REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INDEFERIMENTO JUDICIAL
EFEITO DO RECURSO
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
Sumário


I – O Recurso do Despacho que indeferiu um requerimento do arguido em que era arguida a nulidade insanável do despacho do Ministério Público, proferido em sede de inquérito e que revogou a suspensão provisória do processo, ordenando o prosseguimento dos autos por incumprimento do arguido, tem efeito meramente devolutivo, porque não se integra em nenhuma das previsões previstas quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo 408.º do Código de Processo Penal;
II- O recurso daquele despacho tem subida diferida porque não integra nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 407.º do mesmo diploma legal, devendo ser instruído e julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, conforme previsto no nº3 do artigo 407º do Código de Processo Penal.
III – A eventual decisão favorável ao recorrente que venha a declarar a nulidade da decisão de revogação da suspensão provisória do processo, pode ter consequências no processo, mas tal não significa que o recurso tenha perdido a sua utilidade apesar da subida diferida, pois o Recorrente pode tirar benefícios da sua procedência.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

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A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Valença, foi proferido Despacho, datado de 21/06/2024 que indeferiu um requerimento do arguido em que era arguida a nulidade insanável do despacho do Ministério Público proferido em sede de inquérito e que revogou a suspensão provisória do processo por incumprimento do arguido, ordenando o prosseguimento dos autos.
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2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido AA o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1º. O douto despacho recorrido indeferiu a nulidade invocada pelo arguido, ora recorrente. Porém, o arguido não concorda com tal decisão pelos motivos que infra irão ser explanados.
2º. Constitui direito do arguido, entre outros, “Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete” - artigo 61º nº 1al. b) do CPP.
3º. Nem se diga que por se tratar de ato de inquérito, da competência do Ministério Público, se não encontra abrangida a audição do arguido previamente à revogação da suspensão provisória do processo/prosseguimento dos autos: o ato encontra-se, sujeito a amplo contraditório, pois pode afetar a posição do arguido, não havendo qualquer razão para limitar aquele direito aos atos praticados  exclusivamente pelo juiz, deixando que o Ministério Público decidisse atos de inquérito suscetíveis de afetar o arguido sem o ouvir, em violação direta do princípio do contraditório consagrado na Constituição da República Portuguesa (art. 32º, n.ºs 1 e 5 CRP).
4º. Sendo que, para o decretamento da suspensão provisória do processo exigese o cumprimento do contraditório, assistindo ao arguido o direito a ser ouvido e a expressar as suas razões ates da tomada de decisão, bem como a concordância ainda do assistente e do próprio Juiz de instrução – artigo 281º nº1 al. a) do Código Processo Penal.
5º. O mesmo sucede quanto à revogação da suspensão provisória, uma vez que do nº4 do artigo 282º do Código Processo Penal, se não extrai a automaticidade da revogação uma vez que se verifique um dos fundamentos previstos na lei. É que a revogação pressupõe culpa grosseira ou reiterada no não cumprimento das obrigações impostas ao arguido, dependendo, assim, de uma valoração da culpa do arguido no incumprimento verificado.
6º. Há então que verificar se houve incumprimento e, uma vez constatado este, impõem-se ao Ministério Público averiguar dos respetivos motivos para aferir da existência e medida da culpa do arguido, em ordem a decidir pela revogação, modificação ou prorrogação da suspensão do processo, 
7º. Certo é que para aferir os motivos e grau da culpa do arguido no incumprimento das regras de condutas impostas se mostra imprescindível a audição do arguido, no pleno cumprimento constitucional do contraditório  plasmado no artigo 32º nº5 da Constituição da República Portuguesa; por se tratar de uma decisão que afeta pessoalmente o arguido, a revogação deve ser precedida sua audição, em termos idênticos para a revogação da suspensão da pena de prisão no artigo 495º nº2 do Código Processo Penal, sendo que, para tal, o arguido deve ser ouvido, sob pena de violação das garantias de defesa que, em processo penal, devem ser asseguradas.
8º. Ao eventual incumprimento das regras ou injunções da decretada suspensão provisória do processo e na ausência de previsão legal de um mecanismo próprio, deve ser aplicado analogicamente o regime próprio da suspensão da execução da pena, constante dos artigos 492º a 495º do Código Processo Penal  e nos artigos 55º e 56º do Código Penal; em tal situação, deve proceder-se à audição do condenado, audição presencial do mesmo, sempre que tenham sido fixadas regras de conduta condicionantes daquela – artigo 495º,nº2, do Código Processo Penal.
9º. Deste modo, entendendo o arguido que é ao caso aplicável a norma que estabelece o procedimento com vista à revogação da suspensão da execução da pena, mormente a audição presencial do arguido prevista no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ao ter sido proferido o despacho que determinou o prosseguimento dos autos e como tal implicitamente revogou a suspensão provisória do processo foi cometida a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal.
10º. A nulidade cometida é de conhecimento oficioso, devendo ser declarada em qualquer fase do processo.
11º. A consequência encontra-se prevista no art. 122º, n.º 1, do Código de Processo Penal: a invalidade do ato praticado bem como dos que se lhe seguiram – o que se requer.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Público respondeu, não apresentando conclusões, mas pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo que a falta da notificação para o arguido se pronunciar sobre o incumprimento, não constitui a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, mas apenas a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do mesmo diploma legal, que tem que ser invocada no prazo previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 120.º, o que não aconteceu no caso dos autos, mais entendendo que “não podendo o tribunal conhecer de nulidade já sanada, que o recurso deverá ser julgado improcedente”.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Senhora Procuradora – Geral Adjunta, emitiu parecer suscitando a questão prévia da alteração do regime e modo de subida do recurso, entendendo que este deverá ter efeito devolutivo e subida deferida.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1]..
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artigo 412.º, do mesmo diploma.
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, a única questão a decidir prende-se em saber se se verifica a nulidade insanável do despacho proferido pelo Ministério Público em sede de inquérito que sem audição prévia do arguido, revogou a suspensão provisória do processo por incumprimento do arguido, ordenando o prosseguimento dos autos.
Porém, antes de mais, importa conhecer de uma questão prévia e de conhecimento oficioso, a qual se prende com o regime de subida e efeito do recurso, sendo certo que nos termos previstos no artigo 414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, «a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior».
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2. Foi do seguinte teor o despacho que admitiu o recurso e fixou o seu efeito e regime de subida, datado de 13/09/2024 – referência nº ...34 (transcrição):
Req. de 18.07.2024
Por tempestivo e legal, ser interposto por quem tem legitimidade e encontrar-se motivado, admito o recurso interposto pelo arguido que antecede, da decisão proferida em 21.06.2024, atento o disposto nos arts. 399º, 400º a contrario, 401º, nº1, alínea b), 411º, nº1, al. a), e 414º, nº3, todos do CPP, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – arts. 406º, nº1, 407º, nº1 e 408º, nº3, todos do CPP.
Notifique.
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3. Decidindo:
No caso, impõe-se verificar se o regime de subida do recurso se encontra corretamente fixado.

Vejamos:
I – Quanto ao efeito do recurso do recurso:
Decorre do disposto no artigo 408.º do Código de Processo Penal que:
1 - Têm efeito suspensivo do processo:
a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º;
b) O recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º
2 - Suspendem os efeitos da decisão recorrida:
a) Os recursos interpostos de decisões que condenarem ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, se o recorrente depositar o seu valor;
b) O recurso do despacho que julgar quebrada a caução;
c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;
d) O recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória.
3 - Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos.

Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), em anotação ao artigo 408.º do Código de Processo Penal, “o recurso pode ter efeito suspensivo do processo ou da decisão recorrida: sendo suspensivo do processo este para, não podendo prosseguir. Sendo suspensivo da decisão o processo não pára, apenas a decisão se torna inexequível”.
No caso dos autos, o despacho recorrido não se integra em nenhuma das previsões previstas quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo 408.º, pelo que não restam dúvidas que o recurso tem efeito meramente devolutivo.

II – Quanto ao momento de subida do recurso:
Como acima referimos, o recurso tem por objeto o despacho judicial que indeferiu um requerimento do arguido em que era arguida a nulidade insanável do despacho do Ministério Público, proferido em sede de inquérito que revogou a suspensão provisória do processo e ordenou o prosseguimento dos autos, por incumprimento do arguido.
Resulta do teor do despacho que recebeu o recurso interposto desse mesmo despacho, que se entendeu que o mesmo deveria subir imediatamente nos próprios autos, invocando-se, no respetivo despacho, o disposto nos artigos 407.º, n.º 1 e 406.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

De acordo com o disposto no artigo 407.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que:
«1 – Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
2 – Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial;
d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;
e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;
f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;
g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;
h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;
j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.
3 – Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa».

Resulta, assim, de forma clara desta norma que os recursos podem subir imediatamente ou de forma diferida, sendo que, no que respeita à subida imediata, a mesma se verificará nos casos expressamente enunciados no seu n.º 2 e ainda quando, nos termos previstos na cláusula geral vertida no seu n.º 1, se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis. A regra é, consequentemente, a da subida diferida dos recursos, já que os casos de subida imediata são apenas os taxativamente indicados na lei ou aqueles em que a retenção os torne absolutamente inúteis.
Nos casos de subida diferida, os recursos subirão, serão instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, como resulta do disposto no artigo 407.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Para além dos casos expressamente enumerados de subida imediata dos recursos, previu o legislador uma cláusula geral, subsidiária, que permite a subida imediata de outros, quando se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis.
No caso dos autos, verifica-se que o despacho recorrido não integra nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, pelo que nos resta verificar se o recurso contra ele interposto, integra a previsão do artigo 407.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, isto é, saber se a sua subida diferida o tornaria absolutamente inútil. Como escreve António Pereira Madeira em anotação ao artigo 407.º do Código de Processo Penal (in Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2022, 4.ª edição), “o princípio geral enunciado no n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal é de fácil explicação: se a retenção do recurso o torna absolutamente inútil, então, para evitar que a interposição se torne num acto processual supérfluo, e, assim, processualmente descabido, há que fazê-lo subir imediatamente, a fim de garantir que a interposição e subsequente conhecimento do recurso venham a ter pertinente utilidade”.
Tem sido uniformemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, por força da sua subida diferida, nas situações em que, sendo procedente, não possa já ter qualquer efeito útil na marcha do processo, resultando tal inutilidade precisamente da sua retenção, sendo certo que aquela inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si mesma. Nesse sentido, se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora de 9/10/2012 (processo n.º 410/11.8GHSTC, consultado em www.dgsi.pt), que entendeu que “a inutilidade apenas ocorrerá se o seu reflexo no processo for irrelevante seja qual for a solução que o tribunal superior venha a proferir, ou seja, se não subindo imediatamente, a decisão não tenha qualquer efeito útil no processo e já não quando a consequência da procedência do recurso é, tão só, a anulação dos atos processuais, incluindo até o próprio julgamento[2].
De salientar que o n.º 1 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, prevê unicamente as situações em que a apreciação diferida do recurso lhe retirará qualquer efeito útil, não abrangendo os casos em que o provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos processuais, entretanto praticados. A eventual anulação de actos processuais, entretanto praticados é uma realidade que o legislador, assumindo o risco inerente à celeridade processual, não ignorava ao delinear o regime dos recursos, sendo nesse quadro que determinou quais os que teriam subida imediata e os que subiriam apenas com o recurso interposto da decisão que pusesse termo à causa. Como se entendeu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de30/06/2022 (processo n.º 26/18.8PAPTL.G1, consultado em www.dgsi.pt ), “se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de atos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de atos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso[3]. No mesmo sentido se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/06/2024, processo n.º 115/21.1T9EPS.G1, subscrito pelo relator como adjunto).
A este respeito, escreve Paulo Pinto de Albuquerque (in Cometário do Código de Processo Penal, 3ª Ed. actualizada) que “têm subida imediata apenas os recursos de decisões interlocutórias cuja retenção resultaria na inoperância total do recurso, mas não os recursos que teriam o efeito de anulação e repetição de actos processuais. Por isso há que distinguir inutilidade do recurso e anulação de actos processuais. O risco de anulação de acto processual é um efeito normal do procedimento dos recursos. A inutilidade do recurso é um risco anormal resultante da demora no procedimento do recurso.
Refira-se que o Tribunal Constitucional, em várias decisões, citando-se a título de exemplo, o Acórdão n.º 242/2005 (publicado no DR, Série II de 10.10.2005), tem entendido que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente, concluindo que a subida diferida de um recurso de despacho que indefira a realização de diligências na fase de instrução não afronta o princípio das garantias de defesa do arguido nem o princípio da dignidade do cidadão pela sua submissão ao julgamento penal[4].
Na situação dos autos, em caso de procedência, mesmo que julgado com o recurso interposto da decisão que venha a pôr termo à causa, o recurso terá sempre um efeito útil embora possa determinar a inutilização de posteriores actos do processo, consequência normal do conhecimento, no momento processual adequado, dos recursos com subida diferida. Por outras palavras, a não subida imediata do recurso e o eventual resultado favorável ao Recorrente de decisão posterior do mesmo pode ter consequências no processo, por eventual declaração de nulidade da decisão de revogação da suspensão provisória do processo, mas tal não significa que o recurso tenha perdido a sua utilidade, apesar da subida diferida, pois o Recorrente pode tirar benefícios da sua procedência.
O recurso interposto nos autos tem, pois, subida diferida e não pode, por isso e por agora, ser conhecido por esta Relação porque os recursos que não devam subir imediatamente sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, conforme previsto no nº3 do artigo 407º do Código de Processo Penal.

Em suma, há que proceder à alteração do efeito e do regime de subida que foi fixado porque se trata de um recurso interlocutório que:
a) não se enquadra em nenhuma das situações previstas no n.º 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, nem tão pouco se verificando a previsão do seu n.º 1;
b) não se enquadra em nenhuma das previsões previstas quer no n.º 1, quer no n.º 2 do artigo 408.º;
Termos em que, ao abrigo do artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, se decide alterar o regime de subida do recurso que deve subir nos próprios autos apenas a final com o que vier a ser interposto da sentença que, conhecendo do objecto do processo, ponha termo a este, com efeito meramente devolutivo e com o inerente prejuízo para o conhecimento, nesta fase, do objeto do mesmo.
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C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em alterar o regime de subida fixado ao presente recurso, que passará a ser diferida, com o que vier a ser interposto da sentença, com efeito meramente devolutivo e com o inerente prejuízo para o conhecimento, nesta fase, do objeto do mesmo.
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Sem custas.
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Notifique.
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2024 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (relator);
Anabela Varizo Martins (1.ª Adjunta);
Isilda Pinho (2.ª Adjunta).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] Cf. ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/10/2020 (processo n.º 743/09.3PAMGR-A.C1, consultado em www.dgsi.pt ), com o seguinte sumário: “para efeitos de regime de subida um recurso só pode ser considerado absolutamente inútil quando a sua não apreciação imediata leve a que deixe de ter qualquer eficácia no processo”.
[3] Cf. no mesmo sentido como o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/10/2012 (Processo n.º 410/11.8 GHSTC.E1, consultado em www.dgsi.pt), «se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de actos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual mas não lhe retira, em absoluto, a utilidade, já que a anulação de actos processuais é, tão-só, uma das consequências normais do recurso»
[4] Cf. ainda a título de exemplo os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 435/2000 e 46/2001.