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CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PERDÃO DE PENA
APLICAÇÃO DE PERDÃO
Sumário
Sobre a aplicação de perdão em caso de cúmulo jurídico deverá proceder-se ao cúmulo da pena abarcada pela possibilidade de perdão com a pena cominada ao crime que não beneficia de perdão, e aplica-se o perdão sobre a pena única calculado previamente face à pena que dele beneficia. Em caso de serem várias as penas que beneficiam do perdão, procede-se ao cúmulo parcelar das penas abarcadas pela possibilidade de perdão, servindo tal cúmulo intermédio para determinar a extensão do perdão e, calculado o perdão aplicável, proceder-se à reformulação do cúmulo geral de todas as penas e à pena única de tal cúmulo global desconta-se o perdão previamente determinado. Não se procederá assim quando o perdão exceder a pena única resultante do "sub-cúmulo" das penas parcelares abrangidas pelo perdão, pois nesta hipótese o perdão deve ser aplicado de imediato, uma vez que extingue tal pena (restando então a pena ou penas que não beneficiam do perdão).
Texto Integral
Acordam, em audiência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto .
No âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo n.º../.. que corre termos no -.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de....., realizou o Tribunal Colectivo audiência de julgamento, para efeito de cúmulo jurídico, relativamente aos arguidos José....., Luís....., e Manuel....., todos devidamente identificados a folhas 604, e por acórdão de 13 de Novembro de 2002 , decidiu aplicar ao arguido José..... a pena única de 2 (dois) anos de prisão, ao arguido Luís..... pena única de 4 (quatro) anos de prisão e ao arguido Manuel..... a pena de 5 (Cinco anos e 1 Um) mês de prisão.
O Ministério Público , não se conformando com o teor do douto acórdão de 13 de Novembro de 2002 , junto de fls. 604 a 609 dos autos, dele interpôs recurso para o S.T.J., concluindo na sua motivação:
«4.1. Recorre-se do douto acórdão cumulatório proferido em 13 de Novembro de 2002 constante de folhas 604 a 609 dos autos com processo comum criminal em epígrafe.
4.2. Nele foram os arguidos José....., Luís..... e Manuel..... condenados, respectivamente, nas penas conjuntas de prisão de 2 anos, de 4 anos e de 5 anos e 1 mês de prisão, já deduzidas do perdão decorrente da Lei 29/99 de 12.5 e englobadoras das seguintes penas parcelares:
4.2. 1. José.....:
- 2 anos e 9 meses de prisão por um crime de furto p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º n.2, al. e) do Código Penal praticado em 26.10.1996, imposta neste Processo Comum Colectivo n.º../.. por acórdão de 6.2.2002, transitado em julgado;
- 10 meses de prisão por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos art.s 21.º n.º 1 e 25.º a) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22-1, praticado em 24.10.1996, imposta no PCC n.º ../.. do -º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de.... por acórdão de 2.1.1999, transitado em julgado;
4.2.2. Luís.....:
- 2 anos e 3 meses de prisão por um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.203.º e 204.º n.º 2, alínea e) do Código Penal, praticado em 26.10.1996, imposta neste PCC n.º../.. por acórdão de 6.2.2002, transitado em julgado;
- 2 anos e 9 meses de prisão por um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 202º al. e), 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 al. e) do Código Penal, praticado em 9.1.1997, imposta no PCC n.º ../.. do -º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de..... por acórdão de 3.12.1998, transitado em julgado;
- 2 anos de prisão por um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art. 21.º n.º 1 e 25.º al. a) do Decreto-Lei 15/93 de 22/01, praticado em 24.10.1996, imposta no Processo Comum Colectivo n.º ../.. do -º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de..... por acórdão de 21.1.1999, transitado em julgado;
- 2 anos e 6 meses de prisão por um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.202.º, al. d) e 204.º n.º 2, al. e) do Código Penal, praticado em 2.6.1997, imposta no PCC n.º ../.. do -º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de..... por acórdão de 3.12.1998, transitado em julgado;
4.2.3. Manuel.....:
- 2 anos e 3 meses de prisão por crime de furto qualificado p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º n.º 2 al. e) do Código Penal, praticado em 26.10.1996, imposta neste PCC n.º ../.. por acórdão de 6.2.2002, transitado em julgado;
- 4 anos e 8 meses de prisão por crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.1, praticado em 22.1.1999, imposta no PCC ../.. do -º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da comarca de..... por acórdão de 26.11.1999, transitado em julgado.
4.3. O recurso é restrito à matéria de direito - art. 434.º do Código de Processo Penal.
4.4. Sem embargo, nele se poderá conhecer dos vícios previstos no art.410.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
4.5. Vícios estes que, adiante-se, não se verificam.
4.6. A matéria de facto apurada na instância estará, assim, definitivamente fixada.
4.7. Por isso que ela aqui vai dada como inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais.
4.8. Discorda-se do método seguido pelo Ex.mo Tribunal para a aplicação do perdão da Lei n.º 29/99,de 12-5, que se entende violador dos seus art.s 1.º, n.º1 e 4 e 2.º n.º 2 al. n) e 3, por erro de interpretação.
4.9. E tais normas só teriam sido respeitadas se, ao invés de se ter calculado o perdão correspondente às penas dos crimes de furto, de se ter deduzido tal benesse a essas penas - aí se incluindo a pena subconjunta exigida pelo concurso de furtos do Manuel Luís Ferreira - e de se ter cumulado o remanescente delas com as penas correspondentes aos crimes de tráfico de estupefacientes,
4.10. se ao invés disso, dizia-se, logo após a determinação da medida do perdão nos termos prescritos pelo art. 2.º n.º 2 al. n) e 3 da lei citada, se tivessem cumulado na sua integralidade todas as penas parcelares em presença - mesmo as que tinham integrado o subcúmulo, meramente intercalar - e só depois se tivesse deduzido o perdão anteriormente determinado à pena conjunta que assim tivesse sido obtida.
4.11. Para além disso, houve ainda violação, também por erro de interpretação, das normas dos art. 40.º, 71.º, 77, n.º 1 e 2 e 78.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal,
4.12. o que, conjugado com o erro precedente, conduziu à aplicação das penas supra mencionadas, que claramente não reflectem, por defeito, a, gravidade do ilícito global praticado por cada um dos arguidos e a respectiva personalidade unitária.
4.13. Por tudo, requer-se a esse Doutíssimo Tribunal que, reparando as apontadas violações de lei, revogue o douto acórdão recorrido nos pontos questionados,
4.14. e imponha as penas conjuntas de prisão de 3 anos e 3 meses ao José....., de 7 anos ao Luís..... e de 6 anos ao Manuel.....,
4.15. todas a reduzir em 1 ano, por perdão ao abrigo dos art.s 1.º n.º 1 e 4.º, 2.º n.º 2 , al. n), 3.º e 4.º da Lei n.º29/99, 127.º e 128.º n.º 3 do Código Penal.
Termos em que, e nos mais de direito, deve o recurso ser provido, reformando-se o douto acórdão recorrido conforme o proposto em 4.12. a 4.15 das «conclusões», com o que se fará a acostumada justiça.».
Responderam ao recurso os arguidos José..... e Luís..... pugnando pelo seu não provimento e manutenção da decisão recorrida.
O STJ, por acórdão de 6 de Fevereiro de 2003 , após declarar que o recorrente atribuiu vícios ao acórdão recorrido que se inserem no que se deve considerar como falta de fundamentação na determinação das penas únicas em que os arguidos foram condenados, o que constitui a nulidade da decisão presente nos art.s 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1 , al. a) do C.P.P. e 71.º , n.º3 do C.P., a qual caí no âmbito do disposto no n.º3 do art.410.º do C.P.P., decidiu não conhecer do recurso e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação do Porto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do Código de Processo Penal não houve resposta.
Foram colhidos os vistos e realizada a audiência.
Cumpre decidir.
*
*
São as seguintes as condenações, todas transitadas em julgado, que o Tribunal recorrido teve
em consideração no cúmulo jurídico de penas:
A)
- Quanto ao arguido José..... -
1. No Processo Comum Colectivo n.º../.. (ex ../99 ) do -º Juízo do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 06/02/2002, e pela pratica em 26/10/1996, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, no 2, al. e) do Código Penal, a pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
2. No Processo Comum Colectivo no ../.. do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 21/01/1999, e pela pratica em 24/10/1996, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01, na forma de cumplicidade, a pena de 10 meses de prisão.
B)
- Quanto ao arguido Luís.....-
1. No Processo Comum Colectivo no ../.. (ex ../99 ) do -º Juízo do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 06/02/2002, e pela pratica , em 26/10/1996, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, a pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
2. No Processo Comum Colectivo n.º ../.. do -.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 03/12/1998 , e pela pratica em 09/01/1997, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 202.º, al. e), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, a pena de 2 anos e 9 meses de prisão.
3. No Processo Comum Colectivo no ../.. do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 21/01/1999, e pela pratica em 24/10/1996, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01, a pena de 2 anos de prisão.
4. No Processo Comum Colectivo n.º ../.. do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 03/12/1998, e pela pratica em 02/06/1997, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202.º, al. d) e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
C)
- Quanto ao arguido Manuel..... -
1. No Processo Comum Colectivo n.º ../.. (ex ../99) do -º Juízo do Tribunal Judicial de....., por acórdão de 06/02/2002, e pela pratica em 26/10/1996, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
2. No Processo Comum Colectivo n.º ../.. do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de...., por acórdão de 26/11/1999, já transitado em julgado, pela pratica em 22/01/1999, de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão.
Na determinação das penas únicas a decisão recorrida menciona o seguinte:
«Com relevo para a decisão apresentam-se provados os seguintes factos:
O arguido Manuel Ferreira encontra-se a trabalhar no estabelecimento prisional onde se acha recluso, laborando na carpintaria, recebe visitas, não consome produtos estupefacientes desde 2001 e estudou até à 3ª classe;
O arguido Manuel..... encontra-se a trabalhar no estabelecimento prisional onde se acha recluso, laborando no artesanato, para além de ter frequentado o curso de serralharia civil, recebe visitas e encontra-se a efectuar um tratamento com vista a debelar a sua dependência de produtos estupefacientes, produtos estes que não consome desde há cerca de 2 anos.
Tendo em atenção a data de ocorrência das infracções penais atrás mencionadas tem que ser ponderada a aplicação da Lei n.º 29/99 de 12/05.
A aplicação de tal perdão está afastado, nos que tange aos ilícitos penais que consubstanciam os crimes de trafico de estupefacientes, atento o disposto no art. 2, n.º 2, al. n) daquele diploma legal.
Já no que respeita aos crimes de furto qualificado, por que qualquer dos arguidos veio a ser julgado e condenado, por decisões já devidamente transitadas em julgado, a sua aplicação não é de afastar, pois não se verificam quaisquer das circunstancias aludidas no art. 2.º daquele diploma legal.
Por tal, e com vista à aplicação do perdão aludido importa proceder à efectivação de dois cúmulos parcelares, um deles englobando os factos que integram os crimes de furto qualificado e, um outro, onde se englobem os factos que constituem os ilícitos de trafico de estupefacientes.
As circunstancias a ter em consideração para a pena única são a idade dos arguidos à data da pratica dos factos delituosos, o numero e a natureza das infracções, a personalidade dos arguidos, o limite temporal em que a sua conduta delituosa se manteve e os limites abstractos da pena única.
No que concerne ao arguido José..... há que considerar a pena de 2 anos e 9 meses que lhe foi aplicada no âmbito do processo comum colectivo nº ../.., pena esta sobre que incide o perdão de 1 ano de prisão, nos termos e sob a condição aludida nos arts. 1.º a 4.º da Lei n.º29/99 de 12/05, o que ora se declara.
Tendo em atenção os enunciados critérios entende-se ser justa, adequada e necessária a pena de 2 (Dois) anos de prisão para cominar todas as condutas desenvolvidas pelo arguido José..... que integram os ilícitos por que veio a ser condenado no âmbito dos processos comuns colectivos n.º ../.. e n.º ../...
No que respeita ao arguido Luís..... há que considerar as penas de 2 anos e 3 meses, 2 anos e 9 meses e 2 anos e 6 meses aplicadas, respectivamente, no âmbito dos processos comuns colectivos nºs ../.., ../.. e ../.., e bem assim os critérios atrás firmados e assim decide-se aplicar-lhe a pena única de 4 (Quatro) anos e 4 (Quatro) meses de prisão para cominar tais ilícitos.
Sobre a pena incide o perdão de 1 ano de prisão, nos termos e sob a condição aludida nos arts. 1.º a 4.º da Lei n.º 29/99 de 12/05, o que ora se declara.
Atendendo aos critérios atrás firmados e efectuando o cumulo final da pena única atrás considerada e a que foi aplicada ao identificado arguido no âmbito do processo comum colectivo nº ../.. decide-se aplicar-lhe a pena única de 4 (Quatro) anos de prisão.
No que concerne ao arguido Manuel..... há que considerar a pena de 2 anos e 3 meses que lhe foi aplicada no âmbito do processo comum colectivo n.º ../.., pena esta sobre que incide o perdão de 1 ano de prisão, nos termos e sob a condição aludida nos arts. 1º a 4º da Lei n.º 29/99 de 12/05, o que ora se declara.
Tendo em atenção os enunciados critérios entende-se ser justa, adequada e necessária a pena de 5 (Cinco) anos e 1 (Um) mês de prisão para cominar todas as condutas desenvolvidas pelo arguido Manuel..... que integram os ilícitos por que veio a ser condenado no âmbito dos processos comuns colectivos n.º ../.. e n.º../..».
*
Como é pacifico, o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr. entre outros , o art. 412º do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-96, no BMJ 458º, pág. 98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2ª ed., pág. 335).
Face às conclusões da motivação as questões a decidir são as seguintes:
- saber se o perdão concedido pela Lei n.º 29/99 de 12 de Maio foi bem aplicado na decisão recorrida, considerando que uma das penas aplicadas a cada um dos arguidos está excluída do mesmo perdão; e
- saber se houve erro de interpretação e de aplicação dos art. 40.º, 71.º, 77, n.º 1 e 2 e 78.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal, e consequentemente na medida concretas das penas, reflectindo por defeito, a gravidade do ilícito global praticado por cada um dos arguidos e a respectiva personalidade unitária.
No presente caso, tem-se como pacifico que, atenta a data da prática dos factos integradores dos referidos ilícitos penais e a data das respectivas condenações, existe uma situação de concurso de crimes, cujo conhecimento superveniente determina a necessidade de efectivação do cúmulo jurídico das penas aplicadas aos arguidos (art. 78.º do Código Penal).
Também não há controvérsia sobre as penas que podem beneficiar e as que não beneficiam do perdão concedido pela Lei n.º 29/99 de 12 de Maio.
Atenta a data da prática dos factos, anteriores a 25 de Março de 1999, os crimes de furto qualificado praticados pelos arguidos podem beneficiar do perdão da Lei n.º 29/99. Já os crimes de tráfico de estupefacientes pelos quais foram condenados não beneficiam de tal perdão, atento o disposto no art. 2, n.º 2, al. n), do mesmo diploma legal.
Posto isto, vejamos o essencial das regras estabelecidas pelo Código Penal sobre a punição do concurso de crimes e as disposições da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio sobre a aplicação do perdão.
O essencial das regras sobre a punição do concurso de crimes consta do art.77.º do Código Penal, importando considerar, para o caso em apreço os seus dois primeiros números que têm a seguinte redacção:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo as somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Por sua vez, o art. 1.º da Lei n.º 29/99, estatui nomeadamente o seguinte:
«1. Nas infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, é perdoado um ano de todas as penas de prisão , ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado. (...)
4. Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores , sem prejuízo do disposto no artigo 3.º.».
O art.2.º, n.º 3, da mesma Lei n.º 29/99, estipula, por sua vez, que “A exclusão do perdão prevista nos n.ºs 1 e 2 não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo anterior em relação a outros crimes cometidos, devendo, para o efeito, proceder-se a adequado cúmulo jurídico”.
Sobre o modo de se proceder a este “adequado cúmulo jurídico”, conjugando as regras dos art.s 77.º e 78.º do C.P. e as da Lei n.º 29/99, têm sido tomadas, essencialmente, duas posições na jurisprudência:
- Para uma delas, em primeiro lugar aplica-se o perdão à pena que dela beneficia e, caso exista remanescente, este deverá ser cumulado com a pena excluída do perdão. Em caso de serem várias as penas que beneficiam do perdão, procede-se ao cúmulo parcelar das penas abarcadas pela possibilidade de perdão, ou seja com exclusão da pena cominada ao crime que não beneficia do perdão, e sobre este sub-cúmulo aplica-se o perdão, entrando o remanescente em cúmulo, a final, com a pena do crime excluído do perdão. - Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ, de 23 de Novembro de 2000 ( C.J., A.S.T.J., ano VIII, 3º, pág. 217) e de 10 de Maio de 2000 (C.J., A.S.T.J., ano VIII, 2º, pág. 184).
- Para outra posição, procede-se ao cúmulo da pena abarcada pela possibilidade de perdão, com a pena cominada ao crime que não beneficia do perdão, e aplica-se o perdão sobre a pena única, calculado previamente face à pena que dele beneficia. Em caso de serem várias as penas que beneficiam do perdão, procede-se ao cúmulo parcelar das penas abarcadas pela possibilidade de perdão, servindo tal cúmulo intermédio apenas para determinar a extensão do perdão; calculado o perdão aplicável, procede-se à reformulação do cúmulo geral de todas as penas e à pena única de tal cúmulo global desconta-se o perdão previamente determinado. Não se procederá assim, porém, quando o perdão exceder a pena única resultante do “sub-cúmulo” das penas parcelares abrangidas pelo perdão, pois em tal hipótese o perdão deve ser aplicado de imediato, uma vez que extingue tal pena (restando então a pena ou penas que não beneficiam do perdão) - Cfr., entre outros, o voto de vencido no citado acórdão do STJ, de 23 de Novembro de 2000, e acórdãos do mesmo Tribunal, de 17 de Janeiro de 2000 (C.J., A.S.T.J., ano VIII, 1º, pág. 173), de 12 de Outubro de 2000 (C.J., A.S.T.J., ano VIII, 3º, pág. 205), de 12 de Janeiro de 2000 (C.J., A.S.T.J., ano VIII, 2º, pág. 205) e 26 de Janeiro de 2000 (BMJ n.º 493, pág. 179).
Este Tribunal da Relação do Porto entende que a metodologia que mais respeita as regras dos art.s 77.º e 78.º do C.P. e da Lei n.º 29/99 é a atrás mencionada em segundo lugar. Com esta posição conservam-se os limites mínimos e máximos dentro dos parâmetros do n.º2 do art. 77.º do Código Penal e salvaguardam-se as penas parcelares , em vez das penas resultantes de sub-cúmulos.
A primeira posição foi a seguida pelo Tribunal recorrido; a segunda, a defendida pelo recorrente.
Não sendo a posição da decisão recorrida aquela que este Tribunal da Relação considera a mais correcta, importa considerar aqui qual o adequado cúmulo jurídico das penas aplicadas a cada um dos arguidos.
Na decisão recorrida foi tido em conta na efectivação do cúmulo jurídico, nomeadamente, a idade dos arguidos à data da pratica dos factos delituosos, o número e a natureza das infracções, a personalidade dos arguidos e o limite temporal em que a sua conduta delituosa se manteve, pelo que consideramos não existir falta de fundamentação da decisão recorrida. Questão algo diferente é saber se foram devidamente ponderados no cúmulo jurídico os factos e a personalidade dos arguidos, o que se irá decidir.
Relativamente ao arguido José..... as penas a considerar são as seguintes:
2 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, no 2, al. e) do Código Penal e 10 meses de prisão, pela pratica de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01, na forma de cumplicidade.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art.77.º do C.P., a pena mínima aplicável a este arguido é de 2 anos e 9 meses de prisão e a máxima de 3 anos e 7 meses de prisão.
No processo comum colectivo n.º../.., os factos ocorreram em 26-10-1996. A ilicitude dos factos e a intensidade dolosa são de grau médio, não havendo circunstâncias que deponham a seu favor.
No processo comum colectivo n.º ../.. os factos integradores do crime de tráfico de menor gravidade, ocorreram sob a forma de cumplicidade e tiveram lugar em 24-10-1996, sendo então o arguido José..... consumidor de heroína. Participou nos factos em causa como forma de obter um ou outro panfleto de heroína para si e confessou os factos com algum relevo para a descoberta da verdade.
Tem um passado criminal com sucessivas condenações sofridas desde 1988, pela prática de vários crimes de furto, de burla, de introdução em lugar vedado ao público, de abuso de confiança, e de tráfico de estupefacientes, como resulta do teor dos acórdãos referentes aos processos atrás mencionados.
Face ao exposto, considerando os factos descritos nas decisões em causa, nomeadamente o grau de ilicitude, e a personalidade do arguido José..... que deles resulta, consideramos adequada a aplicação ao mesmo, em cúmulo jurídico, da pena conjunta, única, de 3 anos e 2 meses de prisão. A esta pena, nos termos do art.1.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, deve declarar-se perdoado um ano de prisão, sob a condição resolutiva prevista no art.4.º da mesma Lei.
Quanto ao arguido Luís..... temos a considerar as seguintes penas:
2 anos e 3 meses de prisão, pela pratica de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal; 2 anos e 9 meses de prisão, pela pratica de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 202.º, al. e), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal; 2 anos de prisão, pela pratica de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do D.L. n.º 15/93 de 22/01; e 2 anos e 6 meses de prisão, pela pratica de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202.º, al. d) e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art.77.º do C.P., a pena mínima aplicável ao arguido Luís..... é de 2 anos e 9 meses de prisão e a máxima de 9 anos e 6 meses de prisão .
No processo comum colectivo n.º../.., o arguido foi condenado por factos ocorridos em 26-10-1996. Considerou-se ali que a ilicitude dos factos e a intensidade dolosa são de grau médio e que o arguido confessou integralmente os factos com relevância para a descoberta da verdade.
No processo comum colectivo n.º../.. o arguido foi condenado por factos praticados em 9 de Janeiro de 1997. O valor dos objectos furtados, em co-autoria, foi de 98.400$00.
No processo comum n.º ../.., os factos integradores do crime de tráfico de menor gravidade, tiveram lugar em 24-10-1996, sendo então o arguido consumidor de heroína. Confessou os factos com algum relevo para a descoberta da verdade.
No Processo Comum Colectivo n.º ../.., os factos integradores do furto qualificado foram praticados, em co-autoria, a 02/06/1997. O valor dos objectos furtados ascendeu a 88.180$00.
Tem um passado criminal com condenações sofridas desde 1988, pela prática de vários crimes de furto, um crime de roubo, e de tráfico de estupefacientes, como resulta do teor dos acórdãos referentes aos processos atrás mencionados .
O acórdão recorrido considerou ainda provado que o arguido Luís..... encontra-se a trabalhar no estabelecimento prisional onde se acha recluso, laborando na carpintaria, recebe visitas, não consome produtos estupefacientes desde 2001 e estudou até à 3ª classe.
Efectuando agora um cúmulo parcial entre as penas aplicados pelos crimes de furto - que na tese que defendemos como correcta serve apenas para avaliar a extensão do perdão - consideramos que 5 anos e 4 meses de prisão é a pena apropriada. Um ano de prisão é assim o perdão a aplicar às penas que dele beneficiam (mais favorável do que um sexto, a outra alternativa).
Calculado o perdão aplicável, há que proceder à reformulação do cúmulo de todas as penas parcelares.
Tendo em consideração os critérios atrás definidos, e nomeadamente a ilicitude global dos factos e a personalidade do arguido que deles resulta , consideramos dever aplicar ao arguido, por adequada, a pena única de 6 anos de prisão. Nos termos do art.1.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, deve declarar-se perdoada a esta pena um ano de prisão, sob a condição resolutiva prevista no art.4.º da mesma Lei.
Finalmente, e quanto ao arguido Manuel....., temos a considerar as seguintes penas: 2 anos e 3 meses de prisão, pela pratica de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.s 203.º e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal e, 4 anos e 8 meses de prisão, pela pratica de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01.
A pena mínima aplicável ao arguido Manuel..... é de 4 anos e 8 meses de prisão e a máxima de 6 anos e 11 meses de prisão.
No processo comum col. n.º ../.. os factos ocorreram em 26-10-1996. A ilicitude dos factos e a intensidade dolosa são de grau médio .Confessou integralmente os factos com relevância para a descoberta da verdade.
No processo comum colectivo n.º ../.. os factos foram praticados em 22/02/1999, traduzindo-se o tráfico de estupefacientes na detenção de 0,594 gramas de heroína, 21,212 gramas de cocaína e 0,370 gramas de canabis.
Nos seus antecedentes criminais tinha já uma condenação, de Maio de 1994, em 2 anos de prisão, pela prática de um crime de estupefacientes, como resulta do teor dos acórdãos referentes aos processos atrás mencionados.
A decisão recorrida considerou ainda provado que o arguido Manuel..... encontra-se a trabalhar no estabelecimento prisional onde se acha recluso, laborando no artesanato, para além de ter frequentado o curso de serralharia civil, recebe visitas e encontra-se a efectuar um tratamento com vista a debelar a sua dependência de produtos estupefacientes, produtos estes que não consome desde há cerca de 2 anos.
Conjugando a globalidade dos factos e a personalidade do arguido, neles expressa, considera-se adequada a aplicação ao arguido Manuel..... da pena conjunta de 5 anos e 9 meses de prisão.
A esta pena, nos termos do art.1.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, deve declarar-se perdoado um ano de prisão (por mais favorável do que a alternativa de um sexto da pena, prevista no art.1.º, n.º1 da Lei n.º 29/99), sob a condição resolutiva prevista no art.4.º da mesma Lei.
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Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso e, alterando o acórdão recorrido nos termos expostos, condena-se o arguido José..... na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão, o arguido Luís..... na pena única de 6 anos de prisão e o arguido Manuel ..... na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.
Nos termos do art.1.º , n.º 1 da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio declara-se perdoado um ano de prisão em cada uma destas penas, sob a condição resolutiva prevista no art.4.º do mesmo diploma.
Sem tributação.
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Porto, 28 de Maio de 2003
Orlando Manuel Jorge Gonçalves
José Manuel Baião Papão
José Henriques Marques Salgueiro