PROCURAÇÃO
ANULABILIDADE
INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
INCAPACIDADE ACIDENTAL
Sumário


I. Por efeito do nº 1 do artº 150º do Código Civil, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental regulada no artº 257º do mesmo diploma legal.
II. Da leitura do artº 257º do Código Civil resultam como requisitos da anulação de uma declaração negocial com base na incapacidade acidental que: a)o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica ou por qualquer outra causa, em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do ato que praticou ou o livre exercício da vontade; b)esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.”
III.Nestes casos, cabe ao interessado na declaração de anulação demonstrar os requisitos atrás referidos.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Na ação declarativa sob a forma de processo comum instaurada por AA, representada pela Tutora, AA, contra BB e EMP01... Lda., formularam-se os seguintes pedidos:

A) Seja declarada a nulidade da procuração junta como doc. nº 4 da PI;
B) Seja declarada a falsidade do mesmo documento doc. nº 4 da PI;
C) Uma vez declarada a nulidade supra requerida, seja declarado nulo o negócio de compra e venda entre os RR.
D) Seja declarada a nulidade do registo predial e consequentemente seja ordenado o seu cancelamento na Conservatória de registo civil ....

Alegou a mesma que por sentença proferida no processo 685/17...., do Juízo Local Cível de Fafe, transitada em julgado em 14 de Março de 2019, foi declarada interdita e nomeada tutora a sua irmã, AA, fixando-se o começo dessa incapacidade a 31 de dezembro de 2012.
A autora é dona e legitima proprietária do prédio rrbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ... descrito na Conservatória de registo predial sob o numero ...65 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros, prédio que pertencia aos seus pais, tendo entrado na sua esfera patrimonial e lhe sendo adjudicado por escritura publica de partilha de 14 de março de 2013.
Em meados de julho de 2016, a aqui tutora, tomou conhecimento que o imóvel propriedade da sua irmã, AA, onde a autora sempre residiu, onde reside e continua a residir já não lhe pertencia pois fora vendido tendo por base uma procuração outorgada ao 1º réu BB que, na qualidade de procurador da autora a vendeu à segunda ré, por escritura pública de 24 de março de 2016, pelo preço de € 25.000,00.
A procuração elaborada nos termos do artigo 38º do Dl nº 76-A/2006 DE 29/03 e Portaria nº 657 –B/2006DE 29/06 e (anexa) à escritura de compra e venda de 24 de março de 2016 para que o 1º réu concretizasse o negócio e elaborada/autenticada no escritório da Ex.ma Sra. Dra. CC, enferma de vários vícios, a saber, a falta de assinatura da autora como se poderá verificar pelo teor da procuração em causa; e que a autora não assinou a procuração e nunca o poderia ter outorgado em consciência, até porque apresenta sinais notórios de demência.
O principal motivo pelo qual o imóvel entrou na esfera patrimonial da autora foi, pelo facto de esta sofrer desde os 13 anos de idade de doença psicótica esquizofrénica, acautelar o seu futuro.
 Ora, jamais a outorgante AA, poderia notoriamente outorgar esta procuração dado que há já muitos anos se encontrava num adiantado estado de demência, e, por conseguinte, incapacitada para entender o significado do ato em que interveio, (Procuração) sendo que o referido estado, sendo notório, poderia e devia ter obstado a sua concretização.
O 1º réu, não podia desconhecer o quadro de demência em que a autora se encontrava há vários anos em continua atividade e progressão, até porque o 1º réu, reside no mesmo imóvel da autora, conjuntamente com a mãe de ambos.
Acresce que, como facilmente se constata, também pelo teor da referida escritura de compra e venda o referido negócio foi efetuado por um preço muito inferior ao valor patrimonial e isto porque, muito embora seja uma habitação com uma área pequena, trata-se de uma habitação unifamiliar, com três frentes, dispõe de uma boa localização e está servida de bons acessos quer relativamente à cidade ... quer em relação a estrada ... da qual dista 2 km, tendo o mesmo um valor comercial de € 45.000,00.
A autora, reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel alienado, não tem outra habitação, vive exclusivamente de uma pensão atribuída pela segurança Social, sendo que o negocio jurídico efetuado entre os réus põe em causa a sua própria subsistência.
Assim e nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 257º do Código Civil é anulável a declaração feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade, sendo o facto notório, quando uma pessoa de normal diligencia o poderia notar.
Em 15 de fevereiro de 2016, data em que a autora (outorgou) a referida procuração não estava em condições psíquicas que lhe permitissem entender e querer este acto sendo notório e conhecido dos réus, assim como de quem elaborou e autenticou a procuração (anexa à escritura de compra e venda), sendo a procuração é por isso anulável nos termos do disposto no preceito legal acima referido.
A autora, desconhecia e desconhece a celebração de tal negocio jurídico, não tendo no mesmo acordado, consentido ou sequer tomado conhecimento.
Citada veio a ré EMP01... Lda., Sociedade Por Quotas apresentar contestação invocando a exceção de falta de capacidade judiciária da autora e a de falta de autorização para interposição da ação.
Alega ser o negócio celebrado válido, desconhecendo a mesma qualquer incapacidade da autora, até porque nunca contactou pessoalmente com ela.
Pede a suspensão da instância, por falta de autorização judicial da Tutora para a propositura da ação, para que a obtenha no prazo que lhe vier a ser assinalado e, não sendo obtida no prazo assinalado tal autorização, deve a eé ser absolvida da instância;
Pede que se julgue improcedente a ação, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos.
No caso, que não se admite porque resulta dos documentos juntos aos autos, máxime da Procuração, que a ora autora aquando da outorga desse mandato/Procuração estava capaz, entendeu o conteúdo da dita Procuração e o mesmo correspondia, pelo menos nessa altura, à sua vontade; por isso a Sra. Advogada elaborou o termo de autenticação e colheu as assinaturas da mandante, aqui autora, no exercício de competências profissionais que possui nos termos da Lei vigente, e que refere como mera hipótese de raciocínio, de a ação vir a ser julgada procedente, e a compra e venda anulada, deve ser declarado que consequentemente, a autora é condenada a pagar à ré, quer o preço da compra e venda de o preço que esta pagou, aquando da escritura, pela compra da casa da autora (€25.000,00), acrescido do valor dos impostos (IMT e Imposto de selo) dos emolumentos notariais da outorga da escritura e respetivo registo predial.
Regularmente citado, o réu BB não contestou.
A autora apresentou articulado de resposta às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Foram julgadas improcedentes as exceções de incapacidade judiciária da autora e de falta de autorização para interposição da ação.
Foi chamado o Ministério Público como interveniente acessório.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, e, em consequência:
A) Declarou a anulabilidade da procuração emitida pela autora a favor do réu BB, em 15/02/2016, junta como doc. nº 4 da PI;
B) Declarou ineficaz, em relação à autora, o contrato de compra e venda junto como doc. de fls. 13-14, celebrado em ../../2016.
C) Em consequência, determinou o cancelamento do registo do imóvel descrito em 3º dos factos provados a favor da ré EMP01....
D) Absolveu os réus do demais peticionado.

Inconformada veio a 2ª ré recorrer da sentença e foi proferido Acordão que julgou improcedente o recurso de apelação intentado pela ré EMP01... Lda, mantendo a sentença recorrida.

Deste Acordão recorreu a 2ª Ré para o Supremo Tribunal de Justiça e aí, julgou-se parcialmente procedente a revista pelo fundamento invocado nas Conclusões K), L), P) (em parte) a V), CC) (em parte), DD), FF), GG), HH), II) e KK), determinando-se a devolução dos autos à Relação para, nos termos dos arts. 682º, 3, e 683º, 1, do CPC, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores que intervieram no julgamento da apelação anterior, (i) ser levada a cabo a ampliação da matéria de facto provada, nos termos ordenados, em ordem a constituir base suficiente para se proferir a decisão de direito, e (ii) ser proferida nova decisão sobre a matéria de facto e julgada novamente a causa, em conformidade e de acordo com o direito aplicável.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

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Importa assim, a fim de ser dado integral cumprimento à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, proceder à ampliação da decisão da matéria de facto, com expressa menção a factualidade correspondente à medida e estado da capacidade de querer e entender da outorgante da procuração à data do negócio, referida nos factos provados 4.º e 5.º, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova e os pressupostos de aplicação do art. 257º do Código Civil.
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II. Fundamentação de facto:

Com relevo para a decisão, encontram-se assentes os seguintes factos:
1. A autora foi declarada interdita por Sentença proferida no processo n.º 685/17...., do Juízo Local Cível de Fafe, transitada em julgado em 14 de março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, AA.
2. Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.
3. Por escritura publica de Partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio urbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero ...65 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.
4. Em 15 de fevereiro de 2016 a autora emitiu procuração a favor do réu BB, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço.
5. A autora assinou a procuração junta aos autos a fls 15, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª CC.
6. O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em ../../2016, pelo preço de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
7. Nessa escritura a autora esteve representada pelo réu BB, que apresentou a procuração referida em 4º.
8. O imóvel está registado na Conservatória do Registo Predial em nome da ré EMP01..., pela Ap. ...17 de 24 de março de 2016.
9. A autora reside, sempre residiu e continua a residir no imóvel referido em 3º.
10. O 1º réu BB reside no imóvel referido em 3º, conjuntamente com a autora e a mãe de ambos.
11. A ré, além do preço, pagou a quantia de € 824,12 a título de imposto de selo, custos notariais e registais pela aquisição do imóvel referido em 3º.
12. (eliminado)
13. O réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.
Ampliação da matéria de facto:
14. A autora sofre, desde os 13 anos de idade de doença psicótica esquizofrénica.
15.Que a impede de entender o significado do acto em que interveio - outorga da procuração ao seu irmão – ato que não era da sua vontade.

Não provado que:
a)há já muitos anos que a autora se encontrava num adiantado estado de demência.
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III. Motivação da matéria de facto:
(…)
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IV. Do direito:

Pretende a autora nos presentes autos a anulação de negócios jurídicos, a saber, a outorga de uma procuração e a outorga de escritura pública de compra e venda - que celebrou em data anterior ao decretamento da sua interdição, mas posteriormente à data fixada para o início dessa interdição.
Ora, como se refere a sentença do Tribunal a quo, “Toda e qualquer pessoa goza, desde o seu nascimento completo e com vida, de personalidade jurídica (artigo 66.º, nº 1 do CC). Essa personalidade jurídica imbuída de toda uma capacidade de gozo de direitos, corresponde, no normal das situações, uma capacidade de exercício de direitos. Com efeito, a capacidade de exercício de direitos tem vindo a assumir-se, nas palavras de MOTA PINTO, como “a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por ato próprio e exclusivo ou mediante representante voluntário ou procurador, isto é, um representante escolhido pelo próprio representado. A pessoa, dotada da capacidade de exercício de direitos, age pessoalmente, isto é, não carece de ser substituída, na prática dos atos que movimentam a sua esfera jurídica, por um representante legal (designado na lei ou em conformidade com ela) e age autonomamente, isto é, não carece de consentimento, anterior ou posterior ao ato de outra (assistente).
Tendo presente que, em princípio, todas as pessoas têm capacidade de direitos (artigo 67.º e 130.º do CC), importa ter em conta que há quem possa ser/ficar limitado no exercício dos seus direitos, por força de fatores que as tornam menos aptas a regularem a sua vida de modo livre e por si só.
O legislador consagrou três institutos jurídicos dos quais pode resultar esta incapacidade de exercício de direitos e estabeleceu os modos como as incapacidades daí resultantes podem ser supridas. São eles, o instituto jurídico da menoridade, da interdição e da inabilitação.
Assim, as incapacidades reguladas nos anteriores artigos 122.º a 156.º do CC, consubstanciam um status jurídico que parte do reconhecimento de que determinadas pessoas, atenta a sua idade (no caso da menoridade), ou face a circunstâncias atinentes à sua saúde mental ou física (nas situações de interdição ou inabilitação), se encontram numa condição de diminuição natural que as impede de competir em condições regulares na vida jurídica3.
Ou seja: as disfunções orgânicas ou funcionais na constituição psicossomática de determinados sujeitos – determinando consequentemente uma deficiência da vontade ou do entendimento dos mesmos – provocam a intervenção do ordenamento jurídico de forma a estabelecer uma disciplina normativa que acautele os interesses pessoais ou patrimoniais dos sujeitos em questão. 
(…)
As incapacidades representam assim, um estatuto jurídico-processual, implicando a aplicação de regras jurídicas especificas e caracterizam-se por constituírem restrições tabeladas da capacidade jurídica que atingem uma universalidade de aspetos desta, por se fundarem em diminuições naturais das faculdades das pessoas, como foi já referido, e por o regime legal respetivo revelar um acentuado pendor tutelar.
Na linha de longa tradição doutrinária, a capacidade de exercício ou capacidade de agir pode assim ser definida como a aptidão de qualquer sujeito para ser titular, por si próprio e livremente, de situações jurídicas, ou, noutros termos, “(...) a idoneidade para atuar juridicamente, exercendo direitos ou cumprindo deveres, adquirindo direitos ou assumindo obrigações, por ato próprio e exclusivo ou mediante um representante voluntário ou procurador” (MOTA PINTO, cit., p. 214). Para MANUEL DE ANDRADE, a capacidade de exercício de direitos “(...) pressupõe, com efeito, na pessoa, uma vontade consciente e a aptidão para a determinar de modo legalmente reputado normal, e portanto para gestionar com mediano conhecimento de causa, sagacidade e prudência os seus próprios interesses”.
Anteriormente à redação dada pela Lei 49/2018, de 14 de agosto que introduziu o regime jurídico do maior acompanhado, estabelecia o nº 1 do artº 138º do Código Civil que poderem ser interditos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrassem incapazes de governar suas pessoas e bens, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, o instituto da interdição seria aplicável a maiores, podendo todavia ser requerida e decretada dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior.
A interdição podia ser determinada por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira e conduzia a uma incapacidade geral de exercício dos direitos e isto porque os portadores de tal incapacidade não se encontravam em condições de, por si, participar no tráfico jurídico.
Ora, no caso sub judice e conforme ficou demonstrado nos autos, foi a autora declarada interdita por sentença proferida no processo n.º 685/17...., do Juízo Local Cível de Fafe, transitada em julgado em 14 de Março de 2019, tendo-lhe sido nomeada tutora a sua irmã, AA.
Nessa sentença foi fixado o início da incapacidade no dia 31 de dezembro de 2012.
Ora, por escritura publica de partilha realizada em 14 de março de 2013, foi adjudicado à autora, o prédio Urbano destinado a habitação composto por casa de rés do chão e garagem e logradouro, sito no lugar ..., freguesia ... concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero ...65 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o artigo ...72, com o valor patrimonial de 34.440 euros.
Em 15 de fevereiro de 2016 a autora emitiu procuração a favor do réu BB, seu irmão, para, entre o mais, prometer vender, e vender, o prédio identificado em 3º, recebendo o respetivo preço, procuração assinada pela autora, tendo a sua assinatura sido reconhecida e autenticada pela Drª CC.
O imóvel identificado em 3º foi vendido à 1ª ré por escritura pública de compra e venda celebrada em ../../2016, pelo preço de 25 mil euros, sendo que, nessa escritura a autora esteve representada pelo réu BB, que apresentou a procuração referida em 4º.
Ou seja, foram praticados atos jurídicos pela autora, atos anteriores ao decretamento da interdição da mesma mas posteriores à data fixada para o início dessa interdição.
Ora, no que aos efeitos da interdição diz respeito, cabe distinguir os atos praticados, antes, durante e após o decretamento da interdição.
Assim, os negócios jurídicos celebrados pelo interdito após o registo da sentença de interdição definitiva são anuláveis nos termos do artº 148º do Código Civil.
Os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois de ser anunciada a propositura a ação de interdição, contando são igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois de anunciada a proposição da ação nos termos da lei de processo, contando que esta venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito, são também anuláveis nos termos do nº 1 do artº 149º do Código Civil.
Conforme resulta do nº 1 do artº 150º do Código Civil, aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.

Estabelece o artº 257º do Código Civil, sob a epígrafe “incapacidade acidental” que:
1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
Ora, da leitura deste preceito resultam como requisitos da anulação de uma declaração negocial com base na incapacidade acidental que:
a)o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica ou por qualquer outra causa, em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do ato que praticou ou o livre exercício da vontade;
b)esse estado psíquico era notório ou conhecido do declaratário.”
Ora, será que a autora/interessada demonstrou nos autos os requisitos de que depende a anulação por incapacidade acidental, ou seja:
a)a prova da incapacidade no momento do acto;
b)a prova da cognoscibilidade da incapacidade pelo declaratário?

E será que, como refere a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que devolveu a este Tribunal os autos para se proceder à ampliação da matéria de facto, o interessado na preservação da validade do acto, demonstrou factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de anulação invocado e, ademais, a contraprova dos factos alegados como vocacionados a preencher os pressupostos do artº 257º do Código Civil, de acordo com os termos gerais dos arts. 342º, 2, e 346º («se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova») do Código Civil?
Vejamos.
Como refere a sentença em crise, “No caso dos autos, importa ter em conta que estão em causa dois negócios distintos: a outorga da procuração pela autora a favor do réu BB e o contrato de compra e venda que este celebrou como procurador da autora com a ré EMP01...”, negócios que tiveram lugar em 2016, ou seja e como já atrás dissemos, antes da instauração da ação de interdição mas posteriormente à data fixada para o início dessa interdição, sendo necessário aferir se a autora, à data da prática do primeiro desses atos - emissão da procuração a favor do réu BB - se encontrava ou não incapacitada de entender o sentido da declaração negocial que por si foi proferida e se tal incapacidade era notória ou conhecida do declaratário (o mandatário), devendo entender-se como incapacidade notória aquela que uma pessoa de normal diligência poderia logo notar.
Ora, dos autos resultou demonstrado que a autora sofre, desde os 13 anos de idade de doença psicótica esquizofrénica que a incapacita para entender o significado do acto em que interveio, a saber, a outorga da procuração, e que a mesma não correspondia à sua vontade, sendo certo que o réu BB conhecia o estado de saúde da autora, aquando da outorga da procuração.
Assim sendo, entendemos que a autora fez prova dos requisitos de que depende a anulação do ato por si praticado em situação de incapacidade acidental, entendendo-se anulável a procuração outorgada.
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VI. Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso de apelação intentado pela ré EMP01... Lda, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela ré/recorrente.
Guimarães, 20 de março de 2025

Relatora: Margarida Gomes
Adjuntos: Maria Amália Santos
José Manuel Flores