VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEDIDAS DE COACÇÃO
PERIGO DE PERTURBAÇÃO GRAVE DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS COM O OFENDIDO
Sumário


I – Estando fortemente indiciada nos autos a prática, pela arguida, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, e verificando-se os perigos de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, e de continuação da actividade criminosa por parte da mesma, já que revela uma personalidade impulsiva e incontida, perseguindo descontroladamente o ofendido, estendendo até o seu assédio à sua progenitora e à mãe da filha dele, e não se coibindo de o agredir, física e verbalmente, e de o ameaçar em frente a terceiros, inclusive, uma agente da autoridade, é manifestamente insuficiente para afastar tais perigos a mera sujeição da arguida a termo de identidade e residência.
II - Na verdade, a gravidade dos factos indiciados justifica, do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade, a imposição das medida de coacção preconizadas pelo Ministério Público, a que alude o Artº 200º, nº 1, al. d), do C.P.Penal, em consonância, aliás, com o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, que se mostra plasmado na Lei n° 112/2009, de 16 de Setembro, maxime com o estatuído no seu Artº 31º, sendo certo que se há alguém que tem de ser protegido neste tipo de criminalidade é a vítima e não o infractor.

Texto Integral


Acordam, em audiência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No Juízo de Instrução Criminal de Guimarães, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no âmbito do Inquérito nº 1053/24...., nos dias 29/11/2024 e 02/12/2024 foi submetida a primeiro interrogatório judicial de arguida detida, nos termos do disposto no Artº 141º, do C.P.Penal,  arguida:
AA, divorciada, nascida em ../../1972, filha de BB e CC, natural de ..., ..., da nacionalidade Portuguesa, com domicílio na Praceta ..., ..., ... ....

*
2. E, nessa sede, a Mmª Juíza de Instrução Criminal, em cumprimento do disposto no Artº 141º, nº 4, als. d) e e), do C.P.Penal, comunicou à arguida os motivos da sua detenção, os factos que lhe eram imputados pelo Ministério Público e os meios de prova que os sustentam, nos termos constantes do respectivo auto, cuja cópia se mostra junta a fls. 5 / 11 Vº, que a seguir se transcrevem [1], que na parte que ora interessa considerar:

Motivos da detenção:
A arguida AA é suspeita da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. no art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), n.º 4 e 5 do Código Penal.
*
Factos imputados à arguida e que fundamentam a sua detenção:

1. Estabeleceu uma relação de coabitação com o ofendido DD em maio de 2023, passando a viver em relações análogas às dos cônjuges, em comunhão de cama, mesa e habitação, na residência da primeira, situada na Praceta ..., ..., ....
2. A relação amorosa entre ambos terminou no mês de maio de 2024.
3. Não obstante, o ofendido continuou a residir em casa da arguida.
4. No período em que mantiveram a relação amorosa, a arguida provocava discussões diárias com o ofendido, por causa de um relacionamento amoroso que ele tinha mantido em data anterior, demonstrando muitos ciúmes dele.
5. Estas discussões ocorriam ainda com mais intensidade às quartas feiras, altura em que o ofendido visitava a filha menor em casa da ex-companheira.
6. No decurso dessas discussões, a arguida dizia-lhe, aos berros, no interior da casa morada de família: “És um porco. És um mentiroso, Cobarde. Eu até à casa da EE, eu até te mato. Não és meu, também não vais ser para ela. Eu até te espero no infantário da tua filha e, a seguir, vamos para a loja da EE.”
7. Desde que, em maio de 2024, se separaram afetivamente, a arguida passou a perseguir o ofendido nas suas deslocações diárias e a tentar uma reconciliação com ele.
8. Quando o mesmo se desloca para o estabelecimento de cafetaria por ele frequentado diariamente, a arguida vai no seu encalço, senta-se à beira dele, pressiona-o para reatarem o relacionamento e tenta beijá-lo.
9. No dia 13.11.2024, quando o ofendido pernoitou em casa da mãe da sua filha, EE, situada no conjunto habitacional da ..., bloco ..., ......, em ..., a arguida dirigiu-se para a citada habitação e riscou o veículo do ofendido que ali se encontrava estacionado.
10. No dia 27.11.2024 a arguida telefonou à progenitora do ofendido e disse-lhe que estava grávida dele.
11. Cerca das 21h00 do mesmo dia, quando o ofendido foi buscar a mãe a casa para se dirigirem ao aniversário da progenitora da sua filha, a arguida telefonou-lhe de um número desconhecido e disse-lhe: “És um covarde de merda. Tu vais ver o que te vai acontecer hoje. É hoje que eu vou para a porta da mãe da tua filha. Se queres merda, já a vais ter. A família dela vai ficar a saber o canalha que tu és.
12. A seguir, a arguida dirigiu-se para a habitação de EE, tocou em todas as campainhas e ordenou-lhe que descesse as escadas até ao exterior da sua casa.
13. Convencida de que o ofendido já se encontrava em casa da EE, a arguida tornou a telefonar-lhe e disse-lhe: “Desce cá abaixo, que eu arrebento-te com essa boca. Dou-te um estalo, que te arrebento com essa boca”.
14. A arguida só abandonou o local após a chegada da GNR.
15. No dia 29.11.2024, às 11h00, quando o ofendido chegou à Câmara Municipal ... para tratar de assuntos do seu interesse, a arguida esperava por ele no interior do edifício, na sala de espera.
16. No momento em que o ofendido retirou a senha de atendimento e se dirigiu para o seu exterior, a arguida levantou-se, abordou-o, deu-lhe um toque num braço e disse-lhe: “Anda aqui fora, que temos de falar”.
17. Porque o mesmo e recusou a falar com ela, lhe virou as costas e se dirigiu para o exterior do edifício, ela foi no seu encalço, juntamente com uma amiga que a acompanhava, abordou-o novamente e perguntou-lhe: “Vais falar comigo. Tens de falar comigo. O que é que foste dizer aqui à minha amiga, no dia 27, quando chamaste a GNR?
18. Apesar do ofendido nunca ter visto, nem falado com a pessoa que a acompanhava, a arguida insistiu que era verdade que o mesmo tinha falado com essa sua amiga.
19. Entretanto, a arguida disse-lhe, aos berros: “Foste dizer à minha amiga que o filho é de outros. És um falso. És um porco. És um canalha. Não prestas para merda nenhuma! Meteste-te com uma mulher de 50 anos e agora estou grávida. Só quero falar contigo e tu não queres conversar. Se eu perder o meu filho, rebento-te a boca. Só andamos 15 meses e, em agosto, sabes bem o que fizeste. Esse filho é teu e foste dizer à minha amiga que não é teu. És um chulo!
20. Ato contínuo, a mesma desferiu vários estalos na face do ofendido.
21. Apesar dele se tentar desviar dela e continuar a descer as escadas, a arguida foi no seu encalço e desferiu-lhe vários estalos e pancadas, com a mão, no tronco.
22. Além disso, desferiu uma pancada, com a mão, na pasta que o ofendido trazia nos braços, fazendo-a cair e espalhando os papéis que estavam no seu interior pelo chão.
23. Na altura, a arguida disse, ainda, à agente da Polícia Municipal, FF, que se encontrava de serviço na Câmara Municipal ...: “Nem trabalha, nem faz nada. O modo de vida dele é andar a vender droga. Andava comigo e com a mãe da filha e agora, que fez as pazes com ela, deixou-me. Se eu perder o meu filho, estouro-lhe a cabeça”.
24. O ofendido vive com medo da arguida, temendo que esta atente contra a sua integridade física ou mesmo vida.
25. As ameaças, agressões, perseguições e insultos supra referidos afetaram-no, direta e necessariamente, na sua honra e consideração e amedrontaram-no, fazendo com que se sentisse desvalorizado e triste e viva em estado de permanente desassossego e causou-lhe danos morais e sentimento de insegurança, ofendendo-o na sua dignidade pessoal.
26. Ao praticar os factos descritos, a arguida agiu com a intenção alcançada de maltratar, física e psicologicamente, o ofendido, de o insultar, ameaçar, agredir fisicamente e aproveitar, em certas ocasiões, a intimidade proporcionada pela casa morada de família, apesar de conhecer os especiais deveres de respeito que tinha para com ele devido ao projeto de vida comum que espontaneamente elegeu.
27. A mesmo sabia que, ao agir como descrito, o atingiria na integridade física e psicológica, molestando-o no corpo e na saúde, o que efetivamente veio a suceder, afetando-lhe a tranquilidade e o sentimento de segurança, resultado que representou e quis.
28. As expressões acima indicadas foram idóneas a causar no ofendido, tal como causaram e como a arguida pretendeu, medo e inquietação e a limitarem a sua liberdade de determinação.
29. A arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibiu de os concretizar.
30. Cometeu, pelo exposto, em autoria material e na forma consumada, um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
31. A arguida incorreu também na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, de proibição de uso e porte de armas e da obrigação de frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal.
*
Meios de Prova:

Documental:
- Auto de notícia de fls. 4 a 6,
- Ficha RVD de fls. 24 e 25,
- Mensagens de fls. 27 a 33.

Testemunhal, versões apresentadas pelas testemunhas,  
DD, idf. a fls. 14,
FF, agente da Polícia Municipal, idf. a fls. 26.
Declarações prestadas pelo ofendido, de fls. 14 e 15
(...).
*
2.1. De seguida, a Mmª JIC questionou a arguida e perguntou-lhe se pretendia prestar declarações, o que a mesma fez, e de imediato deu a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, que no seu uso promoveu que àquela fossem aplicadas as medidas de coacção de proibição de contactar, por qualquer meio, com o ofendido, e bem assim de frequentar os locais por este habitualmente frequentados, promoção essa que não mereceu oposição do Ilustre Defensor daquela.
*
2.2. Após o que a Mmª JIC proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“A detenção da arguida AA, foi legal, porque efetuada, na situação de flagrante delito, nos termos do disposto nos artigos 254.º, n.º 1, alínea a), 255.º, n.º 1, alínea a) e 256.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Aquando da apresentação dos autos para primeiro interrogatório judicial não se mostrava ultrapassado o prazo a que alude aquela alínea a) do n.º 1, do artigo 254.º e o n.º 1, do artigo 141.º, ambos do Código de Processo Penal.
*
Depois de realizado o interrogatório da arguida e analisada toda a prova produzida até este momento, afigura-se-nos poder ser afirmado que não estão suficientemente indiciados os seguintes factos constantes da indiciação:

1 - A relação amorosa entre ambos terminou no mês de maio de 2024.
2 - Não obstante, o ofendido continuou a residir em casa da arguida.
3 - No período em que mantiveram a relação amorosa, a arguida provocava discussões diárias com o ofendido, por causa de um relacionamento amoroso que ele tinha mantido em data anterior, demonstrando muitos ciúmes dele.
4 - Estas discussões ocorriam ainda com mais intensidade às quartas feiras, altura em que o ofendido visitava a filha menor em casa da ex-companheira.
5 - No decurso dessas discussões, a arguida dizia-lhe, aos berros, no interior da casa morada de família: “És um porco. És um mentiroso, Cobarde. Eu até à casa da EE, eu até te mato. Não és meu, também não vais ser para ela. Eu até te espero no infantário da tua filha e, a seguir, vamos para a loja da EE.”
6 - Desde que, em maio de 2024, se separaram afetivamente, a arguida passou a perseguir o ofendido nas suas deslocações diárias e a tentar uma reconciliação com ele.
7 - Quando o mesmo se desloca para o estabelecimento de cafetaria por ele frequentado diariamente, a arguida vai no seu encalço, senta-se à beira dele, pressiona-o para reatarem o relacionamento e tenta beijá-lo.
8 - No dia 13.11.2024, quando o ofendido pernoitou em casa da mãe da sua filha, EE, situada no conjunto habitacional da ..., bloco ..., ......, em ..., a arguida dirigiu-se para a citada habitação e riscou o veículo do ofendido que ali se encontrava estacionado.
9 - No dia 27.11.2024 a arguida telefonou à progenitora do ofendido e disse-lhe que estava grávida dele.
10 - Cerca das 21h00 do mesmo dia, quando o ofendido foi buscar a mãe a casa para se dirigirem ao aniversário da progenitora da sua filha, a arguida telefonou-lhe de um número desconhecido e disse-lhe: “És um covarde de merda. Tu vais ver o que te vai acontecer hoje. É hoje que eu vou para a porta da mãe da tua filha. Se queres merda, já a vais ter. A família dela vai ficar a saber o canalha que tu és.
11 - A seguir, a arguida dirigiu-se para a habitação de EE, tocou em todas as campainhas e ordenou-lhe que descesse as escadas até ao exterior da sua casa.
12 - Convencida de que o ofendido já se encontrava em casa da EE, a arguida tornou a telefonar-lhe e disse-lhe: “Desce cá abaixo, que eu arrebento-te com essa boca. Dou-te um estalo, que te arrebento com essa boca”.
13 - A arguida só abandonou o local após a chegada da GNR.
            […]
24 - O ofendido vive com medo da arguida, temendo que esta atente contra a sua integridade física ou mesmo vida.
25 - As ameaças, agressões, perseguições e insultos supra referidos afetaram-no, direta e necessariamente, na sua honra e consideração e amedrontaram-no, fazendo com que se sentisse desvalorizado e triste e viva em estado de permanente desassossego e causou-lhe danos morais e sentimento de insegurança, ofendendo-o na sua dignidade pessoal.
26 - Ao praticar os factos descritos, a arguida agiu com a intenção alcançada de maltratar, física e psicologicamente, o ofendido, de o insultar, ameaçar, agredir fisicamente e aproveitar, em certas ocasiões, a intimidade proporcionada pela casa morada de família, apesar de conhecer os especiais deveres de respeito que tinha para com ele devido ao projeto de vida comum que espontaneamente elegeu.
27 - A mesmo sabia que, ao agir como descrito, o atingiria na integridade física e psicológica, molestando-o no corpo e na saúde, o que efetivamente veio a suceder, afetando-lhe a tranquilidade e o sentimento de segurança, resultado que representou e quis.
28 - As expressões acima indicadas foram idóneas a causar no ofendido, tal como causaram e como a arguida pretendeu, medo e inquietação e a limitarem a sua liberdade de determinação.
29 - A arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibiu de os concretizar.
30 - Cometeu, pelo exposto, em autoria material e na forma consumada, um crime de violência doméstica, p. e p. no art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
31 - A arguida incorreu também na pena acessória de proibição de contactos com a vítima, de proibição de uso e porte de armas e da obrigação de frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do art.º 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal.
*
Afigura-se-nos poder ser afirmado que se encontram fortemente indiciados os seguintes factos constantes da indiciação:

1 – A arguida estabeleceu uma relação de coabitação com o ofendido DD em maio de 2023, passando a viver em relações análogas às dos cônjuges, em comunhão de cama, mesa e habitação, na residência da primeira, situada na Praceta ..., ..., ....
15 - No dia 29.11.2024, às 11h00, quando o ofendido chegou à Câmara Municipal ... para tratar de assuntos do seu interesse, a arguida esperava por ele no interior do edifício, na sala de espera.
16 - No momento em que o ofendido retirou a senha de atendimento e se dirigiu para o seu exterior, a arguida levantou-se, abordou-o, deu-lhe um toque num braço e disse-lhe: “Anda aqui fora, que temos de falar”.
17 - Porque o mesmo e recusou a falar com ela, lhe virou as costas e se dirigiu para o exterior do edifício, ela foi no seu encalço, juntamente com uma amiga que a acompanhava, abordou-o novamente e perguntou-lhe: “Vais falar comigo. Tens de falar comigo. O que é que foste dizer aqui à minha amiga, no dia 27, quando chamaste a GNR?
18 - Apesar do ofendido nunca ter visto, nem falado com a pessoa que a acompanhava, a arguida insistiu que era verdade que o mesmo tinha falado com essa sua amiga.
19 - Entretanto, a arguida disse-lhe, aos berros: “Foste dizer à minha amiga que o filho é de outros. És um falso. És um porco. És um canalha. Não prestas para merda nenhuma! Meteste-te com uma mulher de 50 anos e agora estou grávida. Só quero falar contigo e tu não queres conversar. Se eu perder o meu filho, rebento-te a boca. Só andamos 15 meses e, em agosto, sabes bem o que fizeste. Esse filho é teu e foste dizer à minha amiga que não é teu. És um chulo!
20 - Ato contínuo, a mesma desferiu vários estalos na face do ofendido.
21 - Apesar dele se tentar desviar dela e continuar a descer as escadas, a arguida foi no seu encalço e desferiu-lhe vários estalos e pancadas, com a mão, no tronco.
22 - Além disso, desferiu uma pancada, com a mão, na pasta que o ofendido trazia nos braços, fazendo-a cair e espalhando os papéis que estavam no seu interior pelo chão.
23 - Na altura, a arguida disse, ainda, à agente da Polícia Municipal, FF, que se encontrava de serviço na Câmara Municipal ...: “Nem trabalha, nem faz nada. O modo de vida dele é andar a vender droga. Andava comigo e com a mãe da filha e agora, que fez as pazes com ela, deixou-me. Se eu perder o meu filho, estouro-lhe a cabeça”.
(…)
26 - Ao praticar os factos descritos, a arguida agiu com a intenção alcançada de maltratar fisicamente o ofendido, provocando-lhe dor.
27 - A mesma sabia que, ao agir como descrito, o atingiria na integridade física, molestando-o no corpo e na saúde, o que efetivamente veio a suceder, resultado que representou e quis.
(…)
29 - A arguida agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibiu de os concretizar.
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Motivação

A matéria de facto tida por fortemente indiciada e ora descrita fundamenta-se nos seguintes meios de prova:

Documental:
- auto de notícia de fls. 4 a 6,
- ficha RVD de fls. 24 e 25,
- mensagens de fls. 27 a 33.

Testemunhal, versões apresentadas pelas testemunhas,  
DD, idf. a fls. 14,
FF, agente da Polícia Municipal, idf. a fls. 26.
Declarações prestadas pelo ofendido, de fls. 14 e 15.

A arguida deu a sua versão dos factos, que divergem da versão do ofendido. Considerando as posições assumidas por cada um, não conseguimos dar mais credibilidade a um do que a outro. Sendo certo que a questão que está na base da factualidade é delicada.
Quanto aos factos praticados no dia 29 de Novembro, os mesmos resultam indiciados das declarações da arguida, do auto de notícia e da prova testemunhal recolhida.
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Subsunção jurídica
A matéria de facto supra descrita resulta que não se encontra suficientemente indiciada a prática, pela arguida, em autoria material e sob a forma consumada, de:

-  um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) do Código Penal, a que acrescem as penas acessória dos n.º 4 e 5 do mesmo artigo.
Resulta, sim, fortemente indiciada, a prática pela arguida, em autoria material e sob a forma consumada, de:
-  1 (um) crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º do Código Penal.
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Das necessidades cautelares e medidas de coação
A aplicação de medidas de coacção em processo penal está sujeita a apertados condicionalismos. Tratando-se de limitar a liberdade das pessoas, sempre haverá de respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, vertido, igualmente, no artigo 193º do CPP.
As medidas de coacção assumem carácter instrumental, destinando-se a acautelar os perigos previstos no artigo 204º do CPP. Ainda que se verifique um desses perigos, em concreto, a aplicação de medidas de coacção depende: (i) da prévia constituição como arguido – artigo 192º, n.º1 CPP; (ii) e de um juízo positivo de necessidade e adequação às exigências cautelares que o caso requer e de proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, como decorre da norma vertida no artigo 193º, n.º1 do CPP.
De acordo com o princípio da necessidade, expresso nos artigos 193.º, nº 1, do Código de Processo Penal, dever-se-á aplicar uma medida de coação (exceção feita à medida de coação de termo de identidade e residência, aplicável automaticamente com a constituição formal do sujeito como arguido – art.º 196.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) sempre que o caso requerer exigências cautelares.
Estas manifestam-se por força dos indícios da prática de um crime pelo arguido que resultem da análise crítica e conjugada da prova recolhida nesta fase.
Tal indiciação pode revelar-se suficiente ou forte.
Consideram-se como “indícios suficientes” aqueles de que resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (art.º 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
Neste sentido, serão indícios fortes aqueles dos quais decorrer uma possibilidade não já meramente razoável, mas elevada, de aplicação de uma pena ao arguido. Há fortes indícios da prática de uma infração quando se encontra comprovada a sua existência e ocorrem suficientes suspeitas da sua imputação ao arguido. Suspeitas graves, precisas e concordantes, a que correspondem indícios sólidos e inequívocos. (cfr. Ac.TRE de 2013/04/30, proc. n.º 1080/12.1GBLLE-A.E1, in www.dgsi.pt/).
Em suma, in casu, não resulta suficientemente indiciada a prática, pela arguida, de factos suscetíveis de consubstanciarem o cometimento do crime imputado supra na indiciação, mas sim outro, como se viu.
Os requisitos gerais para a concretização das exigências cautelares encontram-se previstos no art.º 204.º do Código de Processo Penal, pelo que apenas se poderá aplicar uma medida de coação se se verificar concretamente:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, e,
nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.
No caso, considerando a questão pessoal/familiar, que está na base do desentendimento entre arguida e ofendido (assumir/não assumir a paternidade), existe um ténue perigo de continuação de actividade criminosa, porque não se trata de uma questão que desapareça e mesmo o seu desaparecimento coloca questões emotivas.
No entanto a dimensão desse perigo, não ultrapassa os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que devem guiar a aplicação das medidas de coacção.
Face à factualidade fortemente indiciada, não resulta que as medidas de coacção, além do TIR, sejam adequadas e proporcionais à factualidade, dimensão do perigo e gravidade do ilícito.
Consideramos que, face a tudo o exposto, não deve ser aplicada outra medida de coacção para além do Termo de Identidade e Residência já prestado.
*
Decisão.

Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto deixei dito supra e sem necessidade de ulteriores considerações, decido que a arguida AA, aguarde os ulteriores termos do processo sujeito, cumulativamente:

1. Às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência, já prestado nos autos;
Tudo ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1, 194.º, n.º 1, 196.º, 204.º alínea c), todos do Código de Processo Penal.
*
A arguida foi expressamente advertida nos termos do disposto nos artigos 203.º e 194.º, n.º 9, ambos do Código de Processo Penal.
*
Dê conhecimento do decidido ao ofendido.
*
Registe, notifique e alarme.
(...)”.
*
3. Inconformado com essa decisão judicial, dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos da peça processual cuja cópia que se mostra junta a fls. 12/29, tendo a Exma. Procuradora da República subscritora rematado a respectiva motivação com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“1. No dia 29 de novembro de2024 a arguida AA foi ouvida em sede de 1.º interrogatório judicial após ter sido detida pela GNR, em flagrante delito.
2. No final do interrogatório, por entender que o simples T.I.R. se afigurava insuficiente para acautelar os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e entender estar indiciada a prática do crime de violência doméstica, p. e p. no art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal, o Ministério Público promoveu que o arguido fosse sujeito às medidas de coação consistentes na proibição de contactar, por qualquer meio (pessoalmente ou através de telefone ou redes informáticas), com o ofendido e na proibição de frequentar os lugares por ele frequentados, nos termos do disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 196º, 200º, nº 1, als. a) e d) e 204.º, al. c), ambos do Código de Processo Penal e 31.º, n.º 1, als. c) e d), da Lei 112/2009 de 16 de setembro.
3. Por entender que não se encontravam indiciados todos os factos elencados no despacho do Ministério Público aquando da apresentação da arguida a 1.º interrogatório judicial, suscetíveis de integrarem a prática do crime de violência doméstica, p. e p. no art.º 152.º, n.º 1,al. b) e n.º 2,al. a), do Código Penal e concluir que apenas se encontrava indiciada a prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, a Mmª JIC decidiu pela simples sujeição da arguida a termo de identidade e residência.
4. Não obstante, as declarações prestadas pelo ofendido, conjugadas com o teor das mensagens juntas aos autos, com o depoimento da agente da Polícia Municipal, FF e com as declarações prestadas pela arguida em sede de 1.º interrogatório judicial, que confessou alguns dos factos que lhe foram imputados pelo primeiro, demonstraram estar indiciada a matéria factual constante do despacho do Ministério Público, suscetível de integrar a prática do crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
5. Ao considerar como não indiciados os factos integradores do crime de violência doméstica, a Mmª Juiz, para além de não ter atendido às mensagens juntas aos autos, não deu qualquer crédito ao depoimento prestado pelo ofendido,
6. muito embora as suas declarações, conjugadas com a demais prova recolhida pela GNR, tenham merecido total credibilidade.
7. Os indícios do crime de violência doméstica têm-se, pois, por seguros e inquestionáveis.
8. Na verdade, o facto da arguida não se te controlado perante uma agente da Polícia Municipal e não se ter inibido de agredir fisicamente, insultado e anunciado ao ofendido que lhe estourava a cabeça, é por demais indiciador de que a mesma se encontra emocionalmente descontrolada e de que estes factos não são isolados, antes ocorreram na sequência de outros, relatados pelo ofendido.
9. Não podemos esquecer que as agressões físicas e psíquicas, suscetíveis de integrarem o crime de violência doméstica, são, na sua grande maioria, praticadas à porta fechada.
10. Por isso, se não for conferida credibilidade aos depoimentos prestados pelas vítimas, muito dificilmente se obterá uma condenação neste tipo de criminalidade, o que levará à sua proliferação, pelo sentimento de impunidade sentido entre os agressores, com graves consequências para a segurança das vítimas.
11. No caso em apreço, os indícios têm-se por seguros e inquestionáveis, no sentido de estar fortemente indiciada a prática, pela arguida, do crime de violência doméstica, p. e p. p. art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
12. O perigo de continuação da atividade criminosa afigura-se muito forte porque as circunstâncias anteriores e contemporâneas à conduta da arguida, relacionadas com a sua gravidez e com a sua personalidade impulsiva, fazem antever a possibilidade de, sem sujeição a qualquer medida de coação para além do T.I.R., vir a perseguir novamente o ofendido e a exercer, sobre ele, violência física e verbal.
13. As regras da experiência comum permitem concluir que, em casos como o dos autos, as agressões se mantêm até que é tomada uma medida judicial, já que estamos perante uma pessoa que engravidou de um homem que a havia abandonado e se recusa a assumir a paternidade, tendo, inclusive, reiniciado uma relação amorosa com a mãe de uma outra filha.
14. Mostra-se, pois, necessária a aplicação das medidas de coação promovidas pelo Ministério Público, que reintegrariam a vítima no centro da sua vida normal, ao impedirem a arguida de dela se aproximar e a com ela contactar.
15. O afastamento da vítima, por si só, não garante o fim da violência, pois que o risco de agressão física severa é potenciado pelo facto da mulher grávida ver o pai do seu filho com outra mulher e as suas tentativas de reatar a relação goradas.
16. O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas também se revela evidente porquanto o crime de violência doméstica, ora indiciado, reveste-se de elevada gravidade, atenta a moldura penal com que é punido e as conhecidas consequências que lhe estão associadas, que muitas das vezes culminam com consequências muito nefastas que levam, mesmo, à morte das vítimas, sendo causa de grande alarme social, sentimento de insegurança e violação da ordem e tranquilidade públicas, pelo que se nos revela fundamental repor a paz social.
17. Neste quadro, a mera sujeição da arguida a T.I.R. é manifestamente insuficiente, identificados que estão perigos sérios para a vítima.
18.Verificada a necessidade de aplicação de medidas de coação, porque preenchidas as circunstâncias referidas na alínea c) do art. 204.º, do Código de Processo Penal, impõe- se proceder à escolha das medidas aptas e suficientes para evitar o perigo concreto, que determinou a necessidade da sua imposição.
19.Tais medidas terão de ser proporcionais aos perigos evidenciados, devendo-se optar por aquelas que, em concreto, se mostrarem menos restritivas dos direitos fundamentais da arguida.
20. E assim sendo, a prevenção de novas ocorrências deverá passar pela sujeição da arguida às medidas de coação urgentes, previstas no art.º 31.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei 112/2009 e no art. 200.º, nº 1, als. a) e d) do CPP, nomeadamente: Não permanecer nem se aproximar da residência do ofendido ou dos locais por ele frequentados e não contactar, por qualquer meio, com o mesmo.
21.A sujeição da arguida apenas a TIR revela-se insuficiente, na medida em que não assegura que ela deixe de contactar e importunar o ofendido.
22.Só a sua sujeição à proibição de contactos é suscetível de acautelar o perigo de se descontrolar uma vez mais, de procurar o ofendido e de agir da forma como o fez no dia 29 de novembro de 2024 ou de forma ainda mais grave.
23.Contrariamente ao decidido pela Mmª Juiz de Instrução Criminal, as medidas cuja aplicação foi promovida pelo Ministério Público não se mostram excessivas, sendo, ao invés, as únicas adequadas e suficientes aos contornos do caso concreto.
24. O despacho de que se recorre, ao não sujeitar a arguida àquelas medidas, violou o disposto nos artigos 191.º, n.º 1, 193.º, nºs 1 e 2, 200.º, nº 1, al. d) e 204.º, als. d) e c), todos do Código de Processo Penal e 31.º, n.º 1, als. c) e d), da Lei 112/2009.
25. Pelo exposto, deverá tal despacho judicial ser revogado e substituído por outro que determine a sujeição da arguida às medidas de coação requeridas pelo Ministério Público.
Mas julgando, farão Vªs. Exªs, como sempre, inteira e sã justiça.”.
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4. Recebido o recurso, e cumprido o disposto nos Artºs. 411º, nº 6, e 413º, nº 1, do C.P.Penal [2], a arguida não respondeu.
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5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que consta de fls. 53/58, pronunciando-se pela procedência do recurso, adiantando pertinentes considerações jurídicas acerca das questões suscitadas.
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6. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.
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7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [3].

Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo ora recorrente, são as seguintes as questões que basicamente importa decidir:
- Saber se existem fortes indícios da prática, por banda da arguida, dos factos elencados no despacho do Ministério Público aquando da sua apresentação a 1º interrogatório judicial, e se tais factos são suscetíveis de integrarem a prática do crime de violência doméstica, p. e p. no Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal;
- Saber se estão verificados os perigos de continuação da actividade criminosa por banda da arguida, e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas; e
- Saber se, para além do termo de identidade e residência (TIR) que lhe foi imposto, são de aplicar à arguida as medidas de coacção sugeridas, de proibição de contactos por qualquer meio com o ofendido, e de frequentar os locais por este habitualmente frequentados.

Vejamos, pois.
Porém, antes de passarmos à concreta análise das questões suscitadas pelo ora recorrente, há que sublinhar que as medidas de coacção são “meios processuais” que limitam ou restringem a liberdade pessoal do arguido (cfr. Artºs. 192º, nº 1, 58º, nº 1, al. b), 60º e 61º, nº 3, al. d)), - tendo sempre em atenção o disposto no Artº 18º, nºs. 2 e 3 da CRP - com o fim de acautelar a eficácia do procedimento penal, tendo em vista a boa administração da justiça, a descoberta da verdade e o próprio restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime (cfr., neste sentido, Maria João Antunes, “O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção”, in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 2003, pág. 1249)
Ou seja, por um lado estão em causa a protecção de direitos fundamentais das pessoas (v.g. o direito à liberdade e à segurança – Artº 27º, nº 1, da CRP) e, por outro lado, a eficácia da investigação criminal, que no processo penal português tem estrutura acusatória (Artº 32º, nº 5, da CRP), embora mitigada pelo princípio da investigação, sendo necessário fazer em cada caso concreto uma ponderação dos interesses em conflito para determinar a respectiva prevalência e grau ou medida da sua restrição.

Acresce que, com excepção do termo de identidade e residência, as demais medidas de coacção previstas no C.P.Penal apenas podem ser aplicadas desde que, em concreto, se verifique qualquer dos requisitos descritos no Artº 204º, preceito legal que, sob a epígrafe “Requisitos gerais”, estatui:

“1 - Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
(…)”.
Por outro lado, nesta área atinente às medidas de coacção, sempre sujeitas às disposições gerais contidas no Título I, do Livro IV, do C.P.Penal, o princípio da legalidade ou da tipicidade (explicitado no Artº 191º), tal como os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (Artº 193º), "mais não são do que corolários do princípio da presunção de inocência até ao trânsito da sentença condenatória" (Maria João Antunes, ibidem, pág. 1252).
Como assertivamente refere o Prof. Figueiredo Dias (“Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal” in Jornadas de Direito Processo Penal. O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, pág. 27, também citado por Maria João Antunes, ibidem, pág. 1249), tendo em atenção o princípio da presunção de inocência acolhido no Artº 32º, nº 2, da CRP, exige-se que só sejam aplicadas ao arguido “as medidas que ainda se mostrem comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente”.
Também o Prof. Germano Marques da Silva ensina, in "Curso de Processo Penal", Vol. II, Verbo, 5ª Edição revista e actualizada, págs. 347/348, que "… o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº 2, da CRC (…) tem importância muito particular no domínio das medidas de coacção, impondo que não sejam aplicadas senão nos estritos limites das necessidades processuais, que têm por função satisfazer, e que sejam adequadas às exigências cautelares que o caso requer.”.
Acrescentando, mais à frente, que “Há-de ser a estrita necessidade das medidas de coacção que legitimará em cada caso a limitação do princípio da presunção de inocência”, princípio esse que “impõe que de entre as medidas admissíveis e adequadas no caso concreto seja aplicada sempre a menos gravosa”.
Ora, as medidas de coacção preconizadas pela Digna Recorrente, de proibição de proibição de contactos por qualquer meio com o ofendido, e bem assim de frequentar os locais por ele habitualmente frequentados, estão previstas no Artº 200º, que sob a epígrafe “Proibição e imposição de condutas”, estatui:
“1 - Se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de:
(...)
d) Não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios;
(...)”.

Na esteira da posição do Exmo. Conselheiro Maia Costa, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, pág. 828, também entendemos que os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que regem a aplicação das medidas de coacção, impõem a adaptação das mesmas à evolução das exigências cautelares, devendo elas ser substituídas no caso de menor exigência cautelar, ou revogadas, caso não subsistam tais exigências. Sendo a permanência e o grau destas exigências que serve permanentemente de padrão de avaliação da subsistência das medidas de coacção decretadas, as quais são, pois, necessariamente precárias, na medida em que em cada momento devem ajustar-se às finalidades cautelares que visam salvaguardar, e portanto a todo o tempo podem ser alteradas ou revogadas.

E foi precisamente esta filosofia que o nosso legislador adoptou no Artº 212º, preceito legal que, sob a epígrafe “Revogação, alteração e extinção das medidas”, prescreve:
“1 - As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
2 - As medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
3 - Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
4 - A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e devendo ser ainda ouvida a vítima, sempre que necessário, mesmo que não se tenha constituído assistente.”.

Isto posto, e voltando ao caso vertente, há que perscrutar, então, se estão verificados fortes indícios da prática, por banda da arguida, dos factos elencados no despacho do Ministério Público aquando da sua apresentação a 1º interrogatório judicial e, em caso afirmativo, se tais factos são suscetíveis de integrarem a prática do crime de violência doméstica, p. e p. no Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, como ali lhe foi imputado.
Como se viu, para serem decretadas as medidas de coacção sugeridos pelo Ministério Público, a lei exige a verificação de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos”.
Ora, no caso sub-judice, deve considerar-se existirem “fortes indícios” da verificação do crime de violência doméstica, p. e p. no Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, por banda da arguida AA, se puder concluir-se, com segurança, pela probabilidade elevada de a tal arguida, por força deles, vir a ser aplicada uma pena de prisão por esse mesmo tipo legal de crime.

Como esclarece o Exmo. Conselheiro Maia Costa, na já citada obra - “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, pág. 817 -, “Fortes indícios” é um conceito equivalente ao de “indícios suficientes” (art. 283º, nº 2): são aqueles indícios que seriam idóneos para sustentar uma acusação formal contra o arguido, caso o inquérito estivesse findo, ou seja, indícios de que resulte a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena (...). Logo acrescentando que, “Na apreciação dos indícios, e no quadro da utilização das regras da experiência comum, o juiz pode recorrer a presunções judiciais (...).
Na mesma linha de pensamento pronuncia-se o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 4ª edição actualizada, pág. 347, nota nº 8 ao Artº 127º), segundo o qual “indícios fortes” são “as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória”.

Ou a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/01/2003, proferido no âmbito do Proc. nº 0096353, em cujo sumário (disponível in www.dgsi.pt), se afirma:
“I - A expressão fortes indícios da prática do crime doloso punível com prisão de máximo superior a três anos do art. 202º - a) do C.P.P., inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura, que essa suspeita assente em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade.

O que não invalida o entendimento de que a expressão utilizada pelo legislador porventura não constituirá mais do que uma injunção psicológica ao juiz, no sentido de uma maior exigência na ponderação dos dados probatórios recolhidos acerca do crime assacado ao arguido.
II - Assim, quando a Lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada filiada no conceito de provas sérias.”.

Em suma, face ao que vimos expendendo, os “fortes indícios” a que alude o citado Artº 200º significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados entre si, apontam para a culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção segura de que virá a ser condenado pelo(s) crime(s) que lhe é(são) imputado(s).
Ora, voltando ao caso sub-judice, perscrutando a globalidade dos elementos recolhidos nos autos quanto a esta questão [com especial relevo para as declarações do ofendido DD], cremos que, ao contrário da conclusão do tribunal a quo, os mesmos indiciam claramente que a arguida levou a cabo os factos em causa, nos termos descritos pelo Ministério Público no despacho que levou à consideração da Mmª JIC com vista à submissão daquela a primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Subscrevendo-se inteiramente as considerações que a Exma. PGA a este propósito expende no seu douto parecer, que pela sua assertividade ora se transcrevem:
“(...)
Mas, analisando o despacho recorrido, ressalta, de imediato, a perceção de que inexiste explicação convincente sobre a alteração factual que levou à alteração da incriminação e também sobre esta, não se fazendo uma reavaliação para que essa alteração de violência doméstica para ofensa à integridade física simples se tivesse operado.
A Mm.ª JIC limita-se a afirmar, laconicamente, que “a arguida deu a sua versão dos factos, que divergem da versão do ofendido. Considerando as posições assumidas por cada um, não conseguimos dar mais credibilidade a um do que a outro”.
  Assim, inexplicavelmente, o tribunal não deu qualquer credibilidade à versão do ofendido (a não ser naquilo que coincidiu com a versão da arguida).
Secundando a douta resposta do MP não se valorizaram (sem se entender a razão) as declarações da vítima. Nem se conjugou o seu depoimento com os restantes elementos de prova, designadamente as mensagens constantes dos autos e o depoimento da agente da Polícia Municipal. Nem se valorizou o destempero da arguida perante a autoridade bem como o descontrolo da mesma que chegou ao ponto de implicar o adiamento do seu interrogatório.
Por outro lado, como bem realça a Exma. Magistrada do Ministério Público, por regra, os atos de violência doméstica são praticados na intimidade do lar, sendo um crime sem “palco”.
No caso dos autos, embora exista uma outra versão dos acontecimentos para além da da vítima – a versão da arguida – a verdade é que a mesma suscita duvidas relevantes.
Veja-se que admite os factos que não pode negar por terem apoio probatório direto.
No entanto, nega a versão do ofendido em tudo o que não pode ser comprovado de forma direta. Mas, embora o seu desmentido, a verdade é que admite factos que indiretamente levam a que a versão da vítima tenha credibilidade.
Com efeito, são suas as seguintes afirmações: “(…) algumas mensagens são de cabeça quente; (…) fui a casa da mãe da filha, admito (…) disse-lhe que estava grávida de 12 semanas (…) vim-te pedir para dizeres ao DD para não me caluniar; (…) houve discussões ao longo dos 15 meses por ciumeira, porque ele tinha que ver a menina na presença da mãe;(…) houve uma ou duas vezes que passei pela casa da EE na hora que ela sai do trabalho para ver se era verdade o que ele disse, que se reconciliou com a mãe da filha; sei o café que ele frequenta, sempre frequentei esse café (…)”.
Parece, pois, que a matéria fáctica suficientemente indiciada, segundo o tribunal, não pode ser desgarrada do seu contexto. Secundando a resposta do Ministério Público, também entendemos que existe (tem que existir!) contexto para a sua ocorrência, que não se trata de um ato isolado e que, se assim fosse dificilmente se compreenderia a própria versão da arguida…
A que mensagens se reporta que foram escritas de cabeça quente?
Porque razão se deslocou a casa da mãe da filha da vítima? E porque o fez na hora em que esta sai do trabalho? Porque razão foi necessário, numa dessas deslocações, convocar as autoridades?
É a própria arguida que admite não aceitar que o ofendido fizesse visitas à filha em ocasiões em que estivesse presente a mãe dela. Admite igualmente ter ciúmes e não aceitar ter sido abandonada estando grávida.
Por outro lado, também não se compreende o descontrolo emocional da arguida se não se compreender o lastro que vem de trás.
E, ainda que assim não se entendesse, sempre seria de considerar que a matéria fáctica considerada indiciada pelo tribunal também não seria de molde a enquadrá-la no crime que a Mm.ª JIC considerou indiciado!...
Em suma, temos, por um lado, as declarações do ofendido – que o Tribunal descredibiliza – e, por outro lado, o depoimento da arguida que foi injustificadamente valorizado, uma vez que não se percebem as razões para se lhe ter atribuído crédito em exclusivo.
Ora, a conjugação do depoimento do ofendido, das declarações da arguida e da restante prova apresentada pelo Ministério Público, impunha que se formulasse convicção positiva acerca dos factos carreados ao interrogatório judicial.
Afigura-se-nos, pois, que deverá ser dada como suficientemente indiciada a factualidade articulada pelo Ministério Público, com a consequente indiciação da arguida pela prática de um crime de violência doméstica.
Veja-se que a própria defesa aderiu à posição do Ministério Público em sede de interrogatório judicial e, não só relativamente à incriminação, como também relativamente ao estatuto processual da arguida.
A sociedade reclama a proteção das vítimas de violência doméstica face aos comportamentos agressivos, violentos e desviantes dos agressores.”.
Assim sendo, apreciadas perfunctoriamente as provas em causa, e não se esquecendo que, mesmo nesta fase processual, de acordo com o disposto no Artº 127º do C.P.Penal, o julgador forma a sua convicção com base na apreciação, de forma livre, crítica e à luz das regras da lógica e da experiência comum [e sem embargo do que, naturalmente, o desenrolar da investigação possa vir a trazer aos autos, pois que nos situarmos numa fase inicial do processo, em que ainda não é possível ter-se uma ideia de toda a actuação da arguida], é inelutável que outra não poderá ser a conclusão de que se tem por fortemente indiciada a prática pela arguida AA dos factos em causa, factualidade essa que preenche, claramente, os elementos objectivos e subjectivos de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, como ali lhe foi imputado.
Aqui chegados, há que apurar se estão verificados os perigos enunciados no Artº 204º, ou algum deles, requisito essencial, como já se referiu, para o decretamento de qualquer medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência.
Entendendo o Ministério Público, ora recorrente, que na situação em apreço, se verificam os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, aludidos no Artº 204º, al. c).
Vejamos.
Nos termos do Artº 204º, al. c), o perigo de continuação da actividade criminosa apenas pode resultar das circunstâncias do crime indiciado, ou então da personalidade do agente.
O perigo de continuação da actividade criminosa a que alude a alínea c) do Artº 204º, relevante para o caso vertente, não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos, devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido a efectuar a partir dos factos indiciados (a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta) e personalidade do arguido neles revelados – cfr., neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 11/03/2009, proferido no âmbito do Proc. nº 16/08.9GBAVR-B.C1, in www.dgsi.pt.
Nesta linha de pensamento pronuncia-se também o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 5ª edição, Verbo, pág. 359, quando afirma que “o fundamento da medida de coacção referido na alínea c) do art. 204º deve ser cuidadosamente interpretado, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.”.
Acrescentando que “Atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido pode ser de recear a continuação da actividade criminosa (...).
Mas recordando também que a “Aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado. É que nem a lei substantiva permite aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual actividade criminosa, mas apenas medidas cautelares para prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está já indiciado. Assim, se atentas as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido for de presumir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado no processo pode justificar-se a aplicação de uma medida de coacção”.
Ora, na situação em apreço, cremos existir o perigo de continuação da actividade criminosa por banda da arguida.
Com efeito, a factualidade indiciada demonstra que estamos perante uma associação de violência verbal e física decorrente do contexto do relacionamento entre a arguida e o ofendido, que mais se acentuou na sequência da ruptura desse mesmo relacionamento, a qual a arguida teima em não aceitar.
Dúvidas não havendo, como salienta a Digna Magistrada recorrente, que o perigo de continuação da atividade criminosa se afigura muito forte, pois que as circunstâncias anteriores e contemporâneas à conduta da arguida, designadamente relacionadas com a sua gravidez, e com a sua personalidade impulsiva, fazem antever a possibilidade de, sem sujeição a qualquer medida de coacção para além do termo de identidade e residência, vir a perseguir novamente o ofendido e a exercer, sobre ele, violência física e verbal.
Efectivamente, a arguida revela uma personalidade impulsiva e incontida, perseguindo descontroladamente o ofendido, estendendo até o seu assédio à sua progenitora e à mãe da filha dele, e não se coibindo de o agredir, física e verbalmente, e de o ameaçar em frente a terceiros, inclusive, uma agente da autoridade.
Neste conspecto, a gravidade dos factos imputados, indiciariamente corroborados pela prova constante dos autos, revelam perigo  de  continuação  da  actividade  criminosa,  caso se continue a propiciar a proximidade entre a arguida e o ofendido.

E quanto ao perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas?
Quanto a este perigo tem-se entendido que se exige a verificação de circunstâncias particulares que em concreto tornem previsível a alteração da ordem e tranquilidade públicas, não bastando a convicção de que certo tipo de crimes podem em abstracto causar emoção ou perturbação públicas (cfr., neste sentido, o Exmo. Conselheiro Maia Gonçalves, ibidem, pág. 823).
Ora, tal perigo, como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 26/06/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 1463/07-1, disponível in www.dgsi.pt, citado por aqueles Autores, reporta-se ao “fundado risco de grave, concreta e previsível alteração da ordem e tranquilidade públicas, operando a medida de coacção adequada (...) apenas como meio de esconjurar o risco de lesão significativa de bens jurídicos de natureza penal, em resultado de alteração previsível da ordem ou tranquilidade públicas, e apenas pelo tempo estritamente necessário.”.

No caso vertente, também este perigo se mostra verificado, sendo os factos indiciariamente praticados pela arguida objectivamente perturbadores da ordem e da tranquilidade públicas.
Não se podendo olvidar que estamos perante um crime grave, o que se revela, desde logo, pela moldura legal aplicável, integrando o catálogo de crimes que a lei define como criminalidade violenta, conforme definido no Artº 1º, al. j), do C.P.Penal, e que se trata de um ilícito criminal que transmite um crescente clima de insegurança e forte animosidade por parte da sociedade, por se enquadrar no grupo daqueles em que a comunidade sente uma maior necessidade de protecção pelos efeitos e amplitudes tão actuais.
Assim sendo, vistos tais circunstancialismos, afigura-se a este tribunal de recurso que existe, em concreto, fundado receio de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, encontrando-se preenchido, pois, o requisito da alínea c), do Artº 204º.
Resta ponderar se as medidas de coação preconizadas pelo recorrente são necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso reivindica, e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas à arguida.
E a nossa resposta só pode ser afirmativa.
Na verdade, a gravidade dos factos indiciados justifica, do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade, a imposição das preconizadas medidas de coacção, sendo manifestamente insuficiente para afastar os supra assinalados perigos [de continuação da actividade criminosa, e/ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas] a mera sujeição da arguida a termo de identidade e residência.

Não se podendo, ademais, olvidar que a aplicação de tais medidas também decorre do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, que se mostra plasmado na Lei n° 112/2009, de 16 de Setembro, maxime do estatuído no seu Artº 31º, que sob a epígrafe “Medidas de coação urgentes”, prescreve:
“1 - Após a constituição de arguido pelo crime de violência doméstica, o juiz pondera, no prazo máximo de 48 horas, a aplicação, com respeito pelos pressupostos gerais e específicos de aplicação das medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, de medida ou medidas de entre as seguintes:
(...)
c) Não permanecer nem se aproximar da residência onde o crime tenha sido cometido, onde habite a vítima ou que seja casa de morada da família, impondo ao arguido a obrigação de a abandonar;
d) Não contactar com a vítima, com determinadas pessoas ou frequentar certos lugares ou certos meios, bem como não contactar, aproximar-se ou visitar animais de companhia da vítima ou da família;
(...)
2 - O disposto nas alíneas c) e d) do número anterior mantém a sua relevância mesmo nos casos em que a vítima tenha abandonado a residência em razão da prática ou de ameaça séria do cometimento do crime de violência doméstica.
3 - As medidas previstas neste artigo são sempre cumuláveis com qualquer outra medida de coação prevista no Código de Processo Penal.
(...)
Em suma, na situação em apreço, em face do contexto dos factos indiciados nos autos, as medidas em causa são necessárias, proporcionais e adequadas à supremacia dos direitos da vítima que se pretendem acautelar, designadamente o seu direito à liberdade, à sua integridade moral e à sua dignidade, sendo certo que se há alguém que tem de ser protegido neste tipo de criminalidade é a vítima e não o infractor.
Consequentemente, considerando-se fortemente indiciada a matéria de facto carreada para os autos pelo Ministério Público, consubstanciadora da prática, por banda da arguida, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, há que revogar o despacho recorrido e determinar que a arguida AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeita às seguintes medidas de coacção (para além do TIR já prestado):
- Proibição de contactar, por qualquer meio, com o ofendido; e
- Proibição de frequentar os lugares por ele frequentados.
Procede, pois, o recurso, em toda a sua extensão.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, considerando fortemente indiciada a matéria carreada para os autos pelo Ministério Público, consubstanciadora da prática, por banda da arguida AA, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Artº 152º, nºs. 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5, do Código Penal, determinam que a mesma, para além do TIR já prestado, aguarde os ulteriores termos do processo sujeita às seguintes medidas de coacção:
- Proibição de contactar, por qualquer meio, com o ofendido; e
- Proibição de frequentar os lugares por ele frequentados.

Sem custas.

Comunique-se de imediato a presente decisão à primeira instância.

(Decisão elaborada pelo relator, e por ele integralmente revista, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página a respectiva assinatura electrónica certificada – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
*
Guimarães, 11 de Março de 2025

Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Cristina Xavier da Fonseca (1ª Adjunta)
Carlos da Cunha Coutinho (2º Adjunto)


[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Diploma ao qual se reportam todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
[3] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.