Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
APOIO JUDICIÁRIO
CONCESSÃO ADMINISTRATIVA
COMPETÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
Sumário
I. A decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete em exclusivo à Segurança Social, nomeadamente ao dirigente máximo dos serviços da segurança social da área de residência ou sede da requerente, nos termos do disposto no artigo 20.º da Lei do Apoio judiciário. II. Porém, o tribunal é competente, em razão da matéria, para limitar a eficácia da decisão administrativa de concessão do apoio judiciário dentro do processo judicial aos atos praticados após a apresentação do requerimento, pois não está a decidir sobre a concessão ou não de proteção jurídica. III. O apoio judiciário existe para garantir que ninguém seja impedido de aceder ao direito e aos tribunais, em razão da sua condição económica e não para dispensar o pagamento das custas em que a parte foi condenada antes de requerer o apoio judiciário. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Sumário (…)
*
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
1. Relatório:
No Processo de Regulação de Responsabilidades Parentais que (…), representada por mandatário judicial, intentou contra (…), na sequência de um requerimento apresentado pela requerente em que solicita a junção aos autos de documento comprovativo do pedido de renovação do apoio judiciário e que seja dada sem efeito a emissão da Guia n.º (….) a solicitar o pagamento de uma taxa de justiça, foi proferido despacho, no dia 23-05-2024, que, no final, decidiu que “(…) o pedido de apoio judiciário formulado pela requerida é extemporâneo e, por conseguinte, não tem qualquer aplicação ao caso concreto, devendo, em consequência, proceder ao pagamento das custas que tiver a cargo”.
A requerente (…), não se conformando com este despacho, interpôs recurso do mesmo, concluindo as suas alegações, nos seguintes termos:
1. O presente recurso é interposto da decisão datada de 23/05/2024, que considerou que o pedido de apoio judiciário formulado pela requerente seria extemporâneo e, por conseguinte, não tem qualquer aplicação ao caso concreto, devendo, em consequência, esta proceder ao pagamento das custas que tiver a cargo.
2. Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não terá sido efetuada uma correta aplicação do direito.
3. Atento o estatuído na Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente – artigo 20.º, n.º 1, do referido diploma.
4. Trata-se de um procedimento administrativo, fora da alçada da competência do tribunal, que nesta matéria se encontra circunscrita à apreciação da impugnação judicial da decisão do dirigente máximo do serviço de segurança social da área de residência do requerente que tenha indeferido o pedido de apoio judiciário – artigo 26.º, n.º 2, segunda parte e artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não sendo esse o caso dos presentes autos.
5. Ainda que o pedido de apoio judiciário pudesse ter sido formulado de forma extemporânea, o que não é o caso, não é da competência do tribunal judicial proferir decisão nesse sentido.
6. A decisão que foi proferida pelo tribunal a quo extravasa a área de competência material do mesmo e determinam a sua incompetência absoluta, matéria esta que é de conhecimento oficioso – artigo 96.º, alínea a), do Código de Processo Civil e artigos 29.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, 33.º, 40.º, 79.º, 80.º e 81.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto de 2013 e ainda artigos 577.º, alínea a) e 578.º, do Código de Processo Civil.
7. O pedido de apoio judiciário que foi formulado pela requerente ocorreu antes da sua primeira intervenção no processo e disso fez menção na petição inicial, juntando aos autos como documento n.º 5, o respetivo comprovativo.
8. As vicissitudes que ocorrem no âmbito do processo administrativo até à decisão final de atribuição do apoio judiciário são da competência da entidade administrativa incumbida da tramitação do respetivo procedimento e foram essas vicissitudes que fizeram com que o pedido de apoio judiciário efetuado para os presentes autos em 10/11/2023, só tivesse sido deferido em 15/04/2024. 9. Tendo a entidade administrativa a quem compete decidir o pedido de apoio judiciário que foi formulado para os presentes autos procedido ao deferimento do mesmo, não pode o tribunal considerar que o mesmo é extemporâneo e que não tem qualquer aplicação ao caso concreto e que a requerente tem de proceder ao pagamento das custas que tiver a seu cargo.
*
O Ministério Público respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
I. O sistema de acesso ao direito e aos tribunais, atualmente constante da Lei n.º 34/2004, de 29.7, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08, onde se integra o benefício do apoio judiciário, tem como objetivo assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (cfr. artigo 1.º, n.º 1);
II. O apoio judiciário tem, assim, em vista, evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, deixe de recorrer a juízo para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, e não um meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa.
III. No caso em apreço, a ação de regulação das responsabilidades parentais encontrava-se já finda, com a sentença de 08-02-2024, que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais a que os progenitores chegaram e os condenou nas custas do processo, já transitada em julgado, e, o apoio judiciário requerido, como a própria apelante admite nas suas alegações, destinava-se única e exclusivamente a não pagar as custas do processo em que fora condenada.
IV. Deste modo, outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo senão a de julgar tal pedido de apoio judiciário manifestamente extemporâneo, até porque esta é o entendimento que resulta da lei e tem sido unanimemente sustentado pela nossa jurisprudência.
V. Com efeito, como bem se refere no acórdão n.º 297/0001, do Tribunal Constitucional (citado pelo Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, no Proc. n.º 558/09, da 3ª Secção do Tribunal Constitucional), “um pedido de apoio judiciário, apenas para evitar o pagamento das custas da ação, depois de se ter litigado sempre sem qualquer apoio, representa a subversão da finalidade do regime de acesso ao direito e aos tribunais e não pode ser permitido”.
VI. Pelo que, apesar dos serviços de Segurança Social terem concedido à requerida apoio judiciário, parece-nos que, outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo senão a de considerar aquela decisão da entidade administrativa ineficaz nos presentes autos, por esse apoio ter sido requerido após o trânsito em julgado da decisão final, com o manifesto objetivo da requerente ficar dispensada do pagamento de custas judiciais.
VII. Não foram, pois, violados os artigos 18.º, 24.º e 44.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, ou quaisquer outras disposições legais.
*
O objeto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões da recorrente, conforme resulta do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:
i. Se o Tribunal a quo extravasou a competência em razão da matéria, atento o disposto no artigo 20.º da Lei do Apoio Judiciário, ao decidir que o pedido de apoio judiciário formulado pela requerente é extemporâneo, não tem qualquer aplicação ao caso concreto, devendo, em consequência, a requerente proceder ao pagamento das custas que tiver a cargo.
ii. Se, ainda que o tribunal seja competente, atenta a decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, proferida pela Segurança Social, o Tribunal a quo pode considerar o mesmo extemporâneo, sem qualquer aplicação ao caso concreto e que a requerente tem de proceder ao pagamento das custas em que foi condenada.
*
2. Apreciação do recurso:
2.1. Fundamentação de facto: Estão provados os seguintes factos, que resultam do processo principal:
1) ... intentou, no dia 10-11-2023, Processo de Regulação das Responsabilidade Parentais relativamente aos seus dois filhos, (…), com dois anos e (…), com 13 dias.
2) Para o efeito invocou que os filhos encontram-se a viver consigo e que o pai não contribui para o sustento dos filhos.
3) Com a apresentação da petição inicial, a requerente/recorrente alegou não dispor de meios económicos que lhe permitam custear as despesas da ação, ter solicitado apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e juntou o respetivo documento comprovativo de ter submetido à Segurança Social o requerimento de apoio judiciário, n.º de pedido (…), no dia 10-11-2023.
4) Este requerimento (APJ …) foi indeferido a 08-12-2023, por falta de resposta à Audiência de Interessados pelo Requerente, o que o ISS comunicou ao tribunal no dia 11 de março de 2024.
5) A 08-02-2024 foi realizada a conferência de pais a que alude o artigo 35.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e foi alcançado acordo que de imediato foi homologado por sentença, tendo os progenitores sido condenados nas custas do processo, em partes iguais.
6) A recorrente, no dia 11-03-2024, requereu junto da segurança social apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, invocando estar desempregada e mencionando que se tratava de um pedido de renovação do processo n.º (…), apresentado a 10-11-2023.
7) Por requerimento de 13-03-2024, (…) juntou aos autos o documento referido 6), que designou de “comprovativo do pedido de renovação de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, que se encontra pendente e requereu que fosse dada sem efeito a emissão da guia n.º (…), a solicitar o pagamento de uma taxa de justiça.
8) Por ofício de 15-04-2024, a segurança social comunicou ao tribunal que nos termos do artigo 26.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, foi concedida proteção jurídica à requerente (…) por despacho datado de 15 de abril de 2024, no Processo de Apoio Judiciário n.º (…).
9) O Ministério Publico promoveu que se indeferisse o requerido, no dia 13 de março de 2024, “uma vez que o primeiro pedido de apoio judiciário apresentado pela requerente foi indeferido automaticamente em 8/12/2023 – cfr. fls. 35 - e o novo pedido de apoio judiciário apresentado é extemporâneo (já que foi apresentado após o trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos)”.
10) No dia 23 de maio de 2024, a Mma. Juíza proferiu o despacho recorrido, nos termos do qual decidiu que:
“(…) a primeira intervenção processual da ora requerente ocorreu a 08.02.2024, com a intervenção na conferência de pais e a mesma só apresentou o requerimento para pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, a 11.03.2024 (conforme se constata no documento junto a fls. 37 e 40 e ss.) ou seja, de forma intempestiva. Nestes termos, embora o benefício de apoio judiciário lhe tenha sido concedido pela Segurança Social, certo é que tal benefício não a pode favorecer no âmbito destes autos, pois que, em bom rigor, não podemos ignorar que a concessão de apoio judiciário só produz efeitos para futuro. Pelo exposto, e face ao teor dos citados normativos legais, o pedido de apoio judiciário formulado pela requerida é extemporâneo e, por conseguinte, não tem qualquer aplicação ao caso concreto, devendo, em consequência, proceder ao pagamento das custas que tiver a cargo. Notifique”.
*
Inexistem facto não provados com relevância para a decisão.
*
2.2. Fundamentação de direito: 2.2.1. Da incompetência em razão da matéria:
Defende a recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo “extravasa a área da competência material do mesmo e determina a sua incompetência absoluta”, pois a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência do requerente, pelo que o Tribunal não pode apreciar da “extemporaneidade” do pedido como o fez. Invoca, assim, a violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, 26.º, n.º 2, 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho.
Não se suscitam quaisquer dúvidas de que a decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete em exclusivo à Segurança Social, nomeadamente, ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente, porque assim prescreve o artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004. Tal exclusividade, aliás, compreende-se por versar sobre um ato administrativo. Precisamente, por isso, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da referida Lei, o procedimento é autónomo relativamente ao processo a que respeita e o Tribunal, nos termos dos artigos 26.º, n.º 2, 27.º e 28.º da referida lei só intervém quando a decisão é impugnada judicialmente, o que não aconteceu no caso.
Sucede que a decisão em causa não decide sobre a concessão ou não concessão de proteção jurídica requerida pela requerente, já que conforme resulta dos factos assentes, foi concedido proteção jurídica à requerente no dia 15-04-2024, tendo assim sido deferido o pedido apoio judiciário formulado pela requente/recorrente junto do Instituto da Segurança Social no dia 13-03-2024, o que é reconhecido e pressuposto da decisão proferida.
O despacho ora impugnado, proferido pelo Tribunal a quo, no dia 23 de maio de 2024, limita-se a apreciar o requerimento da recorrente de 13 de março de 2024, em que a recorrente peticiona que seja dada sem efeito a emissão da guia n.º (….) a solicitar o pagamento da taxa de justiça e , para o efeito, o Tribunal pronuncia-se quanto ao alcance da decisão no processo, ou seja, analisa e decide sobre a eficácia e a aplicação da proteção jurídica que foi concedida à requerente, em 15-04-2004, não para a revogar ou neutralizar, mas para determinar que tendo o requerimento de apoio judiciário sido apresentado na segurança social já após o trânsito em julgado da sentença proferida, já não poderá surtir qualquer efeito em termos de dispensar a requerente/apelante do pagamento das custas em que foi anteriormente condenada.
Do exposto resulta que, não se verifica qualquer incompetência em razão da matéria, limitando-se o Tribunal a quo a apreciar o requerimento apresentado o que pressupõe pronunciar-se sobre o alcance e os efeitos da decisão de concessão do apoio judiciário no processo judicial, que, aliás, jamais poderia estar na competência da segurança social.
Acompanhamos assim o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-11-2023, publicado in www.dgsi.pt (Processo n.º 679/22.2T8MTS-A.P1), que decidiu que: “Cabendo o controlo da tempestividade da dedução do pedido de apoio judiciário à entidade administrativa que o decide, ao Tribunal competirá, no respeito por tal decisão, a verificação dos efeitos da mesma na concreta causa e sua abrangência.” E também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-05-2024 (Processo n.º 10/19.4T8VVD.G1) nos termos do qual:
“III. É da exclusiva competência do ISS, a apreciação da oportunidade e atendibilidade de requerimento de apoio judiciário apresentado na pendência de ações judiciais, depois da primeira intervenção processual do requerente.
IV - Assim, salvo o caso de ser deduzida impugnação judicial do deferimento do pedido de apoio judiciário apresentado na pendência da causa, depois da primeira intervenção processual do requerente, o tribunal não poderá colocar em crise a decisão administrativa de deferimento.
V – Isso não obsta a que o tribunal se pronuncie quanto aos seus efeitos no âmbito processual, na medida em que é matéria que não integra o âmbito decisório do ISS, que se limita a deferir ou a indeferir”.
*
2.2. Do apoio judiciário concedido:
Decidiu o tribunal a quo que da conjugação do artigo 18.º com o artigo 44.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho resulta que “a concessão de apoio judiciário só tem efeitos para o futuro”, pelo que a requerente ainda que comprovadamente tenha direito ao benefício de apoio judiciário desde a data do requerimento de apoio judiciário, ou seja, desde 11 de março de 2024, terá sempre que pagar as custas em que foi condenada em data anterior, designadamente, as custas em que foi condenada por decisão de 8 de fevereiro de 2024, decisão que transitou em julgado no dia 24 de fevereiro de 2024.
Porém, a recorrente defende que tendo a Segurança Social, entidade competente para o efeito, deferido o requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não pode o Tribunal considerar que o mesmo é extemporâneo não tem qualquer aplicação no caso concreto e que a requerente tem de proceder ao pagamento das custas que tiver a seu cargo, pois a ação foi instaurada em 10-11-2023 e o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo também foi efetuado nessa data, antes da instauração da ação tendo o comprovativo desse pedido sido junto aos autos. Mais invoca que foram as vicissitudes ocorridas no âmbito do processo administrativo que fizeram com que o pedido só tivesse ido deferido em 15-04-2024.
Ora, conforme resultou dos factos provados não houve quaisquer vicissitudes no âmbito do procedimento administrativo que tenham retardado a decisão do mesmo. O que sucedeu foi que a requerente / recorrente formulou um primeiro pedido de apoio judiciário, na modalidade mencionada e na data referida – 11-10-2023 – mas este pedido foi indeferido automaticamente em 08-12-2023 por falta de resposta à audiência de interessados pela requerente, não tendo esta decisão sido objeto de reclamação.
Posteriormente, em 11-03-2024, decorridos mais de 30 dias sobre a decisão e condenação em custas e já quando se encontrava transitada esta decisão, a requerente apresentou novo pedido de apoio judiciário,
Destes factos resulta que, este segundo pedido de apoio judiciário foi formulado não para garantir o acesso da requerente à justiça – uma vez que a requerente já tinha proposto a ação, a qual já tinha sido decidida, com decisão que transitou em julgado – mas apenas para evitar o pagamento das custas em que a requerente foi condenada.
A questão que se coloca é a de saber se o apoio judiciário pode ou não cobrir estas situações, de modo a evitar que a requerente que comprovadamente, neste momento, está numa situação de insuficiência económica tenha que pagar as custas do processo em que foi condenada antes de fazer qualquer prova de que se encontrava em situação de insuficiência económica, sob pena de não o fazendo ser executada.
A Lei n.º 34/2004, de 29 de julho não diz explicitamente se a decisão que concede apoio judiciário tem efeitos retroativos ou se vale apenas para o futuro. Porém a jurisprudência fazendo apelo à razão de ser do instituto do apoio judiciário que visa obstar a que ninguém, em razão da sua situação económica, fique impedido de recorrer à justiça para defender os seus direitos, decorrendo a sua criação do imperativo constitucional plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, tem entendido que a concessão de apoio judiciário apenas tem efeitos para o futuro não abarcando conduta processual pretérita.
Aliás, conforme resulta do acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 91/2019, de 6 de fevereiro de 2019, no processo n.º 1080/18, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190091.html “(...) o Tribunal Constitucional, no que respeita à oportunidade da apresentação do pedido de apoio judiciário, tem reiteradamente entendido que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa, sendo essa a razão pela qual se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objetivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cfr., entre outros, os acórdãos n.ºs 508/97, 308/99, 112/2001, 297/01, 590/2001 e 215/2012, para os quais remete a Decisão Sumária reclamada, todos acessíveis a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, assim como a restante jurisprudência adiante citada.).
Por outro lado, reiterou-se ainda em tal decisão a jurisprudência deste Tribunal, firmada no Acórdão n.º 46/2010, no qual se decidiu não julgar inconstitucional a interpretação dos artigos 1.º, 6.º, n.º 2, 18.º, 29.º, n.º 5, 44.º, n.º 1, e 51.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, «no sentido de que o apoio judiciário apenas permite dispensar do pagamento de encargos com o processo originados após a sua concessão». Seguiu-se igualmente a conclusão a que aí se chegou de que a interpretação normativa segundo a qual o pedido de apoio judiciário, quando requerido já após a decisão final, não pode implicar um efeito retroativo em relação à atividade processual já tributada, não constitui violação da garantia de acesso aos tribunais, nos casos – como o do ora reclamante – em que a parte litiga sem suscitar a existência de dificuldades económicas e requeira a proteção jurídica apenas para se eximir ao pagamento de custas judiciais em que tenha sido condenada. (…)”.
No caso concreto, não obstante a autora invocar, desde o início do processo, que não tem condições económicas que lhe permitam custear as despesas do presente processo, não impugnou a decisão que lhe indeferiu o primeiro pedido de apoio judiciário formulado e só fez essa prova da insuficiência já no segundo pedido de apoio judiciário, apresentado na segurança social, depois do trânsito da decisão que a condenou em custas.
Ora, o pedido de apoio judiciário, é aferido quanto aos seus requisitos à data em que foi solicitado e, assim sendo, bem andou o Tribunal a quo ao decidir, que o deferimento do pedido de apoio judiciário apresentado pela requerente já após o trânsito em julgado da decisão de condenação em custas é extemporâneo para evitar o pagamento dessas custas, pelo que não permite, como pretendido, dispensar a requerente do pagamento dessas custas, por não estar em causa o acesso ao direito, mas apenas o não pagamento das custas (não tendo a requerente demonstrado – e note-se que não basta alegar - que à data em que foi condenada nas custas já se encontrava numa situação de insuficiência económica).
*
3. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC).
*
Évora, 13 de março de 2025
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª adjunta)
Manuel Bargado (2.º adjunto)