ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
FRAUDE FISCAL
GERÊNCIA CONJUNTA
REENVIO
Sumário


I – O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum;
II- No âmbito dos crimes de fraude fiscal existe um erro notório na apreciação da prova quando tendo ficado provado que eram os arguidos quem, de forma conjunta geriam de direito e de facto a sociedade arguida, tomando conjuntamente as decisões relativas ao normal funcionamento da sociedade, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos e ficando também provado que foram a sociedade arguida e os seus sócios os beneficiários da emissão das notas de crédito, se dá como não provado que estes não agiram com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
III - Na falta de confissão dos arguidos e considerando a provável inexistência de outras provas, nomeadamente testemunhais, nada impede o recurso à prova por presunção judicial que constitui um meio de prova legalmente previsto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e 125.º do Código de Processo Penal, sob pena de se potenciar a possibilidade de qualquer sócio fugir à sua responsabilidade, imputando a terceiros – outros arguidos, contabilistas e outros - o não cumprimento das obrigações ficais das empresas, abrindo caminho para a condutas fraudulentas lesivas do interesse público, o que não foi certamente o desiderato do legislador ao definir as condutas integradoras dos crimes de natureza fiscal;

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica de Monção, foi proferida sentença, datada de 19/03/2024, que decidiu:

- Absolver os arguidos AA, BB, CC e DD, pela prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.
- Condenar a arguida EMP01..., UNIPESSOAL, LDA. pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal) - previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho) na pena de 600 (seiscentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros) no total de 3.000,00€ (três mil euros);
- Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil e, consequentemente, condenar a arguida EMP01..., UNIPESSOAL, LDA. no pagamento ao Estado Português da quantia de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos), montante esse acrescido de juros vincendos até integral pagamento, à taxa legal.

*
2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o Ministério Público o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo absolveu os arguidos AA, BB, CC e DD, pela prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho
2. É desta parte da decisão que se discorda e da qual se interpõe o presente recurso, uma vez que as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento são inequívocas e bastantes para se afirmar que os arguidos AA, BB, CC e DD, praticaram os factos pelos quais vinham acusados, senão veja- se:
3. DA MATÉRIA DE FACTO – PONTOS INCORRETAMENTE JULGADOS NÃO PROVADOS:

O Tribunal deu como não provados os seguintes factos:
1. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços com a sua contabilista certificada, a aqui arguida DD, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
2. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
3. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
4. Na execução de tal propósito, os arguidos pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as notas de crédito referidas no 5.º facto provado, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015:
5. Os arguidos singulares, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
6. Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
7. Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
8. Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
4. Tais factos devem ser dados como provados tendo em conta todas provas que constam dos autos e das gravações das diversas sessões da audiência de discussão e julgamento, na sua totalidade, a saber:
a) Declarações do arguido AA, prestadas em audiencia de discussão e julgamento no dia 28.11.2022 aos minutos que infra se indicam: 00:00:48 a 00:00:54; 00:00:55; 00:02:24 a 00:02:29; 00:02:55 a 00:02:56; 00:03:03 a 00:03:39; 00:03:47 a 00:04:05; 00:04:09 a 04:12; 00:04:18 a 00:04:20; 00:04:46 a 00:05:10;00:08:02 a 00:08:26; 00:08:32; 00:09:25 a 00:09:32;00:09:34 a 00:11:26; 00:10:15; 00:22:41; 00:28:03; 00:29:27 a 00:29:39; 00:29:44 ; 00:30:17 ; 00:30:23 a 00:30:26 ; 00:30:33 a 00:30:44 ; 00:36:40 a 00:37:14; 00:37:49; 00:37:52; 00:38:04 a 00:38:06; 00:38:20 a 00:38:34; 00:41:10 a 00:41:19; 00:41:24 ; 00:41:42 - 00:41:56; 00:42:18;
b) Declarações pela arguida BB, prestadas em audiencia de discussão e julgamento no dia 13.03.2023 aos minutos que infra se indicam: 00:00:30; 00:00:41; 00:01:15 00:02:34; 00:01:34; 00:05:04 ;00:05:07 - 00:05:45; 00:06:16; 00:06:25 - 00:07:07; 00:10:53 - 00:11:04; 00:11:13; 00:11:17; 00:11:23; 00:11:32; 00:12:09; 00:12:18; 00:12:22; 00:14:39; 00:15:21; 00:15:27; 00:17:03; 00:27:16;
c) Declarações pelo arguido CC, prestadas em audiencia de discussão e julgamento no dia 13.03.2023 aos minutos que infra se indicam:00:14:53 a 00:15:07; 00:15:17 a 00:15:35; 00:16:37 a 00:16:52; 00:25:38;
d) Declarações pela arguida DD, prestadas em audiencia de discussão e julgamento no dia 13.03.2023 aos minutos que infra se indicam: 00:06:22; 00:19:51; 00:19:26; 00:30:32; 42:00 – 42:08; 00:42:30; 00:43:44
5. A sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, o qual consiste, como se refere no Sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo:26/16.2GESRT.C, de 10-07-201, em www.dgsi.pt:
“Sumário:
I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
II - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum”.
6. O arguido AA não nega a emissão das notas de crédito, sendo que resulta claro das suas declarações que todos os três arguidos assumiam funções repartidas na sociedade. Conforme o mesmo mencionou era uma sociedade pequena composta apenas por três amigos.
7. Por outro lado, o arguido limita-se afirmar que apenas se limitou a cumprir o que a contabilista lhes pedia, afirmando que eram espanhóis e desconheciam as leis Portuguesas. Como se compreende tal conduta em nada se relaciona com a circunstância de estar em Portugal ou num pai estrangeiro.
8. Emitir uma fatura e, após emitir uma nota de crédito relativa ao mesmo documento é um dos procedimentos quotidiano de qualquer sociedade, que não exige conhecimentos contabilísticos, pois é um dos simples cálculos da matemática, ou seja, a nota de crédito irá anular o valor da fatura resultando numa soma neutra, isto é, equivale a uma “Inexistência de fatura” o que consequentemente terá implicação na redução do lucro da empresa e o pagamento dos impostos devidos.
9. Por isso questiona-se: será que é verosímil a versão que o mesmo apresenta, quando é o próprio a mencionar que já teve uma empresa anteriormente com o mesmo objeto social? Ademais pelo próprio foi dito que nem dinheiro tinham para o “aluguer” da loja onde funcionava a sua empresa.
10. Será que tal circunstancia não permite comprovar, conjugando com o resto da prova produzida, que os arguidos atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC?
11. De facto, e estando a sociedade numa situação difícil conforme menciona o arguido AA, tais declarações assumem um peso ainda maior para a prova dos factos, uma vez que assim se furtaram ao pagamento do imposto devido.
12. Ademais, não pode o arguido, como empresário na área da  comercialização de viagens, atividade que desenvolve há um largo período temporal, conforme o próprio mencionou alegar que desconhecer quanto a sua empresa fatura.
13. Por seu turno não pode o arguido usar o argumento de que não tiveram efetivamente “esse lucro”, pois o crime em causa é “é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social e é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem; “ Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.10.2013, p. 105/11.2IDCBR.C1, disponível in www.dgsi.pt.
14. BB. menciona que desconhecia o motivo das notas de crédito, que não sabia quanto a empresa faturava, que apenas cumpria o que a arguida DD pedia, porém também a sua versão não merece qualquer credibilidade.
15. Quanto à emissão das faturas, contrariando a versão apresentada pelo arguido AA, a mesma mencionou que as faturas do “cliente de rua” eram emitidas na loja, pelos mesmos.
16. Será que pelas suas declarações, nas quais constam de forma clara que todos tinham acesso ao referido sistema, pela contrariedade de todos as suas declarações quanto à emissão das mesmas, limitando-se o “bloco dos três arguidos que constituíram a sociedade” a dizer que foi arguida DD e que desconheciam a emissão das mesmas, pela circunstancia de se tratar de uma empresa com uma dimensão humana muito pequena, o que implica um conhecimento do seu funcionamento por parte dos gerentes e também funcionários muito mais próximo, não é suficiente para concluir sem margem para qualquer dúvida que foram os arguidos em comunhão de esforços e vontades que elaboraram as notas de credito, mediante acordo previamente gizado , no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;?
17. Na verdade, e não se colocando em causa a emissão das faturas, das notas de crédito, da gerência de facto, bem como o beneficio obtido em relação ao imposto de IVA e IRC de que forma se pode concluir que apenas e exclusivamente pela circunstancia de se desconhecer em concreto quem dos 4 arguidos, os quais tomavam todas as decisões relativas à empresa, acedeu ao sistema do TOC online (que todos tinham livre acesso) que os arguidos não agiram com dolo?
18. Se tal sempre assim acontecesse bastaria a um qualquer arguido gerente de facto mencionar que não foi o mesmo a remeter a declaração do imposto à Autoridade Tributária e/ou a emitir faturas e/ou notas de crédito para ser absolvido dos típicos crimes fiscais, como é o caso dos autos.
19. A sociedade em causa, enquanto empresa que desenvolve uma atividade económica visa a obtenção de lucros, pelo que sendo a arguida BB, sócia fundadora e gerente de facto da arguida EMP01... é totalmente incompreensível que a mesma desconheça por exemplo quais os resultados da empresa que geria e, na qual trabalhava.
20. Das declarações de CC é possível concluir que todos sabiam da emissão das notas de crédito, uma vez que foi o próprio arguido AA que lhe confirmou que procediam em conjunto como a contabilista tinha indicado, ou seja, daqui se retira que todos, incluindo a contabilista mediante prévio acordo gizaram um plano em conjunto para através da emissão das notas de crédito obter o beneficio em causa na acusação.
21. Por outro lado, o arguido confirma que é normal o arguido AA poder ter emitido algumas notas de crédito uma vez que sendo a sociedade um operador turístico por vezes passem notas de crédito ao consumidor final.~
22. A arguida DD, pese embora não tenha negado a existência das notas de crédito, até porque não podia, tendo em conta que foi a mesma a fazer a contabilidade da empresa, limitou-se a mencionar que as mesmas eram emitidas pelos demais arguidos e, não por si.
23. Será que é verosímil, tendo em conta as regras da experiência comum que uma contabilista com mais de 15 anos de profissão não achasse anormal a emissão de cerca de 300 notas de crédito? Será que é verosímil que a mesma após constatar tal emissão não tenha ou não deva confirmar se as mesmas estão assinadas, tendo em conta que é a própria que menciona que toda a nota de crédito tem que ser enviadas ao cliente e por si assinadas?
24. Na verdade e, tendo em conta as suas declarações, em conjugação com as dos restantes arguidos que não deram explicações lógicas para a emissão de tais notas de crédito, limitando-se a imputar o ato de emissão à contabilista e, esta aos demais arguidos permite concluir que todos os arguidos sabiam da emissão das notas de crédito e quiseram que as mesmas fossem emitidas de forma a obter a favor da sociedade um beneficio económico que sabiam não ser devido.
25. Como tal, não pode a arguida DD, contabilista de profissão e com largos anos de experiência mencionar que não achou estranha a emissão de mais de 300 notas de crédito, sendo ainda que não se afigura plausível que todos os arguidos, atendendo ao critério do homem medio comum e às características dos mesmos, desconhecessem a emissão das notas de crédito, em particular atendendo ao elevado montante em discussão.
26. Não lograram os arguidos AA, CC, BB, nem mesmo a contabilista DD apresentar uma versão plausível que permita afastar a sua responsabilidade criminal.
27. De igual modo, não podem os arguidos, como empresários atividade que desenvolvem há um largo período temporal, alegar que desconheciam a emissão das notas de crédito e que as mesmas foram emitidas pela arguida DD.
28. Alias, a arguida DD não nega tal conhecimento, alegando, pelo contrário, ter conhecimento das mesmas, porém acreditou que teria sido um engano, pelo que tal afirmação é discrepante com o depoimento prestado pelos demais arguidos, os quais conjugados com a prova documental junto aos autos, designadamente, os relatórios das finanças - Relatório de inspeção tributária de fls. 4 e ss.; Parecer de fls. 778 a 785 e de fls. 790 a 797; Conclusões da ação inspetiva de fls. 798 a 824 permitiu esclarecer a razão da ação inspetiva à sociedade arguida e a inexistência de dúvidas que foram emitidas pelos arguidos as notas de crédito pela sociedade arguida e, com essa conduta, foi causado prejuízo ao Estado Português.
29. O tribunal absolveu pela circunstância de não saber quem, dos 4 arguidos, emitiu as notas de crédito., porém entende-se que tal por si só não é elemento que permita a absolvição dos arguidos.
30. O que importa no caso concreto é que nenhum dos arguidos colocou em causa a emissão das notas de crédito e da prova produzida resulta sem margem para qualquer dúvida que todos tinham conhecimento da emissão das mesmas e agiram de forma livre voluntária e consciente, mediante acordo previamente gizado e, os mesmos ou alguém a seu mando emitiram tais notas de crédito como objetivo de obter vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, ao constante da acusação.
31. Como é que o Tribunal recorrido pode mencionar que “Apesar de não haver dúvidas que foram emitidas as notas de crédito constantes dos autos, e que o foram em nome e interesse da sociedade arguida, beneficiando esta última e os respectivos sócios “ e, após absolver os arguidos da prática com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
32. Entende-se, salvo o devido respeito por opinião contrária que a sentença recorrida ao condenar a sociedade arguida EMP01..., UNIPESSOAL, LDA. pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal) - previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho) na pena de 600 (seiscentos) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros) no total de 3.000,00€ (três mil euros), contraria o senso comum, a experiência comum, o padrão do homem médio, não se coaduna com a totalidade das provas constantes dos autos nem com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal.
33. Houve da parte dos arguidos um planeamento, um acordo, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito.
34. Veja-se que o Tribunal deu como provados os factos 1 a 12 da sentença recorrida.
35. Como tal, o Tribunal ao absolver os arguidos apenas pela circunstancia de não saber quem dos 4, acedeu ao computador, entrou no programa toc-online e emitiu as cerca de 300 notas de crédito, ao longo do ano de 2015 incorreu em erro notório na apreciação da prova.
36. Na verdade e tendo em conta que não existem dúvidas que foram emitidas as notas de crédito constantes dos autos, e que o foram em nome e interesse da sociedade arguida, beneficiando esta última e os respetivos sócios (tal foi reconhecido pelo Tribunal), e conjugado com o senso comum, facilmente se dá conta que o Tribunal violou as regras da experiência tendo efetuado uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários e até mesmo contraditórios.
37. Perante a totalidade das provas que constam dos autos, nomeadamente as versões dos arguidos, das testemunhas e demais provas, afigura-se-nos que é evidente que o Tribunal “a quo” ao absolver os arguidos AA, BB, CC e DD, pela prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho o fez, incorrendo em erro notório na apreciação da prova, pois uma prudente apreciação das provas, que constam na íntegra do da sentença, afasta o desfecho que o Tribunal preconizou.
38. E, por isso devem ser considerados como provados na sentença recorrida, para além dos já constantes os seguintes:
1. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços com a sua contabilista certificada, a aqui arguida DD, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
2. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
3. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
4. Na execução de tal propósito, os arguidos pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as notas de crédito referidas no 5.º facto provado, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015:
5. Os arguidos singulares, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
6. Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
7. Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
8. Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
39. E, consequentemente condenar AA, BB, CC e DD, pela prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001.
40. Destarte foram violados pela sentença recorrida, os artigos 127.º, 410.º, n.º 2,alínea c) do Código de Processo Penal, artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal, artigos 26.º, 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal e artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
41. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o superior suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a sentença recorrida parcialmente revogada e substituída por outra que condene AA, BB, CC e DD, pela prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada (previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001.
*
3) Notificado do requerimento de interposição de recurso os arguidos responderam ao recurso interposto pelo Ministério público, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

a) Arguida BB:
A. Alega o Ministério Público que a prova produzia impõem a alteração da matéria de facto dando como provado o seguinte:
1. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços com a sua contabilista certificada, a aqui arguida DD, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
2. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
3. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
4. Na execução de tal propósito, os arguidos pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as notas de crédito referidas no 5.º facto provado, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015:
5. Os arguidos singulares, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
6. Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
7. Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
8. Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
B. Porém, não resulta dos depoimentos nem de qualquer outra prova que suporte a alteração da matéria de facto pretendida;
C. Aliás, dos vários depoimentos dos arguidos e testemunhas resulta precisamente o contrário como decorre dos depoimentos de AA (00:02:12 ;00:02:49; 00:03:03 a 00:03:39), BB ( 00:12:22 ; 00:25:27; 00:25:37) CC (00:15:49) , Dr. EE (00:10:12; 00:16:21, 00:17:43, 00:20; 00:22:24 00:0023:11 e no 05.02.2024 – ao minuto 00:04:17 e 00:14:43); FF (00:06:07; 00:20:27; 00:22:24) e GG (00:19:14).
D. Resulta evidente do depoimento dos gerentes, em primeiro lugar, que a aqui arguida e os restantes gerentes desconheciam por completo as notas de crédito, sendo o seu depoimento bastante genuíno no tocante à surpresa com que se depararam com o elevado número de notas de crédito;
E. Corrobora também este desconhecimento a prova documental junta ao processo, designadamente no relatório das finanças (página 1218) a desorganização total da contabilidade da empresa nos escritórios da arguida, Dra. DD, “a contabilidade era executada sem qualquer método, sem qualquer organização, sem qualquer respeito pelas normas contabilísticas e pelas exigências da lei comercial e fiscal. Não constava da contabilidade qualquer relação entre os movimentos financeiros e as operações de facto a eles associadas, não existiam contas correntes de terceiros, havia omissões de vendas, (…)em sem número de inexatidões, irregularidades e omissões. A cc ainda em funções(…) foi depositando caixas de documentos originais que tinha em sua possa nas instalações da empresa inspecionada, documentos esses que não tinha refletido contabilisticamente.”
F. Em segundo lugar, resulta dos depoimentos referidos em C., designadamente do gerente AA, dos contabilistas FF e GG que as notas de crédito não podiam pura e simplesmente ter sido anuladas dado que o valor nelas constantes justifica os valores gastos pela arguida EMP01... junto dos seus fornecedores de serviços;
G. De facto, a desconsideração total do valor das notas de crédito fez com que, conforme depoimento de FF se tenha empolado o lucro tributável da sociedade de tal forma que a rentabilidade da empresa passou para 44% em 2015, o que é manifestamente impossível.
H. Portanto, apesar da arguida não ter conhecimento da emissão das notas de crédito, é claro que as notas de crédito diziam, de facto, respeito a gastos existentes na empresa, pelo que as mesmas não terão sido emitidas para obtenção indevida de benefícios fiscais.
I. Constituem fraude fiscal, as condutas ilegítimas tipificadas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
J. Ora, da prova produzida resulta claro que a arguida desconhecia a emissão das notas de crédito, mas também que o valor das referidas notas de crédito corresponderá, de facto, a gastos efetivos da empresa sob pena de se chegar ao ridículo de se concluir que uma agência de viagens, situada em ..., tem uma rentabilidade de 44.
K. Assim, além de resultar da prova produzida que a arguida não emitiu e desconhecia a existência das notas de crédito, pelo que não se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo de crime, resulta também que a sua emissão, apesar de forma indevida, não terá, pelas regras da experiência, visado a obtenção indevida de benefícios fiscais.
L. Mais, não pode o Ministério Público pretender que o facto de um ou mais indivíduos serem beneficiados por uma determinada conduta possa determinar, por si só, que agiram com dolo e tiveram vontade de atingir para obter aquele resultado.
M. De facto, para haver dolo no crime de fraude fiscal o facto tenha sido praticado com a intenção de obter um determinado resultado, o que não resulta, de todo, da prova produzida.
N. Nestes termos, deve a sentença do tribunal a quo manter-se nos exatos termos em que foi proferida no que à ora arguida diz respeito, absolvendo-se a mesma da prática do crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 104.º RGIT.

b) Arguido AA;
I. O M.P. fundamenta o seu recurso alegando que a Douta sentença padece de “erro notório na apreciação da prova”, pugnando que “…as provas produzidas e analisadas em audiência de discussão e julgamento são inequívocas e bastantes para se afirmar que os arguidos […] praticaram os factos pelos quais vinham acusados…”
II. É manifesto que o recurso não tem qualquer fundamento válido e tal falta de fundamento poderá dever-se, desde logo, ao facto da Digníssima Magistrada que subscreve o recurso não ter participado nas sessões da audiência de julgamento em que a prova (declarações de arguidos e depoimento das testemunhas) foi efectivamente produzida, carecendo por isso da respectiva apreciação e análise imediatista.
III. O MP impugna a matéria de facto recorrendo a transcrições de segmentos desgarrados das declarações dos Arguidos, as quais não fazem parte do texto da douta sentença recorrida, fazendo depois a sua própria interpretação destas provas (sob artigos 6 a 25) para, a final, tirar a conclusão de que os factos por si impugnados devem ser dados por provados.
IV. Conforme é jurisprudência superior, pacífica e mais esclarecida, o “erro notório na apreciação da prova” tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória e não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, questões essas que são do foro da livre apreciação da prova (Art. 127.º CPP)
V. É manifesta a confusão do MP, no presente recurso, entre impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e por existência de erro notório na apreciação da prova.
VI. A Douta sentença recorrida, na parte que é sindicada pelo recurso, está devidamente fundamentada, não havendo qualquer evidencia de que tenha sido violado o princípio da livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, conforme estipula o Art. 127º do CPP.
VII. Escreve a Senhora Juiz, a pág. 12 e 13 da douta sentença, não foi possível ao tribunal identificar, em concreto, a autoria da emissão das notas de crédito, … não se podendo saber, com a certeza exigível num processo de natureza criminal por quem as mesmas foram emitidas e, perante esta dúvida sobre qual deles praticou tais factos, e fazendo actuar o princípio da presunção da inocência, obrigatoriamente que teremos que concluir no sentido de não ter sido feita prova dessa mesma autoria e julgar esses factos como não provados”.
VIII. Como se constata, a douta sentença está perfeitamente fundamentada, de forma clara e não contraditória, assentando na livre apreciação que a Meritíssima Juiz fez da prova resultante das declarações dos Arguidos, dos depoimentos das testemunhas e da prova documental e aquela decisão tem uma justificação lógica e é totalmente admissível face às regras da experiência comum.
IX. A Meritíssima Juiz, em cumprimento do seu dever de fundamentação da sentença, refere expressamente, em súmula, os depoimentos prestados que a determinaram à decisão de julgar não provados os factos ora impugnados, nomeadamente, da testemunha Inspectora HH e de EE (contabilista certificado, membro da direcção da respectiva Ordem profissional), que atestaram não ter sido possível apurar quem terá emitido as notas de crédito.
X. E quanto à posição assumida pelos Arguidos, consta da douta sentença: “…os arguidos AA, BB e CC contam uma versão de acordo com a qual foi a arguida DD quem emitiu as notas de crédito, já a arguida DD nega ter sequer essa incumbência, argumentando que não é habitual um contabilista fazê-lo”.
XI. Por conseguinte, tendo os Arguidos negado a autoria na elaboração das notas de crédito em causa nos autos, não resultando do depoimento de nenhuma testemunha que algum deles o tenha feito, nem tão pouco existindo prova documental ou informática nesse sentido, estipula a lei e os princípios gerais de direito e constitucionais, que o tribunal deve absolver, em tributo obrigatório à presunção legal de inocência e ao princípio “in dúbio pro reo”.
XII. Bem andou a Meritíssima Juiz ao decidir, como decidiu, pela absolvição do Arguido, não padecendo a Douta sentença de qualquer vício, nomeadamente de erro na apreciação da prova ou qualquer de erro de julgamento.
XIII. Nos termos do disposto no nº 3 do Art. 411º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa.
XIV. A Digníssima Magistrada recorrente indica efectivamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas não indica as provas concretas que, no seu entendimento, impõem decisão diversa.
XV. Quanto a este requisito legal da motivação de recurso, o MP indica e remete para os segmentos que transcreve das gravações das declarações dos Arguidos AA, BB, CC e DD, pretendendo que dos mesmos resulta alguma prova dos factos, por confissão, nomeadamente de que foram eles, ou qualquer um deles, os autores das notas de crédito em causa.
XVI. O MP não indica quais as concretas provas que, necessariamente, impunham uma decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal, afigurando-se ao Arguido que não saberá que provas serão essas, tanto que levanta as suas próprias dúvidas e questões que os depoimentos e declarações dos arguidos lhe suscitaram.
XVII. Se é certo que o Arguido não negou que as notas de crédito tivessem sido emitidas, a verdade é que ao longo das suas declarações negou expressa e repetidamente ter sido ele a emiti-las ou a dar ordens para a sua emissão ou sequer que tivesse conhecimento de que as mesmas tivessem sido emitidas até ser confrontado com as mesmas pelo inspector fiscal.
XVIII. Em contrapartida, tal como constava já da acusação pública (artigo 4) e foi dado por provado (facto provado 4 da douta sentença), a arguida DD era a contabilista certificada da EMP01..., Lda à data dos factos, sendo a responsável, nomeadamente, por “…proceder à emissão de documentos contabilísticos, como facturas, notas de crédito e de débito”, facto este que não foi impugnado.
XIX. A Senhora Procuradora deveria ter dado resposta às dúvidas que suscita, ou seja, tinha o dever de fazer verdadeiras afirmações e de indicar as provas que deveriam ter determinado o tribunal a decidir obrigatoriamente de forma inversa ou diferente.
XX. Não há nos autos nenhum indício ou prova que permita pôr em dúvida ou infirmar as declarações e depoimentos dos Arguidos e das testemunhas e a Digníssima Procuradora, se bem que afirme o contrário, não indica uma única prova concreta nesse sentido.
XXI. Consequentemente, não poderia nunca ser dado por provado que os arguidos tivessem agido em comunhão de esforços e acordo de vontades, de modo livre, voluntário e consciente, ou seja, com culpa ou com dolo, para obterem vantagens patrimoniais para a EMP01..., Lda à custa do erário público.
XXII. Também por estes motivos a douta sentença cumpriu os ditames da lei e fez justiça ao absolver o Arguido e o recurso terá que improceder.

c) Arguido CC:
I. Responde-se ao recurso interposto pelo MP da douta sentença com a referência ...27 proferida e depositada em 19.03.2024, que absolveu o Recorrido, bem como aos demais arguidos singulares, pela prática, com dolo directo, em coautoria material, na forma consumada e continuada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. 7º, nº 3 , 103º, nº1, 104º, nº2 do RGIT.
II. O recurso em resposta versa sobre a decisão de facto, no que tange ao elenco dos factos considerados não provados na sentença e ainda por alegado erro notório na apreciação da prova.
III. É convicção primeira do Recorrido que o recurso interposto desrespeita o estatuído nos nºs 1, 3, al. b) e 4 do artigo 412º do CPP, a impor rejeição, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 414º do mesmo código.
IV. Posto que as conclusões do recurso não constituem proposições claras, precisas e sintéticas, que expressem, de forma condensada e concreta a motivação do recurso, antes evidenciando dúvidas e incertezas da sua Ilustre subscritora, patentes em perguntas a que a mesma sequer responde, de que constituem paradigmáticos exemplos as que se mostram. numeradas nas conclusões 9, 10, 16, 23 e 31, pelo que não consubstanciam verdadeiras conclusões, que legitimem o contraditório e definam com precisão o objecto da apreciação e decisão do recurso, com referência a concretos e inequívocos meios de prova constantes do processo.
V. Por outro lado, as pretensas “transcrições” da prova produzida em audiência, objecto de gravação, que integram as alegações em contraditório ostentam deficiência e não reproduzem, exactamente e de forma inteligível, o conteúdo das declarações dos depoentes, como se exemplificou com o que consta de fls. 5/41, primeiro parágrafo de fls. 8/41 e fls.11/41, da peça sob resposta, que se reproduziram no contexto, a legitimar a conclusão de ter ocorrido recurso a uma aplicação informática de conversão de voz em texto, o que, na convicção do recorrido, não satisfaz as exigências legais de rigor na transcrição das concretas passagens da gravação.
VI. Por último, ainda como fundamento de rejeição, constata-se que o MP, a despeito de indicar os concretos pontos da decisão de facto que pretende ver revogados, não cumpre cabalmente o ónus de indicar quais as concretas provas que, necessariamente, impunham uma decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal, incumprindo o ónus consagrado no artigo 412º, nº 4 do CPP, perdendo-se entre citações desgarradas, insanáveis dúvidas, a que não responde e desajustados comentários, como se escalpeliza no contexto.
VII. Limitando-se a citar segmentos descontextualizados, que deficientemente transcreve, das gravações das declarações dos arguidos singulares, recorrido incluído, fazendo decorrer do facto de todos terem admitido que tomaram conhecimento após a visita inspectiva da AT da emissão de notas de crédito, a inadequada e desajustada conclusão, ao arrepio de qualquer prova, de que terão sido eles os autores materiais de tal emissão.
VIII. Por contraponto, na fundamentação da decisão de facto que constitui o ultimo parágrafo de fls. 12 e fls. 13 da douta sentença recorrida, que pela sua relevância mereceu transcrição na antecedente motivação, a que se adere e aqui se dá por integralmente reproduzida, mostram-se estigmatizados, de forma perfeitamente lógica e escorreita, as razões que levaram o tribunal “a quo” a julgar tal factualidade como não provada, onde pontua a total ausência de prova sobre a autoria material das notas de crédito, com prejuízo para o invocado conluio, ausência de justificação da emissão das notas de crédito, sua falsidade, intenção de obtenção de vantagens patrimoniais ilegítimas para a sociedade arguida e de defraudar o Estado, com referencia a meios de prova concretos e inequívocos ali escalpelizados, de que tal omissão emerge.
IX. À míngua de provas concretas, que satisfaçam os argumentos (leia-se dúvidas) que ostenta, para dar corpo à impetrada revogação do decidido, socorre-se o MP da figura do erro notório na apreciação da prova, consagrada no artigo 410º, nº 2, c) do CPP, de que faz errada interpretação e aplicação, ostentando grosseira confusão entre tal figura e a da impugnação da decisão de facto por erro de julgamento.
X. Consistindo o erro notório na apreciação da prova no vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras da experiência comum, como emerge das profusas citações da jurisprudência que constam do contexto desta resposta,
XI. É mister concluir que o mesmo não se confunde com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente, MP (ou, melhor dizendo, das suas dúvidas e questões a que não dá resposta) sobre a prova produzida, a cuja produção a Digna Magistrada subscritora do recurso não assistiu.
XII. Tendo por contraponto a convicção formada pelo tribunal “a quo “sobre os factos, no imediatismo da prova, para na livre apreciação desta, decidir as questões submetidas a julgamento, conforme princípio ínsito no artigo 127º do CPP.
XIII. Sendo inequívoco para o Recorrido que a douta sentença recorrida constitui uma peça bem estruturada e fundamentada, dotada de uma lógica irrepreensível, de um raciocínio escorreito e inteligível. com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, pelas regras da experiência, louvada na livre convicção da sua Ilustre autora e julgadora, com base na prova produzida, quer na parte que emerge das declarações dos arguidos, quer dos depoimentos das testemunhas, quer ainda da prova documental, conforme estigmatizado no contexto – cfr. páginas 6 e 7 desta resposta).
XIV. O que tudo diverge das dúvidas e convicções ininteligíveis e infundadas, que integram a peça sob resposta, de tal forma que, a merecerem acolhimento, aí sim, seriam de molde a materializar erro notório na apreciação da prova, com violação do principio da presunção da inocência e do basilar in dúbio pro reo.
XV. Importa, aqui e agora concluir, com perfeita lógica e respeito pelas regras da experiência, que o facto de se dar como provado que os arguidos singulares sócios, após a visita inspectiva da AT, tiveram conhecimento da emissão de notas de crédito, não permite concluir, na omissão da prova, que tenham sido estes a emiti-las, não ocorrendo qualquer contradição entre ambas as realidades
XVI. Sequer que o tenham feito em comunhão de esforços e acordo de vontades, com o propósito concretizado de obter vantagens patrimoniais ilícitas à custa do Estado (e portanto, com dolo), tudo a impor, como ocorreu, absolvição.
*
A arguida DD respondeu também ao recurso, mas não apresentou conclusões, pedindo que o recurso seja julgado totalmente improcedente, “mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos ou, havendo alguma alteração da sentença, nunca a arguida DD poderá ser condenada, atentos os motivos sumariamente apresentados”.
*
4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, alegando que “estamos perante um erro notório na apreciação da prova dado que o Tribunal conclui pela existência dos factos não provados acima indicados com base num entendimento que não é lógico nem de experiência comum e apenas corresponde a um convencimento subjectivo da Exmª Juíza sem suporte objectivo e racional”.
*
5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os arguidos AA e CC apresentaram resposta, mantendo o alegado nas respetivas respostas aos recursos na primeira instância.
*
6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o Tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1].

No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo Ministério Público, as questões a decidir são as seguintes.

1.ª: Impugnação restrita da matéria de facto: vício do erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º n.º 2, c) do Código de Processo Penal;
2.ª: Impugnação ampla da matéria de facto.
3.ª: Verificação em concreto dos elementos dos crimes imputados aos arguidos e respectivas consequências.
*
2. A Sentença recorrida:

Naquilo em que a mesma releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor da sentença impugnada:

iii. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS
Produzida a prova e discutida a causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:
1.À data dos factos a arguida EMP01..., UNIPESSOAL, Lda., era uma sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º ...44, com o objeto social de organização de viagens turísticas, vendidas através de agências de viagens ou diretamente pelo operador turístico, marketing e promoção turística e sede na Av. ..., ..., em ..., local onde desenvolvia a sua atividade comercial;
2. A sociedade arguida EMP01... encontrava-se (e encontra-se) registada na atividade de “atividades dos operadores turísticos” (CAE 79120), desde ../../2012, estando enquadrada em RIC, no regime geral de tributação e em IVA no regime de periocidade trimestral;
3. À data dos factos, eram os arguidos AA, BB e CC quem geriam de direito e de facto a sociedade arguida, tomando conjuntamente as decisões relativas ao normal funcionamento da sociedade arguida, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela referida sociedade arguida;
4. Por outro lado, à data dos factos, a arguida DD era a contabilista certificada da aludida sociedade, pelo que era a responsável por, nesse período, e por indicação dos arguidos singulares cumprir, no exercício das suas funções de contabilista, com as obrigações declarativas de tal sociedade, nomeadamente preencher, corretamente e de acordo com a realidade e documentação apresentada, as declarações de IRC da sociedade e declarações periódicas de IVA e submetê-las junto dos serviços tributários, designadamente através da sua submissão online, mas também, proceder à emissão de documentos contabilísticos, como faturas, notas de crédito e de débito;
5. No ano fiscal de 2015, a arguida EMP01... procedeu à emissão das seguintes notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, que incluiu na contabilidade, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários:


6. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
7. Em virtude da emissão e inclusão na contabilidade da sociedade arguida das notas de crédito acima mencionadas e da sua inclusão nas declarações fiscais para efeitos de IRC, relativas ao ano fiscal de 2015, apresentadas junto da autoridade tributária, declarando falsamente a anulação de faturas por aquela emitidas, a sociedade arguida deixou de pagar ao Estado/ Administração fiscal:
- a título de IRC……………………………………79.155,68€ (setenta e nove mil cento e cinquenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos),
-  a título de IVA ……………………………..……. 87.225,48€ (oitenta e sete mil duzentos e vinte e cinco euros e quarenta e oito cêntimos) -  correspondente aos seguintes valores trimestrais do ano fiscal de 2015:  € 25.379,44, do primeiro trimestre, € 17.257,25, do segundo trimestre, € 26.451,55, do terceiro trimestre e € 18.137,24, do quatro trimestre;
total ……………………………………………….. 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
8. Pelo que, com a conduta descrita a sociedade arguida apoderou-se da quantia total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
9. A Arguida pessoa colectiva, através de um ou mais dos seus representantes não concretamente identificados, actuou sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizar as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC
10. Agiu com o propósito concretizado de obter vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
11. Sabia que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
12. Actuou de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei

B) FACTOS NÃO PROVADOS

1. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços com a sua contabilista certificada, a aqui arguida DD, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
2. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
3. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
4. Na execução de tal propósito, os arguidos pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as notas de crédito referidas no 5.º facto provado, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015:
5. Os arguidos singulares, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
6. Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
7. Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
8. Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, globalmente considerada, e livremente apreciada pelo Tribunal, nos termos dos arts. 125.º a 127.º do CPP, designadamente os seguintes meios de prova:
i. Declarações dos arguidos
a. AA;
b. BB;
c. CC;
d. DD;

ii. Prova testemunhal
Inspetoras tributárias
1. HH (inspetora tributária desde 2000, coordenadora desde 2009) coordendora do processo inspetivo  ;
2. II (inspectora tributária na Direcção de Finanças ... desde 2015, com formação em contabilidade) autora do parecer final de fls. 778 e ss;
Técnico da Autoridade Tributária
3. FF (nascido em ../../1946, casado, técnico superior da AT reformado, residente no ...) – participou nos actos administrativos sendo o autor da reclamação e recurso hierárquico;
Contabilistas
4. GG (nascido em ../../1957, solteiro, T.O.C. há 42 anos, residente em ...) – prestou serviços de contabilidade para a sociedade arguida;
5. EE (contabilista certificado) – prestou depoimento acerca do funcionamento da plataforma Toc online;
Ex-funcionários da sociedade arguida
6. JJ (nascida em ../../1990, solteira, administrativa em gabinete de contabilidade e seguros na empresa EMP02..., residente em ...) – aos costumes disse ter sido funcionária da EMP01... – no departamento ... que se dedicava a excursões, desde 2014/2015 a 2018;
7. KK (nascido em 19-91-86, solteiro, técnico de turismo, residente em ...) – funcionário da sociedade arguida de ...13 a ...16 na área das vendas;
8. LL (nascida em ../../1993, solteira, assistente técnica do município ..., residente em ...) – funcionária na EMP01... de Agosto de 2016 a 2017 onde realizou um estágio profissional, durante 9 meses;
Funcionários da arguida DD
9. MM (nascida em ../../1988, casada, contabilista certificada há um ano, residente em ...) -  à data funcionária do escritório da arguida DD de quem disse ser amiga além de colega de trabalho;
10. NN (nascida em ../../1986, casada, empregada de escritório, residente em ...) - aos costumes disse ser funcionária da arguida DD desde 2006 e que conhece os demais arguidos por terem sido clientes;
11. OO (nascida em ../../1975, casada, funcionária num supermercado, residente em ...) – trabalhou para a arguida DD de ...17;
Testemunhas abonatórias (prestaram depoimento sobre a personalidade dos arguidos)
12. PP (nascido em ../../1974, estado civil solteiro, profissão empresário, residente em Salvaterra ...) – amigo do arguido AA há 7/8 anos;
13. QQ (nascida em ../../1987, casada, reside em ...) – amiga da arguida BB;
14. RR (nascido ../../86,, solteiro, residente em ...) - funcionário do arguido CC na empresa EMP03... há 10 anos,
15. SS (nascida em ../../94, solteira, recepcionista na empresa EMP03..., residente em Lamas ..., ...) – funcionária da EMP03... desde 2014;
16. TT (nascida em ../../84, casada, empresária, residente em ...) – esposa do arguido CC há 19 anos;
17. UU (nascido em ../../1972, casado, barbeiro, residente em ...) – cliente da EMP01...;
18. VV (nascido em solteiro, padre, reside em ...) – conhecido da arguida DD;
19. WW (nascida em ../../1950, divorciada, professora aposentada, residente em ...) –amiga da mãe da arguida DD;
20. XX (nascida em ../../1082, casada, advogada, residente em ...) – amiga da arguida DD;
21. YY (nascido em ../../1968, casado, gestor de transportes, residente em ...) – marido da arguida DD;

iii. Prova documental
- Auto de notícia de fls. 3;
- Relatório de inspeção tributária de fls. 4 e ss.;
- Reclamação graciosa de fls. 80 e ss.;
- Decisão final do recurso hierárquico de fls. 150 e ss.; 170 e ss. e 702 e ss.;
- Informação do TAF de Braga de fls. 197;
- Informação da DF de ... de fls. 207 a 525 e de fls. 733 e ss.;
- Notificação para audição prévia de fls. 693 a 701;
- Informação de fls. 768 a 775;
- Parecer de fls. 778 a 785 e de fls. 790 a 797;
- Conclusões da ação inspetiva de fls. 798 a 824;
- Certidão permanente de fls. 840 e ss.;
- Certificados de Registo Criminal de fls. 851 a 859.
- cfr. 11-04-2023 - <b>Ofício</b> [...41];
*
Desta forma, tendo presente os meios de prova referidos, isoladamente ou conjugados entre si, conforme infra se explicitará, cumpre concretizar em que precisos termos se formou a convicção do tribunal.

FACTOS PROVADOS 1 a 3
Demonstrado com base na Certidão permanente da sociedade arguida;

FACTOS PROVADOS 4
Quem era contabilista à data dos factos resultou das declarações prestadas nesse sentido por todos os arguidos, versão corroborada pelos depoimentos das testemunhas inquiridas;

FACTOS PROVADOS 5 - 8
Não há dúvidas que foram emitidas as notas de crédito pela sociedade arguida e, com essa conduta, foi causado prejuízo ao Estado Português. O mesmo resultou quer dos relatórios das finanças - Relatório de inspeção tributária de fls. 4 e ss.; Parecer de fls. 778 a 785 e de fls. 790 a 797; Conclusões da ação inspetiva de fls. 798 a 824; - quer das declarações dos arguidos, que não negam a sua existência e a não correspondência com reais anulações de facturas, por fim tudo corroborado pelos depoimentos isentos e desinteressados das testemunhas inspectoras tributárias HH (coordendora do processo inspetivo) e II (autora do parecer final de fls. 778 e ss) e contabilistas GG e EE.

Concretizando:
A Insp.ª HH que foi coordendora do processo inspetivo, começou por explicar desde logo o motivo de ter surgido este processo, designadamente que o mesmo iniciou-se após uma denúncia porque, alegadamente, a sociedade arguida não emitia factura ou após esta emitia nota de crédito sem razão. Confrontada com o relatório final inspectivo de fls. 4 e ss (do teor do qual consta relação das notas de crédito e parecer da depoente) confirmou o seu teor. De forma espontânea e objectiva contou que numa fase intermédia do processo, havia dificuldade na análise da contabilidade porque não se encontrava organizada de forma devida pela contabilista, pelo que era muito difícil fazer uma análise da mesma, referindo que alguns documentos não preenchiam os requisitos legais, pelo que tiveram dificuldade em concluir pela veracidade perante a má organização. No entanto, que após notificação da sociedade a contabilidade foi organizada por um outro contabilista, a testemunha Dr. GG, que o fez de forma correcta e apenas após e com a contabilidade organizada conseguiram extrair conclusões, sendo que da análise da mesma constataram a existência de muitas notas de crédito emitidas, sem devolução do dinheiro da nota de crédito e anulando faturas, respeitando ora consumidores finais não identificados ora contribuintes não nacionais. Acrescentou que os clientes que identificaram, após contacto com os mesmos todos desconheciam a emissão da nota de crédito (com uma excepção que era uma empresa com relações especiais com a empresa inspecionada, de castro laboreiro, com sócio comum, o arguido CC). Ou seja, esta testemunha, com conhecimento directo dos factos, confirmou que nenhuma das notas de crédito tinha prova de corresponder a uma real anulação de factura, que às mesmas não correspondia qualquer devolução de dinheiro pelo que as notas de crédito não correspondiam a anulação nenhuma e tinham por efeito diminuir os rendimentos e o resultado apurado, explicando de que forma as notas de crédito têm efeitos a nível de IVA e de IRC (designadamente o de entregar-se menos imposto ao Estado). No entanto, disse ainda esta testemunha que não apuraram quem emitia as notas de crédito, pois que a AT não tem acesso a essa informação, apesar de saber-se que para o fazer teria que ter acesso ao programa de facuração e ainda que o grande beneficiário é a empresa obrigada ao pagamento dos impostos e os respectivos sócios. Uma vez que as notas de crédito anularam rendimento que foi recebido, desconsiderando-se ou anulando-se as notas de crédito chegaram à conclusão que eram devidos ao Estado cerca de cento e sessenta e seis mil euros. 
Em sentido idêntico foi o da testemunha Insp.ª II, autora do parecer final de fls. 778 e ss – cujo teor confirmou.   Assim, explicou de que forma a acção inspectiva concluíu pela existência de indícios do crime de fraude fiscal decorrente da existência de notas de crédito que não correspondiam a verdadeiras operações de devolução de dinheiro aos clientes. Também explicou que as notas de crédito servem para anular facturas, mas que neste caso em concreto apuraram que esses valores não foram devolvidos aos clientes, sendo a única explicação para a sua emissão o intuito de diminuir o imposto a entregar ao Estado (IVA e IRC).
Confirmando a existência das notas de crédito foi ainda o depoimento da testemunha GG contabilista a quem os sócios gerentes solicitaram que os auxiliasse na organização da contabilidade da sociedade arguida após o surgimento da acção inspectiva. Assim, referiu ter sido contactado em final de abril/início de maio de 2016 pelos 3 sócios, para refazer contabilidade da empresa dos anos 2014/2015 por causa de uma acção inspectiva das finanças, após o que procedeu à organização dos documentos e concluiu que o problema era a existência de notas de crédito de anulação de facturas que, nas palavras do depoente “não faziam sentido”. Ou seja, também por esta testemunha, com conhecimento privilegiado dos factos por ter feito uma análise e estudo exaustivo do ano fiscal em questão, foi prestado um depoimento no sentido de que não conseguiu verificar se às notas de crédito correspondiam devoluções, e ainda que as mesmas não cumpriam os requisitos legais (não se encontrava aposta nenhuma assinatura pelo cliente – o que disse ser obrigatório) acrescentando que não as aceitaria se fossem seus clientes (acrescentando que no exercício da sua profissão apenas aceita notas de crédito quando acompanhadas de comprovativo da sua devolução efetiva). Apesar do depoimento prestado que acabou de se transcrever, o mesmo, estranhamente, faz um apuramento do lucro considerando tais documentos como sendo válidos depois de admitir a invalidade dos mesmos, para concluir que os lucros apurados em 2015 no valor de aproximadamente 590 mil euros, são excessivos, sendo a matéria colectável apurada pelo depoente de aproximadamente 60 mil euros – nesta parte, o depoimento não foi relevado pelos motivos referidos. Ou seja, a existente discrepância dos lucros apurados pela AT por oposição aos resultados obtidos pelo contabilista da empresa arguida, existe pela simples razão de este último ter deduzido os lucros nos termos das notas de crédito, as quais, segundo o próprio admitiu, não cumprem com os requisitos legais e não as teria aceite, acabando por ser um depoimento contraditório nesta parte.
Também a testemunha FF (técnico superior da AT) refere que as notas de crédito têm por função anular facturas.
De grande importância foi o depoimento da testemunha EE (contabilista certificado) na parte em que descreve o funcionamento da plataforma informática TOC online, através da qual as notas de crédito são emitidas. Foi um depoimento exaustivo e detalhado, explicando que tal plataforma é subscrita pelo contabilista mas que pode ter vários utilizadores, não existindo limite para os mesmos. Assim, conclui que a comunicação dos documentos à AT não é exclusiva do contabilista podendo ser feita pelo empresário sem o conhecimento do próprio contabilista. Também disse que, apesar de cada utilizador ter o seu e-mail de acesso associado, pode acontecer haver partilha das senhas de acesso e aceder através do e-mail de outro utilizador, não sendo possível saber com certeza o autor de determinada operação – entre as quais a emissão de notas de crédito. Mais referiu que sempre que é criado um utilizador é criado um código fixo ao qual se associa o nome e e-mail, estes dois últimos alteráveis mas o número não. Assim, foi confrontado com o ofício de 11-04-2023 – c/ data citius 11-04-2023 - <b>Ofício</b> [...41] – respondeu que através do mesmo podemos retirar três conclusões com certeza absoluta: 1.ª que em 2013 foi criado um perfil da sociedade arguida cujo número de utilizador é o 6142 ; 2.ª que actualmente esse utilizador tem o nome “melissa” (mas podia não ser esse o nome inicial, sendo possível que tivesse tido outro(s) nome(s) sem possibilidade de sabermos quais o(s) anterior(es) nome(s) uma vez que o histórico não guarda essa informação); 3.ª também não há dúvidas que as notas de crédito foram emitidas pelo utilizador 6142. Prestou ainda um depoimento explicativo do que consistem as notas de credito, no sentido de que são documentos rectifictivos de facturas. Considera que o contabilista não pode andar a inspecionar todas as operações dos clientes, pois tem que acreditar na realidade que a empresa lhe transmite, designadamente as compras e vendas que faz.
Da junção de todos este elementos de prova não existem dúvidas que em nome da sociedade arguida foram emitidas as notas de crédito descritas em 5., que às mesmas não correspondem verdadeiras anulações e devoluções monetárias, pelo que tiveram por efeito uma redução fictícia do lucro, com a consequente redução do imposto de IRC e indevida devolução de IVA nos montantes apurados.

FACTOS PROVADOS 9 A 12
Em relação a estes factos, os mesmos resultam das regras da experiência comum e da lógica, conjugado com a inexistência de outra explicação plausível para os factos demonstrados nos autos.
Na verdade, embora não se tenha apurado a quem em concreto se pode imputar a emissão das notas de crédito – atenta a existência de dúvidas por falta de meios de prova produzidos – a sua existência tem como única explicação plausível a anulação de rendimentos com a consequente redução da carga fiscal. Senão vejamos: que outro motivo pode ter existido? Como “documento de favor”, como sugeriu a testemunha FF, para colmatar a ausência de documentos, e dessa forma suportar despesas não documentadas? Sucede que esta versão apenas surgiu em audiência de julgamento e como uma mera suposição pelo identificado depoente, sendo certo que se a mesma tivesse alguma correspondência com a verdade teria sido referida pelos próprios arguidos, que não o fizeram. Da mesma forma as Sr.ªs Inspectoras Tributárias, com intervenção no processo inspectivo, não tiveram quaisquer dúvidas de que a finalidade de 154 notas de crédito foi a “fuga ao fisco” por parte da sociedade arguida. A Sr.ª Insp. II refere que, sendo a sociedade e sócios quem beneficiaram dos factos, a única explicação que encontra é que o objectivo foi a redução dos rendimentos declarados e consequente diminuição das contribuições a entregar à AT.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Apesar de não haver dúvidas que foram emitidas as notas de crédito constantes dos autos, e que o foram em nome e interesse da sociedade arguida, beneficiando esta última e os respectivos sócios, não foi possível ao tribunal identificar, em concreto, a autoria de tais actos. Ou seja, conforme foi explicado em audiência de julgamento – cfr. depoimento da testemunha EE (contabilista certificado) já supra transcrito em súmula e para o qual se remete - as notas de crédito são emitidas num programa informático designado ..., sendo que o utilizador da sociedade arguida foi criado em 2013, sendo o número de utilizador o mesmo desde sempre, mas ao qual têm acesso todos os arguidos pessoas singulares, isto é, os sócios da EMP01... e a respectiva contabilista à data dos factos, a co-arguida DD.
Se por um lado os arguidos AA, BB e CC contam uma versão de acordo com a qual foi a arguida DD quem emitiu as notas de crédito, já a arguida DD nega ter sequer essa incumbência, argumentando que não é habitual um contabilista fazê-lo. Ora, se por um lado, o maior beneficiário fosse a sociedade arguida e respectivos sócios (uma vez que, conforme explicado pelas testemunhas, a anulação de facturas tem como efeito a redução do lucro da empresa com a consequente redução da carga fiscal) não deixa de ser estranho que as mesmas não se encontrassem assinadas – procedimento do qual dependia a validade das mesmas. Não se encontrando assinadas, nem sendo possível rastrear as mesmas informaticamente – pelo menos até ao e-mail associado - não podemos saber com a certeza exigível num processo de natureza criminal por quem as mesmas foram emitidas – se por algum dos sócios gerentes da EMP01..., se por todos, se pela contabilista DD.
É no mínimo estranho que a arguida DD, contabilista da sociedade, não se tenha apercebido dessa irregularidade. Nesta parte, as declarações da arguida DD vão no sentido que apenas descobriu que tais documentos fiscais não correspondiam à realidade após a acção inspectiva pois, segundo diz, acreditava nos documentos que lhe enviavam. Sucede que, momentos antes tinha mencionado que “pensava que eram erros deles”. Prestou, nesta parte, declarações contraditórias. No entanto, perante o teor de tais declarações, o máximo que se poderia concluir com certeza é pela falta de cuidado da mesma e por uma actuação negligente na qualidade de contabilista da empresa – no entanto, esta conduta não releva, como se sabe, para efeitos de preenchimento do tipo de ilícito em análise, por se tratar de um crime doloso (conforme melhor será explicado em sede de fundamentação de direito).
Simultaneamente, a actuação dolosa da arguida DD apenas faria sentido se aliada à actuação de pelo menos um dos outros co-arguidos, pois que nenhuma vantagem a contabilista retiraria actuando sozinha, pelo que a sua incriminação sempre dependeria da comparticipação com mais um (pelo menos) arguido sócio-gerente. Sucede que, pelos motivos supra referidos (entre os quais a falta de assinatura das notas de crédito e a ausência da chamada “pegada digital”) não foi possível ao tribunal apurar a autoria da emissão de tais documentos, sendo certo que qualquer um dos co-arguidos o poderia fazer. E não podemos concluir que agiram todos em comparticipação pelo simples facto de serem todos beneficiados com tal actuação, pois que existe sempre a possibilidade de ter sido apenas um dos arguidos sócios da empresa a praticar tais factos, com o desconhecimento dos restantes.
Por último, as testemunhas antigos funcionários da sociedade arguida nada adiantaram nesta parte por desconhecerem quem emitia as notas de crédito.
Perante esta dúvida sobre qual deles praticou tais factos, e fazendo actuar o princípio da presunção da inocência, obrigatoriamente que teremos que concluir no sentido de não ter sido feita prova dessa mesma autoria e julgar esses factos como não provados.
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3. Apreciação do recurso:

1.ª questão: impugnação restrita da matéria de facto: vícios da decisão - artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: a primeira, num âmbito mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a segunda, num contexto mais amplo, nos termos previstos no artigo 412.º, n/s 3, 4 e 6 do mesmo diploma legal. Na primeira via de impugnação, estamos perante vícios decisórios previstos nas alíneas do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cuja indagação, como resulta do preceito, tem de resultar da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», não sendo admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento: como referem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros), neste caso a recorrente “não pode ir buscar outros elementos para fundamentar o vício invocado fora da decisão, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados do inquérito, da instrução ou do próprio julgamento”; na segunda via de impugnação, num outro âmbito, por via da impugnação “ampla” da matéria de facto (também chamada recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto), a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que contém e pode ser extraído da prova documentada produzida em audiência, dentro dos limites dados pela recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3  e 4 do Código de Processo Penal. Enquanto na primeira via de impugnação, o recorrente invoca vícios da própria decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», na segunda, invoca erros de julgamento com base nas provas produzidas e “erradamente” apreciadas pelo Tribunal recorrido. Neste último caso, o recorrente pretende é que o Tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas também sobre a prova produzida no Tribunal recorrido (cf. com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2017, consultado em www.dgsi.pt).
Começando pela primeira impugnação que consubstancia a primeira questão acima elencada, há que dizer antes de mais que os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal firme sobre os factos no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127.º do Código de Processo Penal (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (in Recursos Penais, 9.ª edição, editora Rei dos Livros). No mesmo sentido escreve Vinício A. P. Ribeiro (in Código de Processo Penal, notas e comentários - Quid Juris, 3.ª edição): “quando a recorrente coloca em causa o modo como o tribunal valorou a prova (testemunhal, pericial ou outra), não está a invocar os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, mas a questionar o uso que o tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova”.
Alega o recorrente que a sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova, concluindo, em síntese, que “uma prudente apreciação das provas que constam na íntegra da sentença, afasta o desfecho que o Tribunal preconizou”.
O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Como é jurisprudência pacífica (como se escreve, entre outros, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2011, processo 308/08.7ECLSB.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/03/2018, processo 628/16.7T8LMG.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, e de 17.12.2014, processo 872/09.3PAMGR.C1; e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, todos acessíveis em www.dgsi.pt), só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão (não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo).

Como se escreve a propósito do vício em causa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015 (proferido no processo 72/11.2GDSTR.C1, consultado em www.dgsi.pt), “trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial[2]. Com a invocação do vício de erro notório, “questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados” – cf. o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/04/2018 (processo n.º 1086/17.4T9FIG.C1, consultado em www.dgsi.pt).
No caso concreto, na definição da matéria de facto dada como não provada, existiu algum vício do raciocínio na apreciação das provas que se evidencie pela simples leitura do texto da Sentença recorrida, extraindo o Tribunal recorrido uma “ilação contrária, logicamente impossível” face ao sentido que as provas revelavam?
O cerne da questão reside em saber se os arguidos – pessoas singulares - elaboraram um plano em comunhão de esforços em representação da sociedade arguida, com vista à obtenção de benefícios fiscais ilegítimos, sendo certo que não está em causa que efetivamente em nome da sociedade arguida, foram emitidas notas de crédito que não correspondiam a verdadeiras anulações e devoluções monetárias e que tiveram por efeito uma redução fictícia do lucro, com a consequente redução do imposto de IRC e indevida devolução de IVA.

Os factos não provados que o recorrente entende que deviam ter sido dados como provados, são os seguintes:

1. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços com a sua contabilista certificada, a aqui arguida DD, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
2. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
3.  Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
4.  Na execução de tal propósito, os arguidos pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as notas de crédito referidas no 5.º facto provado, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015:
5.  Os arguidos singulares, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
6. Agiram, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
7.  Sabiam ainda os arguidos que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
8.  Actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Para fundamentar esta decisão da matéria de facto, o Tribunal recorrido explicou que “apesar de não haver dúvidas que foram emitidas as notas de crédito constantes dos autos, e que o foram em nome e interesse da sociedade arguida, beneficiando esta última e os respectivos sócios, não foi possível ao tribunal identificar, em concreto, a autoria de tais actos”. Acrescentou o Tribunal recorrido que as notas de crédito foram emitidas pela sociedade arguida, através do programa informático ..., sendo que todos os arguidos tinham acesso ao programa, usando para o efeito, o número de utilizador da sociedade arguida criado em 2013, não sendo possível rastrear informaticamente as notas de crédito e, não se mostrando as mesmas assinadas, não podia o Tribunal recorrido saber, “com a certeza exigível num processo de natureza criminal por quem as mesmas foram emitidas – se por algum dos sócios gerentes da EMP01..., se por todos, se pela contabilista DD”. Concluiu o Tribunal recorrido que não foi possível apurar a autoria da emissão de tais documentos, porque “qualquer um dos co-arguidos o poderia fazer”, afastando ainda a actuação dos arguidos em comparticipação, por existir a “possibilidade de ter sido apenas um dos arguidos sócios da empresa a praticar tais factos, com o desconhecimento dos restantes”.
Que dizer de tudo isto? Violou o Tribunal recorrido a lógica mais elementar e as regras da experiência comum como defende o recorrente?  Resultará do próprio texto da decisão recorrida, um erro notório na apreciação da prova que não passa despercebido ao “comum dos observadores”?
Ora desde já adiantamos que na verdade, sem recorrer a quaisquer elementos “alheios à sentença”, entendemos que no que diz respeito aos arguidos AA, ZZ e CC, o Tribunal recorrido extraiu uma ilação contrária ao sentido que apontam as provas, sob pena de se estar a abrir caminho à impunidade em relação a crimes fiscais no âmbito da atividade de empresas que têm mais do que um gerente de facto no exercício de funções. Com efeito, na falta de confissão dos arguidos e considerando a provável inexistência de outras provas, nomeadamente testemunhais, existiria a forte possibilidade de qualquer sócio fugir à sua responsabilidade, imputando a terceiros – outros arguidos, contabilistas - o não cumprimento das obrigações ficais das empresas, abrindo caminho para a condutas fraudulentas lesivas do interesse público, o que não foi certamente o desiderato do legislador ao definir as condutas integradoras dos crimes de natureza fiscal.
Acresce que nada impede o recurso de outros elementos que não apenas a prova directa, sendo lícito recorrer às regras da experiência comum como permite expressamente o artigo 127.º do Código de Processo Penal: na verdade, a prova por presunção judicial constitui um meio de prova legalmente previsto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e 125.º do Código de Processo Penal. Como refere Alberto Vicente Ruço (in Prova Indiciária, pág. 21), “quem pratica crimes, ou mesmo outros factos ilícitos de menor reprovação social, só os executa na presença de outras pessoas – testemunhas – se não os puder levar a cabo furtivamente, pois existe uma tendência natural para o homem ocultar dos outros as acções que ele sabe serem desonrosas ou socialmente desvaliosas, as quais, por essa razão, desvalorizam também socialmente o respectivo autor”. Como escreve Fernando Gama Lobo (in Código de Processo Penal anotado, Fevereiro de 2015, Almedina), na anotação ao artigo 127.º do Código de Processo Penal, “é dever do juiz de julgamento, desenvolver um esforço intelectual argumentativo, pois poucos são os casos que se apresentam de solução óbvia”: como acrescenta o mesmo autor, “o juiz que só condena quando o arguido confessa ou quando a prova “entra pelos olhos dentro”, não está a cumprir a sua função”.
No caso dos autos, resulta dos factos dados como assentes pelo Tribunal recorrido que no ano fiscal de 2015, a arguida EMP01... procedeu à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, que incluiu na contabilidade, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários, apoderando-se da quantia total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos), quantia referente a valores que deviam ter sido pagos a título de IRC e de IVA, referentes ao ano de 2015 (cf. com o ponto 5 da matéria de facto provada).
Também resulta da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido que “à data dos factos, eram os arguidos AA, BB e CC quem geriam de direito e de facto a sociedade arguida, tomando conjuntamente as decisões relativas ao normal funcionamento da sociedade arguida, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela referida sociedade arguida” (ponto 3, sublinhado nosso).
Uma nota de crédito é um documento fiscal retificativo, recomendado pela própria Autoridade Tributária, para acerto de contas e que anula total ou parcialmente uma ou mais faturas, devendo ser elaborada nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 7 do Código do IVA, norma que estabelece que «quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo de fatura”. Ora, se os arguidos AA, BB e CC tomavam “conjuntamente” as decisões, é o mesmo que dizer que agiam juntamente, associadamente e unidamente[3], nomeadamente, no que diz respeito “ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela referida sociedade arguida”. Tal não pode deixar de tal significar que também a emissão das notas de crédito foram actos praticados de forma conjunta, mesmo que, eventualmente, tenha sido apenas um deles a utilizar a plataforma informática .... De referir que a verificação da componente subjectiva da co-autoria se basta com “o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação co-autoria” – cf. com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/11/2021, proferido no processo n.º 151/16.0JAPTM.E1 (consultado em www.dgsi.pt).
Acresce que como bem salienta o recorrente, “não se afigura plausível que todos os arguidos, atendendo ao critério do homem medio comum e às características dos mesmos, desconhecessem a emissão das notas de crédito, em particular atendendo ao elevado montante em discussão”. Na verdade, constando da própria motivação da decisão de facto que os maiores beneficiários da emissão das notas de crédito, foram a sociedade arguida e os seus sócios, não se percebe como se pode concluir que atento o valor em causa - 166.381,16€ - algum dos sócios pudesse desconhecer a conduta ilícita em causa, principalmente quando falamos de gerentes de facto que no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes, funções essas que passam, além do mais, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito, com os trabalhadores e com a administração tributária, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade (cf. a definição dada no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no Processo n.º 2174/17.2T9VNF.G1, consultado em www.dgsi.pt).
Sendo os “maiores beneficiários da emissão das notas de crédito” e “tomando conjuntamente as decisões relativas ao normal funcionamento da sociedade arguida, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela referida sociedade arguida”, podemos concluir, recorrendo às mais elementares regras da experiência comum, que efectivamente “os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano (…) que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito”, elaborando as notas de crédito em causa, “bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, actuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC”, agindo “com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de 166.381,16€ (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos)” e sabendo que “os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues”.
Salvo o devido respeito, é esta a única conclusão lógica e razoável a extrair dos factos que o Tribunal recorrido considerou como provados (mormente o ponto 3) e da própria conclusão a que chegou quando entendeu não ter dúvidas que “em nome da sociedade arguida foram emitidas as notas de crédito descritas em 5., que às mesmas não correspondem verdadeiras anulações e devoluções monetárias, pelo que tiveram por efeito uma redução fictícia do lucro, com a consequente redução do imposto de IRC e indevida devolução de IVA nos montantes apurados”. Esta redução fictícia do lucro beneficiou os arguidos AA, AAA e CC, situação que não podiam deixar de ter conhecimento quanto estava em causa uma empresa de pequenas dimensões, constituída por três amigos e um valor tão elevado.
Acresce que como salienta o Senhor Procurador Geral Adjunto no parecer junto aos autos, “a pequena dimensão da empresa, o facto dos arguidos AA, AAA e CC gerirem conjuntamente e de forma efectiva a empresa permite, com perfeita sustentação, considerar que os mesmos eram os responsáveis, em acordo com esta pela implementação e uso das notas de crédito como instrumento de defraudação fiscal”.
Ao considerar a aludida factualidade (pontos 1 a 8) como não provada, no que aos recorridos AA, AAA e CC respeita, o Tribunal extraiu da prova produzida uma conclusão ilógica e violadora das regras da experiência comum, que devem presidir à livre apreciação da prova e à formação da convicção do julgador, incorrendo, por isso, em erro notório na apreciação da prova, vício imediatamente apreensível a partir do texto da própria decisão.
Acresce que analisando a sentença recorrida, também se detecta um outro vício que também de conhecimento oficioso. Na verdade, entre o que se encontra provado no ponto 3), da matéria de facto do qual consta que “à data dos factos, eram os arguidos AA, BB e CC quem geriam de direito e de facto a sociedade arguida, tomando conjuntamente as decisões relativas ao normal funcionamento da sociedade arguida, incluindo as que se reportavam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela referida sociedade arguida” e o que se escreve na motivação da decisão de facto que “foram emitidas as notas de crédito constantes dos autos, e que o foram em nome e interesse da sociedade arguida, beneficiando esta última e os respectivos sócios” e que “não podemos concluir que agiram todos em comparticipação pelo simples facto de serem todos beneficiados com tal actuação, pois que existe sempre a possibilidade de ter sido apenas um dos arguidos sócios da empresa a praticar tais factos, com o desconhecimento dos restantes”, existe uma evidente contradição. Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas; proposições contraditórias são as tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e em qualidade. Para haver contradição insanável é necessário que haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade - cf. com Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, p. 79).
No caso dos autos, não se pode dizer que os arguidos geriam de direito e de facto a sociedade arguida, tomando conjuntamente as decisões relativas ao seu normal funcionamento, incluindo as decisões que respeitavam ao preenchimento das declarações fiscais, o que incluiu naturalmente as notas de crédito, sem entrar em contradição com a negação da sua actuação em comparticipação. Se os arguidos tomavam “conjuntamente as decisões”, mesmo que só um deles tivesse efetivamente emitido as notas de crédito, não podiam deixar de ser responsáveis por essa comunicação à administração tributária, não podendo também invocar o desconhecimento dessa conduta. Quando duas ou mais pessoas agem conjuntamente, não o podem deixar de fazer com o conhecimento mútuo da actuação de cada um, sob pena de se entrar em manifesta contradição.
Também existe contradição entre o que é descrito no ponto 9) dos factos provados, com o que é descrito nos pontos 2) e 39 dos factos não provados porque se refere nos primeiro que a sociedade arguida pessoa colectiva, “actuou sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais” e depois é dado como não provado que esta emissão e contabilização das notas de crédito, “não correspondiam a reais anulações ou redução dos valores faturados, mas visava tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente facturados e, desse modo, reduzir os valores suscptíveis de tributação em IRC e IVA”.
Verifica-se, assim, o vício da contradição insanável da fundamentação,  que ocorre, além do mais, quando “analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão” – cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2015 (proferido no processo n.º 3805/12.6IDPRT.G1 consultado em www.dgsi.pt). No mesmo sentido entendeu o Tribunal da Relação de Évora (no acórdão de 20/06/2006, consultado em www.dgsi.pt), considerando que existe contradição insanável da fundamentação, quando “na fundamentação os factos provados e não provados se contradigam entre si ou se excluam mutuamente”.
No que diz respeito à arguida DD, pelo contrário, entendemos que não se verifica qualquer erro, muito menos notório, da decisão recorrida, porque não só não resulta que a mesma, ao contrário dos restantes arguidos, tenha beneficiado de qualquer modo com a emissão das notas de crédito em causa, como nada aponta pela existência de um qualquer entendimento entre esta arguida e os restantes arguidos, sendo certo que como decorre das regras da experiência comum, a mesma não exercia as suas funções no âmbito da estrutura interna da empresa. Como se escreve na decisão recorrida, segmento com o qual concordamos, “o máximo que se poderia concluir com certeza é pela falta de cuidado da mesma e por uma actuação negligente na qualidade de contabilista da empresa – no entanto, esta conduta não releva, como se sabe, para efeitos de preenchimento do tipo de ilícito em análise, por se tratar de um crime doloso (conforme melhor será explicado em sede de fundamentação de direito) Poderá estar em causa a sua conduta profissional, negligente sem dúvida, mas sem relevância para o crime em causa”.
 A verificação de qualquer dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, é susceptível de determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, mas, de acordo com o mesmo preceito legal, tal só deverá suceder se «não for possível decidir da causa», ou seja, se a questão não puder ser ultrapassada em sede de recurso, por ser necessário sobre ela produzir prova.
Ora, in casu, não só este Tribunal tem poderes de intromissão na matéria de facto, nos termos da alínea a) do artigo 431.º do Código de Processo Penal, como os autos fornecem os elementos necessários e suficientes para a plena integração da questão, bastando para a correcção do vício proceder às alterações na matéria de facto provada e não provada, nos termos abaixo definidos.

2.ª questão: impugnação ampla da matéria de facto:
Em primeiro lugar há que dizer que a questão se mostra prejudicada em relação aos arguidos AA, BB e CC, tendo em conta a procedência da impugnação restricta, nos termos acima expostos.
Isto posto.
No âmbito da impugnação “ampla” da matéria de facto (também chamada recurso amplo ou recurso efectivo da matéria de facto), a apreciação já não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que contém e pode ser extraído da prova documentada produzida em audiência, dentro dos limites dados pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal. Neste caso, o recurso tem como fundamento os erros de julgamento, com base nas provas produzidas e na sua ponderação, “erradamente” apreciadas e valoradas pelo Tribunal recorrido, pretendendo-se que o Tribunal de recurso se debruce, não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida no Tribunal recorrido (cf. com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/05/2017, consultado em www.dgsi.pt). No entanto, o Tribunal ad quem procede à reapreciação da prova, com a amplitude consentida pelo n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, reapreciando as provas à luz do princípio da livre apreciação, sindicando deste modo a convicção do juiz de julgamento em primeira instância, mas sempre com a limitação decorrente da ausência de “imediação e de oralidade”: como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2007 (de que foi relator o Desembargador Carlos Almeida, acórdão consultado em www.dgsi.pt), o Tribunal superior não tem “os mesmos poderes que tinha a primeira instância” e só podendo alterar o aí decidido “se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida”.
Acresce que quando o recorrente opta pela impugnação ampla da matéria de facto, tem que dar cumprimento a um “tríplice ónus”, em obediência ao disposto no artigo 412.º, números 3 e 4 do Código de Processo Penal, como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/09/2012 (processo n.º 45/09.8GBACB.C1, também consultado em www.dgsi.pt): 
a) Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência;
b) Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do encimado artigo 412.º);
c) Indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
Na verdade, impõe o artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto por via do recurso amplo, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na sentença e/ou as que deviam ser renovadas. As especificações previstas as alíneas b) e c) do n.º 3 do mesmo artigo devem fazer-se «por referência ao consignado na acta», devendo o recorrente, «indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação» e que no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida pelo Tribunal recorrido – artigo 412.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
Todas estas especificações devem constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas pelo recorrente, sendo que o incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412.º, nºs 3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
No caso dos autos, cremos que em relação à arguida DD, as passagens indicadas pelo recorrente não impõem qualquer alteração da matéria de facto, apesar de os restantes arguidos lhe atribuírem, comodamente, a responsabilidade pela emissão das notas de crédito porque nenhum outro elemento de prova permite concluir que a arguida tenha agido em conluio com qualquer um dos outros arguidos.
Na verdade, o arguido AA não nega a emissão das notas de crédito, apenas a justifica com ordens do “assessor fiscal”, admitindo, no que diz respeito ao funcionamento da empresa arguida, que “todos fazíamos um pouco todo” o que reforça o entendimento acima plasmado de que todos os sócios da empresa sabiam o que era feito quanto à condução dos destinos da empresa, o que não pode deixar se se estender às opções tomadas em sede de cumprimento das obrigações ficais da empresa. Das passagens indicadas pelo recorrente e referentes às declarações da arguida AAA, resulta, além do mais, que no escritório da empresa eram emitidas facturas ao “cliente de rua” -  processo simples e fácil -  e só depois é que mandava estes documentos para a contabilista o que reforça o entendimento de que na empresa, sem a intervenção da contabilista, eram emitidos documentos para enviar ao fisco (nomeadamente facturas e documentos retificativos destas). Das passagens indicadas pelo recorrente e referentes às declarações do arguido CC resulta que o mesmo admitiu que também emitia notas de crédito - uma ou outra – admitindo também que o arguido AA sabia da emissão de algumas notas de crédito.
Daqui resulta que se impõe a improcedência da impugnação ampla da matéria de facto no que diz respeito aos factos não provados e que eram imputados à arguida DD.
*
Assim, em consequência da procedência parcial da impugnação restrita da matéria de facto, decide-se operar as seguintes alterações na matéria de facto:

a) Manter os factos provados 1) a 4), 7) e 8) a 12) da decisão recorrida e aditar os seguintes:
5. Durante o ano de 2015, os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, elaboraram um plano em comunhão de esforços, que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tirariam proveito;
6. Segundo esse plano, a sociedade EMP01... procederia à emissão de notas de crédito aos seus clientes consumidores finais e operadores turísticos, sem qualquer justificação, apoio legal ou sequer conhecimento desses destinatários;
7. Essa emissão e contabilização das notas de crédito, no período de tributação de 2015, não correspondia a reais anulações ou reduções dos valores faturados, mas visava, tão somente, anular rendimentos prévia e justificadamente faturados e, desse modo, reduzir os valores suscetíveis de tributação em IRC e IVA;
8. Na execução de tal propósito, os arguidos AA, BB e CC pessoas singulares elaboraram em nome da sociedade arguida as seguintes notas de crédito indicadas no ponto 5) dos factos provados, que incluíram na contabilidade da arguida sociedade, no ano fiscal de 2015;
9. Os arguidos singulares AA, BB e CC, atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
10. Agiram, ainda, os arguidos AA, BB e CC com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de € 166.381,16 (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos);
11. Sabiam ainda os arguidos AA, BB e CC que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues;
12. Atuaram os arguidos AA, BB e CC em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

b) Os Factos não provados passam a ser os seguintes:

1. Que a aqui arguida DD tivesse elaborado em conjunto os arguidos AA, BB e CC, em representação da sociedade arguida, um plano que visava obter benefícios fiscais ilegítimos para a sociedade arguida, dos quais, igualmente, tiraria proveito;
2. Que a arguida DD, na execução de tal propósito, tivesse elaborado em nome da sociedade arguida as notas de crédito supra descritas;
3. Que a arguida DD tivesse agido em comunhão de esforços e acordo de vontades com os arguidos AA, BB e CC, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabia ser fictício e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC;
4. Que a arguida DD agiu, ainda, com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de € 166.381,16 (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos).
5. Que a arguida DD sabia ainda que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues.
6. Que a arguida DD tivesse actuado em comunhão de esforços e acordo de vontades com os restantes arguidos, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Terceira questão: da verificação em concreto dos elementos dos crimes imputados aos arguidos.
Face à alteração da matéria de facto acima operada, incorreram os arguidos AA, BB e CC na prática, com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), em coautoria material, na forma consumada e continuada (artigos 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1, ambos do Código Penal), de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 3, 103.º n.º 1 e 104.º, n.º 2, als. a) e b), todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de (processo n.º 820/00.6GBLLE.E1, consultado em www.dgsi.pt), “o crime de fraude fiscal consuma-se quando o agente, com a intenção de lesar patrimonialmente, o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidos na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação previstas no n.º 1 do art.º 103.º do RGIT”. Como se salienta no Acórdão de 24/11/2015 do Tribunal da Relação de Lisboa, (processo n.º 55/13.8IDSTB.L1-5, consultado em www.dgsi.pt ), “o crime de fraude fiscal, previsto no artigo 103º, do RGIT, consuma-se ainda que vantagem patrimonial indevida alguma venha a ocorrer efectivamente, bastando que as modalidades de execução previstas tenham como escopo “a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”.
Os arguidos AA, BB e CC atuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, no interesse e em representação da sociedade arguida, bem sabendo que as notas de crédito emitidas não correspondiam a transações reais, atuando, ao realizarem as operações contabilísticas mencionadas, com o propósito conseguido de falsear os resultados contabilísticos da arguida sociedade apresentados ao Fisco, que sabiam ser fictícios e, desse modo, furtar-se ao pagamento ao Estado Português de valores que eram devidos a título de IVA e IRC.
Agiram ainda com o propósito concretizado de que a sociedade arguida, obtivesse vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, no valor total de € 166.381,16 (cento e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos), sabendo que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues.
Provou-se ainda que os arguidos AA, BB e CC actuaram em comunhão de esforços e acordo de vontades, por si e em nome e no interesse da sociedade arguida, através de processos de idêntica natureza que foram reiterando durante o período de tempo acima referido, de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Assim, sendo, os arguidos incorreram na prática dos crimes que lhe vinham imputados.
Quanto à arguida DD, inalterada a matéria de facto quanto a ela, conclui-se que não se provou que a mesma tivesse praticado o crime que lhe vinha imputado pelo Ministério Público, impondo-se manter a decisão de absolvição.
*
A última questão a decidir circunscreve-se à escolha e a medida das respectivas penas quanto aos arguidos AA, BB e CC.
No entanto, considerando que a sentença recorrida omite o conhecimento das condições pessoais e económicas dos arguidos, essenciais para a boa decisão da causa na medida em que relevam para a determinação da pena e portanto, para a decisão justa, atenta a insuficiência para a decisão, nessa parte, da matéria de facto provada, entendemos que na falta dos elementos necessários e suficientes para a plena integração das demais questões suscitadas no recurso, se impõe determinar o reenvio parcial do processo, para novo julgamento, quanto à concreta questão do apuramento das condições sócio pessoais dos arguidos, com vista a ponderar a escolha e a medida das respetivas penas.
Uma última nota para referir que se mantem a condenação da arguida EMP01..., UNIPESSOAL, LDA que não recorreu da sentença.
*
C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente e em consequência, decidem:
a) Reconhecer a existência de erro notório na apreciação da prova – artigo 410.º n.º 2, c) do Código de Processo Penal e consequentemente, modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos supra referidos e aqui se dão por integralmente reproduzidos;
b) Determinar o reenvio parcial do processo, para novo julgamento, quanto à concreta questão de apuramento das condições sócio pessoais dos arguidos, com vista a decidir quanto à escolha e medida das penas a aplicar aos arguidos AA, BB e CC face aos factos acima dados como provados e aos que se vierem a apurar nessa sede;
c) Manter a condenação da arguida EMP01..., UNIPESSOAL, LDA e a absolvição da arguida DD.
*
Sem custas.
*
Notifique.
*
Guimarães, 18 de Dezembro de 2024 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
*
Carlos da Cunha Coutinho (relator)
Paulo Almeida Cunha (1.º Adjunto)
Júlio Pinto (2.º Adjunto).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/06/2014 (processo n.º 290/12.6GCLRA.C1, consultado em www.dgsi.pt).
[3] in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte- iul.pt.