AGENTE DE EXECUÇÃO
AVALISTA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Sumário

1. A norma do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ao prever a não recorribilidade das reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de ser aplicável apenas quando o acto praticado se inserir no âmbito dos poderes discricionários do agente de execução ou, não se inserindo, dele não resulte a violação da reserva de competência legislativa, a violação de direitos fundamentais ou a ofensa do património das partes.
2. É recorrível o despacho que apreciou a reclamação de uma decisão do agente de execução, que extinguiu a execução apenas quanto a uma das executadas, mantendo a instância executiva quanto aos demais executados.
3. Sendo solidárias as obrigações dos avalistas de uma livrança – artigos 47.º e 77.º da LULL – o credor tem a faculdade de demandar todos em conjunto, ou apenas alguns deles.
4. Daí que o exequente seja livre para efectuar um acordo de pagamento restrito a uma das avalistas da livrança, transigindo com ela nos termos que muito bem entender, não significando tal acto que renunciou ao direito de receber dos demais avalistas o restante do seu crédito.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Sumário: (…)


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre, em 30.08.2016 o Banco (…), S.A., moveu execução para pagamento da quantia de € 208.816,37 contra:
1.º (…);
2.º (…);
3.º (…); e,
4.º (…).
5.º Como títulos executivos apresentou duas livranças, uma no valor de € 94.824,39 e outra no valor de € 112.953,09, subscritas por (…), S.A., já declarada insolvente, e avalizadas por todos os executados.
Os 2.º e 3.º executados deduziram embargos, que vieram a ser julgados improcedentes, por sentenças proferidas nos apensos A e B, transitadas em julgado.
Por sentença proferida no apenso C, também transitada em julgado, (…), Europe, Limited foi habilitada como cessionária do crédito em execução, para na qualidade de exequente prosseguir na causa.

Em 20.03.2024, a exequente assim habilitada e a 1ª executada, (…), apresentaram requerimento conjunto, dirigido ao agente de execução, com o seguinte teor:
(…) vêm informar V. Exa., ao abrigo do artigo 806.º C.P.C., de que foi celebrado Acordo de Pagamento entre as partes, nos termos infra:
1. A quantia exequenda dos presentes autos é de € 208.816,37 (…).
2. Porém, a Exequente e a Executada supra indicada, para efeitos de acordo, aceitam fixar a dívida no montante de € 145.000,00 (…), acrescido do valor de honorários do Sr. Agente de Execução, no montante de € 9.446,52 (…).
3. O valor da quantia supra referido será pago em duas prestações, sendo que a primeira prestação no montante de € 25.000,00 (…) foi paga em 29.01.2024, e a quantia de € 120.000,00 (…), será liquidada na presente data.
4. O pagamento do montante de € 129.446,52, correspondente ao valor acordado e honorários do Sr. Agente de Execução, será efectuado para o IBAN da Exequente PT50 (…), que se compromete desde logo a efectuar o pagamento dos honorários do Sr. Agente de Execução e a remeter comprovativo de pagamento ao I. Mandatário da Executada, via email.
5. Com o pagamento da quantia supra referida a Exequente dá total e integral quitação do valor em dívida por parte da ora executada (…), sendo remetida declaração de quitação também via email ao I Mandatário da Executada.
6. Mais, em 13.04.2017, Banco (…), SA, (credor originário dos presentes autos), procedeu à penhora do imóvel – prédio urbano sito na freguesia de (…), concelho de Portalegre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…) e (…).
7. Deste modo, a Exequente requer desde já o cancelamento imediato da penhora do imóvel supra referido face ao acordo agora celebrado, comprometendo-se também a enviar para o I. Mandatário da Executada o comprovativo de pedido de registo de cancelamento da penhora.
8. Pelo exposto, e por força do artigo 806.º do C.P.C. e suas legais consequências, requer-se a V.Ex.ª a cessação imediata de todas as diligências de penhora em curso e por conseguinte a extinção dos presentes autos quanto à executada (…).”

Nessa sequência, o agente de execução proferiu a seguinte decisão: “Atento o acordo celebrado nos presentes autos com a executada (…), declaro a extinção da instância executiva quanto a esta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 806.º do Código de Processo Civil”.
Desta decisão reclamou o 2º executado, (…), argumentando que o acordo era global e como tal a execução deveria ter sido declarada extinta em relação a todos os executados.
Respondeu a exequente, dizendo que o acordo de pagamento respeitou apenas à executada (…) e que não teria de existir qualquer pedido de renovação da execução pois a mesma não está extinta quanto aos restantes executados.
No tribunal recorrido veio a ser proferido despacho julgando improcedente a reclamação apresentada.

O 2º executado, (…), recorre deste despacho, concluindo:
I. O Apelante, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC, deduziu incidente suscitando a questão de que nos termos do artigo 806.º, n.º 2, do CPC considera extinta a execução desde 11.04.2024, com fundamento num acordo de pagamento em prestações celebrado entre o exequente (…) Europe, Limited e a executada (…), e que desde essa data o AE vem praticando actos ilícitos por inúteis (ref.ª Citius 2570640, de 01.07.2024).
II. O tribunal recorrido, apreciou esse incidente e proferiu o despacho de que se recorre, mas sem fazer uma única referência à lei, ou a qualquer norma jurídica, não especificando os fundamentos de direito que justificaram a decisão, o que constituiu uma omissão total da fundamentação legal (ref.ª 33714067, de 18.09.2024).
III. O Apelante desconhece por completo a base legal em que o tribunal recorrido sustentou a sua decisão e como chegou às conclusões que apresenta, sem que consiga impugnar o despacho do ponto de vista do direito, por desconhecer qual é a norma ou as normas legais que in casu admitem a extinção parcial da execução apenas quanto à executada (…), e quais foram os preceitos legais aplicáveis e as razões legais por que foram respeitados? (v. ref.ª 33714067, de 18.09.2024).
IV. A decisão judicial assim proferida é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por omissão total de fundamentação legal, em violação do artigo 154.º e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, e artigo 205.º da CRP, o que constitui um fundamento deste recurso (v. artigos 154.º, 607.º, 615.º do CPC e 205.º da CRP).
DOS FACTOS
V. O tribunal recorrido, julgou incorrectamente que a executada (…), fez um pagamento por conta ao exequente, sem que tenha tido em atenção que esse pagamento foi efectuado integralmente pela totalidade que exequente e executada primeiramente fixaram como valor exequendo de € 145.000,00 (v. ref.ª 33714067, de 18.09.2024).
VI. Ademais resulta desse acordo, que o exequente se obrigou à cessão imediata de todas as diligências de penhora em curso, e ainda assim o AE por sua iniciativa continua a praticar actos ilícitos por inúteis (v. artigo 130.º do CPC e ref.ª Citius 2501486, de 20.03.2024).
VII. Também o raciocínio lógico apresentado pelo tribunal a quo, de que o pagamento de € 145.000,00 equivale a aproximadamente 1/3 da quantia exequenda está errado, por serem 4 executados e ao valor executivo corresponder € 52.204,09, o que é muito menos do que 1/3 ou ¼ da quota parte de cada um dos 4 executados (v. ref.ª 33714067, de 18.09.2024).
VIII. As razões de facto apresentadas pelo tribunal recorrido, não são assim as que resultam do acordo constante dos autos firmado entre a exequente e a executada (…), nem levam ao raciocínio lógico apresentado, mas antes a uma fixação da quantia exequenda em € 145.000,00 com o pagamento total e integral da quantia exequenda que dá lugar à extinção total da execução (v. artigo 806.º, n.º 2, do CPC).
DO DIREITO
IX. O Apelante, entende que do ponto de vista objectivo, tratou-se de um acordo complexo na medida em que primeiro fixou o valor total exequendo objectivamente em € 145.000,00, e depois estipulou o seu pagamento em duas prestações, com o pagamento integral desse montante (ref.ª Citius 2501486, de 20.03.2024).
X. Do ponto de vista subjectivo, a execução foi primeiramente intentada pelo Banco (…), S.A., contra 4 executados avalistas, (…), (…), (…) e (…), mas o acordo foi parcial, na medida em que envolveu o único exequente, … (v. ref.ª Citius 718241, de 30.08.2016 e ref.ª Citius 2501486, de 20.03.2024).
XI. Porém, foi reclamada a totalidade da dívida exequenda aos 4 executados, os quais solidariamente ficaram impedidos de opor o benefício da divisão, e a esta indivisibilidade substantiva do crédito exequendo corresponde uma indivisibilidade adjectiva do crédito no acordo, o que leva à extinção da execução por falta de objecto, sem que nada reste para prosseguir, quer contra a executada (…), que quanto aos demais executados (v. artigo 519.º do CC e ref.ª Citius 718241, de 30.08.2016).
XII. Em suma, a) O objecto do acordo necessariamente foi efectuado pela totalidade do crédito exequendo, € 145.000,00 (vide artigo 519.º CC e ref.ª Citius 718241, de 30.08.2016). b) Foram acordados e pagos os honorários e despesas do AE (v. artigo 795.º/2, do CPC). c) O acordo foi escrito e comunicado ao AE (v. artigo 806.º/1, do CPC). d) E, por força do artigo 806.º, n.º 2, do CPC, extinguiu-se a execução (artigo 806.º do CPC). e) Implicando nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC, a inutilidade superveniente de qualquer oposição à execução ou à penhora e a consequente extinção das respectivas instâncias (artigo 277.º/e), do CPC) (vide Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, João de Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, pág. 908).
XIII. E extinta a execução em 11.04.2024, por força do n.º 2 do artigo 806.º, e alínea e) do artigo 277.º do CPC, está o AE depois de receber os honorários e despesas que lhe foram devidos, impedido de praticar desde essa data actos ilícitos de penhora por inúteis (v. artigo 806.º/2 e artigo 277.º, alínea e) e artigo 130.º do CPC).
XIV. Devendo o incidente conforme peticionado proceder e o requerente absolvido do pagamento da taxa de justiça fixada em 2 UC.

No despacho de admissão do recurso, o tribunal recorrido declarou procedente a nulidade arguida pelo Recorrente e proferiu novo despacho, desenvolvendo a argumentação e concluindo pelo mesmo modo: improcedente a reclamação apresentada.
Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o 2º executado apresentou novo requerimento, alargando o âmbito do seu recurso e concluindo:
I. O legislador impõe que o decisor fundamente as decisões judiciais, sem fazer qualquer distinção entre sentenças e despachos, o tribunal a quo, ao defender que os despachos carecem de uma menor fundamentação de direito, fez uma incorrecta interpretação do artigo 154.º do CPC, e artigo 205.º da CRP, em violação do artigo 9.º, n.º 2, do CC (v. artigos 205.º da CRP, 154.º do CPC e 9.º, n.º 2, do CC).
II. Ademais, a Mm.ª juiz a quo, proferiu neste mesmo despacho, duas decisões entre si contraditórias, primeiro declarou a nulidade arguida, apreciando-a e proferindo um novo despacho, onde concluiu declarando não haver qualquer nulidade, o que torna este último despacho nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC (v. ref.ª Citius 33909181, de 19.11.2024 e artigo 615.º/1, alínea c), do CPC).
III. Decidiu ainda o tribunal recorrido pela improcedência da reclamação, quando não foi apresentada qualquer reclamação, mas sim um recurso onde um dos fundamentos apresentados foi a nulidade do despacho (v. Apelação e artigo 615.º/4, in fine, do CPC).
IV. E condenou o apelante nas custas dessa reclamação, que fixou em 2 UC, quando as custas pelo recurso já se mostravam pagas, e não há lugar a quaisquer custas pela apreciação da nulidade pelo tribunal recorrido, muito menos quando decide suprir a nulidade invocada proferindo uma nova decisão (vide ref.ª Citius 33909181, de 19.11.2024 e Apelação e artigo 615.º/4, in fine, do CPC).

Não foi oferecida resposta.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.
Os factos a ponderar na decisão do recurso são os já expostos no relatório.

Aplicando o Direito.
Da recorribilidade
Preliminarmente, partilha-se a interpretação segundo a qual a norma do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ao prever a não recorribilidade das reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de ser aplicável apenas quando o acto praticado se inserir no âmbito dos poderes discricionários do agente de execução ou, não se inserindo, dele não resulte a violação da reserva de competência legislativa, a violação de direitos fundamentais ou a ofensa do património das partes.
Deste modo, em todas as decisões tomadas em domínio vinculado ou de legalidade, o recurso deve ser admitido.
Neste sentido, Delgado de Carvalho observa o seguinte: “(…) sempre que o agente de execução tomar uma decisão no âmbito discricionário da sua actividade e no uso legal desse poder, a decisão e controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pelas partes, não admite recurso; porém, se a decisão for tomada no domínio da actividade do agente de execução legalmente definida ou determinada, já a decisão de controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pode admitir recurso, condicionada pelo valor da causa e da sucumbência nos termos gerais, por não existir uma disposição específica recursiva (cfr. artigos 629.º e 671.º do nCPC).”[1]
Já Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa observam: “(…) a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de acto ou da impugnação de decisão do agente de execução admitirá recurso desde que o acto ou decisão do agente de execução sejam vinculados. Na verdade, a irrecorribilidade nestas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), num contexto em que a direcção e gestão do processo de execução está cometida ao agente de execução. Neste enfoque, a recorribilidade das decisões proferidas pelo juiz, ao abrigo da alínea c) deste artigo 723.º, que se traduzam na suspensão, extinção ou anulação da execução (artigo 853.º, n.º 2, alínea b)), constitui o afloramento de uma regra de recorribilidade e não uma excepção, devendo admitir-se a impugnação da decisão judicial sempre que na sua génese esteja uma decisão vinculada do agente de execução. Preterir o recurso da decisão judicial incidente sobre reclamação de acto ou decisão vinculada do agente de execução, designadamente quando estes actos são susceptíveis de agredir o património das partes de forma equivalente ou ainda mais intensa do que o que decorra de um despacho interlocutório numa acção declarativa, constituiria uma restrição desproporcional ao direito de recorrer.”[2]
Seguindo esta orientação, também a jurisprudência tem afirmado a necessidade de interpretação restritiva do referido artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, reconhecendo o direito de recurso sempre que esteja em causa acto ou decisão vinculados do agente de execução – e assim sucedeu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11.07.2019 (Proc. n.º 13644/12.9YYLSB-C.L1-2) e de 10.10.2024 (Proc. n.º 2234/13.9TBPDL-E.L1-6); da Relação de Guimarães de 15.02.2024 (Proc. n.º 6874/16.6T8VNF-F.G1); e da Relação de Coimbra de 26.10.2021 (Proc. n.º 1064/08.4TBMGR.C1), de 23.01.2024 (Proc. n.º 771/10.6TBACB-A.C1) e de 12.11.2024 (Proc. 331/22.9T8ANS-B.C1), todos publicados na página da DGSI.
De todo o modo, encontramo-nos perante uma decisão que se pronuncia quanto à extinção da execução, restringindo esse efeito apenas a uma das executadas, em detrimento dos demais, em que o direito de recurso é expressamente reconhecido pelo artigo 853.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, motivo pelo qual a decisão da reclamação apresentada quanto ao acto do agente de execução é recorrível.

Da arguição de nulidade
Argumenta o Recorrente que o despacho recorrido incorreu em nulidade, invocando a falta de fundamentação – artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil – por o despacho recorrido não fazer qualquer referência a normas legais, pelo que desconhece por completo a base legal em que o tribunal recorrido sustentou a sua decisão.
A propósito, diremos que apenas ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, mas não a respectiva nulidade.
Citando Alberto dos Reis[3], “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”
Também Teixeira de Sousa[4] afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…). O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível.”
Não sendo exigível que a fundamentação seja longa nem exaustiva, bastando que o Tribunal justifique a sua posição, ainda que se forma concisa ou pouco persuasiva, faz-se notar, de todo o modo, que o despacho recorrido especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
A circunstância do despacho não mencionar artigos de lei não equivale, de todo, à ausência de fundamentação jurídica – ela está lá, bem expressa no despacho recorrido, de forma talvez lacónica, mas suficiente para se perceber o raciocínio que conduz à decisão tomada.
E não argumente o Recorrente que “desconhece por completo a base legal em que o tribunal recorrido sustentou a sua decisão e como chegou às conclusões que apresenta, sem que consiga impugnar o despacho do ponto de vista do direito” – basta ler as suas alegações, para se verificar que percebeu perfeitamente porque foi indeferido o seu requerimento, e não se pode considerar que o seu direito de recurso foi minimamente beliscado.
Finalmente, quanto ao despacho de admissão do recurso, que decidiu conceder a arguição de nulidade, tal significa que o recurso interposto passa a ter como objecto a nova decisão – artigo 617.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Mesmo assim, o Recorrente entende que também este despacho incorre em nulidade, por contradição dos seus fundamentos – artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código Processo Civil.
Alberto dos Reis[5] escrevia que esta nulidade verifica-se “quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)”, quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
E também se escreveu[6] que a lei refere-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) (Nestes) casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”
No caso dos autos, a contradição não existe, pois o despacho de admissão do recurso entendeu que a falta de fundamentação do despacho recorrido procedia – discordamos – e tomou a decisão consequente, suprindo a nulidade assim reconhecida, como também resulta do artigo 617.º, n.º 2.
Logo, também esta linha de arguição de nulidade não merece atendimento.
Julgam-se, pois, improcedentes todas as arguições de nulidade invocadas pelo Recorrente.

Da extinção parcial da instância, restrita a uma das executadas
De acordo com o artigo 288.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no caso de litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, a desistência e a transacção individual, limitada ao interesse de cada um na casa.
Sendo solidárias as obrigações dos avalistas de uma livrança – artigos 47.º e 77.º da LULL – o credor tem a faculdade de demandar todos em conjunto, ou apenas alguns deles, como resulta do artigo 517.º, n.º 1, do Código Civil.[7]
Daí que a exequente fosse livre para efectuar um acordo de pagamento restrito a uma das avalistas da livrança, transigindo com ela nos termos que muito bem entendesse – é uma faculdade que lhe assiste e resulta do regime da solidariedade.
De resto, lendo os termos do acordo celebrado com a executada (…), resulta patente que a redução da quantia exequenda era restrita a essa executada, e mediante o cumprimento por ela das obrigações ali definidas, não tendo a exequente renunciado, por algum modo, ao direito de receber dos demais executados o restante do seu crédito.
Por isso, acompanhamos plenamente o despacho recorrido, quando afirma o seguinte:
(…) o credor pode restringir a execução a apenas alguns devedores, reduzir a quantia exequenda, abdicando de parte do crédito ou, no caso em apreço, mediante um pagamento desistir da execução contra o devedor que fez esse pagamento.
Efectivamente, apenas o cumprimento integral da obrigação teria a virtualidade de extinguir o direito de crédito (cfr. artigo 523.º do Código Civil).
Considerando os elementos constantes dos autos, a executada (…) fez um pagamento ao exequente, por conta da dívida exequenda, e esta aceitou exonerá-la da responsabilidade do pagamento do remanescente. Trata-se de um acordo parcial e como tal não tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade pelo pagamento do remanescente, quanto aos demais executados (que nada pagaram). Conforme resulta do regime jurídico supra exposto, o exequente é livre de decidir quem pretende demandar e, em consequência, de formular acordos parciais, exonerando um executado da responsabilidade do pagamento da dívida exequenda.”
Porque assim é, resta-nos confirmar a decisão recorrida.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 13 de Março de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Eduarda Branquinho
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho


__________________________________________________
[1] In Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, 2017, pág. 194.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2020, pág. 63.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[4] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141.
[6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1.ª ed., pág. 689.
[7] Assim se decidiu, por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.02.1995 (Proc. n.º 086455) e no Acórdão da Relação de Lisboa de 14.01.2025 (Proc. n.º 13151/21.9T8LSB.L1-1), ambos publicados em www.dgsi.pt.