira, como tacitamente decorre da motivação, pois nunca o recorrente pugna pela aludida melíflua qualificação com os factos dados como provados qua tale, com cuja subsunção ao disposto no artigo 21.º do dito diploma legal parece, portanto, conformar-se.

Na verdade, para fundar a sua pretensão, e, portanto, para da sua bondade persuadir esta instância, estriba-se essencialmente no seguinte:
- não houve cocaína;
- não forneceu para revenda;
- a periodicidade é insignificante;
- não vendeu também em ...;
- das escutas telefónicas nada se retira para prova dos factos;
- as apreensões são diminutas;
- o dinheiro apreendido não proveio do negócio.

Contudo, do que consta dos factos dados como provados, que se mantiveram incólumes, nos termos acima mencionados, resulta, como é facilmente constatável, exatamente o contrário de tudo em que se firma o recorrente.
Assim, e desde logo, a sua pretensão soçobraria, uma vez que os seus invocados alicerces não existem.
Podemos, contudo, dizer algo mais,
O que entender por ilicitude do facto?
“Com a categoria do ilícito se quer traduzir o específico sentido de desvalor jurídico-penal que atinge um concreto comportamento humano numa concreta situação, atentas, portanto todas as condições reais de que ele se reveste ou em que tem lugar. Por outras palavras, é a qualificação de uma conduta concreta como penalmente ilícita que significa que ela é, de uma perspetiva tanto objetiva, como subjetiva, desconforme com o ordenamento jurídico-penal e que este lhe liga, por conseguinte, um juízo negativo de valor (de desvalor). A função que a categoria da ilicitude cumpre no sistema do facto punível é, em suma, definir – não em abstrato, mas em concreto, isto é, relativamente a singulares comportamentos - o âmbito do penalmente proibido e dá-la a conhecer aos destinatários potenciais das suas normas, motivando por esta forma tais destinatários a comportamentos de acordo com o ordenamento jurídico-penal. Só a partir daqui ganha o tipo o seu verdadeiro significado e a ilicitude se apresenta como o verdadeiro fundamento do tipo” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I. 2.ª Edição, Coimbra Editora, pag. 268.

Importa, portanto, como se refere na Jurisprudência citada na decisão recorrida, averiguar, para integrar o comportamento do agente no dito artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, se o respetivo desvalor jurídico-penal é bem menor do que o desvalor jurídico-penal de, p.ex., uma pessoa que vende, diretamente ou por interpostas pessoas, relevantes quantidades de produto estupefaciente, de vários tipos, vive exclusivamente ou essencialmente dos respetivos lucros e de forma desafogada ou até luxuosa, ostenta património relevante, está organizado e dispõe de adequada capacidade logística.

Nesta sequência, os factos demonstram tudo aquilo que se fez constar no parágrafo anterior, ou seja, o recorrente vendeu quantidades consideráveis de estupefacientes de vários tipos, diretamente e por interposta pessoa (revenda, nos factos), a vários destinatários, foi-lhe apreendida relevante quantia monetária proveniente do negócio, bem como conveniente e sortida parafernália de objetos para a realização da atividade (balança, moinho, plantas de cannabis em vaso e já secas, fios para as sustentar durante a maturação e baldes com terra para a sua alimentação), tudo isto dispondo de duas residências e duas viatura automóveis, não obstante uma das residências ser propriedade da família da namorada e uma das viaturas ser propriedade desta, pois, ainda assim, há que “sustentar” duas casas e dois carros, e no contexto de uma atividade laboral de ambos muito difusamente caracterizada e de impossível escrutínio, como facilmente se vê da leitura dos factos relativos às condições pessoais do recorrente, pelo que não ocorrem circunstâncias que decididamente apontem para uma ilicitude diminuta, sendo certo que também não estará em causa uma ilicitude elevada, pois bem sabemos todos que há casos muito mais graves neste domínio criminal. Em dois segmentos da argumentação do recorrente haverá que conceder-lhe razão: um deles tem que ver com a menor perfeição técnica de alguns segmentos da factualidade dada como provada, designadamente quando se assenta que o arguido vendeu estupefaciente, uma vez que tal vocábulo constitui conceito conclusivo ou de direito, ao passo que o facto é cocaína, cannabis, heroína ou outro que conste das tabelas legais, sendo certo que tal mácula já constava da acusação, não tendo havido o devido cuidado de a corrigir na decisão, pelo que esses segmentos terão de ser considerados como não escritos, o que em nada releva para a decisão, uma vez que há suficiente factualidade provada de modo tecnicamente correto para caracterizar devidamente a atividade do recorrente; por outro lado, é certo que o período de atividade, sendo importante, só por si, não é decisivo, uma vez que tal lapso temporal deriva da decisão do autor do facto, é certo, mas também da estratégia da investigação, que vai vigiando, acompanhando, recolhendo, assistindo, até ao momento em que opta por intervir e atuar, detendo e apreendendo, pelo que o dito período de atividade só é relevante na estrita medida necessária para captar a imagem global do facto, não podendo nem devendo o tribunal ficar refém das estratégias ou critérios da investigação – tenha-se presente que se não tivesse ocorrido a intervenção policial que os autos demonstram, muito provavelmente, ainda hoje os arguidos se dedicariam à prática dos desmandos aqui demonstrados, pois ensina a experiência (profissional e de vida) que estes cidadãos têm, geralmente, inextricavelmente impregnado no seu cérebro os conhecidos versos camonianos é fraqueza desistir-se da cousa começada (Os Lusíadas, Canto I, Estrofe 40, in Camões, Uma Antologia, Frederico Lourenço, Quetzal,  pag. 42); de qualquer modo, os factos demonstram claramente que se não trata de algo ocasional ou esporádico, ou intermitente, mas antes de um determinado ritmo de vida, apreensível com razoável exatidão, distante dos grandes traficantes, mas também dos dealers de bairro, pelo que o período de atividade é essencialmente importante para apreciar a constância do ritmo escolhido, sendo esse o objeto e o alvo da punição justa, não variando propriamente o grau da ilicitude pelo simples facto de os agentes no terreno ou o titular do inquérito aguardarem mais ou menos tempo, segundo o seu prudente critério, para intervir com segurança e proveito (do ponto de vista probatório, entenda-se), caso em que poderia ficar cingida a esse critério a fixação do grau de ilicitude do facto, o que é insustentável do ponto de vista dogmático.
Pelo exposto, não nos merece qualquer censura a qualificação jurídica levada a cabo na decisão recorrida, pelo que recurso também improcede neste segmento.

d)
A pena aplicada ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes deve ser reduzida, e deve ser decretada a suspensão da sua execução?

Sobre a medida da pena prevê o Código Penal o seguinte:

Artigo 71.º
Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

“Através do requisito de que sejam levadas em conta exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.  Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente, - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção. – cfr.  Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Reimpressão, 2005, pag. 215. 
A enumeração legal das circunstâncias elegíveis para este raciocínio não é taxativa, como facilmente se depreende do vocábulo “nomeadamente”, que consta do n.º 2 do preceito legal citado, sendo certo que as circunstâncias arroladas pelo tribunal para a efetivação deste cálculo podem até ter dimensão ambivalente ou antinómica, isto é podem ser simultaneamente valoradas como elementos graduadores da culpa e da prevenção, ou assumirem direções opostas na concretização desses vetores – cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., loc. cit. pag. 220.
Temos como certo que a determinação concreta da pena é, a par do julgamento da matéria de facto, a mais árdua tarefa do julgador criminal, não havendo orientações infalíveis ou indiscutíveis para a sua realização, havendo sempre que considerar um relativo subjetivismo neste campo, balizado, todavia, pelas fronteiras legais.
Contudo, podemos dizer que a fixação da medida concreta da pena é um raciocínio jurídico-penal, temperado por uma sempre dificilmente alcançável finura na ponderação global do circunstancialismo apurado, através do qual o julgador, partindo sempre do mínimo da moldura penal, avança no quantum punitivo contabilizando as agravantes em direção ao limite superior da pena, para, depois, retroceder, mediante a consideração das atenuantes, em direção ao limite inferior desta, sem prejuízo de, neste percurso, efetuar operações simultâneas num sentido ou noutro, em virtude de eventualmente poderem surgir circunstâncias ambivalentes ou antinómicas, tudo isto nunca ultrapassando a culpa do agente e nunca fazendo perigar as necessidades de prevenção geral e especial.
Além disso, seguimos ainda convictamente a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aplicável, naturalmente, à Relação, referida, por exemplo, no Acórdão de 14/07/2010, Processo 364/09.0GESLV.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt:

Quanto ao controle da fixação concreta da pena a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça tem de ser necessariamente “parcimoniosa”, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada”.
(Neste sentido cfr. acórdãos do STJ de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3ª).
Isto é, a severidade ou a brandura não são, só por si, fundamentos para que o bisturi recursivo se intrometa na dosimetria penal – terão de ser aquelas características tão exuberantes que consubstanciem ou revelem violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada.

A este respeito, lê-se na decisão recorrida:

Ora, com reporte ao arguido AA, como factores agravantes temos:
- O elevado desígnio delituoso do arguido;
- A clara consciência da ilicitude da actuação;
- A intensidade do dolo, que é directo, porquanto o arguido representou o facto como crime e agiu com a intenção de o concretizar;
- O elevado desvalor da sua acção, associado à personalidade do arguido, plasmada nos factos, relevadora de um claro distanciamento da necessidade de respeito pelo bem jurídico violado, posto que se alheou dos possíveis efeitos nocivos decorrentes da inserção na comunidade de produto estupefacientes que transaccionou, vendeu e/ou cedeu;
- O grau de ilicitude do facto que é elevado, atendendo às modalidades da acção preenchidas com a conduta do agente (aquisição, oferta, transporte, venda e cedência a consumidores finais do produto estupefaciente); ao tipo e natureza de produto estupefaciente comprado, oferecido, transportado, vendido e cedido (cocaína – drogas duras e haxixe), ao alargado período de tempo em que se dedicou à actividade de tráfico de estupefacientes, ao número de pessoas a quem vendeu; à quantidade de substâncias estupefacientes que disseminou pela comunidade.
- As exigências de prevenção geral, que se revelam prementes, face ao número crescente de situações de tráfico de estupefacientes, aos malefícios que de tal actividade decorrem para a saúde dos jovens e para toda a sociedade, ao aproveitamento económico que surge associado a este fenómeno, bem como ao aumento da criminalidade a ele associado
- são elevadas as exigências de prevenção geral, também no que ao crime sem habilitação legal se refere, pois é crime que constitui uma das grandes causas da sinistralidade rodoviária em Portugal, e, portanto, impõe a intervenção firme do direito punitivo do Estado para dissuadir este tipo de condutas; e,
- O seu passado criminal, onde se contabiliza um antecedente criminal pelo cometimento de um crime da mesma natureza e pelo qual foi condenado a 11 anos de prisão e ter já sofrido quatro condenações (3 das quais posteriores aos factos em causa nos autos) por condução sem habilitação legal.
Já como factores atenuantes, ponderam-se:
- O apoio familiar com que conta.
Sopesados os circunstancialismos acima enunciados e salvaguardadas as finalidades da pena e as exigências de prevenção, quer gerais quer especiais, que se fazem sentir no caso concreto, temos por adequada a aplicação ao arguido AA de uma pena concreta de 6 anos de prisão, pela prática em autoria material e na forma consumada e com dolo directo, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21, n.º1 do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal (…).
                                                                      
Tomemos boa nota que o recorrente apenas se insurge contra a pena relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, o que não deixa de ser algo desconcertante, uma vez que pugna também, após redução, pela suspensão da sua execução, ignorando ostensivamente que sobre si impende mais uma pena, relativa à condução sem título legal, de prisão de 1 ano e 6 meses, que, necessariamente, integrará a punição do concurso de infrações.
Ora, desde já se pode surpreender na decisão (e em claro favor do arguido) incontornável paradoxo resultante do alcandorar de todos os parâmetros punitivos ao grau elevado, e, simultaneamente, da fixação da pena concreta relativa ao crime de tráfico de estupefacientes muito próxima do seu limite mínimo; na verdade, sendo a moldura legal abstrata de prisão de 4 a 12 anos, convenhamos que prisão de 6 anos representa o quarto inferior da moldura em causa – não virá, todavia, mal ao mundo com a aludida benevolência, embora em contraciclo com os parâmetros fundantes, pois, como diria o nosso colossal Padre António Vieira, a justiça está entre a piedade e a crueldade; o justo tende para o piedoso; o justiceiro para o cruel – in Sermões.
E embora a decisão não tenha graduado expressamente o grau da culpa (embora qualquer decisão o deva fazer), pode inferir-se do teor do segmento relativo ao desvalor da ação que também se fixou em escalão elevado, pelo que a fixação da pena concreta do crime de tráfico em patamar tão próximo do seu limite mínimo constitui veredicto absolutamente conforme com o basilar preceito do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal sobre a dosimetria punitiva.
Assim sendo, atendendo a que a pena fixada não viola as regras da experiência, nem ostenta desproporção da quantificação efetuada, nada há a censurar-lhe.
Diga-se, todavia, neste seguimento, que esta nossa posição inviabiliza qualquer ponderação sobre pena de substituição, mas devemos dizer, mesmo sem considerar a outra pena em causa, que as profundas necessidades de prevenção especial a que alude, e bem, a decisão recorrida, consubstanciada no pesado passado criminal do recorrente, sempre imporiam a exclusão da pretendida substituição, ainda que abstratamente possível do ponto de vista estritamente da previsão legal.

Ainda aqui soçobra o recurso.
*
*
B Recurso do Ministério Público:

a)
Os factos dados como provados integram a prática em concurso efetivo, real, de dezasseis crimes de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro?

O arguido estava acusado pela prática em concurso efetivo, real, de dezasseis crimes de condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.
Na decisão recorrida, não obstante se terem julgado como provados os factos a este respeito articulados no referido libelo, entendeu-se que se tratava de um caso de unidade criminosa.
Para tal, escreveu-se o seguinte:

Assim, os elementos do tipo legal do crime pelo qual vem acusado o arguido são:
1) A condução de veículo motociclo ou automóvel;
2) Na via pública ou equiparada;
3) Ausência de título que habilite à condução dos referidos veículos.
Nos termos dos artigos 121.º, n.º 1 e 122.º, n.º 1 do Código da Estrada, só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver habilitado para o efeito, designando-se carta de condução, o documento que titula a habilitação legal para conduzir automóveis na via pública.
Nos termos do artigo 13.º do Código Penal, para ser assacada responsabilidade penal ao agente é, ainda, necessário que o facto seja praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
No crime de condução sem habilitação legal, não estando prevista a punição por negligência, o crime é punível, somente, a título doloso, em qualquer uma das suas modalidades.
Artilhados com a estrutura do tipo legal do crime imputado ao arguido, cumpre, então, aferir se este cometeu o crime de que vem acusado.
Foi comunicado ao arguido que: “…tribunal entende que poderá não estar em causa a prática dos dezasseis crimes em questão mas de um só crime, uma vez que entende o tribunal que a atuação delituosa não se esgota num ato instantâneo e se trata de uma atuação de caráter duradouro, prolongado no tempo, sem prejuízo da unidade do crime, desde que haja uma única resolução presidir a toda essa atuação, não existe crime continuado, mas um só crime.
É o caso do crime em apreço, que é um crime de consunção instantânea, que só termina quando o agente é intercetado ou cessa voluntariamente essa atuação e dela tem conhecimento as autoridades, que tem competência para proceder criminalmente. O que o tribunal entende, pelo poderá ser o caso nos autos, podendo não estar em causa os dezasseis crimes imputados mas um crime, nos termos referidos.”
O M.P. respondeu, não concordando com a alteração referida, alegando, em síntese, que inexiste qualquer situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente; “entende o Ministério Público que em cada uma das vezes – e que, note-se, são dias diferentes ao longo do tempo descrito no libelo acusatório – o arguido formulou nova intenção criminosa, uma nova resolução criminosa que se iniciou e terminou em cada um dos diversos dias imputados na Acusação Pública. De resto, são rotas e percursos distintos, horários distintos, e a satisfação de necessidades de locomoção distintas que dia a dia o arguido ia renovando.”.
Vejamos.
Desde já dizemos, com todo o respeito e consideração, discordar da posição do M.P. Na verdade, contrariamente do que pode resultar da posição do M.P., a verificação de crime continuado não se caracteriza, na sua essência, pela homogeneidade das condutas, que apenas traduz reiteração criminosa, mas sim pela diminuição considerável da culpa. Não se verifica um novo ilícito sempre que o arguido interrompe a condução e volta a conduzir. Na verdade, da prova produzida e dos factos apurados ressalta que existiu uma resolução inicial do arguido que foi mantida ao longo de toda a actuação de conduzir veículo, pelo que existe um só crime desde o primeiro momento em que o arguido conduz o veículo sem para tal estar habilitado até à altura em que é interceptado pelas autoridades ou, como no caso dos atos voluntariamente cessou a sua atuação. Aderindo ao Ac. do STJ de 8-3-84 BMJ 335-185: “Embora a actuação delituosa não se esgote num acto único e instantâneo e se trata de uma actuação de carácter duradouro, prolongada no tempo, sem prejuízo da unidade do crime, desde que haja uma única resolução a presidir a toda essa actuação, não existe crime continuado, mas um só crime..” ou seja é um crime de execução continuada. Trata-se de situações em que se admite haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, mas sempre, e só, quando exista uma mesma resolução criminosa desde o início assumida pelo agente, como é o caso dos autos, razão pela qual o arguido será condenado pela prática de um crime de execução continuada.

Estamos perante uma das mais espinhosas tarefas da dogmática penal, qual seja a do concurso de infrações. Na verdade, discernir com segurança se, atenta a pluralidade de condutas típicas ou violação plúrima de tipos com uma só conduta, estamos em face de um crime ou de vários crimes é matéria geralmente situada em terreno arenoso movediço, que demanda a ponderação de critérios rigorosos.
O concurso efectivo ou de crimes pode ser real (várias condutas e preenchimento de várias previsões legais) ou ideal (uma conduta e preenchimento plural de uma previsão legal).
O art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal estabelece que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
Como sabemos, o concurso pode ainda revestir a veste de uma simples sobreposição normativa em relação à mesma conduta, o que é usualmente denominado como concurso aparente ou de normas, que se resolve por especialidade, consunção e subsidiariedade, tal como sempre todos aprendemos, mas que está hoje, nalguns setores da Doutrina em verdadeira crise – cfr. o disruptivo estudo O “Concurso de Normas em Direito Penal”, de Luís Duarte D’Almeida, Almedina, onde se conclui que “«Concurso de normas», por tudo isto, é coisa que não existe” (pag. 131).  Todavia, não é este o assunto que ora nos ocupa.
A decisão recorrida baseia a sua opção, fundamentalmente, no critério da unidade ou pluralidade de resoluções criminosas, entendendo que o arguido apenas tomou uma decisão - vou conduzir sem carta, dir-se-ia a que associa uma particular configuração deste tipo de crime - crime de consunção instantânea -, e atribui à atuação das autoridades fiscalizadoras do trânsito a potencialidade, ao atuar, de interromper tal resolução, pelo que, limitando-se aquelas a observar e constar a infração, sem nada fazer, designadamente sem intervir, tolerando o dito comportamento, o percurso criminoso é único e sempre o mesmo, baseado na primordial decisão.
A acusação, ora recorrente, apelando ainda ao critério da resolução criminosa, mas entrecortando-a com as categorias de temporalidade e do juízo de censura, conclui que não pode tratar-se apenas de uma resolução quando entre dois factos observados pelos agentes da autoridade, cometidos pelo mesmo agente, distam vinte meses – independentemente de ser certo que a dilação temporal é manifesta e evidente, e nisso assiste razão ao recorrente, salvo erro de interpretação da nossa parte, não se vê de que modo ou em que se fundamenta a multiplicação por dezasseis dos ditos juízos de censura, salvo se tal derivar do número das aludidas observações dos investigadores, o que nos levará a considerar que se mais tivessem sido essas constatações, desde que devidamente espaçadas no tempo, e o tempo foi muito, mais crimes, mais juízos de censura, na perspetiva do recorrente, haveria o arguido cometido, quando talvez não seja despiciendo aqui considerar que talvez, quiçá, tais agentes mereçam alguma censura do dominus do inquérito por verificarem a comissão sucessiva desta perigosa conduta sem nada fazer, certamente com nobres propósitos de permitir a recolha de prova para outra infração criminal, o tráfico, mas nem por isso menos enquadrável numa espécie de muito discutível princípio da oportunidade, por assim dizer.
É certo que esses são os principais vetores de decisão destas questões há muito apontados por Eduardo Correia – A Teoria do Concurso em Direito Penal, Almedina, 1983. Na verdade, a resolução, naturalisticamente considerada, ainda que de verificação espaçada, e até muito espaçada, no tempo, não pode, só por si, servir de critério, sob pena de, no exemplo por aquele Mestre indicado, o caso do shakespeariano Ricardo III constituir uma situação de unidade criminosa – na monumental peça referida (The Tregdy of King Richard the Third), Acto 1, Cena 1, v. 20, o protagonista anuncia “I am determined to prove a villain”; isto é, se a resolução operasse por si só, este maléfico monarca teria cometido apenas um crime na sua vida. Por isso, aditou aquele Insigne Professor a este critério aqueloutro do juízo de censura (ou seja, da culpa) para separar o que a resolução havia unificado – cfr. ob. cit. pag. 92.
Todavia, mais recentemente, e também da Escola de Coimbra, tem surgido valioso auxílio ao intérprete nesta árdua tarefa, em relativa discordância, aliás, com a aludida posição global de Eduardo Correia – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 1007, Coimbra Editora, 2.ª Edição.
“Assim sendo, toda a perspectiva jurídico-penalmente relevante se modifica: o problema deixa de ser o da análise de relações entre normas para passar a ser o da análise do comportamento global e dos concretos sentidos de ilícito que nele se exprimem; o método analítico deixa de ser lógico, para passar a ser teleológico; a solução há-de provir não de considerações de ordem formal, mas de uma argumentação substancial ou material levada a cabo em função do significado social do comportamento em apreciação perante a ordem dos tipos de ilícito contidos nas normas concretamente aplicáveis” – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pag. 1005.
E. como ensina ainda este Mestre, “(…) é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes” – cfr. ob. cit., loc. cit., pag. 989.
Finalmente, e enunciando critério de intuitivo entendimento, e aqui ainda em posição coincidente com Eduardo Correia, como se dá conta no próprio texto “em função do que ficou dito, decisivo da unidade ou pluralidade de crimes parece dever ser não a unidade ou a pluralidade de ações, em si mesmas consideradas, mas a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados pela conduta de um mesmo agente e submetidos, num mesmo processo penal, à cognição do tribunal.” – ob. cit., pag. 985.
Já não ficamos, portanto, pelo critério da unidade ou pluralidade de resoluções criminosas para decidir a questão, como defendia Eduardo Correia, optando-se, assim, por um critério valorativo ou substancial, que tem aquela unidade ou pluralidade resolutiva como indício, mas que se socorre de outros elementos para alcançar tal decisão.
Cumpre, portanto, indagar o ilícito típico em causa na lei e analisar em que medida essa previsão é, neste caso apenas abstratamente, posta em causa pelo comportamento do agente, avaliado na sua complexidade e globalidade.
Previamente, dir-se-á que a resolução, enquanto decisão de um ser livre e consciente, é algo que não pode ser cortado por fora. Tal como no exemplo de Ricardo III, acima referido, se alguém tomar a decisão de cometer crimes sucessivos, psicologicamente, antropologicamente, ontologicamente, naturalisticamente, ou como se lhe quiser chamar, apenas haverá uma resolução – não esqueçamos o magnifico poema de Carlos Oliveira, Livre, no qual se diz que não há machado que corte a raiz ao pensamento. Todavia, há critérios jurídicos que permitem deslindar ou compartimentar as implicações penais da execução desse pensamento único inicial; desde logo, por exemplo, a condenação, com trânsito em julgado, a existência de vítimas diferentes e a lesão de bens eminentemente pessoais, tornam irrelevante a unicidade decisória, e conduzem à pluralidade de infrações (todavia, é possível um cidadão estar a ser julgado, ser condenado, e a decisão transitar em julgado, e esse cidadão, apesar de tudo isso, permanecer sempre fiel ao seu inicial propósito de prática criminal reiterada, que não poderá ter aqui relevância, mais não seja pelo princípio ne bis in idem). Note-se, ainda, que aqui nos não ocupa a figura do crime continuado porque esse caso de unificação da conduta criminosa tem outras razões fundantes, designadamente a diminuição da culpa e até questões de pragmatismo processual, mas podemos aventar que caso o arguido soubesse que estava a ser observado e a assim beneficiar da (incompreensível para si, dir-se-ia) tolerância das autoridades, não seria totalmente descabida a aplicação da figura da continuação criminosa, já que a sua culpa ficaria certamente diminuída e face dessa inusitada complacência do guardião.

O que aqui está, decididamente, em causa, em nosso entender, efetuada a análise do comportamento global do arguido e do concreto sentido de ilícito que nele se exprime, é um único crime e não uma pluralidade de infrações, não obstante a conduta preencher, por várias vezes, a previsão típica. O significado social do comportamento de que nos fala Figueiredo Dias é único e não plúrimo – até a linguística assim convence, pois é consabido que o comentário de alguém que se dê conta de comportamento idêntico ao que aqui se aprecia será certamente anda a conduzir sem carta, o que denuncia o tal significado social do comportamento como único, não impondo a lei que esse significado seja desconsiderado, como sucede noutros casos, acima elencados exemplificativamente. Na análise do comportamento global, deve atentar-se em que o arguido é proprietário de uma viatura, que conduz regularmente, conduzindo ainda a viatura da sua companheira, sendo certo que a utilização de tal meio de transporte é atualmente, para quem o tem, e quase todos o têm, praticamente diária, ou até várias vezes ao dia, tendo o arguido duas residências, bem distantes uma da outra, e na residência secundária tinha instalada a sua exploração, que, certamente requeria cuidados vários, e onde se deslocava nas ditas viaturas, para além da utilização destas para as deslocações para aquisição e venda dos estupefacientes referidos nos factos dados como provados, tudo num contexto da sua utilização permanente, e por isso dezasseis vezes observado pelas autoridades, afigurando-se como manifestamente artificial considerar que houve várias resoluções, ou renovações de resoluções diárias, quinzenais, mensais, trimestrais ou outras, sendo certo que se o arguido tivesse sido detido numa das várias vezes em que tal observação ocorreu, e tivesse sido julgado e condenado por isso, certamente seria diferente a situação ora em análise, tal como também já se referiu acima. E repare-se ainda que todas as condutas foram submetidas à cognição do tribunal no mesmo processo penal, tal como nos alerta a Doutrina acima mencionada.
Por tudo isto, concluímos como decisão recorrida, embora com fundamentação parcialmente diferente, que estamos face a um caso de unidade criminosa, improcedendo este segmento do recurso do Ministério Público.

b)
Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deve o arguido ser condenado na pena de prisão de 8 meses pela prática de cada um dos crimes referidos na questão anterior?

Atenta a solução dada à anterior questão, fica prejudicada a apreciação da que ora se enuncia.

c)
Ainda em caso de resposta afirmativa à anterior questão, a pena do concurso de infrações em causa nos autos deve fixar-se em prisão de 7 anos?
Atenta a solução dada à anterior questão, fica prejudicada a apreciação da que ora se enunciada.

O recurso apresentado pelo Ministério Público deve, portanto, improceder.

III DISPOSITIVO


Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) Rejeitar o recurso apresentado pelo arguido AA no segmento da impugnação do julgamento de facto;
B) Julgar improcedente o recurso apresentado pelo arguido AA nos restantes segmentos;
C) Julgar improcedente o recurso apresentado pelo Ministério Público;
D) Confirmar a decisão recorrida.

Custas do recurso do arguido a seu cargo, com taxa de justiça de 3 UCs.
Guimarães, 11 de Março de 2025,

Os Juízes Desembargadores

Bráulio Martins
Anabela Rocha
Júlio Pinto