Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRANSMISSÃO
CADUCIDADE
SUCESSÃO DE LEIS
Sumário
1 - Saber se o contrato de arrendamento se transmitiu ou caducou, por morte do arrendatário, é questão que deve ser resolvida em função da lei vigente ao tempo em que ocorre o facto jurídico da morte do arrendatário. 2. - A Lei nº. 6/2006 de 27/2 [NRAU] veio estabelecer normas transitórias - nos art.ºs 26º, n.º 1, 27º e 28º, nº. 1 - das quais decorre a aplicação do novo regime a todos os contratos celebrados não só na vigência do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, como também aos contratos de arrendamento para habitação celebrados em momento anterior ao da sua vigência. 3. - Em razão das normas transitórias referidas em 5.2., forçoso é que o arrendamento para habitação outorgado em meados de 1950 e no tocante a questão relacionada com a sua transmissão por morte do arrendatário não seja aplicável o art.º 1106º do Código Civil, antes importa aplicar o disposto no art.º 57º da Lei nº. 6/2006 de 27/2, normativo que claramente estabelece condições mais restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional. 4. - O artigo 57º do NRAU, ao estabelecer condições mais restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional, não se apresenta como violador dos princípios da igualdade e da confiança consagrados nos art.ºs 13º e 18º da CRP. 5. - Não logrando o réu provar que se encontra em situação subsumível a qualquer uma das alíneas do nº. 1 do art.º 57º do NRAU, mormente nas suas alíneas d), e) e f), não se lhe transmite o arrendamento para habitação e não ocorrendo transmissão do contrato de arrendamento por morte do arrendatário, seu Pai, a morte deste constitui causa legal de caducidade automática desse contrato e da consequente obrigação de restituição do locado ao senhorio após o decurso de seis meses sobre a data da morte do locatário.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
*
1.- Relatório. AA, residente na M..., e BB, residente no ..., intentaram contra CC, a residir na Avenida ..., em Lisboa, acção de declarativa com processo comum, pedindo que o Tribunal:
• Reconheça que o contrato de arrendamento caducou por morte do arrendatário – DD -, não se verificando o direito de transmissão do arrendamento ao Réu;
• Reconheça que os Autores são donos e legítimos possuidores do quinto andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., com os números 21 e 21 A de polícia e Avenida ... com os números 115 e 115 A, da freguesia das ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 56 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3175/…, da freguesia de S...;
• Reconheça que o Réu não tem título que justifique ou legitime a ocupação e vem fazendo sobre o quinto andar esquerdo do prédio desde 22 de Janeiro de 2022, ou seja, seis meses após a comunicação do decesso do arrendatário, ocorrido em 22 de Julho de 2021;
• Reconheça que a sua posse é abusiva e, como tal, insubsistente;
• Condene o Réu a entregar aos Autores a habitação que ocupa, livre e devoluta de pessoas e bens;
• Condene o Réu no pagamento de uma sanção compulsória de € 150,00 por cada dia de atraso na entrega do imóvel, após o trânsito em julgado da sentença.
1.1- Para tanto alegaram os AA, em síntese, que;
- São donos e legítimos possuidores e encontra-se inscrito a favor dos mesmos o prédio urbano sito na Rua ..., com os números 21 e 21 A de polícia e Avenida ... com os números 115 e 115 A, da freguesia das ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 56 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3175/…, da freguesia de S...;
- Acontece que pelo menos 1951, o 5.º andar esquerdo do imóvel referido se encontrava arrendado a DD, pai do ora Réu, sendo que, por entretanto ter o arrendatário falecido, veio o ora Réu a comunicar aos Autores o óbito do seu pai e, concomitantemente, a invocar a transmissão do arrendamento para si em razão de à data do óbito do arrendatário viver em economia comum com o pai desde 2013;
- Porém, certo é que não apenas o arrendatário não residia no local arrendado já muito tempo antes da data do seu falecimento, como em razão do referido comunicaram ao Réu que o contrato de arrendamento havia caducado e que não teria o direito à transmissão do arrendamento;
- Na verdade, pelo menos desde 2010 que DD passou a residir no Lar de Idosos e, ademais, nunca o Réu residiu no arrendado, não fazendo aí a sua vida familiar, não recebendo familiares e amigos, não dormindo, nem recebendo a correspondência;
- Em suma, nunca o Réu residiu no arrendado com o pai em economia comum, logo, porque mostra-se reconhecido o direito de propriedade dos Autores sob o quinto andar esquerdo do prédio identificado em 1° da petição, e não se verificando a existência de nenhuma situação jurídica que permita o seu gozo por parte do Réu, obrigado está o mesmo a restituí-lo aos ora Autores, o que desde já se requer.
1.2 - Citado o Réu CC, veio o mesmo apresentar CONTESTAÇÃO, deduzindo defesa por impugnação motivada [aduzindo v.g. que o arrendatário DD foi para a residência assistida por iniciativa própria e por comodidade, mas nunca deixou de ter a sua casa, onde ia com frequência, onde recebia toda a sua correspondência, onde pernoitava e onde celebrava as festas familiares (Aniversários, Natal, Páscoa etc): e alegando que o próprio réu residia no locado juntamente com o Pai, há pelo menos 15 anos, em suma, o arrendatário sempre manteve a sua casa onde vivia com o seu filho/réu, a quem ajudava financeiramente, sendo que por sua vez o réu ajudava o pai a receber família, amigos e parceiros de cartas, tratar da casa, etc.], e impetrando que deve ser-lhe reconhecido o direito à transmissão do contrato de arrendamento e a acção julgada improcedente.
1.3. – Realizada uma audiência prévia, no âmbito da mesma (e perante a inexistência de conciliação) foi elaborado despacho saneador [tabelar], fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, tudo sem reclamações e, outrossim designada a data para a audiência de julgamento.
1.4. – Por fim, realizada que foi a AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO [iniciada a 5/3/2024 e concluída a 16/5/2024] e, conclusos os autos para o efeito, foi então proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “V – DECISÃO Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: a) Declarar a caducidade do contrato de arrendamento por morte do inquilino DD; b) Declarar que os Autores são donos e legítimos possuidores do 5.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., com os números 21 e 21 A de polícia e Avenida ... com os números 115 e 115 A, da freguesia das ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 56 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3175/20021108, da freguesia de S... e consequentemente condenar o Réu a restitui-lo aos Autores, completamente livre e desocupado. c) Absolver o Réu do demais peticionado. Custas na proporção de 1% para os Autores e de € 99% para o Réu, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil. Notifique e registe. 22/7/2024”
1.5. - Notificado da sentença identificada em 1.4, e da mesma discordando, veio o Réu CC interpor a competente APELAÇÃO, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. A presente sentença padece dos seguintes vícios:
II. Erro de Direito pois violou o disposto nos arts 57.º NRAU; 85.º RAU; art.º 1106.º CC e 2.º, 13.º e 18.º da C.R.P..
III. Não considerou a possibilidade de o Pai do Réu ter duas residências.
IV. De facto, há pessoas que tem vários polos e várias residências.
V. Embora seja rara, há de facto situações onde pessoas têm duas residências por várias razões: de saúde, sentimentais e familiares etc.
VI. No caso dos autos o Pai do Réu tinha feito uma opção de ter um local num lar, mas tinha a sua casa, o seu quarto e a sua vida no locado.
VII. Decorre dos depoimentos abaixo citados e das próprias fotografias juntas aos autos que os seguintes quesitos deveriam ser considerados provados:
a) O Réu conviveu com o seu pai no locado.
b) Jantavam em casa.
c) Iam jantar a restaurantes do bairro.
d) DD pernoitava na Avenida ..., onde celebrava as festas familiares (aniversários, Natal, Páscoa).
e) DD ajudava financeiramente o Réu.
f) O Réu ajudava o seu pai a receber família, amigos e parceiros de cartas, tratar da casa.
VIII. De facto, a testemunha EE, disse claramente que nos dias de Natal e nas 4ªa feiras o Pai do R ia à Avenida .... Disse que o senhor DD jogava às 4ªs feiras com a Dona FF e jantava às 4ªs feiras em jantares familiares.
IX. Ora, deste depoimento, que se junta a minutos 12 e seguintes é evidente
• A instâncias do mandatário:
• Era o senhor DD quem pagava a renda. minutos 15
• Ia ao prédio jogar cartas com as senhoras 15.30
• Ia ver o correio da casa. minutos 16
• A Testemunha conformou por confronto com as fotografias juntas aos autos a minutos 22 que a casa está igual.
Juntamos extratos do depoimento.
Em suma, requer-se seja alterada a decisão e o R. absolvido do pedido, transmitindo- se o arrendamento para o mesmo.
1.6. – Com referência à apelação identificada em 1.5. não vieram os AA apresentar contra-alegações.
* Thema decidenduum
2. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
A) Aferir se em consequência de competente impugnação pelo réu/recorrente deduzida importa alterar a alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
B) Aferir se, em razão da factualidade assente, maxime em face das alterações por este tribunal introduzidas na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, forçosa é a revogação da sentença apelada, sendo a mesma substituída por outra que reconheça que se mostra transferida para o recorrente a posição de arrendatário que dispunha o seu Pai em relação ao contrato de arrendamento dos autos ;
***
2. - Motivação de Facto.
O tribunal a quo, no âmbito da SENTENÇA apelada, fixou a seguinte FACTUALIDADE: A) PROVADA
2.1. - Os Autores são donos e legítimos possuidores e encontra-se inscrito a favor dos mesmos o prédio urbano sito na Rua ..., com os números 21 e 21 A de polícia e Avenida ... com os números 115 e 115 A, da freguesia das ..., concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 56 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3175/20021108, da freguesia de S....
2.2.- Desde, pelo menos o ano de 1951, o 5.º andar esquerdo do imóvel encontrava-se arrendado a DD, pai do Réu.
2.3. - O arrendado destinava-se à habitação de DD.
2.4. - A renda mensal era paga no mês anterior ao mês a que dizia respeito e atentos os sucessivos aumentos legais era, em Julho de 2021, de € 147,91.
2.5. - Por carta datada de 19 de Agosto de 2021, o Réu comunicou aos Autores o óbito do seu pai - DD – na qualidade de arrendatário do 5.º andar esquerdo.
2.6. - Por carta datada de 1 de Setembro de 2021 e na sequência da comunicação do falecimento de DD, os Autores informaram o Réu que o contrato de arrendamento havia caducado por morte do arrendatário.
2.7. - Os Autores concederam ao Réu o prazo de seis meses a contar da data da recepção da comunicação do óbito para proceder à entrega do locado devoluto de pessoas e bens.
2.8. - Desde o ano de 2006, o arrendatário DD passou a habitar na DC, sita na Rua dos …, em Lisboa. B) NÃO PROVADA
2.9 - O Réu conviveu com o seu pai no locado.
2.10 - Jantavam em casa.
2.11 - Iam jantar a restaurantes do bairro.
2.12 - DD pernoitava na Avenida ..., onde celebrava as festas familiares (aniversários, Natal, Páscoa).
2.13 - DD ajudava financeiramente o Réu.
2.14 - O Réu ajudava o seu pai a receber família, amigos e parceiros de cartas, tratar da casa.
***
3.- Da pretendida modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Compulsadas as alegações (stricto sensu) e conclusões recursórias do Réu, pacífico é que revelam ambas as referidas peças que discorda a apelante do julgamento de facto efectuado pela primeira instância, considerando que existe um erro de julgamento da parte do tribunal a quo, razão porque se impõe a este Tribunal alterar a decisão de facto proferida por aquele tribunal.
Mais exactamente, impetra designadamente o recorrente que diversos pontos de facto julgados Não provados sejam ao invés reconduzidos ao elenco dos factos provados.
Por outra banda, tendo presente ainda o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu – ainda que em termos demasiado sucintos e abreviados - o apelante, no essencial, as regras/ónus processuais a que alude o art.º 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados [os quais, e tal como resulta das conclusões recursórias, são todos aqueles que pelo tribunal a quo foram jugados “Não Provados”],quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravado o depoimento [o da testemunha EE] pelo apelante indicado, procedeu a mesmo, outrossim, à indicação do timing das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto impugnados, sendo que, ainda que a reclamada alteração da decisão de facto não se revele por si só suficiente para a alteração do julgado, é nossa convicção que para efeitos de utilidade/relevância do conhecimento do mérito de concreta impugnação de decisão de facto importa atender a factualidade susceptível de contribuir para a decisão da causa segundo as mais diversas e admissíveis soluções plausíveis da questão de direito [tal como em relação ao saneador-sentença – caso em que apesar de considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertidos com relevância para a decisão, segundo outras soluções plausíveis de direito, deve o julgador abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa -, também não deve o tribunal da Relação abster-se de apreciar concreta impugnação de decisão de facto no pressuposto de a considerar antecipadamente inócua em face da solução de direito que julgue ser a correcta e a adequada]. E conhecendo
A justificar o julgamento negativo dos pontos de facto ora em apreço aduziu a Exmª Juiz a quo as seguintes considerações:
“(…) Quanto ao facto provado constante em 8 (e factos não provados), o Tribunal considerou a informação de fls. 206, da qual resulta que DD foi Residente da DC e que no período em que o mesmo habituou na DC foram realizados serviços como serviço de alimentação e enfermagem. Ora, mesmo que houvesse dúvidas, a informação de fls. 208 (com a correcção de fls. 212) é inequívoca e da qual se retira que DD habitou na DC a partir de Março de 2006, na modalidade de um contrato com direito vitalício e que apenas cessou com o seu falecimento. Apesar de não ter indicado datas, a testemunha EE, porteira e residente na casa da porteira do prédio de que são proprietários os Autores, há 43 anos, que confirmou que DD foi para um “lar”, uma “residência muito cara”, que tinha comprado uma residência. Também afirmou que quando o Sr. DD foi para a Residência, o Réu foi viver para o locado e que deixou de haver convívios familiares no andar. Não nega e até confirma que depois de ir para a Residência, o Sr. DD ia lá ter com as cunhadas para jogar e ir ao correio (ora, se “ia lá ter” significa que não morava lá). Apesar do Réu juntar várias fotografias para tentar demonstrar que o seu pai continuava a “morar” na Avenida ..., nunca foi indicado quem tirou as fotografias e quando, e as mesmas retratam sempre convívios de épocas festivas, pelo que nada comprovam quando à permanência de DD no quotidiano no locado até ao seu falecimento. Para além disso, as cartas que o Réu juntou a fls. 73 a 79 e que seriam para demonstrar que DD recebia cartas no locado, as mesmas são todas posteriores ao seu decesso, pelo que são ineficientes para comprovar a sua residência no locado. Do histórico da ficha de eleitor (recenseamento eleitoral) de DD juto aos autos a fls. 101, resulta que o mesmo alterou a sua morada para efeitos de recenseamento eleitoral em 16 de Abril de 2021 para o .... Da informação de fls. 197, resulta que do sistema do IMT DD tinha morada no locado, mas que pela interoperabilidade dos serviços do cartão de cidadão é na Rua dos …, em Lisboa. Foram inquiridas as testemunhas GG, HH, filhas do Réu, II, cunhada do Réu, JJ, ex mulher do Réu, KK, irmão do Réu, LL, cunhada do Réu e MM, irmão do Réu. As testemunhas do Réu são todas seus familiares e do falecido DD e todas tiveram depoimentos demasiados subjectivos e tendenciosos. Deste modo, quase todas as testemunhas, familiares do Réu, tiveram “necessidade” de falar da compra da bicicleta por parte do Sr. DD no dia do seu falecimento para demonstrar que o mesmo era autónomo e independente e tiveram depoimentos muito semelhantes, focando todas os mesmos aspectos – que o Sr. DD pagava as rendas e as despesas de casa, dos jogos de canastra, que esteve para desistir da Residência, que as épocas festivas eram na Avenida ... e a correspondência recebida na Avenida .... No entanto, de todos os depoimentos pode-se concluir que o centro da vida do Sr. DD não era na Avenida .... Assim, desses depoimentos, retirou o Tribunal que o Sr. DD foi para a Residência, mas que quis sempre ficar com a casa na Avenida .... Para além disso, foi referido que o Sr. DD passou o tempo do confinamento (devido à pandemia) na Residência, o que demonstra bem a sua ligação à Residência (e não no locado na Avenida ...). Tanto mais, como dizem as testemunhas, o Sr. DD não dava satisfações a ninguém e fazia o que bem lhe apetecia. Apesar da testemunha JJ tentar justificar o motivo pelo qual o Sr. DD ficou na Residência e não na Avenida ..., importa referir que de todos os depoimentos este foi o menos credível e o mais confuso, socorrendo-se de uns papéis e lendo o que lá constava, sem qualquer espontaneidade e de forma toda programada. Também foi mencionado que o Sr. DD continuou a ter o seu quarto na Avenida .... Ora, “ter um quarto”, não é o mesmo que fazer o centro da sua vida naquela casa. Face aos seus depoimentos, o Tribunal apenas considerou em parte o depoimento da testemunha KK, irmão do Réu, que, ao longo do seu depoimento, deixou claro alguns factos. Assim, mencionou que no dia do falecimento do Sr. DD, o sobrinho ia levá-lo à Residência, onde ele vivia na altura. Afirma também que o pai (Sr. DD) vivia na Avenida ... até 2 anos após ficar viúvo (2004) e foi procurar outra possibilidade, uma casa mais pequena, e foi então para a Residência. Também essa testemunha afirma que o seu pai “manteve sempre a casa na Avenida ...”, caso não se desse bem na Residência e que quando ele era convidado pelas suas tias, o pai “ia” à Avenida ... e que “ia buscar” o correio. Ora, mais uma vez, é referido “ia à Avenida ...” e “ia buscar” e o facto de “ir” não significa (pelo contrário) que lá morava. O Tribunal não considerou as declarações de parte do Réu, porquanto as mesmas não tiveram respaldo em mais nenhuma prova (sendo certo que o Tribunal desconsiderou a maior parte dos depoimentos das testemunhas). Apenas ficou um pormenor nas suas declarações e que demonstram bem que o Sr. DD tinha o centro da sua vida na Residência do ..., porquanto o mesmo mencionou que o pai, de manhã, andava de bicicleta até ao Rio, o que significa que saía da Residência e não da Avenida ....”
Já visando contrariar a fundamentação [pormenorizada, completa e desenvolvida], limita-se o apelante a invocar o depoimento da testemunha EE, a qual no seu entender “disse claramente que nos dias de Natal e nas 4as feiras o Pai do R ia à Avenida .... Disse que o senhor DD jogava às 4as feiras com a Dona FF e jantava às 4as feiras em jantares familiares.” ORA BEM
Exigindo-se inequivocamente ao ad quem que no âmbito do julgamento do mérito da impugnação da decisão de facto forme a sua convicção, importa começar por precisar que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. Art.º 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens.(1)
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só, que (2) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto ou dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida) da sua verificação.
Em rigor, portanto, devendo o convencimento do julgador basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, e sendo verdade que “Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz”, exigível é porém para o referido efeito a formação de uma convicção “ suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso ”. (3)
Isto dito, e analisado/ouvido por este Tribunal o depoimento [de resto o único pelo réu invocado nos termos e para efeitos do disposto na alínea b), do nº 1, e alínea a), do nº 2, ambos do art.º 640º, do CPC] prestado pela testemunha EE [residente na casa da porteira do prédio de que são proprietários os Autores, há 43 anos], e, na linha do entendimento aduzido pelo Primeiro Grau, a nossa convicção vai igualmente no sentido de não beneficiar o mesmo de leverage em face de todos os demais a ponto por si só “obrigar” este tribunal a alterar a decisão de facto quanto aos factos julgados “Não Provados” – bem pelo contrário.
Na verdade, foi a testemunha – e com razão de ciência atendível e relevante, porque reside no prédio há cerca de 43 anos e chegou a trabalhar em diversas fracções do mesmo, estando portando em condições de revelar todas as ocorrências relacionadas com os moradores - assertiva em esclarecer que o arrendatário DD a determinada altura foi residir para um Lar/residência [tendo para tanto adquirido o subjacente direito a usufruir de todos os serviços pela residência prestados], deixando doravante de fazer a sua vida diária no locado [razão porque prescindiu inclusive de uma empregada interna que para si à data trabalhava e de nome NN] a, sendo que foi então que o ora réu passou a residir [tendo inclusivamente efectuado obras] na fracção dos autos.
Ou seja, esclareceu com segurança e objectividade a testemunha que em momento algum Pai [DD] e Filho [CC] coabitaram um com o outro no locado, sem prejuízo de esporadicamente o Pai ir ao locado para ver o correio ou para [mais exactamente às 4tªs Feiras] conviver/jantar e jogar às cartas com as tias – a Sr.ª OO e Sr.º FF - que continuavam a residir no prédio dos autos.
No essencial, portanto, não se alcança existir fundamento atendível e apropriado para, com fundamento no testemunho prestado por EE, se alterar a decisão de facto, maxime reconduzir ao elenco dos factos provados de todos aqueles que se mostram inseridos nos pontos de facto com os nºs 2.9 a 2.14.
Em suma, não se revelando, bem pelo contrário, o depoimento prestado por EE capaz de infirmar o juízo feito pelo Tribunal a quo [antes veio o referido depoimento corroborar a motivação da Exmª juiz a quo], inevitável é, assim, a improcedência da impugnação da decisão de facto, sendo portanto com base na factualidade fixada pela primeira instância que importa aferir da conveniência/inevitabilidade em se alterar o julgado.
***
4.- Se, em razão da factualidade assente, forçosa é a revogação da sentença apelada, sendo a mesma substituída por outra que reconheça que se mostra transferida para o recorrente a posição de arrendatário que dispunha o seu Pai em relação ao contrato de arrendamento dos autos.
A justificar a inevitável procedência da acção e consequente condenação do réu a entregar aos AA o imóvel dos autos, abstendo-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a sua utilização pelos mesmos Autores, aduziu o Primeiro Grau, no essencial e em parte, as seguintes considerações:
“(…) O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado antes da entrada em vigor do RAU e destinava-se à habitação de DD (factos provados em 2 e 3). Como o Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, entrou em vigor em 15 de Novembro de 1990, trata-se, no caso dos autos, de um contrato de arrendamento celebrado antes da vigência do RAU. A Lei n.º 6/2006 (NRAU), a par de ter devolvido a disciplina substantiva do arrendamento urbano ao Código Civil e reposto (com a redacção dada pelo artigo 3.º) os artigos 1064.º a 1113.º, estabeleceu no artigo 27.º uma norma transitória no que respeita à transmissão por morte do arrendatário, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados anteriormente ou na vigência do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, mandando-lhes aplicar o artigo 57.º do NRAU (na redacção dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), que estabelece no que ao caso interessa: “1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva: a) Cônjuge com residência no locado; b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano; c) Ascendente em 1.º grau que com ele convivesse há mais de um ano; d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de 1 ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.ºou o 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior; e) Filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.. f) Filho ou enteado que com ele convivesse há mais de cinco anos, com idade igualou superior a 65 anos, desde que o RABC do agregado seja inferior a 5 RMNA. (…); O referido artigo 57.º, n.º 1, do NRAU apesar das várias alterações sofridas (pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, pela n.º 79/2014, de 19 de Dezembro e pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), nomeadamente no que tange à transmissão do arrendamento aos filhos, manteve o sentido de que o regime transitório fixado no NRAU, continua a manter-se em vigor enquanto subsistirem os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes ou durante a vigência do RAU, só se aplicando o regime previsto no artigo 1106.ºdo Código Civil, aos contratos de arrendamento para habitação posteriores. Seguindo de perto o doutamente decidido pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, por Acórdão de 7 de Outubro de 2019 (processo n.º 2346/18.2T8GDM.P1, disponível em www.dgsi.pt), o qual transcreve parte do Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 15 de Dezembro de 2011 (processo 129/10.7TBFUN.L1, também disponível em www.dgsi.pt), que afirma: “No atual regime do contrato de arrendamento para habitação a regra para os novos contratos é a de que o arrendamento se transmite aos sucessores do arrendatário– cfr art.º 1106º, do Código Civil - e o referido não é aplicável aos contratos celebrados antes do NRAU, valendo, para estes, como bem refere o Tribunal a quo, e como se acabou de analisar, o regime transitório consagrado, previsto no art.º 57º, da Lei nº6/2006, de 27/2, que estabelece condições muito restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional. O NRAU consagrou, assim, duas soluções aplicáveis aos contratos de arrendamento: - uma aplicável aos arrendamentos celebrados após a sua entrada em vigor – a do art.º 1106º, do CC; - outra aplicável aos arrendamentos celebrados antes da sua entrada em vigor – a estatuída pelo art.º 57º, do NRAU. (…) O RAU (art.º 85º) permitia a transmissão do arrendamento, por morte do arrendatário ou do cônjuge sobrevivo para quem houvesse sido transmitido o direito ao arrendamento, para os descendentes que com ele convivessem há mais de 1 ano, independentemente da sua idade e da verificação de qualquer situação de incapacidade. O NRAU (art.º 57º) alterou tal regime, já que, passou a não permitir, nos contratos que lhe são anteriores, a transmissão do arrendamento para os descendentes maiores de 26 anos que não sofram de qualquer incapacidade ou que tenham uma incapacidade inferior a 60%. Mas para os contratos que lhe são posteriores, o novo regime do C.Civil (art.º 1106º) liberalizou a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário e fê-lo deliberadamente, certamente por ter tido em consideração que nestes novos contratos o prolongamento da relação contratual já não pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário (o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado – arts. 1096, nº 2 e 1097º, do C.Civil – ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos – art.1101º, al. c), do C.Civil). O que bem se compreende, pois, que tendo findado o sistema de renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação, deixaram de se justificar as limitações que antes eram impostas à transmissão do arrendamento. Mas como na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, o senhorio não pode denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto for essa a vontade do arrendatário, considerou-se justificado diminuir, em algumas circunstâncias, a possibilidade de transmissão do arrendamento. Como se refere no citado Acórdão do TC, «Com esta modificação visou-se limitar a transmissão do arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário em economia comum apenas àqueles que, presumivelmente, atenta a sua idade ou grau de incapacidade, vivessem numa situação de dependência económica do transmitente. Com esta limitação acentuou-se o cariz social da transmissibilidade da posição de arrendatário, assegurando-se somente aos descendentes que, em princípio, terão dificuldade económica em aceder ao gozo de uma habitação segundo as regras actuais do mercado. Nos restantes casos, entendeu-se que a mera convivência com o arrendatário falecido no locado não era suficiente para se sacrificarem não só os interesses do senhorio no termo de um contrato sujeito a um regime severamente vinculístico, mas também o interesse público de ampliação do mercado de arrendamento».”. Assim sendo e como o primitivo inquilino (contrato de arrendamento anterior a 1951), DD faleceu em 2021, a transmissão do contrato de arrendamento em litígio, por morte do inquilino, rege-se pelas disposições transitórias conjugadas dos artigos 26.º, n.º 2, 27.º, 28.º e57.º, n.ºs 1 a 4, do NRAU. Ora, dito isto e para que houvesse transmissão do arrendamento e independentemente da alegada “economia comum” e/ou da “convivência”, impunha-se ao Réu alegar e provar que sofria de deficiência com grau comprovado de incapacidade igualou superior a 60 /prct ou que o RABC do seu agregado era inferior a 5 RMNA. Nada disto aconteceu. Não estando o Réu em nenhuma das situações previstas no artigo 57.º do NRAU caducou o contrato de arrendamento, com a morte do arrendatário, DD. E, não se tendo transmitido o contrato de arrendamento por morte do inquilino, enão havendo convenção escrita das partes em contrário, por força do disposto na alínea d) do artigo 1051.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o litigado contrato de arrendamento para habitação caducou, em 22 de Julho de 2021, data do falecimento do inquilino DD, por a caducidade constituir causa legal de extinção imediata do contrato de arrendamento e operar ipso jure ou ope legis e, por conseguinte, extinguir o contrato de arrendamento sem necessidade de qualquer declaração das partes ou do tribunal nesse sentido. Estatui o artigo 1053.º, na redacção da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, que, em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade. Como no caso em apreço a caducidade do contrato de arrendamento por falecimento do locatário ocorreu a 21 de Julho de 2021, os Autores poderiam pedir a restituição do locado a partir de 22 de Janeiro de 2021. Dito isto, assiste razão aos Autores na invocada caducidade do contrato de arrendamento celebrado com DD e, não havendo transmissão do mesmo, tem o Réu de proceder à entrega aos Autores do locado, livre de pessoas e bens.”.
Conhecidos os fundamentos – de direito – da sentença recorrida e, porque os subscrevemos in totum, com eles estando de acordo - porque os adequados e a correctos em termos de facto e de direito -, forçosa é a improcedência da apelação.
Na verdade, sendo pela lei vigente à data da morte do arrendatário que se afere o direito à transmissão do arrendamento para o seu sucessor (4) e, sendo pacífico que a Lei nº. 6/2006 de 27/2 [diploma criou o Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (NRAU), instituindo normas transitórias - cfr. artºs 26º e 27 -, de aplicação imediata aos contratos de arrendamento celebrados antes do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (RAU), instituído pelo DL nº DL 321-B/90 de 15/10, sendo uma delas o art.º 57º, relacionado com a transmissão do arrendamento por morte do arrendatário] veio “romper” com o regime pretérito que vigorava em sede de transmissão do arrendamento para habitação e aquando da morte do primitivo arrendatário [restringindo o universo dos transmissários e a dupla transmissão, deixando doravante o arrendamento de transferir-se por morte do cônjuge sobrevivo do primitivo arrendatário para os descendentes na linha recta que com ele convivessem há mais de um ano], inquestionável é que a acção pelo apelante intentada só podia ter sido – como o foi – julgada improcedente em razão designadamente da factualidade provada.
Como derradeiro fundamento a amparar a reclamada alteração do julgado – e no pressuposto de conseguir a alteração da decisão de facto, o que como vimos já, não obteve qualquer êxito - considera ainda o apelante que o art.º 57º do NRAU é inconstitucional e ofensivo dos principias da confiança e da igualdade, dimanados pelos artigos 2.º, 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, especificamente sobre a matéria há muito que o Tribunal Constitucional vem enveredando por entendimento de todo contrário ao sufragado pelo apelante, o que decorre de diversos Acórdãos pelo mesmo Tribunal proferidos, sendo de salientar v.g. os Acórdãos n.º 196/2010 [proferido no Processo nº 1030/09, 2.ª Secção], n.º 385/2010 [Processo n.º 476/10, 1.ª Secção], n.º 346/2011, [Proferido no Processo n.º 316/2011, 3ª Secção] e nº 502/2023 [Proferido no Processo nº 981/2022, da 3ª Secção], todos eles acessíveis em www.dgsi.pt..
Mais exactamente, no Acórdão nº 502/2023, Proferido no Processo nº 981/2022, da 3ª Secção, pode ler-se a dado passo – com relevância quanto ao principio da IGUALDADE - que: “Conforme acima já se constatou o NRAU consagrou dois regimes de transmissão do arrendamento habitacional por morte do arrendatário. Um aplicável aos contratos celebrados que são posteriores à sua entrada em vigor e que consta da nova redação do artigo 1106.º, do C.C., e outro, transitório, constante do artigo 57.º, do NRAU, aplicável aos contratos anteriormente celebrados. Este último regime é mais restritivo, relativamente à admissibilidade da transmissão do arrendamento, do que aquele que é aplicável aos novos contratos de arrendamento, nomeadamente no que respeita à transmissão do arrendamento para filhos maiores de 26 anos e sem qualquer incapacidade, ou com uma incapacidade inferior a 60%. Enquanto o artigo 1106.º, do C.C., apenas exige, para que se verifique a transmissão do arrendamento para um filho nessas condições, que este tenha vivido em economia comum com o progenitor arrendatário no ano anterior à morte deste, já o artigo 57.º, do NRAU, não permite essa transmissão. A diferença de regimes a operar sincronicamente tem o seu fundamento na circunstância de nos novos contratos de arrendamento habitacional já não vigorar o sistema de prorrogação forçada para o senhorio do vínculo contratual, ao contrário do que sucede na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU. Enquanto nestes, com exceção dos contratos de duração limitada previstos no artigo 98.º e seg., do RAU, o senhorio não pode denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto essa for a vontade do arrendatário, como ocorre com o contrato de arrendamento sub iudice, nos contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU, o prolongamento da relação contratual já não lhe pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário. Nestes novos contratos, o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado (artigo 1096.º, n.º 2, e 1097.º, do C.C.), ou não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos (artigo 1101.º, c), do C.C.). Na verdade, o alcance do direito à transmissão por morte da posição contratual do arrendatário habitacional está intimamente conexionado com o grau de tutela conferido ao interesse na continuidade da relação contratual. Quando o senhorio deixa de estar sujeito à perduração indefinida do contrato, perdem sentido todos os resguardos e limitações que rodeavam o direito à transmissão com vista a atenuar o impacto negativo que ela ocasionava nos interesses do senhorio (SOUSA RIBEIRO, na ob. cit., pág. 764-765,). Por isso existe uma diferença decisiva no regime da generalidade dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, relativamente àquele que disciplina os contratos posteriormente outorgados, que fundamenta e justifica as diferenças de tratamento jurídico da admissibilidade da transmissão por morte da posição do arrendatário consagradas no artigo 1106.º, do C.C., para os novos contratos, e no artigo 57.º, do NRAU, para os contratos pré-existentes. Essa diferença já não se descortina entre os contratos de duração limitada celebrados na vigência do RAU e os novos contratos celebrados ao abrigo do NRAU, mas isso é uma questão que não releva para a decisão do presente recurso, uma vez que o contrato aqui em causa é um contrato sujeito ao regime da renovação obrigatória. Ora, como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infração” do princípio do arbítrio.» Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual sincrónico apontado pelo Recorrente, não se pode considerar que essa distinção viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da C.R.P.”.
E, já com relevância para a invocada violação do princípio da CONFIANÇA, diz-se no mesmo Acórdão nº 502/2023, em determinado momento, que; “O Recorrente também acusa a interpretação normativa impugnada de não ter respeitado o princípio da confiança ínsito ao Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da C.R.P., uma vez que com a sua aplicação foram defraudadas as expectativas que lhe foram criadas pelo regime estabelecido no RAU e que foram determinantes para a sua permanência no arrendado. Efetivamente, como acima se verificou, o RAU (artigo 85.º) permitia a transmissão do arrendamento, por morte do arrendatário, para os descendentes que vivessem com este em economia comum há mais de um ano, independentemente da sua idade e da verificação de qualquer situação de incapacidade. O NRAU (artigo 57.º) alterou este regime, passando a não permitir, nos contratos que lhe são anteriores, a transmissão do arrendamento para os descendentes maiores de 26 anos que não sofram de qualquer incapacidade ou que tenham uma incapacidade inferior a 60%. Com esta modificação visou-se limitar a transmissão do arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário em economia comum apenas àqueles que, presumivelmente, atenta a sua idade ou grau de incapacidade, vivessem numa situação de dependência económica do transmitente. Com esta limitação acentuou-se o cariz social da transmissibilidade da posição de arrendatário, assegurando-a somente aos descendentes que, em princípio, terão dificuldade económica em aceder ao gozo de uma habitação segundo as regras atuais do mercado. Nos restantes casos, entendeu-se que a mera convivência com o arrendatário falecido no locado não era suficiente para se sacrificarem não só os interesses do senhorio no termo de um contrato sujeito a um regime severamente vinculístico, mas também o interesse público de ampliação do mercado de arrendamento. Como neste caso a morte da arrendatária ocorreu em 29-11-2007, ou seja posteriormente à data da entrada em vigor do NRAU, em 27 de Junho de 2006, a decisão recorrida, socorrendo-se do critério que a transmissão do arrendamento em caso de morte do arrendatário é regulada pela lei vigente à data da morte, aplicou o disposto no artigo 57.º deste diploma, não reconhecendo ao Réu, filho da arrendatária, mas maior de 26 anos e sem qualquer incapacidade, o direito a ingressar na posição contratual da sua mãe, apesar deste alegar que vivia com ela há mais de um ano, em economia comum. Tem sido entendido que os preceitos que desde o princípio do século XX estabelecem as regras do arrendamento de prédios urbanos, vêm consagrando um regime de severas limitações à liberdade contratual, impondo importantes restrições e vínculos à autonomia da vontade privada, de modo a assegurar uma política de justiça social. Neste domínio as partes não são encaradas pela lei como contraentes, mas enquanto membros de um determinado grupo social (inquilinos e senhorios), cujos interesses, pela sua relevância na dinâmica da sociedade, importa reger em abstrato, independentemente do ato que deu origem à situação em concreto. É este carácter público e de forte incidência político-social da legislação sobre o contrato de arrendamento que exige que também ele seja encarado ao lado de institutos onde a vontade das partes cede perante os interesses comunitários, sendo por isso a lei nova de aplicação imediata aos contratos pré-existentes. Nesta linha e tendo ainda presente que os interessados na transmissão do arrendamento não intervieram na outorga do respetivo contrato, tem sido aplicado uniformemente pela jurisprudência o critério de que o regime da transmissão por morte da posição do arrendatário é o definido pela lei que está em vigor à data do evento que determina essa transmissão – o óbito do arrendatário – e não pela lei que vigorava na data em que foi celebrado o contrato. O recorrente fundamenta a existência das expectativas que teriam sido afetadas pela aplicação do regime previsto no artigo 57.º, do NRAU, no facto da lei que estava em vigor quando ele vivia no arrendado com a mãe lhe assegurar a transmissão do arrendamento, caso a sua mãe viesse a falecer, o que, inclusive, teria pesado na sua decisão de permanecer no arrendado. O Tribunal Constitucional tem dito que a afetação de expectativas legítimas resultantes duma alteração legislativa só é inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas delas constantes não possam contar, não sendo a mesma ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes. Nesta situação, a incerteza do momento da morte, aliada ao facto das condições exigidas pelo RAU se reportarem a esse momento (convivência com o arrendatário no ano anterior à sua morte) não permite de modo algum que se reconheça como legítima qualquer expectativa de transmissão do arrendamento alicerçada apenas num juízo de prognose que tem por base a manutenção hipotética de todos os dados de facto e de direito até à data da morte do arrendatário. Na verdade, só nesse momento é que era possível constatar se estavam ou não preenchidos os requisitos da transmissibilidade, pelo que não tem fundamento a constituição anterior de qualquer posição de confiança merecedora de proteção. Na época em que o Recorrente viveu com a mãe no arrendado, durante a vigência do RAU, a ordem jurídica não lhe permitiu, num juízo de razoabilidade, a formação de qualquer expectativa legítima de que ele iria suceder na posição de arrendatário que pudesse limitar a aplicação de qualquer alteração legislativa nesse domínio, ocorrida antes do óbito da mãe, no sentido de não admitir essa sucessão. O recorrente podia depositar esperanças ou até expectativas de natureza política, de que nunca tendo o legislador limitado a transmissão do arrendamento para os descendentes que convivessem com o arrendatário no período anterior à sua morte, nomeadamente em função da idade ou do grau de incapacidade, essa orientação legislativa não viesse a ser tomada. Mas esses sentimentos ou convicções não têm relevância jurídica e não podem pesar na delimitação da área de liberdade de conformação do legislador. Daí que também não se mostre violado pela interpretação normativa sindicada o princípio da confiança, como emanação da ideia de Estado de direito democrático».
Aqui chegados, bem amparados/escorados em Decisões do próprio TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, e, além de nem sequer ter logrado o apelante provar [como lhe competia] que viveu como o arrendatário falecido e em economia comum há mais de um ano, independentemente da sua idade e da verificação de qualquer situação de incapacidade, é caso para concluir que a apelação se impõe improceder in totum.
Em conclusão,
a sentença recorrida deve manter-se, porque judiciosa.
*
5.- Sumariando (cfr. Art.º 663º, nº7, do CPC).
5.1 – Saber se o contrato de arrendamento se transmitiu ou caducou, por morte do arrendatário, é questão que deve ser resolvida em função da lei vigente ao tempo em que ocorre o facto jurídico da morte do arrendatário.
5.2. - A Lei nº. 6/2006 de 27/2 [NRAU] veio estabelecer normas transitórias - nos artºs 26º, n.º 1, 27º e 28º, nº. 1 - das quais decorre a aplicação do novo regime a todos os contratos celebrados não só na vigência do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, como também aos contratos de arrendamento para habitação celebrados em momento anterior ao da sua vigência.
5.3. – Em razão das normas transitórias referidas em 5.2., forçoso é que o arrendamento para habitação outorgado em meados de 1950 e no tocante a questão relacionada com a sua transmissão por morte do arrendatário não seja aplicável o art.º 1106º do Código Civil, antes importa aplicar o disposto no art.º 57º da Lei nº. 6/2006 de 27/2, normativo que claramente estabelece condições mais restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional.
5.4. - O artigo 57º do NRAU, ao estabelecer condições mais restritivas para a transmissão mortis causa do arrendamento habitacional, não se apresenta como violador dos princípios da igualdade e da confiança consagrados nos artºs 13º e 18º da CRP.
5.5. - Não logrando o réu provar que se encontra em situação subsumível a qualquer uma das alíneas do nº. 1 do art.º 57º do NRAU, mormente nas suas alíneas d), e) e f), não se lhe transmite o arrendamento para habitação e não ocorrendo transmissão do contrato de arrendamento por morte do arrendatário, seu Pai, a morte deste constitui causa legal de caducidade automática desse contrato e da consequente obrigação de restituição do locado ao senhorio após o decurso de seis meses sobre a data da morte do locatário.
***
6. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em,não concedendo provimento à apelação de CC;
6.1. – Manter e confirmar a sentença apelada;
***
Custas na APELAÇÃO pelo réu/recorrente.
***
(1) Cfr. Prof. ANTUNES VARELA e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs..
(2) Cfr. Prof. ANTUNES VARELA e outros, ibidem.
(3) Cfr. TOMÉ GOMES, em “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158.
(4) Cfr. designadamente os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/9/2022 [proferido no Processo nº 5332/19.1T8BRG.G1 [e de 9/11/2023 [proferido no Processo nº 153/22.7T8VVD.G1], ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
***
Lisboa, 20/3/2025 António Manuel Fernandes dos Santos Jorge Almeida Esteves Nuno Luís Lopes Ribeiro