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CRIME DE COAÇÃO SEXUAL
CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
PENA DE MULTA
DIREITO AO SILÊNCIO
CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
Sumário
I- Constitui “ato sexual de relevo” para efeitos de integração do tipo legal de crime de coação sexual previsto e punido pelo artigo 163º, nº 1 do Código Penal, no descrito circunstancialismo de tempo, modo e lugar, o ato de levantar a camisola da ofendida até cintura, a qual, a pedido do arguido, se encontrava com as calças baixadas, e de lhe desferir uma palmada na nádega esquerda. O aludido crime é agravado por a ofendida ter 15 anos de idade. Ou seja, menor de 16 anos, cfr. artigo 177º, nº 6 do Código Penal, na redação em vigor na data da prática dos factos. II- Tendo o arguido exercido o direito ao silêncio, não prestando declarações sobre os factos da acusação, não pode evidentemente ser prejudicado por isso. Ou seja, o silêncio e a ausência de arrependimento não podem ser contabilizados como agravantes na medida concreta da pena. Porém, o arguido deixa de poder beneficiar de circunstâncias com relevante poder atenuativo, como seja a confissão e o arrependimento. Com efeito, e encontrando-se o arguido presente em audiência de julgamento, querendo beneficiar desta atenuante, apenas a ele cabe evidenciar essa circunstância, como ato pessoal do seu foro interno que é, verdadeiro ato de contrição e de interiorização do desvalor da conduta, por forma a que o tribunal avalie da sua veracidade e /ou sinceridade.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1. No processo comum singular nº 3024/22.... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., em que é arguido AA e assistente /demandante BB, ambos com os demais sinais nos autos, por sentença de 07.10.2024, depositada na mesma data, foi decidido o seguinte (transcrição)[1]:
A. Quanto à parte criminal Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acusação totalmente procedente, por provada, e, em conformidade:
A) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.º 170.º do C.Penal, na pena de oito meses de prisão;
B) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.º 170.º do C.Penal, na pena de oito meses de prisão;
C) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.º 170.º do C.Penal, na pena de seis meses de prisão;
D) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção sexual agravada, p. e p. pelo art.º 163.º n.º 1 e 177.º n.º 7, ambos do C.Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
E) Em cúmulo jurídico das penas referidas nas als. A) a D), na pena única de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova (no qual deverá o arguido trabalhar no sentido de reconhecer o desvalor da conduta e adquirir mecanismos adequados para controlar os seus impulsos, nomeadamente através de frequência em programa para agressores sexuais), e à condição de, até ao final do período da suspensão, pagar o valor conferido a título de indemnização a BB;
F) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, que se fixam em 2 (duas) UC’s, conforme o disposto nos arts.º 513.º e 514.º n.º 1, do C.P.Penal e artigo 8.º e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
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B. Quanto à parte cível
Pelo exposto, o Tribunal julga o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por provado, decidindo, em conformidade:
A) Condenar o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, a contar de dia 24/03/2024 (notificação do demandado para contestar) e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4,00%;
B) Custas pelas partes, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 37,5 % para o demandado e em 62,50 % para a demandante, sem prejuízo do apoio judiciário atribuído. 2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1. Vem o presente Recurso como manifestação de discordância no que concerne a:
i) errada apreciação da matéria de facto – 5 e 22 dos “Factos Provados
ii) qualificação jurídica dos factos dados como provados,
ii) penas concretamente atribuídas – parcelarmente e em cumulo;
iii) valor indemnizatório atribuído
2. Facto 5 dos “Factos Provados – Tribunal deu como provado que o arguido disse à CC que esta “tinha umas boas pernas, que tinha um bom rabo e que estava bem desenvolvida”, sendo que do depoimento da mesma – minutos 00:007:55 e 00:08:20 - não resulta que o arguido tivesse utilizado os vocábulos que constam em facto provado sob nº 5, pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada naquele ponto 5, eliminando-o.
3. Facto 22 “Factos Provados – Tribunal deu como provado que o arguido levantou a camisola da BB, até à zona da cintura, contra a vontade desta. Contudo, tendo por base as declarações por esta prestadas, para memória futura, transcritas nos autos, a fls 6 e 7, não resulta que o arguido, quando levantou a camisola, depois de pedir à ofendida para se voltar, o que esta fez, agiu contra a vontade da ofendida. Tendo, nessa conclusão, o Tribunal recorrido excedido os poderes que possui na análise da matéria de facto, pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada naquele ponto 23, eliminando-se a parte que refere “contra a sua vontade”:
4. Tendo em conta a análise vertida a fls 9 Verso da sentença em recurso, não poderia o Tribunal “a quo” concluir pela prática de um crime de coação sexual, porquanto não se está na presença de ato sexual de relevo, tal como o normativo legal impõe para que a qualificação jurídica como crime de coação sexual se verificasse.
5. Contrariando a jurisprudência dos tribunais superiores naquilo que tem tipificado como comportamentos equiparáveis a “acto sexual de relevo”, mormente Ac TRL id em nota de rodapé 1, bem como ainda, em notas de rodapé 15 16 17 18.
6. O valor decisivo neste contexto é o grau de perigosidade da acção para o bem jurídico, em função da sua espécie, intensidade ou duração. Seguindo a jurisprudência alemã, que se pronuncia com textos legais análogos ao da lei portuguesa, o Prof. Figueiredo Dias refere a este respeito: « … um simples beijo ou a sua tentativa, ou um simples toque nas pernas, nos seios ou nas nádegas de outrem, ou mesmo no sexo – diferentemente do que sucederá em regra com o “beijo lingual”, a “carícia insistente”, o “apalpão” – não integrarão em princípio o conceito típico de acto sexual de relevo; tudo o que poderá ficar em aberto em casos tais, se ficar, para além do crime geral de coacção ( art.154.º s.), o tipo legal de importunação sexual sob a forma de “contacto sexual”19
7. A conduta, para ser de relevo, terá de ser intensa, objetivamente grave e traduzir intuitos e desígnios sexuais que frontalmente sejam atentatórios da autodeterminação sexual da vítima. Deste modo, incluímos nos atos sexuais de relevo a cópula (quer vulvar, quer vestibular), o coito anal, o coito oral e a introdução vaginal ou anal com objetos e partes do corpo (ainda que só toquem a vagina ou o ânus, sem introdução total ou parcial).20
8. No caso concreto, e sendo o “ato sexual de relevo” um conceito indeterminado, que confere alguma margem de apreciação aos julgadores, não pode o Recorrente aceitar que o seu comportamento, dado como provado, equivalha a esses atos graves, tudo sem prejuízo de eventual qualificação como importunação sexual.
9. De resto, é o próprio Tribunal “a quo” que, dissecando os vários comportamentos do arguido e que considera provados, conclui21: “analisado o comportamento do arguido como um todo, entendemos estar perante um único crime de coação sexual, ainda que abrangendo comportamentos que, como veremos, consubstanciam a prática de crimes de importunação sexual também.
10. Não nos parece legítimo o raciocínio utilizado pelo Tribunal “a quo”, resultando numa excessiva penalização do arguido, que, no limite, e pelos factos ocorridos a 14 setembro de 2022, apenas poderia ser condenado por um crime de importunação sexual;
11. A sentença em crise, tendo em conta o facto provado sob nº 5., considerou que o arguido praticou o seguinte crime de importunação sexual – consubstanciado na formulação de propostas de natureza sexual - contra a ofendida CC:
a) o arguido elogiou por diversas vezes o corpo da CC (boas pernas, bom rabo) e dizia-lhe “era só tu quereres e eras a rapariga mais feliz do mundo”22
12. Conforme alegado supra, não ficou, pois, minimamente provado que o arguido tivesse utilizado os vocábulos que constam em facto provado sob nº 5 . Por outro lado, mesmo que se considere provada essa matéria, sem prejuízo de poder considerar-se um comportamento desadequado, ou mesmo imoral, não nos parece que integre o ilícito criminal em que o arguido foi condenado, porquanto não integra qualquer das condutas em que o crime de a "importunação sexual" pode ter lugar: a prática de atos de caráter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual.
13. Nem todas as expressões de natureza sexual constituem modalidade de cometimento deste crime.
Por exemplo, as palavras, os gestos ou outras expressões que manifestem, apreço, admiração pelo destinatário da mensagem, desejo ou simplesmente excitação sexual, e até mesmo que se baseiem em comentários ou revelações acerca de fantasias e proezas sexuais, ainda que possam importunar o destinatário, não constituem a modalidade de crime, pois não implicam qualquer proposta
14. Impondo-se assim a absolvição do arguido desse crime de importunação sexual.
15. O arguido vem condenado pela prática de um crime de importunação sexual contra BB, conforme fundamentação de fls 14 da sentença. Ora, uma vez mais entende o Recorrente que, sem prejuízo de se poder estar perante um comportamento que possamos considerar desadequado, ou mesmo imoral, o mesmo não integra o ilícito criminal em que o arguido foi condenado.
16. De resto, o “Tribunal a quo”, limita-se a reproduzir o comportamento do arguido sem concretizar que tal ação consubstancia a prática de atos de caráter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual, manifestando-se insuficiente a fundamentação utilizada, impondo-se assim a absolvição do arguido desse crime de importunação sexual.
17. Sem prejuízo do crime do coação sexual ser punido apenas com pena de prisão, sempre se dirá que relativamente ao crime de importunação sexual o critério da escolha da pena prevista em alternativa encontra-se estabelecido no art. 70.º, do CP, onde se dispõe que o tribunal deve dar preferência à aplicação de pena de multa, em detrimento da pena de prisão, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, previstas no art. 40.º, do CP.
18. Face ao contexto do caso concreto, encarado na sua globalidade, é de optar pela aplicação de pena de multa, pelo que mal andou a sentença recorrida ao condenar o arguido em pena de prisão, mesmo que suspensa, pelo que deve na parte deve ser a sentença revogada.
19. O Tribunal “a quo”, na determinação da pena concreta, conclui pelo seguinte: “Relativamente às necessidades de prevenção especial, conforme também já referido, o arguido é primário e está social e profissionalmente integrado. Contudo, não demonstrou qualquer arrependimento, nem adoptou qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família, revelando uma especial indiferença perante o bem jurídico aqui protegido”23.
20. Ora, tendo em conta que o arguido optou por não prestar declarações quanto aos factos imputados na acusação, como de resto é reconhecido a fls 7 da sentença, não se compreende como é que o Tribunal “a quo” concluiu que o arguido não demonstrou qualquer arrependimento.
21. Nem na sentença em recurso é referido qualquer facto no qual o Julgador assentou essa sua conclusão.
22. Pelo que apenas por notório erro pode ser compreendida essa referência na sentença.
23. Contudo, esse erro serviu de fundamento à determinação da pena concreta, e também do cumulo, pelo que, expurgada a referência à demonstração de falta de arrependimento pelo arguido, sempre deverá ser novamente determinada a pena concreta, porquanto a aplicada na decisão em crise enferma do vício apontado.
24. Impõe-se refutar as penas aplicadas ao Recorrente na sentença recorrida, porquanto são manifestamente excessivas.
25. Não estamos perante sujeito de comportamento antijurídico e que revele desprezo pelas regras de convivência social ou que revele indiferença às proibições legais. Pelo contrário, o arguido é pessoa estimada pela comunidade onde vive, com estruturas familiares sólidas, conformes às regras em vigor e sem qualquer propensão para a prática criminosa. Conforme resulta de resto do teor do depoimento da testemunha DD.
26. Não são conhecidos mais processos pendentes, tudo indiciando que a situação dos foi um episódio isolado.
27. É importante que a pena seja proporcional ao caso concreto, mas não é isso que sucede no presente caso. Em particular:
- a aplicação de 8 meses de prisão por cada um dos crimes de importunação sexual cometidos contra CC, e sem prejuízo de entendermos que um deles nem está verificado, conforme supra foi alegado, situando a pena muito próxima do seu máximo (1 ano), revela-se desadequado.
- a aplicação de 6 meses de prisão pelo crime de importunação sexual cometido contra BB, e sem prejuízo de entendermos que o ilícito criminal nem está verificado, conforme supra foi alegado, revela-se de igual forma excessivo e desadequado.
28. Na condenação do concurso, concluindo o Tribunal “a quo” por uma moldura penal abstrata de concurso de 1 ano e seis meses de prisão até 3 anos e 8 meses de prisão, vem a aplicar a pena única de 3 anos de prisão, pena esta situada próximo do máximo da moldura, remetendo o “Tribunal a quo”, genericamente, para as considerações que adotou quanto às penas parcelares.
29. Parece-nos insuficiente a fundamentação, que assenta numa mera remissão para o que anteriormente tinha sido decidido, sendo que aquando das penas parcelares o Tribunal não se aproximou tanto do máximo da moldura como ora, aquando do cúmulo.
30. A que acresce o facto de, na determinação da pena concreta, o Tribunal “a quo” ter concluído, mal, e sem aduzir qualquer facto de suporte para tal, que o arguido “não demonstrou qualquer arrependimento, nem adoptou qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família, revelando uma especial indiferença perante o bem jurídico aqui protegido”24.
31. Por esta razão, pede-se ao Tribunal ad quem uma pena justa, proporcional e adequada às necessidades de prevenção geral e especial existentes no caso concreto. A qual não pode deixar de ser alcançada tendo em consideração a moldura abstratamente aplicável, usando-se de um raciocínio legal, equitativo e proporcional.
32. Nos presentes autos foi julgado o pedido de indemnização civil apresentado nos autos pela ofendida BB, contra o arguido/demandado, parcialmente procedente, e condenando o demandado no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil até integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais suportados pela menor, absolvendo-se o demandado do restante pedido.
33. É excessivo o quantum da indemnização fixada, atenta a matéria factual reproduzida na sentença.
34. De resto, resultou dos depoimentos prestados em julgamento, mormente da mãe da ofendida, que esta manteve um percurso escolar regular, tendo ingressado na universidade onde frequenta curso superior, sem, felizmente, ter sofrido alterações negativas no seu crescimento e desenvolvimento escolar.
35. O dano indemnizável deve ser assim um dano de tal modo grave que mereça a tutela do direito e justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado, não relevando para efeitos de indemnização os simples incómodos ou contrariedades (cf., neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª Edição, pág. 606).
36. Uma vez que não existe a possibilidade de quantificar os danos morais, a sua ressarcibilidade tem que ser feita com recurso à equidade, ou seja, através de um critério de razoabilidade, ditado pelo bom senso.
37. Face aos danos de natureza não patrimonial em apreço há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos, mas sem representar um enriquecimento injustificado da lesada à custa do lesante, atentas as condições económicas deste último.
38. Analisando a decisão recorrida e a factualidade apurada, considera-se injusto e desproporcional condenar o arguido a pagar à ofendida o montante de 7.500 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, valor que, tendo em conta a jurisprudência recente, apenas tem paralelo em crimes mais graves que atentam contra a liberdade sexual, que não os aqui em apreço. Pelo que a condenação em crise não é consentânea com os valores atribuídos e os critérios seguidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, em casos que com este têm alguma similitude.
NESTES TERMOS:
E nos melhores de Direito quer certamente suprirão, requer-se a Vossas Excelências, que se dignem revogar o Acórdão recorrido e consequentemente a:
A.- Alterar a matéria de facto dada como provada, mormente a vertida em 5 e 22 dos Factos Provados;
B – Alterar a qualificação jurídica dos factos dados como provados, por não estarmos perante um crime de coação sexual [no limite, tratar-se-á de um crime de importunação sexual], nem perante os crimes de importunação contra as ofendidas CC e BB, por assentarem em factos que, não obstante poderem revelar comportamento desadequado do arguido, não constituem os ilícitos criminais em que foi condenado;
C - Ao abrigo do princípio da “justa medida”, seja emitido um juízo da desproporcionalidade das penas parcelares e em cúmulo aplicadas ao arguido, justificando-se a intervenção corretiva por parte desse venerando Tribunal, e, em sequência, serem reduzidas as penas aplicadas;
D – Revogar a sentença no que respeita ao montante indemnizatório fixado, por se revelar desproporcionado e injustificado.
Fazendo assim a habitual JUSTIÇA!
3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso, sem formular conclusões, pronunciando-se detalhadamente sobre cada uma das questões nele suscitadas pelo recorrente, pugnando pela sua improcedência. 4. A assistente BB respondeu ao recurso, tendo concluído nos seguintes termos (transcrição):
1. Assim, e antes de mais, e dizer desde já que, cotejando a sentença em recurso,por si só, e conjugada com as regras da experiência comum, constatámos que a sentença não padece de qualquer vício.
Facto 22 “Factos Provados – Tribunal deu como provado que o arguido levantou a camisola da BB, até à zona da cintura, contra a vontade desta;
2. Não existe qualquer erro na sentença proferida pelo tribunal a quo quanto ao facto 22, a matéria de facto foi corretamente apreciada e valorada, não merecendo qualquer censura ou reparo.
3. Ora, muito embora o recorrente não o alegue expressamente, no fundo, o que está em causa é o princípio da livre apreciação da prova.
4. O tribunal deu, e bem, credibilidade às declarações da assistente, que se mostraram coerentes, circunstanciadas e consistentes.
5. Aliás, do excerto transcrito pelo próprio arguido, resulta claro que: “E ele disse: "Levanta a camisola". E eu, nessa altura, disse não, eu disse não mesmo. E ele disse assim: "Porque não?". E eu assim: "Porque eu não quero". E ele disse: "Vira-te". E eu virei-me. E nisso, ele levanta a camisola e começa a observar. Eu não sei por quanto tempo foi, porque, nessa altura, paralisei. E ele depois dá-me uma sapatada no rabo e diz... começa, não é, a dizer que eu era muito bonita.”
6. O Tribunal “a quo” podia, pois, considerar, e bem, como o fez, que o arguido, quando levantou a camisola, depois de pedir à ofendida para se voltar, o que esta fez, agiu contra a vontade da ofendida/recorrida.
7. Assim, encontrando-se devidamente expostas e desenvolvidas, na fundamentação da decisão da matéria de facto, as razões que levaram o julgador a decidir num determinado sentido e não noutro e, tendo em conta que a solução encontrada é de acordo com as regras da experiência e da lógica, admissível e plausível em face da prova produzida, entendemos que a decisão do julgador é inatacável, uma vez que a mesma foi proferida de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
8. Não tendo, nessa conclusão, o Tribunal recorrido excedido os poderes que possui na análise da matéria de facto.
9. Pelo que, não se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada naquele ponto 22, mantendo-se a parte que refere “contra a sua vontade”:
B - DA ERRADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS:
B. 1. Do crime de Coação Sexual
10. O Tribunal “a quo” considerou, e bem, preenchidos os pressupostos do crime de do crime de coação sexual.
11. Na douta sentença provado que, “Quando BB se recusou a tirar a camisola, o arguido levantou-a ele e deu-lhe a referida palmada na nádega esquerda.”
12. Tal configura, sem qualquer margem de dúvida, um ato sexual de relevo, o qual foi imposto a assistente/recorrida, menor, que já tinha dito que não queria tirar a camisola.
13. Pelo que, bem andou, o Tribunal a quo ao condenar o arguido/recorrente por um crime de coação sexual, p. e p. pelo art.º 163.º n.º 1 do C. Penal, na sua forma agravada, tendo em consideração o disposto no art.º 177.º n.º 7 do mesmo diploma.
B. 2. Dos crimes de Importunação Sexual
14. Entende o Recorrente que, não cometeu qualquer dos crimes de importunação sexual de que vem acusado, “apesar de se poder estar perante um comportamento que possamos considerar desadequado, ou mesmo imoral, o mesmo não integra o ilícito criminal em que o arguido foi condenado, impondo- se assim a absolvição do arguido desse crime de importunação sexual.”
15. No crime de importunação sexual, o bem jurídico protegido é a liberdade sexual de outra pessoa, visa-se a proteção da liberdade das pessoas a relacionarem-se, ou não, sexualmente com outrem e a escolherem com quem manterão esse tipo de relacionamento.
16. Ora, o arguido ao falar de relacionamentos sexuais e mostrar um vídeo de duas pessoas a ter relações sexuais à menor, já demonstra o teor sexual dos seus comportamentos, o qual ficou por demais evidente ao pedir a BB para baixar as calças e, ademais, tirar a camisola.
17. Além disso, ainda, lhe disse: «se tu tivesses dezasseis anos e se quisesses uma aventura, fazia-te a rapariga mais feliz», sublinhando que a diferença de idades entre ambos e o facto de ser amigo do seu progenitor não seriam entraves, ao que BB apenas respondeu «não».
18. A lei exige, sendo elemento do tipo de crime aqui em causa, a formulação de uma proposta um convite a um ato de natureza sexual, o constrangimento a contacto de natureza sexual e que a conduta do agente efetivamente importune a vítima “quem importunar outra pessoa…” cause uma perturbação do estado psíquico da vítima por ela sentida como negativa e / ou indesejada.
19. Neste tipo de crime, não se exige o envolvimento da vítima na execução corporal de um ato sexual, ao contrário do que se passa com outros crimes de natureza sexual, bastando-se com a receção, por parte desta, de atos comunicativos de teor sexual.
20. Conclui-se, portanto, que a conduta do arguido preenche os elementos do tipo do crime de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170º, do Código Penal, motivo pelo qual a decisão recorrida não merece qualquer censura.
C.- DA PENA CONCRETA:
C.1. Pena de prisão ou pena de multa
21. Os comportamentos que o recorrente adotou foram particularmente graves, tendo em conta que as vítimas eram menores, a própria diferença de idades para o arguido e o ascendente que tinha perante as vítimas, por serem filhas de um amigo de longa data, aproveitando-se de tal circunstância.
22. Assim, como bem decidiu o tribunal “a quo” estamos perante factos que se situam num nível elevado de gravidade para este tipo de crime, tendo sido cometido durante muito tempo e contra duas vítimas distintas.
23. Pelo que, bem andou o Tribunal ao considerar que a pena de multa não se mostra suficiente e adequada para que o arguido corrija o seu comportamento, optando pela pena de prisão.
C.2. A pena concreta: medida da pena – penas parcelares e cúmulo
24. Não há qualquer erro na douta sentença, quanto ao facto de se concluir que o recorrente não demonstrou qualquer arrependimento.
25. Não há, portanto, valoração negativa do direito ao silêncio, que só teria acontecido se o tribunal tivesse deduzido do silêncio o não arrependimento do recorrente, o que não sucedeu.
26. O tribunal afastou o arrependimento porque o arguido não o verbalizou convincentemente antes remetendo-se ao silêncio, nem praticou qualquer ato material donde o arrependimento pudesse ser deduzido.
Entende o recorrido que, “as penas concretamente aplicadas são manifestamente excessivas”
27. A escolha e medida concreta das penas é justa e adequada às exigências de prevenção geral e especial que o caso dos autos demanda e em nada ultrapassa a medida da culpa.
28. Ora, na determinação da medida concreta da pena a aplicar, o Tribunal a quo ponderou as consequências do crime, a circunstância de ambas as vítimas serem menores de idade à data dos factos, do facto do arguido se ter aproveitado da circunstância de ser amigo do pai das vítimas e do seu gosto pelas motas para as atrair para si, colocando-se numa posição especialmente vulnerável, sendo que estes se prolongaram-se no tempo e ainda as concretas condições socioeconómicas do recorrente e este, não ter demonstrado qualquer arrependimento, nem ter adotado qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família.
29. Para a BB, as condutas do arguido tiveram consequências gravosas, afetando a forma como esta se relaciona com os outros e a forma como se vê.
C.- DO PEDIDO DE INDMENIZAÇÃO CIVEL:
30. Tendo sido provado que o arguido praticou vários factos ilícitos (Coação Sexual e de Importunação Sexual), consistente na violação do direito à liberdade sexual da demandante.
31. Provado está, que a demandante, sofreu em consequência da conduta do arguido, danos não patrimoniais irreversíveis, pelo que, a indemnização, deverá ser significativa e não meramente simbólica.
32. As consequências do ilícito foram elevadas, tendo em conta que as condutas do arguido atingiram irremediavelmente a liberdade sexual de assistente, transformando a sua forma de ser, de estar e de se relacionar, consigo própria e com os outros.
33. Assim, o arguido cometeu em autoria material, na forma consumada, de um crime de importunação sexual e de um crime de coação sexual agravada, previstos e punidos pelos artigos 163.º n.º 1, 170.ª e 177.º n.º 7, ambos do C. Penal, pelo que, e bem, foi condenado ao pagamento do pedido de indemnização civil deduzido, na quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, a contar de dia 24/03/2024 (notificação do demandado para contestar) e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4,00%; a título de indemnização por danos não patrimoniais.
34. A sentença recorrida não padece de qualquer vício, não é merecedora de qualquer reparo ou crítica e acha-se em absoluta conformidade com a lei.
35. Não alega o recorrente, nem prova, o direito que diz assistir-lhe, o que se compreende por bem saber que a legislação sobre a matéria não lhe atribui qualquer razão.
36. Salvo o devido respeito, que registe-se é muito, é esta a situação que nos trás até aqui, e que muito corretamente o douto aresto fez corretíssima interpretação e aplicação de direito, como nos vamos habituando e se realiza JUSTIÇA.
Termos em que, e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, devem improceder as conclusões de recurso do recorrente e, consequentemente, deve ser mantida a decisão recorrida, tudo como é de Direito. 5. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual expressa a sua concordância com a reposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, tendo concluído no sentido de que o mesmo deverá ser julgado improcedente. 6. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta. 7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1- Objeto do recurso
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, o objeto do presente recurso centra-se nas questões de saber se:
- Ocorre erro de julgamento da matéria de facto provada da sentença recorrida relativamente aos pontos 5 e 22, em conformidade como disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP;
- Verifica-se erro na qualificação jurídica dos factos provados, como integrando os crimes de coação sexual e de importunação sexual;
- Deveria ter sido aplicada pena de multa quanto aos crimes de importunação sexual;
- As penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico realizado são excessivas; e se
- O montante da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais é excessivo.
2- A decisão recorrida
1. Na sentença recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva fundamentação da matéria de facto (transcrição):
Resultam provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1) O arguido AA é amigo de longa data do pai de CC e BB;
2) Com efeito, o arguido conhece CC e BB desde a data dos seus nascimentos que ocorreram, respetivamente, no dia 07/10/2002 e no dia 22/09/2006;
3) Por essa razão, ao longo dos anos, era frequente o arguido e CC e BB interagirem, em contexto familiar;
4) Quando CC tinha 16 anos de idade começou a ficar mais tempo sozinha com o arguido, em virtude do mesmo a levar a passear de mota e porque o ajudava a organizar a sua loja denominada “...”, sita na Rua ..., ..., ...;
5) Assim, entre o ano de 2019 e o ano de 2021, quando o arguido passeou com CC na sua mota, o mesmo disse-lhe, em número de vezes não concretamente apurado, que tinha umas boas pernas, que tinha um bom rabo e que estava bem desenvolvida;
6) Numa outra ocasião, quando a ofendida CC tinha 17 anos e se encontrava no interior da loja do arguido, este exibiu-lhe fotografias de mulheres adultas despidas, afirmando serem suas ex-namoradas;
7) Simultaneamente, o arguido contou a CC pormenores sobre os seus envolvimentos sexuais, designadamente, que teve uma namorada que fez com que ele ficasse viciado em sexo e que por essa razão «queria rapidinhas a toda a hora e teve necessidade de ir a um psicólogo»;
8) Posteriormente, quando o arguido exibiu uma fotografia de uma mulher sentada em cima de uma mota, totalmente despedida, dirigiu-se a CC e questionou «não queres tirar também assim uma ou em roupa interior?», pedido ao qual CC não acedeu;
9) Recorrentemente, o arguido dirigiu-se a CC e disse-lhe «era só tu quereres e eras a rapariga mais feliz do mundo»;
10) Relativamente a BB, num dia não concretamente apurado, mas situado em inícios de agosto de 2022, durante a tarde, esta foi ajudar o arguido a arrumar umas caixas na sua loja;
11) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido manteve conversas de cariz sexual com BB e contou-lhe as experiências sexuais que teve, designadamente, que «quando estava a foder e a cavalgar com uma mulher ela começou a chorar»;
12) Posteriormente, o arguido questionou BB se já enviou fotografias «íntimas» ou se já manteve relações sexuais, o que esta negou;
13) Acto contínuo, o arguido disse a BB que ela já podia manter relações sexuais, que tal era uma opção sua;
14) No dia 14 de setembro de 2022, pelas 15h00, o arguido foi buscar BB a sua casa e levou-a para a sua loja, em virtude de terem combinado que esta o iria ajudar a arrumar umas caixas;
15) Já no interior da loja, o arguido voltou a contar a BB as mesmas histórias dos seus envolvimentos sexuais e questionou-a se já tinha visto um vídeo no qual apareciam dois jovens a manter relações sexuais no interior da loja denominada ..., ao que esta respondeu que não, tendo o arguido mostrado o referido vídeo;
16) Posteriormente, o arguido convidou BB para se deslocar para o escritório, pedido ao qual esta acedeu;
17) No interior do escritório, BB sentou-se num sofá e o arguido sentou-se num banco junto a si e referiu que BB era mais insegura do que a sua irmã e que devia ser mais confiante, porque tinha uns ombros bons e umas pernas longas, transmitindo-lhe que o facto de não ter confiança «não era bom para os rapazes»;
18) No seguimento dessa conversa, o arguido pediu a BB para ver as suas pernas, pedido ao qual esta acedeu;
19) Para o efeito, BB levantou-se do sofá e baixou as calças, porque trajava uma camisola comprida que a tapava até aos joelhos;
20) Em seguida, o arguido pediu a BB para levantar a camisola, o que esta negou de imediato;
21) Face à resposta de BB, o arguido pediu-lhe para se virar de costas, o que esta fez;
22) Acto contínuo, o arguido levantou a camisola de BB até à zona da cintura, contra a sua vontade, e desferiu-lhe uma palmada na nádega esquerda;
23) De imediato, BB puxou a camisola para baixo e levantou as calças, tendo começado a chorar;
24) Ao ver BB naquele estado, o arguido aproximou-se da mesma também a chorar, abraçou-a e disse-lhe que não lhe ia fazer nada, que o objectivo era apenas aumentar-lhe a sua autoestima;
25) Contudo, posteriormente, o arguido dirigiu-se a BB e disse-lhe «se tu tivesses dezasseis anos e se quisesses uma aventura, fazia-te a rapariga mais feliz», sublinhando que a diferença de idades entre ambos e o facto de ser amigo do seu progenitor não seriam entraves, ao que BB apenas respondeu «não»;
26) Nesse mesmo dia, mais tarde, enquanto se encontravam a falar sobre acidentes de motas, o arguido questionou BB se queria ver os «ferros» que tinha na perna, em virtude de um acidente que sofreu, tendo para o efeito baixado as calças e ficando apenas de cuecas perante esta;
27) Acto contínuo, o arguido dirigiu-se a BB e proferiu a seguinte expressão «tás a ver, eu não te ia fazer nada porque nem fiquei com o pénis teso, eu não sou tarado sexual»;
28) Antes de levar BB a casa, o arguido abordou-a e disse-lhe que não podia revelar nada do que aconteceu naquele dia, dizendo «é um segredo entre nós»;
29) O arguido agiu de modo livre, voluntário e conscientemente, formulando propostas de teor sexual a CC e BB e praticando actos de carácter exibicionista perante as mesmas, importunando-as, ofendendo assim a sua liberdade sexual e os seus sentimentos de pudor e vergonha, o que quis e logrou conseguir;
30) Com a conduta descrita nos pontos 20) a 25), desferindo uma palmada na nádega de BB, o arguido agiu de forma livre voluntária e conscientemente, com o intuito de satisfazer os seus instintos sexuais, bem sabendo que coartava, desse modo, a liberdade sexual de BB, sendo certo ainda que o arguido sabia que tal conduta era contra a vontade desta, uma vez que anteriormente já lhe tinha pedido para levantar a camisola, pedido ao qual BB não acedeu;
31) O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas;
Do pedido de indemnização civil de BB:
32) Antes destes episódios, BB era uma rapariga alegre;
33) Em virtude das acções do arguido, supra descritas, BB passou a não confiar em ninguém, especialmente do sexo masculino, e a ter medo de andar sozinha na rua, ligando à mãe ou fazendo-se acompanhar;
34) Tem dificuldades em estabelecer relações e demonstra falta de autoestima;
35) BB sente-se triste e revoltada pelo ocorrido;
36) BB teve crises de ansiedade e pânico, bem como dificuldades em dormir, tomando medicação para tal;
37) Quando fala sobre o assunto, BB fica muito perturbada, começando inclusivamente a chorar;
38) BB encontra-se a ser acompanhada por psicólogo, na APAV;
Mais se provou:
39) O arguido é comerciante, explorando a loja referida no ponto 4), como empresário em nome individual;
40) Retira para si um rendimento médio mensal de 1.100,00 €;
41) Vive com a companheira, em casa própria;
42) Tem uma filha de 31 anos, já autónoma;
43) Tem o 9.º ano de escolaridade
44) O arguido integra um moto clube em ...;
45) O arguido não tem condenações averbadas no seu registo criminal.
*
Não resultou provado, com interesse para a boa decisão da causa, o seguinte facto:No dia 14 de Setembro de 2022, nas circunstâncias descritas nos pontos 14) e seguintes, o arguido perguntou a BB se viu algum vídeo ou fotografia de conteúdo pornográfico, ao que esta respondeu que não.
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Motivação de facto:
Para considerar os factos supra enumerados, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações para memória futura prestadas pela assistente BB (transcritas a fls. 177/195) nos depoimentos das testemunhas, na prova pericial realizada (plasmada nos relatórios psicológicos de fls. 162/164 e 166/168) e na prova documental junta, especificamente:
1) Denúncia de fls. 18/19;
2) Informação de fls. 9;
3) Print de mensagem de fls. 91;
4) Relatório da APAV de fls. 239/240 (quanto à assistente BB);
5) CRC do arguido.
A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, com excepção da prova pericial referida (cfr. art.º 163.º do C.P.Penal).
O arguido optou por não prestar declarações quanto aos factos imputados na acusação.
Ouvida a testemunha/vítima CC e ouvidas/lidas as declarações para memória futura da assistente BB, é de salientar que ambas descreveram de forma coerente, contextualizada (quer no espaço, quer no tempo), objectiva e pormenorizada o que aconteceu entre cada uma e o arguido, sendo espontâneas no seu discurso e demonstrando os sentimentos habituais (ansiedade, vergonha e tristeza) em pessoas que relatam este tipo de factos.
À mesma conclusão se chegou na prova pericial realizada, que atestou a capacidade de ambas testemunharam e, ademais, a credibilidade de ambos os relatos, devido, efectivamente, à sua espontaneidade, organização, estrutura lógica, enquadramento temporal e contextual, pormenores descritos, consistência e, ademais, estado emocional demonstrado (cfr. relatórios periciais de fls. 162/164 – BB – e fls. 166/168 – CC).
Quanto ao contexto temporal, apesar das dificuldades de CC em identificar a altura em que ocorreram os factos, por se terem prolongado no tempo, a realidade é que a testemunha foi muito clara ao afirmar que tinha mais de 16 anos e menos de 18 anos, pois após fazer 18 anos ocorreram outros factos que determinaram o fim deste convívio com o arguido.
Ademais, é de notar a coerência entre os factos relatados pelas duas irmãs, tendo o arguido utilizado a mesma estratégia de aproximação, as mesmas expressões e, ademais, apelado ao segredo das duas.
Conforme resultou claro dos testemunhos da família e amigos de CC e BB, as duas não são próximas, não são confidentes e, assim, a similitude dos seus relatos é ainda mais relevante, pois demonstra, sem qualquer dúvida para este Tribunal, que ambas foram sujeitas às mesmas abordagens por parte do arguido.
Além dos relatos directos de CC e BB, temos ainda o depoimento das testemunhas EE (tio), FF (mãe), GG (amiga de BB), HH (amiga de CC) e II (jurista da APAV que acompanhou o processo de BB), pessoas a quem BB e CC confidenciaram aquilo que viveram, tendo as testemunhas descrito o estado emocional das irmãs nessas alturas, coincidente com aquilo que afirmavam ter experienciado.
É de referir que as testemunhas foram objectivas e coerentes, circunstanciadas no tempo e no espaço, tendo demonstrado a emoção e desconfortos normais para os factos que relatavam e para a proximidade que tinham às vítimas.
Face aos factos objectivos provados, outra não poderia ser a intenção do arguido que não a constante dos pontos 29) e 30).
Tais condutas são, para qualquer homem médio, proibidas e punidas por lei, sendo-o também para o arguido.
Os efeitos que a conduta do arguido teve em BB, além de expectáveis face às condutas de que foi vítima, foram relatados pelo seu tio, pela sua mãe, pela sua irmã, pela testemunha II, pela testemunha JJ (sua directora de turma durante o 11.º ano) e pela amiga GG, tendo ainda respaldo no relatório elaborado pela psicóloga que segue BB, junto a fls. 239/240.
Apenas uma nota quanto ao depoimento da mãe de CC e de BB, que foi considerado, em sede de alegações, “tendencioso” e “exagerado”.
Desde logo, quanto às acções do arguido, a testemunha apenas relatou aquilo que lhe foi transmitido pelas filhas, não se denotando aqui qualquer exagero. Relativamente aos efeitos que estes episódios tiveram na vida das filhas e de toda a família, foi notório o sofrimento da testemunha face a todo o ocorrido e os sentimentos profundos de culpabilização, que são emoções perfeitamente normais e expectáveis neste tipo de situações, ainda para mais tratando-se de ambas as filhas e sendo o arguido um amigo de longa data do pai destas.
Assim, este Tribunal em nada desconsiderou o relato da mãe das vítimas, que transmitiu de forma muito emocionada e real aquilo que a família tem vivido à custa das acções do arguido.
As condições socioeconómicas do arguido resultam das suas declarações. A falta de condenações resulta do conteúdo do seu certificado de registo criminal.
As testemunhas KK (director de turma de BB no 12.º ano e seu professor no 11.º ano) e DD (companheira do arguido) nada sabiam com interesse para a boa decisão da causa.
Note-se que a companheira do arguido nem sequer tinha conhecimento dos passeios de mota que o arguido tinha com CC, que ocorreram durante muito tempo, demonstrando, assim, um total alheamento desta parte da vida do arguido.
Quanto ao facto não provado, o mesmo não foi relatado por BB, que apenas disse que o arguido lhe perguntou se viu o vídeo gravado na ..., e não, no geral, se via vídeos de teor sexual. 3. Apreciação do recurso 3.1- O arguido, ora recorrente, insurge-se contra os pontos da 5 e 22 dos factos provados da sentença recorrida, pretendendo a sua alteração e /ou a sua consideração como não provados, porquanto, no seu entender, não estão de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento.
O erro de julgamento em matéria de facto ocorre quando o tribunal dá como provado um facto sem que se tenha feito prova do mesmo, ou quando dá como não provado um facto que deveria, em face da prova produzida, ter sido considerado como provado.
O artigo 412º, nº 3, aI. a) e b), do CPP é claro ao estabelecer que quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
É propósito do legislador com a referida norma delimitar claramente o âmbito do recurso interposto sobre a decisão a matéria de facto, em termos de o permitir apenas nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram.
Por outro lado, o nº4 do artigo 412 do CPP dá concretização naquela norma, estabelecendo que no caso de as provas terem sido gravadas, as especificações previstas na aI. b) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Como resulta da fundamentação da sentença recorrida, a prova foi apreciada pelo tribunal recorrido de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, em conformidade com o disposto no artigo 127º do CPP, o qual estabelece que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Este princípio assume particular relevo na fase de julgamento. Se é certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, imotivável e por isso, o art.374.º n.º2 do C.P.Penal exige que a sentença contenha “uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação do exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal” também não se pode esquecer que a decisão do juiz é sempre uma convicção pessoal, «até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais» in Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 1974, pág.204.
Ao princípio da livre apreciação da prova, estão intimamente associados os princípios da imediação e da oralidade. Na verdade, o juiz, mercê do contacto direto com o arguido, o assistente, a testemunha, ao valorar o por eles declarado, tem de atender a vários aspetos que têm a ver, designadamente, com a razão de ciência, a imparcialidade, a espontaneidade do depoimento, as hesitações, as contradições, os gestos, etc.
Ao tribunal de recurso compete sindicar a aplicação no caso concreto do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP. Para tanto, deverá socorrer-se da motivação em sede de matéria de facto da sentença, por forma a constatar o caminho percorrido pelo tribunal de primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP.
Contudo, conforme tem sido, unânime e repetidamente, sustentado pela jurisprudência[3] e doutrina[4], o recurso da matéria de facto visa a deteção do erro de julgamento em matéria de facto, constituindo um remédio jurídico e não um segundo julgamento, como se não tivesse ocorrido um julgamento anterior.
Ora, no caso vertente, ouvida a gravação da prova (e não apenas os excertos indicados, em conformidade com o disposto no artigo 412º nº6 do CPP), desde já adiantamos não assistir razão ao recorrente. É que as provas indicadas pelo recorrente não têm a virtualidade de impor decisão diversa da sentença recorrida, como iremos explicar.
Assim, quanto ao ponto 5 dos factos provados, segundo o recorrente do depoimento da ofendida CC “(…) não resulta que o arguido tivesse utilizado os vocábulos que constam em facto provado sob nº 5, pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada naquele ponto 5, eliminando-o.”
Relativamente a este ponto da matéria de facto, verificamos que na fundamentação da matéria de facto da sentença nada foi especificamente referido. O arguido não prestou declarações sobre os factos. No entanto, o depoimento prestado pela ofendida CC foi julgado credível pelo tribunal recorrido.
Ora, ouvida a gravação integral do depoimento prestado pela referida ofendida constatamos que, de facto, como referido pelo recorrente, a ofendida não utilizou as palavras referidas no ponto 5 dos factos provados, ou seja, que “tinha umas boas pernas” e que “tinha um bom rabo”, referindo não se lembrar, em concreto, das palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido. No entanto, descreveu o contexto da conduta do arguido e, em discurso indireto, as palavras que ele lhe dirigiu, referindo o seu sentido ou significado. Eram palavras elogiosas do seu corpo, ditas logo a seguir aos passeios de moto que fazia com ele. E, segundo a ofendida, eram palavras proferidas com tom de sedução e de assédio, dizendo-lhe, tal como refere o recorrente, que “tinha umas pernas jeitosas”, utilizando também a expressão “tens umas pernas!”, e “comentou sobre o meu rabo”, tendo ainda referido, “nós podíamos ter uma aventura”, fazendo com que ela se sentisse desconfortável.
Assim, considerando que a ofendia CC refere não se recordar das concretas palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido, mas apenas o contexto em que tais palavras foram ditas, o seu sentido e significado (o qual aqui se deixou evidenciado), a redação do ponto 5 dos factos provados espelha, com suficiente clareza, o depoimento prestado relativamente à conduta do arguido, na medida em que nele se referem vocábulos com significado idêntico àqueles que foram usados pela ofendida no depoimento prestado . De facto, considerando o referido tom de voz utilizado pelo arguido, referir ter “umas pernas boas”, “umas boas pernas”, e ter “umas pernas jeitosas”, nenhuma diferença semântica relevante existe. O mesmo se dizendo em relação ao rabo da ofendida CC. Em face do depoimento por esta prestado, o qual repete-se foi considerado credível, o arguido elogiou, em tom de sedução e de assédio, partes do seu corpo, ou seja, as suas pernas e o seu rabo.
Por isso, somos levados a concluir que a apreciação efetuada pelo tribunal recorrido tem suporte na prova produzida e examinada em audiência, inexistindo fundamento par alterar o facto impugnado pelo recorrente, nomeadamente, no sentido por ele pretendido.
O mesmo se diga quanto ao impugnado ponto 22 dos factos provados, em que está em causa agora a ofendida BB.
Segundo o recorrente, “Facto 22 “Factos Provados – Tribunal deu como provado que o arguido levantou a camisola da BB, até à zona da cintura, contra a vontade desta. Contudo, tendo por base as declarações por esta prestadas, para memória futura, transcritas nos autos, a fls. 6 e 7, não resulta que o arguido, quando levantou a camisola, depois de pedir à ofendida para se voltar, o que esta fez, agiu contra a vontade da ofendida. Tendo, nessa conclusão, o Tribunal recorrido excedido os poderes que possui na análise da matéria de facto, pelo que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada naquele ponto 23, eliminando-se a parte que refere “contra a sua vontade”, cfr. conclusão 3.
No contexto descrito, o recorrente insurge-se apenas contra o facto de ter sido considerado como provado que ele levantou a camisola da ofendida BB contra a vontade desta.
No entanto, tal conduta do arguido foi efetivamente por ele levada a cabo contra a vontade da referida ofendida, o que decorre do depoimento por esta prestado, julgado credível pelo tribunal recorrido, e da própria dinâmica dos factos descritos nos pontos 17, 18, 19, 20, 21 e 23 dos factos provados não impugnados pelo recorrente, em particular do ponto 20.
Ou seja, porque a ofendida se recusou a levantar a camisola que trazia vestida, o arguido pediu que ele se virasse de costas, o que esta fez, e levantou ele a camisola naturalmente contra a vontade dela. Ou seja, o arguido, sabendo que ela não queria levantar a camisola (não queria mostrar as pernas, sendo que a camisola era, nas palavras da ofendida, quase um vestido) pediu-lhe para se virar de costas e aproveitou-se desta situação em que ela não estava a ver e levantou a camisola. Segundo as regras da experiência comum, não é possível compreender os factos de outro modo.
Em casos como o presente, as provas indicadas pelo recorrente impõem decisão diversa quando, confrontadas com as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, seja claro que outra teria necessariamente de ter sido a decisão, por ter sido violado o princípio da livre apreciação da prova. Isto é, que a decisão recorrida não respeitou os limites de tal princípio[5], designadamente, porque afronta manifestamente as regras da experiência comum.
É este o sentido uniforme e reiterado da jurisprudência desde há longa data. Assim, v.g. foi sumariado no acórdão RP de 12-05-2004, processo n.° 0410430, acessível in www.dgsi.pt. “A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador. “cfr. Ac RP de 12-05-2004, processo n.° 0410430, acessível in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, vide também v.g. o acórdão RG de 28.06.2004, processo 575/04-1, acessível em www.dgsi.pt “Quando o recorrente pretende (...) pôr em causa a livre apreciação da prova o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que, como se referiu, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, como é o caso. Cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova”.
Acresce que “A verdade processual que se busca em processo penal não se confunde com a verdade ontológica. A verdade processual é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida”, cfr. Ac STJ de 03.10.2002, proc. n.º 45.931 - 5.ª Secção, relator Pereira Madeira.
Noutros termos, segundo o Tribunal Constitucional, Ac. do TC n.º 198/2004 – DR II série, de 2/6/2004, a impugnação teria de se basear “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.
A livre apreciação da prova, diferentemente do sistema da prova tarifada ou legal, consiste na possibilidade conferida ao tribunal de, entre as provas produzidas, poder escolher aquela ou aqueles de que se convença, segundo um raciocínio coerente, lógico segundo as regras da experiência comum. E, como se refere no Ac STJ de 11.07.2007, processo 07P1416, acessível em www.dgsi.pt, “O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo número –, dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adotados para justificar a decisão.”
No caso em apreço, os aspetos evidenciados pelo recorrente, ao contrário do por ele defendido, não tem a virtualidade de impor uma decisão diversa da decisão recorrida, nos termos do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal, pelo que os factos impugnados irão permanecer inalterados, assim improcedendo este segmento do recurso. 3.2- O recorrente discorda que os factos provados, relativos ao dia 14.09.2022, em que é ofendida BB, o façam incorrer na perpetração do crime de coação sexual, previsto e punido pelo artigo 163º, nº 1 do Código Penal, por não preencher o conceito legal de “ato sexual de relevo”, sem prejuízo da sua eventual qualificação como importunação sexual.
Segundo refere, “Tendo em conta a análise vertida a fls 9 Verso da sentença em recurso, não poderia o Tribunal “a quo” concluir pela prática de um crime de coação sexual, porquanto não se está na presença de ato sexual de relevo, tal como o normativo legal impõe para que a qualificação jurídica como crime de coação sexual se verificasse”, cfr, conclusão 4.
Porém sem razão.
De facto, no que concerne a esta questão, na sentença recorrida, designadamente na parte referida pelo recorrente, foi referido que:
“Ficou provado que, no dia 14 de Setembro de 2022, pelas 15h00, no interior da loja do arguido, este começou a contar a BB histórias dos seus envolvimentos sexuais e questionou-a se já tinha visto um vídeo no qual apareciam dois jovens a manter relações sexuais no interior da loja denominada ..., ao que esta respondeu que não, tendo o arguido mostrado o referido vídeo.
Posteriormente, o arguido convidou BB para se deslocar para o escritório, pedido ao qual esta acedeu. Já no interior do escritório, BB sentou-se num sofá e o arguido sentou-se num banco junto a si e referiu que BB era mais insegura do que a sua irmã e que devia ser mais confiante, porque tinha uns ombros bons e umas pernas longas, transmitindo-lhe que o facto de não ter confiança «não era bom para os rapazes».
No seguimento dessa conversa, o arguido pediu a BB para ver as suas pernas, pedido ao qual esta acedeu. Para o efeito, BB levantou-se do sofá e baixou as calças, porque trajava uma camisola comprida que a tapava até aos joelhos.
Em seguida, o arguido pediu a BB para levantar a camisola, o que esta negou de imediato. Face à resposta de BB, o arguido pediu-lhe para se virar de costas, o que esta fez e, acto contínuo, o arguido levantou a camisola de BB até à zona da cintura, contra a sua vontade, e desferiu-lhe uma palmada na nádega esquerda.
Ora, todo o comportamento anterior do arguido (falar de relacionamentos sexuais e mostrar um vídeo de duas pessoas a ter relações sexuais) já demonstrava o teor sexual dos seus comportamentos, o qual ficou por demais evidente ao pedir a BB para baixar as calças e, ademais, tirar a camisola.
Quando BB se recusou a tirar a camisola, o arguido levantou-a ele e deu-lhe a referida palmada na nádega esquerda.
Tal configura, sem qualquer margem de dúvida, um acto sexual de relevo, o qual foi imposto a BB, que já tinha dito que não queria tirar a camisola.”
Não podemos deixar de concordar, nesta parte, com o sentido da fundamentação da sentença recorrida.
O artigo 163º do CP (coação sexual) tem a seguinte redação:
“1 - Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até cinco anos.
2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática de ato sexual de relevo contra a vontade cognoscível da vítima.”
Como é sabido, em resultado das alterações introduzidas em 2015 e 2019 ao artigo 163º do CP, o seu nº1 abrange o dissentimento e o “consentimento” constrangido, enquanto o nº2 se reporta ao constrangimento efetuado pela forma nele tipificada, ou seja, por violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir”.
Acresce dizer, que para efeito do citado preceito legal, de acordo com o seu nº 3, o conceito de constrangimento traduz-se na prática de ato sexual de relevo contra a vontade da vítima – tendo esta que ser demonstrada ao agente (cognoscibilidade da vontade).
Por outro lado, segundo o Prof. Figueiredo Dias “ ato sexual é todo aquele (…) que de um ponto de vista predominantemente objetivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica”, cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, 1999, pág. 447 e sgs..
O motivo da atuação do agente, traduzido na intenção de despertar ou satisfazer, em si ou em outrem, a excitação sexual (intenção libidinosa) não tem relevância típica. Mas isso não significa, como assinala o citado mestre, que “(…) atenta a multiplicidade de formas que a sexualidade pode assumir, que o caráter sexual do ato deva ser examinado na sua pura individualidade exterior; relevante para a determinação do seu conteúdo e significado pode ser também o circunstancialismo de lugar, de tempo, de condições que o rodeia e que o faça ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo”.
A lei ao exigir que o ato sexual seja de relevo não tem por finalidade exclusiva afastar da tipicidade os atos insignificantes ou bagatelares. Efetivamente, “(…) ao exigir que o ato sexual seja de relevo a lei impõe ao intérprete que afaste da tipicidade não apenas os atos insignificantes ou bagatelares, mas que investigue do seu relevo na perspetiva do bem jurídico protegido (função positiva); é dizer, que determine – ainda aqui de um ponto de vista objetivo – se o ato representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima”, cfr. Figueiredo Dias, ob. e loc. cit..
Como se referiu no Ac. RG de 12.04.2010, processo 42/06.2TAMLG.G1, disponível em www.dgsi.pt “o tipo está limitado pelo uso da expressão restritiva “de relevo” pelo que a liberdade/autodeterminação sexual só está tutelada criminalmente contra acções que constituam grave entrave para a liberdade ou autodeterminação sexual da vítima [tais como o beijo na boca, a exposição dos órgãos genitais, o apalpar os seios, pressionar a zona púbica, ejacular ou urinar sobre a vítima, esfregar o pénis no rabo da menor simulando a cópula - exemplos colhidos da doutrina e da jurisprudência, para além dos indicados no n.º 2 do citado artigo 172º (cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos) - sobre o conceito de “acto sexual de relevo” cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 17ª ed., Coimbra, 2005, pág. 578-579, Fernando João Ferreira Ramos, Notas sobre os crimes sexuais no projecto de revisão do Código penal de 1982, RPCC, ano 3º, fasc. 1 (Janeiro-Março 1993), pág.55 Sénio Reis Alves, Crimes Sexuais, Coimbra, 1995, págs. 7-12; José Mouraz Lopes, Os Crimes contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 4ª ed., Coimbra, 2008, págs. 23-31, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, Tomo I, Coimbra, pág. 447 a 450, §§7 a 13 inclusive, e pág. 543, §6 e Inês Ferreira Leite, Pedofilia, cit., págs. 75 e seguintes; na jurisprudência dos tribunais superiores merecem destaque os Acs. do S.T.J. de 31-10-1995, B.M.J. n.º 450, pág. 165, de 16-5-1996, proc.º n.º 136/94, de 17-10-1996 e de 20-10-1996, os dois últimos in Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 3, pág. 170 e B.M.J. n.º 460, pág. 605, respectivamente, e de 12-7-2005, proc.º n.º 05P2442, in www. dgsi.pt, o Ac. da Rel. de Coimbra de 12-1-1996, in Col. de Jur. ano XXI, tomo 1, pág. 165, o Ac. da Rel. de Évora de 14-11-2006, proc. n.º 2864/05-1 , rel. João Gomes de Sousa, e o recente Ac. da Rel. do Porto de 27-1-2010, proc.º n.º 1044/07.7GGMTS.P1, rel. Olga Maurício, ambos in www. dgsi.pt.”
Assim, segundo o Ac. RP de 14.07.2021, processo 116/19.0JAAVR.P1, disponível em www.dgsi.pt, “ É ato sexual de relevo um beijo na boca de uma menor de nove anos, na sequência do envio de mensagens de teor amoroso.”; e o Ac. RP de 03.05.2023, processo 825/21.0JAAFR.P1, também disponível em www.dgsi.pt,“ Constitui ato sexual de relevo a simulação do ato sexual de penetração em contacto com o corpo (mesmo que com alguma roupa vestida) de uma menor, ainda mais se acompanhado da exibição de um vídeo de carácter sexual e com a interpelação da menor sobre se sabia reproduzir os movimentos de uma mulher que no vídeo se despia à frente de um homem.”
Em qualquer caso, “É perante o caso concreto que se determinará se o ato é de relevo, pela intensidade objetiva e capacidade de concretização de intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da autodeterminação sexual”, cfr. Ac. STJ de 12.07.2005, processo 05P2442, disponível em www.dgsi.pt.
No caso vertente, os factos objetivos considerados pelo tribunal recorrido para efeito de integração do crime de coação sexual encontram-se descritos nos pontos 14 a 27 dos factos provados da sentença, como seguinte teor:
“ 14) No dia 14 de setembro de 2022, pelas 15h00, o arguido foi buscar BB a sua casa e levou-a para a sua loja, em virtude de terem combinado que esta o iria ajudar a arrumar umas caixas;
15) Já no interior da loja, o arguido voltou a contar a BB as mesmas histórias dos seus envolvimentos sexuais e questionou-a se já tinha visto um vídeo no qual apareciam dois jovens a manter relações sexuais no interior da loja denominada ..., ao que esta respondeu que não, tendo o arguido mostrado o referido vídeo;
16) Posteriormente, o arguido convidou BB para se deslocar para o escritório, pedido ao qual esta acedeu;
17) No interior do escritório, BB sentou-se num sofá e o arguido sentou-se num banco junto a si e referiu que BB era mais insegura do que a sua irmã e que devia ser mais confiante, porque tinha uns ombros bons e umas pernas longas, transmitindo-lhe que o facto de não ter confiança «não era bom para os rapazes»;
18) No seguimento dessa conversa, o arguido pediu a BB para ver as suas pernas, pedido ao qual esta acedeu;
19) Para o efeito, BB levantou-se do sofá e baixou as calças, porque trajava uma camisola comprida que a tapava até aos joelhos;
20) Em seguida, o arguido pediu a BB para levantar a camisola, o que esta negou de imediato;
21) Face à resposta de BB, o arguido pediu-lhe para se virar de costas, o que esta fez;
22) Acto contínuo, o arguido levantou a camisola de BB até à zona da cintura, contra a sua vontade, e desferiu-lhe uma palmada na nádega esquerda;
23) De imediato, BB puxou a camisola para baixo e levantou as calças, tendo começado a chorar;
24) Ao ver BB naquele estado, o arguido aproximou-se da mesma também a chorar, abraçou-a e disse-lhe que não lhe ia fazer nada, que o objectivo era apenas aumentar-lhe a sua autoestima;
25) Contudo, posteriormente, o arguido dirigiu-se a BB e disse-lhe «se tu tivesses dezasseis anos e se quisesses uma aventura, fazia-te a rapariga mais feliz», sublinhando que a diferença de idades entre ambos e o facto de ser amigo do seu progenitor não seriam entraves, ao que BB apenas respondeu «não»;”
26) Nesse mesmo dia, mais tarde, enquanto se encontravam a falar sobre acidentes de motas, o arguido questionou BB se queria ver os «ferros» que tinha na perna, em virtude de um acidente que sofreu, tendo para o efeito baixado as calças e ficando apenas de cuecas perante esta;
27) Acto contínuo, o arguido dirigiu-se a BB e proferiu a seguinte expressão «tás a ver, eu não te ia fazer nada porque nem fiquei com o pénis teso, eu não sou tarado sexual»;”
O facto em apreciação ocorreu no contexto referido nos factos provados, ou seja, num contexto de sedução e de assédio sexual, uma vez que o arguido previamente narrou à ofendida os seus envolvimentos sexuais, exibiu um vídeo com dois jovens a ter relações sexuais e elogiou o seu corpo, num cenário reservado por ele criado (foi buscar a ofendida a casa e levou-a para a sua loja e depois para o escritório dessa loja) com o pretexto de pretender visualizar as pernas da ofendida, e que esta aceitou mostrar, baixando as calças, por usar uma camisola comprida que a tapava até aos joelhos.
Trata-se de um ato claro e óbvio de cariz sexual. E, no sobredito cenário, consistiu então em, encontrando-se a ofendida, na altura com 15 anos de idade, com as calças baixadas, em o arguido ter levantado a camisola da ofendida até à zona da cintura, contra a sua vontade, e lhe ter desferido uma palmada na nádega esquerda. De imediato a menor puxou a camisola para baixo e levantou as calças, tendo começado a chorar. Posteriormente, o arguido dirigiu-se à menor e disse-lhe «se tu tivesses dezasseis anos e se quisesses uma aventura, fazia-te a rapariga mais feliz», sublinhando que a diferença de idades entre ambos e o facto de ser amigo do seu progenitor não seriam entraves, ao que a menor apenas respondeu «não»;”.
No sobredito contexto, os factos assumem uma gravidade que ultrapassa a mera importunação sexual, que é consumida pelo tipo legal mais grave, e atenta, de forma grave, de acordo com os ensinamentos da doutrina e a orientação da jurisprudência mais avalisadas, a liberdade / autodeterminação sexual da vítima.
Nesta conformidade, o referido ato de levantar a camisola da ofendida até cintura, que a pedido do arguido se encontrava com as calças baixadas, e de desferir uma palmada na nádega esquerda da ofendida no referido circunstancialismo de tempo, modo e lugar, constitui, pois, “ato sexual de relevo” para efeitos de integração do tipo legal de crime de coação sexual previsto e punido pelo artigo 163º, nº 1 do Código Penal, sendo agravado por a ofendida ter 15 anos de idade, Ou seja, menor de 16 anos, cfr. artigo 177º, nº 6 do Código Penal, na redação em vigor na data da prática dos factos. 3.3- O recorrente discorda da qualificação dos factos objetivos referidos nos pontos 5 e 9 dos factos provados como integrando o crime de importunação sexual previsto e punido pelo artigo 170º do Código Penal, em que é ofendida CC.
Segundo alega “(…) sem prejuízo de poder considerar-se comportamento desadequado, ou mesmo imoral, não nos parece que integre o ilícito criminal em que o arguido foi condenado, porquanto não integra qualquer das condutas em que o crime de a "importunação sexual" pode ter lugar: a prática de atos de caráter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual”; “Nem todas as expressões de natureza sexual constituem modalidade de cometimento deste crime.”, Por exemplo, as palavras, os gestos ou outras expressões que manifestem, apreço, admiração pelo destinatário da mensagem, desejo ou simplesmente excitação sexual, e até mesmo que se baseiem em comentários ou revelações acerca de fantasias e proezas sexuais, ainda que possam importunar o destinatário, não constituem a modalidade de crime, pois não implicam qualquer proposta”.
Outrossim, insurge-se também o recorrente contra a integração do crime de importunação sexual em que é ofendida BB, relativamente à fundamentação da página 14 da sentença, referindo que o “Tribunal a quo”, limita-se a reproduzir o comportamento do arguido sem concretizar que tal ação consubstancia a prática de atos de caráter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual, manifestando-se insuficiente a fundamentação utilizada, impondo-se assim a absolvição do arguido desse crime de importunação sexual.”, cfr. conclusão 16. Neste caso estão em causa os factos do mês de agosto de 2022, descritos nos pontos 10 a 13 dos factos provados.
Porém, também quanto a este ponto não assiste razão ao recorrente.
Efetivamente, comete o crime de importunação sexual previsto e punido pelo artigo 170º do Código Penal “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual…”.
A importação sexual para ter relevância típica tem de revestir, pelo menos, uma das três formas previstas na lei, a saber: prática perante ela de ato de carácter exibicionista; a formulação de proposta de teor sexual; e o constrangimento a contacto de natureza sexual.
Como bem se assinalou no Ac. RE de 10.10.2023, processo 113/22.8T9EVR.E1, disponível em www.dgsi.pt, “A lei exige, sendo elemento do tipo de crime, a formulação de uma proposta (um convite) a um ato de natureza sexual, e que a conduta do agente efetivamente importune a vítima (“quem importunar outra pessoa…”) - cause uma perturbação do estado psíquico da vítima por ela sentida como negativa e / ou indesejada.”. Mas “Não se exige o envolvimento da vítima na execução corporal de um ato sexual, ao contrário do que se passa com outros crimes de natureza sexual, bastando-se com a receção, por parte desta, de atos comunicativos de teor sexual.”
“A formulação de propostas de teor sexual inclui palavras ou sons exprimidos ou comunicados pelo agente, tais como piadas, questões, considerações, exprimidas oralmente ou por escrito, bem como expressões ou comunicações do agente que não envolvam palavras ou sonos, como por exemplo, expressões faciais, movimentos com as mãos ou símbolos”, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, pág. 676/677.
Outrossim, é consensual na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que “(…) o ato exibicionista não pode traduzir em meras palavras proferidas perante outra pessoa, ainda que estas atemorizem, levando-a a recear que se lhe siga a prática de um qualquer ato sexual contra a sua vontade…”, cfr. Anabela Miranda Rodrigues, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 533.
No caso vertente, relativamente às duas situações questionadas pelo recorrente, os factos consistem, quanto à ofendida CC, em o arguido, aquando dos passeios de mota que fazia com ela, ter elogiado, por diversas vezes, o seu corpo e dizer-lhe “era só tu quereres e eras a rapariga mais feliz do mundo”. E, quanto à ofendida BB, em ter-lhe narrado experiência sexuais suas, em questioná-la sobre a sua vida sexual, dizendo-lhe que já podia manter relações sexuais sendo isso uma opção sua.
O recorrente concorda que importunou a ofendida CC, sendo a sua conduta para com ela desadequada, ou mesmo imoral, mas no seu entender não configura uma proposta de teor sexual. E, quanto à situação referente à ofendida BB, discorda da fundamentação da sentença recorrida pelo motivo que indica.
Ora, os factos provados, considerados na sua globalidade, evidenciam claramente um padrão de comportamento do arguido para com as ofendidas, ambas menores, que começa por uma narrativa de teor sexual, na qual ele evidencia as suas próprias experiências sexuais ( querendo com isso obviamente, pelo menos, chamar a atenção para si das menores) auxiliando-se por vezes de imagens, designadamente de fotos e de vídeos de teor sexual, como seja mulher despidas, e vídeos de pessoas a terem relações sexuais; e depois passa para o elogio do corpo das ofendidas; e termina com convites que faz às ofendidas, umas vezes mais explícitos do que noutras, para a prática com ele de atos de cariz sexual, mas que elas naturalmente os entendem sempre como tal, importunando-as, ofendendo a sua liberdade sexual e os seus sentimentos de pudor e vergonha. O que o arguido quis e logrou conseguir.
Nos dois casos referidos questionados pelo recorrente encontra-se presente o aludido padrão de atuação do arguido, pelo que não se vislumbra como é que se possa sustentar estar em causa somente um comportamento socialmente desadequado. Por isso, somos levados a concluir no sentido do preenchimento do crime de importunação sexual previsto e punido pelo artigo 170º do CP, sob a forma de importunação sexual na modalidade de formulação de proposta de teor sexual.
Nesta conformidade, improcede também este segmento do recurso. 3.4- O recorrente defende, quanto aos crimes de importunação sexual, que em lugar da pena de prisão, deveria ter sido aplicada pena de multa. Segundo alega, “A pena de multa não é de excluir, uma vez que a mesma mostra-se apta a satisfazer as necessidade de prevenção especial, muito especialmente na vertente respeitante à advertência individual para que o arguido não volte a delinquir, até porque o arguido é primário e encontra-se social e profissionalmente integrado, tal como resulta do teor da sentença. Mas também satisfaz as necessidades de prevenção geral”.
Contudo, o tribunal recorrido fundamentou a sua opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa de forma que não nos merece qualquer reparo.
Os crimes de natureza sexual, em particular nos casos em que as vítimas sejam menores, são objeto de uma enorme reprovação da comunidade em geral, que não compreende e censura severamente quem comete este tipo de crimes, o que associado à frequência com que vêm sendo praticados, faz elevar sobremaneira as exigências de prevenção geral.
As exigências de prevenção geral assumem a primeira finalidade das penas, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., pág. 169.
Outrossim, na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral, cfr. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Publicações Universidade Católica, pág. 87.
No caso em apreço, como foi assinalado na sentença recorrida, pese embora o arguido seja primário e esteja inserido em termos sociais e profissionais, os comportamentos que adotou foram particularmente graves, tendo em conta que as vítimas eram menores, a própria diferença de idades para o arguido e o ascendente que tinha perante as vítimas, por serem filhas de um amigo de longa data, aproveitando-se de tal circunstância.
Assim, estamos perante factos que se situam num nível elevado de gravidade para este tipo de crime, tendo sido cometido durante muito tempo e contra duas vítimas distintas.
Tal como entendeu o tribunal recorrido, também nós entendemos que a pena de multa não se mostra suficiente e adequada para que o arguido corrija o seu comportamento, são satisfazendo as exigências de prevenção geral e especial sentidas no caso concreto.
Em suma, improcede também este segmento do recurso. 3.5- O recorrente insurge-se contra a medida das penas parcelares e da pena única em que foi condenado, aduzindo, em síntese, que não prestou declarações em audiência de julgamento, aliás como se referiu na sentença. No entanto, foi considerado em sede de determinação da medida da pena (penas parcelares e pena única) que “o arguido não demonstrou qualquer arrependimento, nem adotou qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família, revelando uma especial indiferença perante o bem jurídico”, o que só por notório erro pode ter sido considerado. De qualquer modo, sustenta o recorrente que as penas são manifestamente excessivas, apelando ao facto de ser primário e à sua inserção social e profissional, defendendo dever ser aplicada uma pena justa, proporcional e adequada.
Vejamos.
Não podemos deixar de salientar - quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - que entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina[6] e da jurisprudência[7] de que “é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”[8].
A determinação concreta da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do C. Penal, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento.
A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva[9].
Na verdade, importa precisar que:
- A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, dado que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, de acordo com princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa[10], do Código Penal e no respeito pela dignidade inalienável do agente[11];
- As exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legitimas expectativas da comunidade) têm uma medida ótima de proteção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico-penais; trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18º, nº2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reações criminais; e
- Dentro desses dois limites atuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois só se protege eficazmente os bens jurídico – penais se a pena concreta servir a reintegração do agente ou não evitar a quebra da sua inserção social.
Em suma, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial de socialização por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena[12].
Para graduar concretamente a pena há que respeitar ainda, como supra ficou dito, o critério fornecido pelo n.º 2 do artigo 71º do C. P., ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Este critério é fornecido, exemplificativamente, nas suas alíneas e podem e devem ajudar o tribunal a concretizar, no sentido de vir a quantificar, quer a censurabilidade ao facto a título de culpa, quer as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A exigência de as referidas circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes), não integrarem o tipo legal de crime, ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio ne bis in idem.[13]
No caso vertente, o tribunal de primeira instância fundamentou a medida das penas (parcelares e pena única) da seguinte forma:
v “A pena concreta: medida da pena
Para determinar a pena concreta a aplicar em cada caso, deverá o julgador atender ao grau de culpa do agente e às exigências de prevenção, nas quais se incluem não só a prevenção especial (negativa e positiva), como também a prevenção geral (negativa e positiva também), como já exposto (art.º 71.º n.º 1 do C.Penal).
A pena concreta deverá ter em conta todas as circunstâncias que favorecem ou desfavoreçam o agente, tendo o legislador no n.º 2 do art.º 71.º do C.Penal indicado, a título exemplificativo, algumas possibilidades de circunstâncias a atender:
“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.” Cumpre apreciar as necessidades de prevenção do caso concreto e a específica conduta do arguido.
Remete-se para o já exposto quanto às necessidades de prevenção geral relativamente ao crime de importunação sexual, pois o bem jurídico protegido é o mesmo.
Relativamente às necessidades de prevenção especial, conforme também já referido, o arguido é primário e está social e profissionalmente integrado. Contudo, não demonstrou qualquer arrependimento, nem adoptou qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família, revelando uma especial indiferença perante o bem jurídico aqui protegido.
A ilicitude da conduta é elevada, em todas as situações, considerando que o arguido se aproveitou da circunstância de ser amigo do pai das vítimas e do seu gosto pelas motas para as atrair para si, colocando-se numa posição especialmente vulnerável.
É também extremamente relevante o facto de ambas as vítimas serem menores de idade à data dos factos.
Os factos prolongaram-se no tempo, especialmente quanto a CC, e assumiram especial gravidade quanto a BB no dia 14 de Setembro de 2022.
Quer para a CC, quer para a BB, as condutas do arguido tiveram consequências gravosas, especialmente para a BB, afectando a forma como esta se relaciona com os outros e a forma como se vê.
O arguido agiu com dolo directo, que é a modalidade mais gravosa.
A favor do arguido milita o facto de estar social e profissionalmente integrado e ser primário, como já se referiu.
A aplicação da pena de prisão no crime de coacção sexual tem como limite mínimo um mês e limite máximo cinco anos de prisão (arts.º 163.º n.º 1 e 41.º n.º 1, ambos do C.Penal).
Estando em causa vítima menor de 16 anos, como era o caso da assistente BB (com 15 anos à data dos factos), há que ter em consideração a agravação prevista no n.º 7 do art.º 177.º do C.Penal, pelo que o limite mínimo passa a ser de um mês e dez dias e o limite máximo de seis anos e oito meses de prisão (agravação em 1/3), não podendo ser aplicada pena superior a cinco anos.
Face às necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto, entendemos ser necessário, adequado e suficiente a aplicação de uma pena de um ano e seis meses prisão.
Relativamente ao crime de importunação sexual, a aplicação de pena de prisão tem como limite mínimo um mês e limite máximo um ano (cfr. arts.º 170.º n.º 1 e 41.º n.º 1, ambos do C.Penal).
Face às necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto, entendemos ser necessário, adequado e suficiente a aplicação de:
a) Oito meses de prisãopor cada um dos crimes de importunação sexual cometidos contra CC;
b) Seis meses de prisão pelo crime de importunação sexual cometido contra BB.
**
v O concurso e a sua punição
O concurso encontra-se previsto no n.º 1 do art.º 30.º do C.Penal, podendo ser heterogéneo ou homogéneo, quando se trate de diferentes tipos de crime ou do mesmo tipo de crime cometidos, respectivamente.
Deste modo, o concurso de crimes passa pela prática pelo agente de mais do que um tipo de ilícito, seja estes o mesmo ou tipos de ilícitos distintos, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um deles.
No caso sub judice, provou-se que o arguido cometeu um crime de coação sexual agravado e três crimes de importunação sexual, nenhum deles com condenação transitada em julgado, pelo que nos encontramos perante um concurso de crimes.
As regras de punição do concurso de crimes estão determinadas no art.º 77.º C.Penal. O julgador terá de condenar o agente do concurso numa só pena cuja moldura penal abstracta se forma segundo as seguintes regras: “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
Acrescente-se que as penas mantêm a sua natureza, pelo que se forem aplicadas aos crimes em concurso penas de prisão e penas de multa o cúmulo jurídico respeitará essa diferença de natureza.
Nos presentes autos, foram aplicadas ao arguido quatro penas de prisão.
Considerando as penas de prisão concretamente aplicadas, obtemos uma moldura penal abstracta de concurso de um ano e seis meses de prisão até três anos e oito meses de prisão.
Como dita o n.º 1 do art.º 77.º do C.Penal, na medida da pena única de concurso deve ter-se em conta os factos e a personalidade do agente.
Assim, tendo em conta as considerações já referidas quanto às penas parcelares, a personalidade do arguido e o contexto em que ocorreram os ilícitos, entende o Tribunal ser adequado e suficiente a condenação do arguido pena única de três anos de prisão.”
Da fundamentação da sentença recorrida, resulta que o tribunal a quo teve em conta cada um dos fatores suscetíveis de influenciar a medida concreta da pena, inclusive os indicados pelo recorrente, e sopesou-os devidamente de acordo com dos princípios gerais de determinação acima enunciados.
Na verdade, a medida da pena foi fixada tendo presente o grau de ilicitude dos factos e da culpa, bem assim segundo as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
O grau ilicitude dos factos, subsumíveis ao tipo legal de crimes, assume uma gravidade elevada, atenta a gravidade objetiva dos mesmos, a sua perduração no tempo, sendo as vítimas menores, tendo o arguido (individuo adulto com mais de cinquenta anos de idade) abusado da relação de amizade e de confiança que mantinha com o pai delas.
A culpa com que o arguido atuou é intensa, uma vez que agiu com dolo direto, ou seja, representou os factos e agiu com a intenção de os realizar (artigo 14º, n.º 1 do C. Penal). E é reveladora de uma personalidade muito desconforme ao Direito.
A pena deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando a surgir este, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, procurando dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido e que nos casos dos crimes de natureza sexual contra menores é particularmente sentido, tendo em consideração a censura cada vez mais crescente que este tipo de crimes vem merecendo por parte do legislador e da sociedade em geral, que estigmatiza e censura especialmente quem pratica este tipo de atos (função de prevenção geral).
No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, importa atender:
- Ao facto de o arguido ser primário;
- À inserção social, profissional e familiar do arguido (é comerciante, vive com a sua companheira, tem uma filha maior de idade já autónoma, e tem o 9º ano de escolaridade); e
- À idade do arguido na data dos factos (o arguido tinha mais de 50 anos de idade), enquanto reveladora de maturidade da sua personalidade.
No que se refere às consequências, designadamente para as vítimas, resultantes da prática dos crimes importa referir que elas se traduzem nas consequências normais decorrentes na prática do tipo de crime cometido, que foram mais grave no caso da ofendida BB (cfr. factos provados 32 a 38).
No que concerne à referência na fundamentação da sentença, contra a qual o recorrente se insurge, de que o arguido “(…) não demonstrou qualquer arrependimento, nem adotou qualquer comportamento de reparação para com as vítimas e a sua família, revelando uma especial indiferença perante o bem jurídico aqui protegido.”, é verdade que o arguido não prestou declarações, tendo exercido o direito que lhe assiste de se manter em silêncio sobre os factos da acusação.
Ora, tendo o arguido exercido o direito ao silêncio, não prestando declarações sobre os factos da acusação, não pode evidentemente ser prejudicado por isso. Ou seja, o silêncio e a ausência de arrependimento não podem ser contabilizados como agravantes na medida concreta da pena. Porém, o arguido deixa de poder beneficiar de circunstâncias com relevante poder atenuativo, como seja a confissão e o arrependimento. Com efeito, e encontrando-se o arguido presente em audiência de julgamento, querendo beneficiar desta atenuante, apenas a ele cabe evidenciar essa circunstância, como ato pessoal do seu foro interno que é, verdadeiro ato de contrição e de interiorização do desvalor da conduta, por forma a que o tribunal avalie da sua veracidade e /ou sinceridade. E o mesmo se poderá dizer quanto à reparação, por qualquer meio, do mal do crime.
É este o sentido que vem referido na fundamentação da sentença recorrida, o qual tem o apoio generalizado da jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, vide, por todos, o Ac. STJ de 20.10.2008, processo 08P295, disponível em www.dgsi.pt, e os inúmeros acórdãos nele citados, em cujo sumário consta “O silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. É que a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida: ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento.”; e o Ac. STJ de 03.11.2022, processo 19/20.5JBLSB.L1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se “O direito ao silêncio não tem só consagração legislativa ordinário sendo uma emanação do princípio do Estado de Direito. A confissão e o arrependimento são circunstâncias, quando se verificam, favoráveis ao arguido; não confessando o arguido, nem demostrando arrependimento, deixa de poder contar com essas circunstâncias favoráveis, mas isso não equivale a que se contabilize como agravantes a não confissão e não ter demonstrado arrependimento pela prática dos factos.”
Em face do quadro descrito, julgamos que não ocorre violação das regras da experiência ou desproporção da quantificação efetuada das penas parcelares cominadas, as quais foram fixadas na parte inferior da respetiva moldura quanto ao crime de coação sexual e um pouco acima da média quanto aos crimes de importunação sexual.
Assim, o quantum das penas respeita a medida da culpa, os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, observando o preceituado no artigo 18º, nº 2, da CRP, sendo adequado à reposição da validade das normas infringidas.
O mesmo já não se pode dizer quanto à medida da pena única de prisão em que o recorrente foi condenado.
Para a determinação da pena única atender-se-á aos factos no seu conjunto, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 77º do CP, designadamente, ao número de crimes cometidos pelo arguido, à natureza dos mesmos e suas consequências. Atender-se-á também à idade do arguido, à sua personalidade, evidenciada nos crimes que cometeu, conjugada as suas condições pessoais de vida ( anteriores e posteriores aos crimes perpetrados).
No caso a moldura penal abstrata aplicável situa-se entre o mínimo de 1 ano e 6 meses de prisão (pena parcelar mais elevada) e o máximo de 3 anos e 4 meses, e não 3 anos e 8 meses referidos na sentença (somas das penas parcelares em concurso), cfr. nº 2 do artigo 77º do CP.
Conforme refere Rodrigues da Costa[14], “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/058 . Ou, como diz FIGUEIREDO DIAS: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.»”.
Ao contrário do referido pelo recorrente, nenhum reparo nos merece a fundamentação aduzida pelo tribunal recorrido quando remete em parte para o que dissera antes sobre a medidas das penas parcelares aplicadas, mas considerando agora os factos como um todo.
Porém, considerando a personalidade do arguido, a gravidade dos factos no seu conjunto, a sua perduração no tempo, o facto de estarem em causa quatro crimes de natureza sexual, sendo vítimas duas menores, e o mais referido a propósito da medida das penas parcelares, temos como mais adequada, proporcional, justa e mais de acordo com os critérios habitualmente usados na jurisprudência para casos semelhantes, a pena única de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pelo que se impõe a redução em conformidade da pena única de prisão em que o arguido foi condenado.
Por conseguinte, decide-se manter a medida das penas parcelares aplicadas, e reduzir a medida da pena única determinada na sentença recorrida, procedendo parcialmente esta pretensão recursiva. 3.6- O recorrente defende que o montante da indemnização fixada à assistente BB pelo tribunal recorrido em €7.500,00 euros é excessivo “atenta a matéria factual produzida na sentença”; “De resto, resultou dos depoimentos prestados em julgamento, mormente da mãe da ofendida, que esta manteve um percurso escolar regular, tendo ingressado na universidade onde frequenta curso superior, sem, felizmente, ter sofrido alterações negativas no seu crescimento e desenvolvimento escolar.”, cfr. conclusões 33 e 34.
No sentido de justificar o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, na sentença recorrida foi referido, nomeadamente, o seguinte:
“Na fixação do montante a ser pago pelo demandante em virtude dos danos morais supra identificados, o Tribunal deverá ter em conta, como já referido, o grau de culpabilidade e situação económica do agente, bem como a situação económica do lesado e, no fundo, todas as circunstâncias do caso concreto (cfr. art.º 496.º n.º 4 C.Civil).
Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “o montante da indemnização correspondente a danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (in ob. cit., pág. 501).
Os termos nos quais a equidade irá operar dependem, logicamente, das circunstâncias de cada caso concreto, pois é esta a própria essência dos juízos de equidade. Todavia, e como afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 10 de Outubro de 2012, “na esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio” (sublinhado nosso; Ac. STJ de 10 de Outubro de 2012, proc. n.º 6628/04.2TVLSB.L1.S1).
No caso sub judice, o demandado apresenta um grau de culpabilidade elevado, pois agiu com dolo directo.
As consequências do ilícito foram elevadas, tendo em conta que as condutas do arguido atingiram irremediavelmente a liberdade sexual de BB, transformando a sua forma de ser, de estar e de se relacionar, consigo própria e com os outros.
Em termos de situação económica do demandado, há-que ter em conta que este tem um negócio próprio, retirando para si um rendimento de cerca de 1.100,00 €, e vive em casa própria, com a companheira.”
No caso em apreço, não sendo agora questionada a verificação, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - aliás demonstrados por forma inequívoca – importa apenas sindicar do montante fixado pelo tribunal de primeira instância a título de danos não patrimoniais.
Os danos que resultaram provados revestem a natureza de danos não patrimoniais e consistem essencialmente nas consequências decorrentes da violação de direitos fundamentais da pessoa humana, mais precisamente o direito à integridade psicológica, à liberdade / autodeterminação sexual da ofendida, cfr. artigos 25º e 26º, nº 1 da CRP e artigo 70º do C. Civil.
No que se refere a este tipo de danos, inexiste quanto a eles uma verdadeira indemnização. Há antes a atribuição de certa soma pecuniária julgada adequada a compensar as dores e os sofrimentos através do proporcionar de um dado número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer, cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1, pág. 481 e segs.
Nem todos os danos não patrimoniais são indemnizáveis, mas apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Assim, conforme tem sido defendido uniformemente pela jurisprudência, os simples incómodos não são indemnizáveis.
Sucede que o arguido, em consequência das suas comprovadas condutas para com a ofendida, incorreu na prática de dois crimes de natureza sexual, ou seja, a ação do arguido incidiu sobre a ofendida em duas ocasiões diferentes.
Como se refere no Ac. RP de 28.10.2021, processo 411/19.0GAVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt “..a responsabilidade civil em causa, de natureza compensatória (sem os critérios de reparação estabelecidos para o ressarcimento de danos patrimoniais), reveste-se de uma função punitiva”. Acerca da função punitiva dos danos não patrimoniais, vide, em especial na doutrina, Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006.
No caso vertente, a integridade psicológica e a liberdade /autodeterminação sexual da ofendida, são direitos fundamentais que, por terem sido atingidos pelo arguido por forma grave, afetaram a ofendida, razão porque o seu titular deve ser compensado, diga-se, por forma condigna.
“O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”, cfr. artigo 496º, nº 4 do C. Civil.
As circunstâncias referidas no artigo 494º do C.Civil para a fixação do montante da indemnização são: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias entre as quais está a gravidade da lesão (Vide Vaz Serra, RLJ, 113º-96).
Acresce que, e no essencial, subscrevemos as considerações efetuadas na sentença recorrida, no excerto acima transcrito, relativamente à quantificação da reparação que é devida à vítima.
Assim, tudo ponderado, designadamente a gravidade das ofensas e da culpa, bem assim os elementos disponíveis sobre as condições económicas do arguido e da vítima e, sem esquecer os critérios seguidos pelos tribunais superiores nesta matéria, consideramos ser adequado o montante de cinco mil euros, fixado na primeira instância, para compensar a ofendida pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados pelo arguido.
Nesta conformidade, nesta parte, o recurso procede.
III- DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, em consequência do que se decide:
1) reduzir pena única de três anos de prisão em que o arguido foi condenado para 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, nos termos definidos na sentença recorrida; 2) reduzir a quantia de €7.500,00 em que o demandado / arguido foi condenado a pagar à demandante / assistente BB para a quantia de €5000,00 (cinco mil) euros; 3) confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Sem custas do recurso face à sua parcial procedência - artigo 513º, nº 1 do CPP.
Custas do pedido de indemnização civil a cargo do demandante e demandada na proporção do decaimento – artigo 527º do CPC, ex vi do artigo 423º do CPP
Notifique.
Guimarães, 11 de março de 2025 Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.
Os Juízes Desembargadores
Armando Azevedo – Relator
Paulo Almeida Cunha – 1ºAdjunto
Pedro Freitas Pinto – 2º Adjunto
[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo de correção de erros ou lapsos manifestos e da formatação do texto, da responsabilidade do relator. [2] De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do CPP. [3] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, disponíveis em www.dgsi.pt. [4] Segundo o Prof. Germano Marques da Silva “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” Forum Justitiae, Maio 99. Em sentido idêntico sustenta Damião Cunha ao afirmar que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica « e não como «novos julgamentos», in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica, 2002, pág. 37. [5] Acerca dos limites do princípio da livre apreciação da prova, vide Simas Santos e Leal – Henriques, Noções de Processo Penal, Rei do Livros, 2ª edição, 2011, pág. 52 e 53. [6] Vide F. Dias, Direito Penal Português, As consequências do crime, pág. 196 e segs. [7] Vide, entre outros, Ac. STJ de 29.03.2007, proc. 07P1034, relator Simas Santos, Ac. STJ de 19.04.2007, processo 07P445, relator Carmona da Mota, e Ac. RE 22.04.2014, proc 291/13.7GEPTM.E1, relatora Ana Barata Brito, todos acessíveis em www.dgsi.pt [8] Cfr. o atrás citado Ac STJ de 29.03.2007. [9] Vide F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime, Editorial Notícias, p. 227 e ss. [10] Cfr. artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1. [11] Cfr. n.º 2 do artigo 40º do C. Penal. [12]Vide Anabela Rodrigues,"A determinação da medida concreta da pena..., R.P.C.C., nº2 (1991); "Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996, nº11; da mesma autora vide também “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 12,n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182 e F. Dias, Direito Penal Português, ob. cit., pág. 243 . [13] Vide A. Robalo Cordeiro, "Escolha e medida da pena", in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 272. [14] In O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, disponível em www.sjt.pt