1 - A regra da adesão obrigatória prevista no artigo 71.º do Código de Processo Penal compreende uma norma processual penal, ao permitir o pedido civil nesse processo, e outra processual civil, ao consagrar uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, em conjugação com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC.
2 - O princípio de adesão é mitigado pela admissibilidade, em vários casos, da ação de responsabilidade civil em separado perante os tribunais civis. Com efeito, no artigo 72.º do Código do Processo Penal estão previstas as exceções ao referido princípio, nomeadamente, a obrigatoriedade da adesão só vigora (independentemente da gravidade do crime) na fase de inquérito, pelo período de 8 meses a contar da notícia do crime, pelo que decorrido esse prazo sem que tenha sido deduzida acusação, fica na disponibilidade do lesado propor a ação em separado nos tribunais civis [artigo 72.º/1, alínea a)].
3 - No caso em apreço não existe nos autos qualquer referência a que os factos alegados pela autora tenham já levado à instauração de um processo criminal ou contra-ordenacional e a própria ré/apelante reconhece não haver notícia da abertura de inquérito criminal.
4 - Incumbia à ré/apelante a alegação e prova de que estava já pendente um processo penal ou contra-ordenacional instaurado por força dos factos que lhe são imputados pela autora (artigo 342.º, n.º 2, do Cód. Civil).
5 - A ultrapassagem do prazo previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CPP para a dedução de acusação, configurando uma exceção ao princípio da adesão obrigatória, permite a instauração da ação indemnizatória nos tribunais cíveis, não se verificando, por isso, a exceção de incompetência material invocada pela apelante.
(Sumário da Relatora)
12. Dada a complexidade e a novidade das questões de direito da UE suscitadas neste caso, é imperativo solicitar uma interpretação prejudicial ao TJUE para garantir uma decisão informada e alinhada com os princípios e normativas europeias. Tal passo é crucial não apenas para a resolução justa do caso em apreço mas também para estabelecer precedentes valiosos para litígios futuros com questões semelhantes, tal como se sustenta em § 7, que aqui se considera reproduzido por questão de ineficiência, mas que em resumo se justifica pelo seguinte:
13. Jurisprudência Relevante do TJUE: São mencionados acórdãos significativos do TJUE no § 7 para onde se remete, como são os casos Sales Sinués e Agrokonsulting, que fornecem orientações pertinentes para o caso em análise. Estes acórdãos ilustram a interpretação do TJUE sobre a interação entre ações coletivas e individuais, bem como os princípios da equivalência e da efetividade, enfatizando a necessidade de não impedir ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pela legislação da UE.
14. Compatibilidade do Princípio da Adesão com o Direito da UE: Solicita-se uma análise específica sobre a compatibilidade do princípio da adesão obrigatória ao processo penal, especialmente em casos de ações coletivas como a ação popular é essencial para entender se o direito interno, no que se refere ao princípio da adesão, alinha-se com os requisitos e expectativas do direito da União, garantindo a tutela efetiva dos direitos dos consumidores e outros participantes do mercado.
15. Enquadramento Legislativo e Diretivo da UE: Enfatiza-se a importância de considerar a legislação e as diretivas relevantes da UE, como a Diretiva 2011/83/EU sobre os direitos dos consumidores e a Diretiva 98/6/CE relativa à indicação dos preços dos produtos, na análise e decisão do presente caso. Tal consideração é fundamental para assegurar a conformidade com o direito da UE e a proteção eficaz dos direitos dos consumidores.
§9 Pedido
Termos em que, ex vi do alegado supra, os apelados rogam a Vossa Excelências, Venerandos Srs. Juízes Desembargadores, que seja negada apelação ao recurso interposto pela ré. Consequentemente, seja declarado os Juízos Central Cíveis competente sem razão da matéria para julgar a presente ação; não verificada a exceção dilatória de inadmissibilidade do recurso à instauração de uma ação popular, por incompetência dos Juízos Centrais Cíveis em razão da matéria.
Requer-se, caso Vossas Excelências entendam necessário e que os acórdãos do TJUE supra citados não são suficientemente elucidativos, o reenvio para interpretação prejudicial pelo TJUE das questões que importa suscitar considerando e a suspensão da instância até a pronúncia do TJUE sobre tais questões. Requer-se que Vossas Excelências, se assim o entenderem, que permitam aos autores contribuir para a formulação das questões a colocar ao TJUE, pois pese embora essa seja uma prerrogativa confiada aos juízes, as partes deverão cooperar nesse sentido, desde logo como impõe o artigo 7.º, do CPC.
§ 8 Valor da causa
A causa tem o valor de 60.000 euros, fixado pelo douto despacho recorrido.
§ 9 Isenção do pagamento de taxas de justiça
Nos termos do Regulamento das Custas Processuais, artigo 4 (b) (f), aprovado pelo decreto lei 34/2008, com as alterações mais recentes constantes do decreto lei n.º 126/2013, os autores estão isentos de pagamento de taxas de justiça.
Espera deferimento».
I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos. 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
II.2.
No caso, as questões que cumpre apreciar são as seguintes:
1 – Nulidade da decisão.
2 – Reapreciação do seu mérito: saber se o tribunal recorrido é, ou não, competente em razão da matéria, para dirimir o presente litígio.
II.3.
Apreciação do objeto do recurso
II.3.1.
Da nulidade da decisão recorrida
Neste segmento do seu recurso a apelante sustenta que o tribunal violou o artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
Para tal desiderato alega que «a interpretação feita pela Mmª. Juíza a quo de que o pedido começa a fls. 68/149 da petição, ignora a dupla dimensão do ato postulativo tal como apresentado pela Autora, que comporta um pedido de declaração e, como consequência deste, os pedidos de condenação da ré no pagamento de várias indemnizações. (…) Por outro lado, o pedido, como ato postulativo, tem de ser interpretado de acordo com as regras do artigo 236.º do Código civil e, atendendo ao alegado e pedido pela autora, é manifesto que esta está precisamente a pedir à la carte ao tribunal que aprecie matéria do foro criminal, mas sem consequências penais, e que, por outro lado, com base nessa mesma matéria, aprecie e julgue os pedidos de condenação em indemnização que deduziu. (…) não compete ao juízo central cível ajuizar e declarar (mesmo que a declaração seja desacompanhada da correspondente punição) se a ré cometeu um crime de especulação ou as contraordenações que a autora lhe imputa, por serem matérias da competência dos juízos criminais, tampouco faz sentido ignorar aquele pedido declarativo e manter o procedimento para apreciação dos pedidos de indemnização que assentam na prática daqueles supostos ilícitos. Por conseguinte, impunha-se que o tribunal tomasse posição sobre o pedido declarativo que antecede o teor de fls. 68/149, declarando a sua incompetência material, com a consequente incompetência para conhecer dos pedidos de condenação que, de acordo com a própria versão da autora, são consequência daquele. (…)».
Vejamos.
O artigo 615.º do CPC contempla vícios intrínsecos da sentença, ou seja, vícios traduzidos numa violação de uma disposição reguladora da forma do ato processual na medida em que o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto (trata-se do chamado error in procedendo ou erro de atividade). O que é diferente do erro de julgamento, isto é, do vício na formação dos raciocínios lógicos, tanto dedutivos como conclusivos, que operam como fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva[1].
A apelante invoca o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, segundo o qual a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Este vício relaciona-se com o princípio da coincidência da sentença com a pretensão deduzida em juízo, ou seja, com o objeto do processo tal como configurado pelo autor. Verifica-se, pois, quando o julgador não observe os limites que lhe são impostos pelo artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[2].
Dito de outra forma, «o pedido do autor, conformando o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito, com que o tribunal lhe responderá: o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação“, não podendo ocupar-se de outras (artigo 608.º-2), e “não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (artigo 609.º-1), sob pena de nulidade [artigo 615.º-1, alíneas d) e e)][3].»
Se bem entendemos as alegações de recurso a apelante sustenta que, ao julgar a exceção de incompetência material do tribunal que havia sido invocada pela ré, o tribunal a quo não atendeu ao pedido formulado pela autora na sua plenitude, ou seja, não teve em consideração que a autora pediu ao tribunal que este declarasse que a ré cometeu um crime de especulação bem como as contraordenações que identifica. Conclui que «ao limitar o pedido ao teor de fls. 68/149 e dispondo-se a conhecer aquém do pedido, o Tribunal violou os artigos 3.º, 10.º, n.º 3, alínea b), 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC».
Julgamos, porém, que o conhecimento “em menos” (infra petitio) não está previsto no preceito legal invocado pela recorrente estando, outrossim, implícito no vício previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, constituindo um caso de omissão de pronúncia.
De acordo com aquele preceito legal verifica-se nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC tem de ser concatenado com o disposto no artigo 608.º/2, do mesmo diploma normativo de acordo com o qual o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Ou seja, para efeitos de verificação do vício omissão de pronúncia, “questões” a decidir são os pedidos deduzidos pelo autor / reconvinte, as respetivas causas de pedir e as exceções invocadas ou de conhecimento oficioso.
No caso sub judice, o tribunal a quo conheceu da exceção de incompetência material do tribunal que havia sido invocada pela ré/apelante, julgando-a improcedente. Pelo que conheceu da questão suscitada. Se, porventura, decidiu mal a exceção em causa é uma questão que se prende já com o mérito da decisão, a apreciar em outra sede, e não com qualquer erro de procedimento.
Por conseguinte, não padecendo a decisão recorrida do vício que lhe é imputado, julga-se improcedente este segmento da apelação.
II.3.2.
Do mérito da decisão
No presente recurso está em causa a decisão do tribunal recorrido que julgou improcedente a exceção de incompetência material do tribunal (Juízo Central Cível de Portimão) que havia sido invocada pela ré.
A apelante insurge-se quanto a tal decisão, argumentando, em síntese, o seguinte:
(1) Através da presente ação popular, a autora pede que se declare que a ré cometeu um crime de especulação, que praticou as contraordenações de publicidade enganosa e que empreendeu práticas comerciais desleais e restritivas da concorrência, sustentando os pedidos indemnizatórios na violação das disposições legais que prevêem aqueles tipos legais de ilícito;
(2) Vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da adesão obrigatória (artigo 71.º do Código de Processo Penal), os pedidos de indemnização formulados na presente ação, assentes na alegada prática de um crime de especulação e nas contraordenações que a autora identifica, têm de ser necessariamente processados juntamente com a ação penal;
(3) O tribunal materialmente competente para proceder ao julgamento e aos termos subsequentes no processo de crime de especulação e ilícitos contraordenacionais é o tribunal criminal, pelos que os pedidos de indemnização em causa nos autos não podem ser apreciados pelo tribunal cível.
Se bem entendemos as alegações de recurso, a apelante sustenta que sendo a indemnização cível em causa nos autos fundada na prática de um crime de especulação e de contraordenações de publicidade enganosa, o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir do pedido de indemnização é o tribunal criminal por força do princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71.º do Código de Processo Penal.
Vejamos.
Liminarmente se dirá que a competência material do tribunal se afere pelos termos em que a ação é proposta; donde, na apreciação e decisão da exceção (dilatória) em causa haver-se-á que ter em conta o pedido e a causa de pedir tal como alegadas na petição inicial. Como se afirma no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2025[4]: «Para a determinação do tribunal competente em razão da matéria há que analisar a causa de pedir e os pedidos expressos na petição inicial, pois tal tipo de competência determina-se em função dos termos em que o autor configura a pretensão que quer ver reconhecida, e com que fundamentos, bem como a natureza e estrutura da relação material controvertida em debate, segundo a versão apresentada em juízo». Também no acórdão do STJ de 6 de maio de 2010[5] se afirma que «É na ponderação do modo como o autor configura a ação, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exata configuração da causa, que se deve guiar a tarefa de determinação do tribunal competente para dela conhecer».
A causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico, simples ou complexo, do qual deriva o direito invocado pelo autor e que este pretende ver reconhecido (artigo 581.º, n.º 4, do CPC).
No caso sub judice os pedidos formulados pela autora, ou seja, os efeitos jurídicos que a autora pretende ver declarados e reconhecidos, são os seguintes:
«Nestes termos e nos demais de direito, que Vossa Excelência doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e ser declarado que a ré:
A. teve o comportamento descrito no § 3 supra;
B. violou qualquer uma das seguintes normas:
1. artigo 35.º (1, c), do decreto lei 28/84;
2. artigos 6.º, 10.º, 11.º (1), 12.º do decreto lei 330/90;
3. artigo 311.º (1, a, e), do decreto lei 110/2018;
4. artigos 4.º, 5.º (1), 6.º (b), 7.º (1, b, d), 9.º (1, a), do decreto lei 57/2008;
5. artigos 3.º (a) (d) (e) (f), 4.º, 7.º (4) e 8.º (1, a, c, d) (2), da lei 24/96;
6. do artigo 11.º da lei 19/2012;
7. artigos 6.º, 7.º (1) (2) e 8.º da diretiva 2005/29/CE;
8. artigo 3.º da diretiva 2006/114/CE;
9. artigos 2.º (a) (b), 4.º (1), da diretiva 98/6/CE;
10. artigo 102.º do TFUE;
C. especulou nos preços das embalagens de Chá preto, marca Tetley, 20 saquetas na sua sucursal, localizada em Estrada de (…), Urbanização (…) n.º C, 8500-087, Portimão, distrito de Faro;
D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de Chã preto, marca Tetley, 20 saquetas, na sua sucursal localizada em Estrada de (…), Urbanização (…), n.º C, 8500-087, Portimão, distrito de Faro;
E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e
1. doloso; ou, pelo menos,
2. grosseiramente negligente;
F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares;
G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores;
H. causou e causa danos aos interesses difusos de proteção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhecê-lo, e em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a:
I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a título doloso ou negligente, em montante global:
1. a determinar nos termos do artigo 609.º (2), do CPC;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º (1) e (4) do CC, determinado em 0,30 euros por cada embalagem de Chá preto, marca Tetley, 20 saquetas, respetivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Estrada de (…), Urbanização (…), n.º C, 8500-087, Portimão, distrito de Faro, desde 27.06.2023, às 08h00, até, pelo menos, 04.07.2023, às 21h00;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global:
1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a 0,30 euros por autor popular;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global:
1. nos termos do artigo 9.º (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 0,30 euros por autor popular, in casu, agregados familiares privativos;
2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência;
3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal;
M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480.º (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente;
N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que (…) – Consumer (…) Association, agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609.º (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes.
subsidiariamente, e nos termos do § 4 (m):
O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no § 3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra.
em qualquer caso, deve:
P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no § 3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou;
requer-se ainda que Vossa Excelência:
Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido;
S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19.º (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito;
T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença;
U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados diretamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em § 16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento;
V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5% sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em § 16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar;
W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente ação, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respetivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21.º e 22.º (5), da lei n.º 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22.º (4) e (5), da lei n.º 83/95.
X. declare a autora interveniente isenta de custas;
Y. condene a ré em custas.»
Resulta do enunciado supra que os pedidos formulados são, no essencial, pedidos de natureza indemnizatória.
Os pedidos de indemnização civil podem fundar-se numa atuação que consiste num ilícito civil que lesa direitos subjetivos (artigo 483.º do Código Civil) ou numa atuação que configura um ilícito criminal.
Da leitura da petição inicial extrai-se que a autora funda os pedidos supra enunciados nos seguintes (singelos) factos:
«Na sua sucursal localizada na Estrada do (…), Urbanização (…), n.º C, em Portimão, a ré vendeu embalagens de chá preto da marca Tetley, 20 saquetas, por preço superior (€ 1,99 por embalagem), ao que constava dos letreiros elaborados por si (€ 1,69 por embalagem). Os autores populares que não se aperceberam que o preço cobrado no momento do pagamento era superior ao anunciado no letreiro que anunciava o preço e que fundamentou a sua escolha, pagaram um sobrepreço que, em alguns produtos chegou a € 0,30 por cada embalagem».
Os quais a autora qualifica juridicamente da seguinte forma:
«O comportamento da ré consubstancia publicidade de preços enganosa (D/L n.º 330/90, de 23.10 /(artigo 10.º); D/L n.º 138/90, de ; Lei n.º 24/96, de – artigos 3.º, 4.º, 7.º, 8.º), uma prática comercial desleal e restritiva da concorrência, num crime de especulação de preços (artigo 35.º, n.º 1, do D/L n.º 28/84, de 20.01)».
Por conseguinte, no essencial, a causa de pedir dos pedidos indemnizatórios reside no (alegado) facto de a ré, em determinada sucursal, ter vendido embalagens de chá preto, de determinada marca, por um preço superior àquele que constava dos letreiros elaborado pela própria, levando desta forma, os consumidores que não se aperceberam daquela discrepância a pagarem um sobrepreço por cada embalagem de chá. É este o ilícito invocado e que é configurado como ilícito criminal no artigo 35.º/1, alínea c), do D/L n.º 28/84, de 20.11[6].
Na perspetiva da apelante uma vez que os pedidos de indemnização se fundam na prática de um ilícito criminal – um crime de especulação – e na prática de contraordenações, o tribunal materialmente competente por força do princípio de adesão previsto no artigo 71.º do Código de Processo Penal é o tribunal criminal. Ou seja, a apelante defende que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime e de contraordenações tem de ser deduzido no processo penal respetivo.
Dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal, epigrafado Princípio de adesão, que:
«O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei» (itálicos nossos).
Esta solução processual adotada no atual direito processual (penal e civil) português foi determinada pela «natureza consequencialmente complexa do facto material que dá origem a ambas as ações», pelo «princípio da economia processual», o objetivo de «promover o resultado de uniformização de julgados», a «ideia de maior rapidez de decisão sobre a reparação devida pelo crime», as «vantagens que possam resultar da própria cooperação dada, em função ou por força de interesses privados, ao processo penal» e o fim de «uma eficaz proteção a muitas vítimas de uma infração penal»[7]. E ela articula-se com outro dois princípios, a saber: 1) a indemnização por perdas e danos emergentes de crime tem natureza civil[8]; 2) a ação civil enxertada no processo penal «conserva (…) para todos os efeitos, a sua especificidade de verdadeira ação civil»[9].
A regra da adesão obrigatória compreende uma norma processual penal, ao permitir o pedido civil nesse processo, e outra processual civil, ao consagrar uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, em conjugação com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC.
O princípio de adesão é, porém, mitigado pela admissibilidade, em vários casos, da ação de responsabilidade civil em separado perante os tribunais civis. Com efeito, no artigo 72.º do Código do Processo Penal estão previstas as exceções ao referido princípio.
Sob a epígrafe Pedido em separado aquele normativo dispõe o seguinte:
«1 – O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;
e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 3 artigo 82.º;
f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada nessa ação, a intervenção principal do arguido;
g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal coletivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular;
h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;
i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75.º, n.º 1, e 77.º, n.º 2;
2 – No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito.»
A amplitude dos casos em que cessa obrigatoriedade de adesão e a margem de livre decisão do lesado nessa sede revelam que o ordenamento tem subjacente a suscetibilidade de pendência simultânea de dois processos independentes fundados em factos constitutivos similares, um sobre responsabilidade criminal e outro relativo à responsabilidade civil. Assim, para além de nos crimes semipúblicos e particulares não existir a obrigatoriedade de adesão [artigo 72.º/1, alínea c)], outras hipóteses de separação admitidas pela lei têm em atenção o direito do lesado à instauração de ação de responsabilidade civil não condicionada pelo processo penal. Nomeadamente, a obrigatoriedade da adesão só vigora (independentemente da gravidade do crime) na fase de inquérito, pelo período de 8 meses a contar da notícia do crime, pelo que decorrido esse prazo sem que tenha sido deduzida acusação, fica na disponibilidade do lesado propor a ação em separado nos tribunais civis [artigo 72.º/1, alínea a)].
No caso em apreço, não existe nos autos qualquer referência a que os factos alegados pela autora tenham já levado à instauração de um processo criminal ou contraordenacional. Aliás, a apelante alega que:
«A Autora, através do seu Presidente da Mesa da Assembleia Geral, já participou os mesmos factos à ASAE, mediante reclamação escrita no Livro de Reclamações».
«(…) A tanto não obsta a circunstância de não haver indicação nos autos de ter sido determinada a abertura de inquérito criminal, apesar de, como documentado pela Autora com a p.i. (…) os factos terem sido participados pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Autora e serem, em todo o caso e nos presentes autos, sujeitos a denúncia obrigatória».
Também a apelada, na sua resposta às alegações de recurso, sustenta que «não foi deduzida acusação contra a ré nem iniciado qualquer processo penal pelos factos aqui alegados, apesar da notícia do crime datar a 8 meses antes».
Incumbia à ré/apelante a alegação e prova de que estava já pendente um processo penal ou contraordenacional instaurado por força dos factos que lhe são imputados pela autora (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil). No caso, como se disse, não resulta dos autos que tal processo (criminal / contraordenacional) já tivesse sido instaurado, apesar de os factos em causa já terem sido participados pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Autora. E a própria apelante reconhece não haver notícia da abertura de inquérito criminal.
A ultrapassagem do prazo previsto no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CPP para a dedução de acusação configura, como dissemos, uma exceção ao princípio da adesão obrigatória, permitindo a instauração da ação indemnizatória nos tribunais cíveis.
Logo, havendo fundamento para a autora instaurar a ação de indemnização perante os tribunais cíveis, improcede a presente apelação.
Sumário: (…)
III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelante.
Notifique.
Évora, 13 de março de 2025
Cristina Dá Mesquita
Vítor Sequinho dos Santos
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
__________________________________________________
[1] Rui Pinto, O Recurso Civil Uma Teoria Geral, 2018 Reimpressão, AAFDL Editora, pág. 253.
[2] O qual dispõe o seguinte: «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.»
[3] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 490.
[4] Processo n.º 27553/21.7T8LSB-A.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 3777/08.1TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] O qual tem a seguinte redação:
«1 – Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:
Vender bens ou prestar serviços por preços superiores aos permitidos pelos regimes legais a que os mesmos estejam submetidos;
Alterar, sob qualquer pretexto ou por qualquer meio e com intenção de obter lucro ilegítimo, os preços que do regular exercício da atividade resultariam para os bens ou serviços ou, independentemente daquela intenção, os que resultariam da regulamentação legal em vigor;
Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaboradas pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;
Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.
2 - Com a pena prevista no número anterior será punida a intervenção remunerada de um novo intermediário no circuito legal ou normal da distribuição, salvo quando da intervenção não resultar qualquer aumento de preço na respetiva fase do circuito, bem como a exigência de quaisquer compensações que não sejam consideradas antecipação do pagamento e que condicionem ou favoreçam a cedência, uso ou disponibilidade de bens ou serviços essenciais. 3 - Havendo negligência, a pena será a de prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias. 4 - O tribunal poderá ordenar a perda de bens ou, não sendo possível, a perda de bens iguais aos do objeto do crime que sejam encontrados em poder do infractor. 5 - A sentença será publicada.»
[7] A. Henriques Gaspar et al., Código de Processo Penal Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2016, pág. 229.
[8] Cfr. artigo 129.º do Código Penal.
[9] «Figueiredo Dias, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», Jornadas de direito processual penal – O novo Código de processo Penal (Centro de Estudos Judiciários, org.), Coimbra, Almedina, 1988, pág. 15.