RESPONSABILIDADE MÉDICA
DEVER DE INFORMAÇÃO
CONSENTIMENTO DO DOENTE
CULPA DO LESADO
Sumário

I - Pode afirmar-se que a responsabilidade em saúde divide-se entre a responsabilidade por má prática/negligência com base na violação das legis artis e na violação do consentimento informado, quer por falta de informação, quer por falta de consentimento ou consentimento inválido.
II - A autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente consinta ou recuse uma intervenção determinada heteronomamente, mas também que disponha de toda a informação relativa às diversas possibilidades de tratamento.
III - Apesar da autora ter dado o seu consentimento, porque os réus omitiram informação relevante relativamente a um dos procedimentos estéticos realizados, relativo aos riscos de infeção, considera-se verificada a ilicitude na atuação daqueles.
IV - Tendo porém, resultado provado um agravamento dos danos sofridos pela lesada, em consequência da falta de colaboração da própria paciente, que recusou regressar à clínica aos primeiros sinais de infeção no pós-operatório, para ser assistida pelo médico que a operou, que teve por isso de a medicar à distância, e recusou procurar qualquer outra ajuda médica próxima de si, permitindo que a infeção agravasse e alastrasse a outras partes do corpo intervencionadas, verifica-se a concorrência da culpa do lesado, prevista no art. 570º do Código Civil, cabendo ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Texto Integral

Proc. n.º 9822/17.2T8PRT.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Pinto dos Santos

João Diogo Rodrigues

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

AA, residente na Avª ..., ..., 10º esq., Faro, veio interpor contra BB, médico que exerce funções no A..., Lda, e contra o A..., Lda, com sede no ..., Praça ..., salas ..., no Porto, acção declarativa de condenação na forma de processo comum, pedindo a condenação daqueles a pagar-lhe uma indemnização no valor de €79.662,38, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa legal desde a data da citação.

Sustenta que contratou com os réus a realização de cirurgia de medicina estética. Que não foi esclarecida, nem prestado o seu consentimento, quanto aos riscos de infeção.

E que não foi exigido como se impunha, como exame prévio um estudo prévio ao seu sangue (antibiograma), de modo a selecionar o antibiótico adequado, por forma a não correr o risco de infeção das zonas intervencionadas, infeção esta que, efetivamente, veio a ocorrer, por falta de condições de esterilização no ato cirúrgico, e que não foi devidamente seguida pelo réu médico, que não a tratou de forma adequada.

Que a falta de desinfeção e esterilização dos materiais e equipamentos cirúrgicos utilizados na cirurgia e nos tratamentos que se seguiram, que não foram realizados em local adequado e assético, deu lugar à ocorrência de infeções no pós-operatório, que se prolongaram por mais de 50 dias, deixando o corpo da autora naquelas zonas mutilado e desfigurado de forma permanente.

Que a intervenção cirúrgica a que foi submetida deixou cicatrizes inestéticas e hiperpigmentadas, apresentando as partes intervencionadas deformações inestéticas, o que lhe causa grande sofrimento, tendo desenvolvido um quadro depressivo, do qual passou a padecer.

Pretende ser ressarcida das despesas que realizou e das graves sequelas físicas e mentais, de que passou a padecer em consequência da conduta dos Réus.

Citados, os réus vieram apresentar contestação conjunta, defendendo-se por impugnação.

Sustentam que a autora foi devidamente esclarecida sobre os riscos da intervenção, tendo prestado consentimento informado para a realização da mesma.

Que a intervenção foi prestada por profissionais médicos qualificados e segundo as leges artis, que também foram observados quanto ao momento em que foi dada alta da cirurgia.

Alegam que a subsequente infeção que ocorreu no pós-operatório, só se verificou porque a autora não informou padecer de candidíase e não seguiu as recomendações prestadas quanto aos cuidados a ter no período pós-operatório.

Mais sustentam que foi a autora a escolher quem lhe prestaria os cuidados de enfermagem junto da sua residência, em Faro, nunca tendo, porém, os réus, deixado de acompanhado a situação clínica da autora e nunca tendo deixado de lhe prestar os serviços necessários e adequados.

Mais invocam atuar a autora em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

Impugnam ainda os danos alegados.

Pedem a condenação da autora em multa e indemnização como litigante de má fé.

Em sede de reconvenção, pedem a sua condenação no pagamento da quantia de €25.000,00 a cada um deles, por ofensa ao seu bom nome.

A autora replicou, tendo-se também pronunciado sobre a sua condenação como litigante de má fé.

A reconvenção não foi admitida

Foi admitida a intervenção acessória da, à data denominada B..., SA, a qual apresentou contestação, tendo, para além de invocar a sua ilegitimidade, sustentado não estar a responsabilidade aqui em causa abrangida no contrato de seguro que confirma vigorar entre ela e o réu pessoa singular.

Teve lugar a realização de audiência prévia, na qual se procedeu ao saneamento dos autos (decidindo-se pela legitimidade das partes), se indicou o objeto do litígio e se fixaram os temas da prova.

Procedeu-se à instrução pericial dos autos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e no final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Assim, ao abrigo do disposto e das disposições legais citadas:

1) Condenam-se os réus, solidariamente, no pagamento à autora da quantia de €65.00,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

2) Absolvem-se os réus do mais peticionado.

Considera-se não constarem dos autos elementos que permitam a condenação da autora como litigante de má fé.

As custas serão suportadas por autora e réus, na proporção do decaimento (art. 527º, do CPC).”

Inconformados, os Réus BB E A..., LDA, vieram interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões:

“I. Não concordam os Apelantes com a Sentença, datada de 22-05-2024, pela qual o Tribunal a quo decidiu pela procedência parcial dos pedidos, condenando os Réus ao pagamento, solidário, da quantia de €65.000,00, acrescidos de juros à taxa civil até efetivo e integral pagamento, motivo pelo qual dela recorrem, tendo em vista não apenas a interpretação e aplicação da lei aos factos já dados como provados como também a reapreciação da prova produzida com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662º do CPC.

II. Às questões a que competia responder, a Sentença a quo desmentiu praticamente toda a fantasiosa tese da Autora - factos não provados cuja leitura se requer a Vªs Exa. para que aquilatem da má fé da Autora -, todavia e mesmo assim, condenou os RR. na quase integralidade do pedido.

III. No que concerne à IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, entendem os Apelantes que existiu erro de julgamento, nos termos do art. 640º do CPC, por ter existido uma errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal, ao terem sido dados como provados factos sem prova para tal e não provados em que houve clara produção de prova.

IV. O facto constante do ponto “89. A autora sentiu-se enganada em todo o processo, na medida em que, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética” não deveria ter sido dado como provado nos termos em que o foi, porquanto nenhuma prova se fez quanto a este facto.

V. Tendo em conta que o Tribunal a quo, para dar tal facto como provado, se alicerçou nos depoimentos das amigas e irmã da A./Recorrida, há claramente uma errada apreciação da prova, porquanto em lado algum destes resulta que o cirurgião se tenha apresentado como tal, resultando apenas que o Dr. BB lhe foi recomendado pelas amigas como cirurgião plástico – depoimento da A./ Recorrida aos minutos 00:01:52 a 00:05:06, transcrito na Alegação 16º) que se dá por reproduzida.

VI. Se a Autora criou tal convicção com base nas informações das amigas certamente não o fez porque o Dr. BB se intitulou como tal, da qual não foi feita prova, pelo que nunca tal facto dado como provado o poderia ter sido nos termos em que o foi, pelo que deverão Vªs Exas. revogar a Sentença a quo nessa parte, dando como NÃO PROVADO o facto em causa.

VII. Por sua vez, deveria ter sido dado como provado o facto “169. A autora nasceu em 1954.”, porquanto tal facto é admitido em audiência de julgamento pela Recorrida, quando afirma que à data dos factos, isto é, 2016, tinha 62 anos – cfr. declarações prestadas na audiência de julgamento de 01/02/2014, aos minutos 00:01:52 a 00:02:04 transcritas na Alegação 20º) que se dá por reproduzida – pelo que tal facto só podia ter sido dado como provado, devendo Vªs Exas. revogar a Sentença em crise nessa parte e alterar a matéria de facto em conformidade.

VIII. Deveria ainda ter sido dado como provado o facto “147. Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação” dos factos dados como não provados, porquanto ficou plenamente demonstrado na prova produzida em audiência de julgamento que a A./Recorrida foi totalmente informada dos cuidados a ter,

IX. isto porque já no dia 12 de fevereiro de 2016, data em que a Recorrida efetuou a primeira consulta na C..., com o Dr. BB/Recorrente, precisamente intituladas consultas médico cirúrgicas, informativas e de diagnóstico, lhe foram explicados todos os cuidados que deveria ter no pós-operatório, para que ficasse devidamente esclarecida do procedimento a efetuar – o que resulta do depoimento do ora Recorrente, Dr. BB, aos minutos 01:55:00 a 01:55:36, transcrito na Alegação 25º) que se dá por reproduzida.

X. Também uma vez realizada a operação, se repetiram todos os cuidados que a Recorrida deveria seguir, o que resulta:

- do depoimento do Recorrente Dr. BB, que descreve uma panóplia de cuidados que prescreveu quando perguntado pela Mma. Juiz – ficheiro áudio datado de 01/02/2024, aos minutos 00:15:06 a 00:19:44, transcrito na Alegação 27º) que se dá por reproduzida;

– das declarações prestadas pela A./Recorrida na audiência de 01/02/2024, aos Minuto 00:26:55 a 00:27:21 – transcritas na Alegação 27º) que se dá por reproduzida, afirmando que “Quando eu saí, quando nós saímos… quando eu saí, neste caso, estou a falar por mim, do Porto, da clínica, o doutor BB entregou-me um papel com os cuidados que deveria ter da alimentação e essas coisas e depois perguntou a uma das minhas colegas “Está tudo combinado com a Enfermeira CC?”, ao que ela disse que sim.”;

- do depoimento do representante legal da sociedade Ré, DD, que afirma que é prática da clínica, no final de qualquer intervenção cirúrgica, entregar um relatório médico com os cuidados de enfermagem a seguir – ficheiro áudio datado de 01/03/2024, aos minutos Minuto 01:00:34 a 01:01:31, transcrito na Alegação 29º) que se dá por reproduzida; pelo que tal facto só podia ter sido dado como provado, devendo Vªs Exas. revogar a Sentença em crise nessa parte e alterar a matéria de facto dessa forma.

XI. Acresce que, deveria também ter sido dado como provado o facto “166. A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e respostas a todas as suas questões.” Porque logo no dia da primeira consulta da Recorrida na C..., 12 de fevereiro de 2016, o Recorrente Dr. BB explicou à primeira quais as complicações que a cirurgia a que se ia submeter podia suscitar – cfr. depoimento do Dr. BB, aos Minutos 01:55:00 a 01:55:36, transcrito na Alegação 33º) que se dá por reproduzida.

XII. Ademais, no dia da cirurgia a que a Recorrida foi submetida foram-lhe entregues pelo sócio da clínica, DD, e pela Enf. EE, os termos de consentimento para que esta lesse e assinasse, o que sucedeu – cfr. doc. nº 6 da Contestação - tendo acerca dos mesmos sido a. questionada, quer por estes, quer pelos médicos cirurgião e anestesista, se tinha alguma dúvida e se tinha percebido tudo, conforme é prática da clínica em relação a todos os pacientes, tudo conforme:

- depoimento da Recorrida, sra. AA, datado de 01/02/2024, ao Minuto 00:13:58 a 00:15:26 e Minuto 00:17:14 a 00:17:45, transcrito na Alegação 35º) que se dá por reproduzida;

- depoimento da testemunha FF, arrolada pela A., que também foi intervencionada na mesma altura, em que explica o procedimento da entrega e explicação do consentimento no caso dela, datado de 29/02/2024, ao Minuto 00:16:51 a 00:17:31, transcrito na Alegação 35º) que se dá por reproduzida;

- depoimento da testemunha Dr. GG, médico anestesista da clínica Ré, datado de 01/03/2024, aos Minuto 00:08:03 a 00:09:18 e Minuto 00:10:55 a 00:11:40, transcritos na Alegação 32º) que se dá por reproduzida - depoimento do representante legal da sociedade Ré, DD – ficheiro áudio datado de 01/03/2024, aos minutos 00:03:16 a 01:06:25, transcrito na Alegação 35º) que se dá por reproduzida.

XIII. Sendo de frisar que consta dos termos de consentimento assinados pela Autora/Recorrida, em letras maiúsculas “É IMPORTANTE QUE LEIA CUIDADOSAMENTE A INFORMAÇÃO ANTERIOR E QUE TENHAM SIDO ESCLARECIDAS TODAS AS SUAS PERGUNTAS ANTES DE ASSINAR O CONSENTIMENTO, DA PRÓXIMA PÁGINA!”, posto que, era à Recorrente que competia questionar o que tivesse conveniente, o que não fez, motivo pelo qual se considera perfeitamente esclarecida e mais não pode ser exigido em termos de prova sob pena de uma prova impossível.

XIV. Posto que, o facto “166.” só poderia ter sido dado como provado, pelo que a Sentença recorrida deverá ser revogada e alterada nessa parte em conformidade.

XV. Atendendo agora aos VÍCIOS E INSUFICIÊNCIA DA SENTENÇA RECORRIDA, que s.m.o. padece de erros de raciocínio, cumpre atentar na falsidade da tese inicial da A./Recorrida, que foi frontalmente desmentida atenta as provas produzidas, quer documental, quer testemunhal, que irá ter implicação na forma de se valorar o seu depoimento.

XVI. Repare-se especialmente nos artigos 72, 92, 117, 120, 126-129, 131–133, 138-139 da Petição Inicial, de onde resulta claro que a A./Recorrida tenta responsabilizar os Recorrentes de tudo quanto pode, fazendo acusações gravíssimas que sabe não corresponderem à realidade, alegando que não prestou consentimento quanto aos riscos de infeção, que não foi exigido um estudo prévio ao seu sangue que se impunha, que a infeção ocorreu por falta de condições de esterilização na operação, que o sócio da sociedade Ré se intitulou de médico, não o sendo, substituindo-lhe um cateter num parque de estacionamento (!) e que foi decisão dos Réus que ela fosse tratada no pós-operatório pela enfermeira Dra. CC, que reside em Faro!

XVII. Alegações estas completamente desmentidas em sede de audiência de julgamento, tendo sido dadas todas estas alegações como não provadas – até porque foi provado precisamente que não correspondem à verdade – sob os pontos 126 – 130, 134, 136–137, 142-146, 149, 164–165 e 167.

XVIII. Assim, todas as demais alegações da Autora e declarações por si prestadas só podem ser valoradas tendo em conta estas inúmeras falsas alegações que fez, de má-fé, sabendo não corresponderem à verdade.

XIX. Expõe a Sentença “que sobre o médico cirurgião assistia um dever acessório de acompanhamento subsequente à operação cirúrgica, tendo em vista assegurar, potenciar e propiciar a completa recuperação do paciente”, tendo concluído que não houve qualquer violação das legis artis quanto ao seu dever principal mas concluindo pela RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DO DEVER ACESSÓRIO DE CUIDADO, numa completa injustiça!

XX. Para a análise da Ilicitude, que o Tribunal a quo, erradamente, diz ter sido provada, há que atentar no comportamento negligente da Recorrida desde cedo, para se perceber o modus operandi da mesma:

• alegando sempre dificuldades a nível financeiro, escolheu, contrariamente às recomendações do médico cirurgião, após a cirurgia, ficar numa pensão, no mesmo quarto com mais duas amigas, ao invés de no hotel com protocolo de esterilização recomendado pelos RR.;

• não respeitou as recomendações dadas, mais uma vez pelo médico cirurgião, de repouso, dirigindo-se à clínica no dia imediatamente a seguir à operação, isto é, 26 de fevereiro de 2016, para acompanhar as suas amigas; que vem em audiência de julgamento mentir dizendo que foi para trocar os pensos, esquecendo-se que admitiu na Petição Inicial que foi só acompanhar uma amiga conforme artigos 18 e 19 da PI:

“18. No dia seguinte, 26-02-2016, sexta-feira, (primeiro dia após a intervenção cirúrgica) a A. deslocou-se à Clínica da R. Sociedade, para acompanhar a sua amiga FF a fim desta ser submetida também, a uma intervenção cirúrgica”;

19. No dia 27 de fevereiro de 2016, sábado, (segundo dia após a intervenção cirúrgica) a A. regressa à Clínica da R. Sociedade para avaliação clínica, onde foi feito pelo R. cirurgião, a troca dos “… streril streeps das suturas oculares…”, apesar de a A. manter o “…inchaço e pouca mobilidade pálpebra inferior…”, (cfr. doc. 4))”;

• escolheu ser acompanhada no pós-operatório pela Enf. CC, ao contrário das recomendações para ser acompanhada nas clínicas C... ou no centro de saúde –cfr. Facto Provado 29 - (e falsamente teve o descaramento de vir alegar na P.I. que a Enfª CC tinha sido escolhida e contratada pelos RR.!).

XXI. É que temos de nos perguntar: se a Recorrida não seguiu as recomendações do médico desde início, porque o faria no fim, a 600 km de distância? Temos de analisar o caso concreto com base neste desiderato.

XXII.Posto isto, há que atender à DILIGÊNCIA E CUIDADO DEMONSTRADOS pelo Réu/Recorrente Dr. BB, desde o início do surgimento de problemas, que, não resultando das recomendações do Dr. BB/Recorrente, que as pacientes efetuem os tratamentos do pós-operatório na sua própria casa e por profissionais que não conhece, como é normal, confiou nas capacidades da Enf. CC para efetuar e acompanhar os tratamentos pós-cirúrgicos na Autora, porquanto não tinha motivos para desconfiar da competência da mesma que a A. lhe reputou.

XXIII. Aliás, é de estranhar (ou não) que a A. (inteligentemente) não tenha instaurado esta ação também contra a Enfª CC mas tenha indicado a mesma como testemunha e abordado a mesma antes do julgamento, conforme a referida enfermeira acabou por declarar no seu depoimento.

XXIV. Vejamos então as atitudes tomadas pelo Dr. BB que demonstram, ao contrário do erradamente decidido, uma diligência notória, aliás, nada comum na prestação dos serviços médicos, porquanto o ora Recorrente comunicou diária e diretamente com a A., acudindo sempre às suas queixas e pedidos, não obstante estivesse a 600 Km de distância (por ser essa a distância entre Porto e Faro).

XXV.Veja-se que, logo no dia 02-03-2016, primeiro dia em que foi comunicado o aparecimento de problemas, o Recorrente Dr. BB, através do email da clínica ..........@....., comunicou: “Quanto à inflamação dos glúteos é local ou dos dois lados? Tire-me uma foto e mande-me por favor, obrigado…”, tendo obtido resposta por parte da Recorrida, no dia seguinte, informando-o “Sinto-me melhor, mas como pode ver, um dos lados está péssimo” referindo-se à nádega direita e juntando foto.

XXVI. Por sua vez, e atento o comunicado, o representante legal da sociedade Ré, DD, mediante ordens do Dr. BB, enviou, através do mesmo email da clínica, logo no dia 04-03-2016, um email à Recorrida dizendo “Estive a falar com o doutor BB sobre a sua nádega e pensamos que se calhar era melhor você ver um voo e vir cá! Assim víamos como está isso e fazíamos antibiótico injetável. Que acha.”.

XXVII. Refere a Sentença que “pouca relevância se pode dar a esta comunicação, porque não parte do médico assistente (nem sequer se sabe se é enviada por um médico) e porque parece deixar à autora a análise da gravidade do seu estado, o que certamente não lhe compete”, análise com a qual não podemos, de todo, concordar!

XXVIII. Então a sociedade Ré serve para ser Ré pelos factos praticados pelos seus médicos mas já não serve para veicular uma mensagem do cirurgião que lá opera e em nome dele? É irrelevante quem dos RR. cirurgião e clínica enviou a mensagem à Autora, o que é relevante é que se tratou do veicular de uma comunicação do Réu cirurgião e a própria Autora não pôs em causa a genuinidade do teor e/ou autoria dessa mensagem, não duvidando que o médico cirurgião tivesse dado essa indicação, mensagem enviada pelo e-mail da clínica, a que o Tribunal deveria atribuir – como a A. o fez, não a questionando – toda a credibilidade, porquanto tal meio de comunicação já tinha sido utilizado pela mesma para diversas informações e comunicações, que, com todo o respeito, não se aceita que tenha “pouca relevância”!

XXIX. Ou melhor, e dizendo de outra forma: para poder condenar os RR. a Sentença a quo não tinha outro caminho senão considerar tal mensagem como tendo “pouca relevância” quando é evidente que o não tem e, na realidade, é fundamental para aquilatar, quer do zelo e diligência dos RR., quer da negligência e culpa da lesada!

XXX. Ora, é prática habitual e está em linha com as regras da experiência que tal informação não tenha sido enviado pelo médico assistente, mas por funcionários competentes da clínica, sendo perfeitamente normal que o médico, neste caso, o Dr. BB, delegue certas competências, nomeadamente para este tipo de comunicações, porquanto a carga de trabalho e as suas funções assim o impõe, o que aconteceu no caso – cfr. depoimento do representante legal da Ré, DD, nas declarações prestadas na audiência de 22/04/2024, Minuto 00:19:42 a 00:20:25, transcritas na Alegação 74º) que se dá por reproduzida.

XXXI. Muito menos se pode a Sentença apoiar na expressão “Que acha” para alegar que foi deixada à Autora uma análise da gravidade do seu estado, porquanto esta expressão é só uma maneira da pessoa se expressar com cortesia para convencer, no sentido de esperar uma resposta da Autora à sua comunicação averiguando a sua disponibilidade ou inquietações.

XXXII. Destarte, só se pode louvar a diligência com que atuou o Réu, Dr. BB, que estava a 600 m de distância, na resposta ao aparecimento desta infeção e das queixas apresentadas pela Autora e comunicadas pela Enf.ª CC, colocando-se à disposição para receber a Autora e efetuar os tratamentos que pudessem dar uma resposta mais célere – ainda que não única – à situação com que se tinha deparado.

XXXIII. Sucede que, a este email a Recorrida respondeu alegando dificuldades económicas para se dirigir ao Porto, preferindo portanto protelar a resolução do seu problema, desvalorizando a situação, quer porque não se dirigiu ao Porto, quer porque, uma vez aconselhada pela sociedade R. e pelo Dr. BB para que se dirigisse às urgências mais próximas da sua área de residência, não o fez.

XXXIV. O Dr. BB, face a este comportamento e preocupado com a Recorrida, mais uma vez, totalmente diligente e sempre respondendo às queixas desta, enviou para Faro, por intermédio de uma sua doente, que estava em trânsito entre as cidades do Porto e Vila Real de Santo António, 3 frascos de cefalozolina 1 gr. Iv/im para começar a ser aplicada localmente pela Enfª CC.

XXXV. No dia 06-03-2016, e face às comunicações da Autora e da Enfª CC, nomeadamente relativamente às dores de que padecia, o Dr. BB receitou à mesma Nimede, perguntando no dia seguinte “As dores acalmam alguma coisa com o nimesulide?”, mais uma vez se denotando aqui que respondeu a todas as queixas da paciente, procurando que a mesma não sentisse dores e recuperasse.

XXXVI. Uma vez que a situação não estava a melhorar, e a Recorrida continuava a mostrar-se intransigente no sentido de se dirigir às urgências da sua área de residência, no dia 09-03-2016, o réu Dr. BB, preocupado com a situação, ligou à Autora dizendo que pagava o bilhete de avião para que a mesma se dirigisse à clínica do Porto para ser tratada, tendo esta viajado para o Porto no dia 10-03-2016 – porquanto não havia viagens de Faro para o Porto no dia 9 – e ficando alojada na própria casa do Recorrente, passando este a tratar, pessoalmente, das curas diárias e administração de medicamentos, em bloco operatório, para conter a infeção, sem que lhe fosse cobrado qualquer valor pelos tratamentos e assumindo as despesas da viagem de avião e estadia da A. durante o tempo que para tais tratamentos permaneceu no Porto, o que a Sentença deu como provado.

XXXVII. Perguntamos: isto não é agir de forma cuidada, diligente, no puro interesse da paciente e de forma completamente altruísta? Por parte de quem estava a 600 km de distância? Claro que é!

XXXVIII. Portanto, imediatamente após o aparecimentos dos sintomas, foi pedido à Recorrida que se dirigisse às urgências ou então que viajasse ao Porto para ser analisada pelo médico cirurgião que a operou; perante a teimosia da Autora em fazer qualquer uma destas coisas, receitou medicação adequada ao quadro clínico apresentado, o que o mesmo só conseguia avaliar por fotografias e relatos escritos e orais com as limitações que obviamente resultam do distanciamento, chegando a pedir a uma paciente sua para lhe fazer o favor de levar medicação à Recorrida;

XXXIX. sabendo que a A. estava a ser acompanhada pela Enf.ª CC, em quem depositou a mesma confiança que a Autora lhe depositou, e acreditando que, estando esta mais próxima e a acompanhar diretamente a evolução do caso, aconselharia também a A. acerca das melhores ações a serem por esta adotadas;

XL. respondeu imediatamente às queixas das dores apresentadas pela A., receitando-lhe medicação adequada; quando a situação se torna insustentável quase que “obriga” a A./Recorrida, a dirigir-se ao Porto, pagando-lhe a viagem de avião, alojando-a na sua habitação própria e garantindo que assumia as despesas com a alimentação, estadia e todos os tratamentos.

XLI. Como é que perante todas estas diligências se pode afirmar que o médico cirurgião violou o dever acessório de acompanhamento subsequente à operação cirúrgica? Estando a 600 km de distância? É chocante uma conclusão contrária!

XLII. Erradamente expende a Sentença a quo que “também se provou que a autora deveria ter sido encaminhada pelo réu para um Centro Hospital público ou privado”, dando por certo que o Recorrente não o fez.

XLIII. Não se pode olvidar que as mensagens não esgotam os meios de comunicação entre Recorrente e Recorrida, não se tendo provado que tal indicação não tenha sido dada, resultado do depoimento do Recorrente, Dr. BB – transcrito na Alegação 98º) que se dá por reproduzida, aos minuto 00:32:14 a 00:32:50 e Minuto 01:33:28 a 01:35:18 – e do representante da sociedade Ré, DD – transcrito na Alegação 98º) que se dá por reproduzida, aos minuto 00:17:20 a 00:22:58, 00:37:31 a 00:38:21 e 01:02:10 a 01:04:18, foi pedido à A./Recorrida que se dirigisse às urgências em Faro, que certamente teria todas as condições para socorrer a primeira.

XLIV. Além do mais, cumpre perceber que era muito mais desresponsabilizador para os Réus/Recorrentes, e emerge das regras da experiência comum, que a Recorrida tivesse ido às urgência do Hospital em Faro, não se conseguindo conceber como é que pode o Tribunal a quo dar como provado que nunca tal sugestão foi dada pelos Réus, como se estes preferissem pagar as passagens de avião, tratamentos, estadia da A., ora Recorrida, alocando a equipa médica da clínica a realizar estes tratamentos.

XLV. Só se pode concluir que os comportamentos adotados pelo Réu/Recorrente Dr.BB não ficaram aquém do que era exigível a um médico que estava a 600 km de distância da Autora e, portanto, que aos RR. se exigissem diligência diferenciada e prudência de outro quilate e medida, sendo que, tendo a Sentença concluído com clarividência que não houve violação do dever principal que sobre os RR. impendia, mal andou em concluir que houve qualquer violação do dever acessório de cuidado e, consequentemente, que houve ilicitude, pelo que deverão os Recorrentes ser absolvidos da totalidade do pedido.

XLVI. Sem prescindir, e conforme supra alegado, os termos de consentimento foram explicados à Recorrida, não tendo a mesma levantado qualquer questão, sendo que consta dos consentimentos prestados, em letras maiúsculas “É IMPORTANTE QUE LEIA CUIDADOSAMENTE A INFORMAÇÃO ANTERIOR E QUE TENHAM SIDO ESCLARECIDAS TODAS AS SUAS PERGUNTAS ANTES DE ASSINAR O CONSENTIMENTO, DA PRÓXIMA PÁGINA!”

XLVII. Sendo que, conforme se pode verificar nesse mesmo consentimento consta como Riscos possíveis a “Infeção: A infeção é muito infrequente após este tipo de intervenção. Se ocorrer uma infeção, o tratamento pode incluir antibióticos ou cirurgia adicional”, motivo pelo qual sempre a Ilicitude de qualquer comportamento estaria excluído porquanto a Recorrida, no dia da cirurgia agendada para a A. ser intervencionada, leu e assinou os termos de consentimento (conforme doc. n.º 6 da Contestação).

XLVIII. Sem prescindir, há que atentar agora na CULPA DO LESADO, porquanto a Recorrida claramente foi negligente, desde cedo se denotando a não colaboração, de onde ressalta a responsabilização da Recorrida no desfecho da situação.

XLIX. Já vimos que, ao contrário das recomendações do Recorrente Dr. BB, ie, que no dia seguinte à cirurgia ficasse em repouso, a A., espontaneamente, decide acompanhar a sua amiga à clínica para ser intervencionada, tendo chegado a confessar que aproveitou esse dia para ir ao Shopping comprar uma prenda para o neto.

L. Também já vimos que decidiu ser acompanhada no pós-operatório por uma enfermeira de sua escolha, ao contrário das recomendações do médico cirurgião.

LI. Por fim, mostrou-se intransigente em dirigir-se à clínica dos Recorrentes ou ao serviço de urgências mais próximo da sua área de residência, quer mediante as recomendações dos Recorrentes, quer mediante sugestões das amigas da Recorrida.

LII. Mais gravoso, tem uma sobrinha que é médica e acresce que a sua médica de família é também sua amiga, conforme resulta dos depoimentos transcritos na Alegação 121º que se dá por reproduzida, depoimento do Dr. BB aos minutos 01:32:47 a 01:33:26, da Recorrida, Minuto 00:46:20 a 00:46:53, da testemunha HH, Minuto 00:15:30 a 00:17:05 e 00:29:57 a 00:31:23 e da testemunha II, Minuto 00:22:56 a 00:24:0, e não procura apoio nelas, que tinham conhecimentos e a podiam acorrer, e nada fizeram? Não é este ato que é negligente?

LIII. É que não se pode olvidar que a Recorrida tem direitos, mas também tem deveres, nomeadamente os constantes da Carta de Direitos e Deveres dos Doentes, disponibilizada pela Ordem dos Médicos, dos quais resulta, nomeadamente que, “1. O doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde. Isto significa que deve procurar garantir o mais completo restabelecimento e também participar na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive; e 4. O doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites.”

LIV. Resultou provado que a ida às urgências foi sugerida pelas amigas e irmã da Recorrida - testemunhas HH, cfr. transcrição na Alegação 125º) que se dá por reproduzida, aos Minuto 00:12:20, 00:36:44 a 00:38:44 e 00:40:18 a 00:41:42, II, cfr. transcrição na Alegação 121º) que se dá por reproduzida, aos Minuto 00:19:30 a 00:22:34 e FF, cfr. transcrição da Alegação 121º) que se dá por reproduzida, ao Minuto 00:27:09 a 00:29:42 –tendo-se a Recorrida mostrado intransigente, teimando não ceder, estando perfeitamente capaz de tomar decisões relativamente à sua saúde, não se dirigindo a uma urgência pura e simplesmente porque não quis – cfr. depoimento do representante legal da sociedade Ré, transcrito na Alegação 121º que se dá por reproduzida, ao Minuto 00:38:23 a 00:40:00, que afirma que a Recorrida se encontrava em sofrimento aquando da chegada ao Porto, também se reconhecia que não estava num estado que não conseguisse tomar essas decisões relativamente à sua saúde.

LV. Sendo certo que nenhuma destas amigas e irmã da Recorrida efetivamente chamou ajuda ou levou a Recorrida seja onde for, vindo defender que era o médico – que estava a 600 km de distância – que deveria ter atuado de outra forma?

LVI. Assim, é indubitável que estamos perante uma situação de culpa do lesado, nos termos do art. 570º do CC, que deveria ter sido declarada.

LVII. Concluindo, a responsabilidade médica não se configura automaticamente com a ocorrência de lesão, podendo haver fatores clínicos não imputáveis ao profissional de saúde.

LVIII. Sabendo-se que é discutível se a cirurgia estética configura uma obrigação de meios ou de resultado, a quaestio decidenda neste recurso ultrapassa tal discussão porquanto a Sentença concluiu pela não violação das legis artis no que concerne à cirurgia propriamente dita mas sim somente quanto ao zelo, diligência e o dever de cuidado no pós-operatório que sobre o Réu cirurgião impendia e, nesse quid, a obrigação é manifestamente de meios e não de resultado, isto é, uma obrigação de empregar todos os esforços ao seu alcance a favor do paciente, e não já produzir um resultado esperado, porque na prestação de serviço podem interferir variáveis absolutamente incontroláveis e imprevisíveis, como o paciente não seguir as recomendações do médico, mesmo que empregue toda a diligência que lhe era exigível no caso em concreto.

LIX. É evidente que os RR. cumpriram, até num grau superior ao que lhes era exigível, com os seus deveres de zelo, diligência e de cuidado no pós-operatório que sobre o Réu cirurgião impendia, atendendo a que se encontravam a 600 km de distância da área de residência da Autora, que ainda assim os escolheu para lhe prestarem os serviços médicos de cirurgia estética em causa mas que os não escolheu para lhe assegurarem todo o pós-operatório pois era bem conhecedora das limitações que uma distância Porto-Algarve se traduziria no acompanhamento após cirurgia.

LX. Pensemos nos tão em voga pacientes portugueses que decidem ir à Turquia fazer implantes capilares em estabelecimento médico turco: defende-se que tais pacientes deverão esperar do cirurgião que os opere que este lhes dê o mesmo apoio em termos de pós-operatório que um cirurgião da sua área de residência poderia dar? Deve exigir-se do cirurgião turco a mesma perceção do estado do paciente e atuação estando ele na Turquia e o paciente em Portugal do que de um cirurgião da área de residência do paciente em Portugal? Obviamente que não, e o Julgador tem que saber cotar devidamente as responsabilidades do médico mas também as do paciente na análise concreta do caso, o que não aconteceu, aos RR. tudo se lhes exigindo e à Autora nada se lhe exigindo e até aplaudindo a sua passividade.

LXI. Aliás, a Autora esteve presente em Tribunal e tem umas ótimas figura e expressão facial também em resultado da cirurgia que fez com os RR, aparentando ter 10 anos a menos do que a idade que tem.

LXII. Destarte, a ação deveria ter sido julgada totalmente improcedente por não provada, motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por outra que absolva os Réus do pedido, tendo sido violados os arts. 798º e 570º do CC, o art. 614º do CPC bem como os demais normativos aludidos da lei adjetiva.

LXIII. Cumpre deixar uma nota final quanto ao seguro de responsabilidade civil para explicar a falta de culpa do Réu em não ter seguro como especialista, porquanto o Réu cirurgião desconhecia que a seguradora Chamada, então “D..., Sucursal em Portugal” e atual E..., não fosse também a seguradora titular da apólice de grupo da Ordem dos Médicos, até porque já o foi, não se tendo o R. apercebido disso que o deixara de ser, sendo prova disso exatamente o facto de apenas ter chamado aos autos a seguradora titular do seguro complementar - - e não (também) a seguradora que (pelos vistos) era a titular da apólice da Ordem dos Médicos.

LXIV. Por tal motivo apenas fez intervir esta seguradora nos autos e não também a seguradora de grupo da Ordem dos Médicos, que pensava ser a mesma e, por tal razão, a seguradora Chamada não teve atualização da especialidade do Réu, ao contrário da seguradora da Ordem dos Médicos, que recebe essa informação atualizada da própria Ordem dos Médicos.

LXV. Tal infortúnio significou que, nem a seguradora de grupo da Ordem dos Médicos foi chamada aos autos, e nem a seguradora do seguro complementar aceita responsabilidade porque alega não ter sido atualizada a especialidade do Réu na apólice complementar do réu, o que implica que a condenação objeto da Sentença em crise esteja a ser imputada na totalidade aos RR..

Nestes termos e nos demais de Direito, que V.ªs Exas. doutamente suprirão, deverá a Apelação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida e ser substituída por outra decisão que absolva os Réus dos pedidos, assim se fazendo a acostumada Justiça.”

A Autora AA, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:

I.Bem andou o Tribunal “a quo” ao ter decidido como decidiu na douta Sentença ora proferida em 22-05-2024, ao julgar a presente ação de processo comum, parcialmente procedente por provada, e, em consequência, condenou os Recorrentes, “…solidariamente, no pagamento à autora da quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento” e absolvendo os “…réus do mais peticionado”;

II. Pelo que, foram os Recorrentes condenados pela procedência parcial dos pedidos contra si formulados pela Recorrida;

III. Fixado o objeto do litígio e sopesada a prova documental arrolada junto aos Autos a par daquela produzida em audiência de julgamento, nenhum outro desfecho se poderia esperar ou ocorrer;

IV. Pelo que a Recorrida está convicta, que não assiste qualquer razão aos Recorrentes, para virem alegar que a presente Apelação, mereça provimento por parte de V. Excias;

V. Reportando-se aos factos provados e não provados, os Recorrentes, inconformados, vieram alegar que o facto provado 89, “A autora sentiu-se enganada em todo o processo, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética”, não poderia ter sido dado como provado, naqueles termos. (art.º 13 das alegações);

VI. Em abono da verdade, a Recorrida deslocou-se à clínica C..., sito em Faro, por ser um espaço que tem por objeto comercial, tratar pacientes que necessitam de cuidados de medicina e de cirurgia estética, (WWW.C....pt), para ali, ser atendida por um especialista em cirurgia plástica e estética, tendo o Recorrente cirurgião se apresentado como tal;

VII. Após expor as suas preocupações, que visavam melhorar a sua performance corporal e estética e a sua autoestima, o Réu cirurgião anuiu às suas pretensões, indicando desde logo o tipo de operação a realizar (lipoaspiração), os locais do corpo a intervir, os valores a cobrar e a data para a realização da intervenção cirúrgica:

- Depoimento da Recorrida D. AA, em 01-02-2024, ao minuto 00:15:14 a 00:15:34 transcrito no articulado 23 supra, que se dá aqui por reproduzido;

VIII. Pelo que decidiu, e bem, o tribunal “a quo” em considerar o facto 89 como provado, nos termos ali pronunciados;

IX. Alegam os Recorrentes que deveria ter sido dado como provado o facto 169. “A autora nasceu em 1954.”, dado que tal situação resulta da prova produzida em audiência de julgamento, (artigos 19 e 20 das alegações);

X. Compulsado os autos, resulta que nenhum documento de identificação foi solicitado ou apresentado pela Recorrida, que comprovasse, de facto, a sua idade;

XI. Para além das declarações meramente circunstanciais proferidas pela Recorrida, quando alegou sentir-se ainda muito nova e ativa à data da intervenção cirúrgica, alegando “…teria para aí uns 62 anos.”, tal não prova que naquela data, a Recorrida teria de facto, a idade que alegou ter;

XII. Compulsado o “Relatório Médico” (doc. 4 da P.I.), elaborado pelo Recorrente cirurgião, datado de 25-03-2016 é referido no 1º parágrafo, “Doente de 61 anos de idade…”;

XIII. E por existir dúvidas quanto à idade da Recorrida à data da intervenção cirúrgica e por esta não ter sido comprovada por documento de identificação idóneo, andou bem o Tribunal “a quo” em considerar como não provado o facto nº 169;

XIV. Alegam ainda os Recorrentes, que deveria ter sido dado como provado o facto 147, “Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação.”. (art.º 22 das alegações);

XV. Conforme o “Relatório Médico (doc. 4 – parágrafo 6º da P.I.), a intervenção cirúrgica teve uma duração de 04:00 horas, seguida do recobro pós-cirúrgico com a duração de 06:00 horas, na sequência do qual, foi dado Alta Clínica à Recorrida, tendo esta regressado ao hotel/residência, “…medicada com ciprofloxacina 500 de 12/12, zaldiar 6/6, brufen 600 8/8.”;

XVI. Foi também colocada uma cinta para contenção no abdómen (e não no pescoço) e feita a recomendação para fazer repouso, não tendo a Recorrida recebido por parte do Recorrente cirurgião, quaisquer outras recomendações terapêuticas. (doc. 4 – parágrafo 7º da P.I.);

XVII. Em 27-02-2016, 48:00 horas após o ato cirúrgico, o Recorrente cirurgião entregou uma carta fechada à Recorrida que estava de partida para Faro, a fim de ser entregue à enfermeira CC, “…com cuidados à enfermeira”, transmitindo apenas à Recorrida “…recomendações de repouso e descanso” conforme “Relatório Médico” de 25-03-2016. (doc. 4 – parágrafo 8º da P.I.);

XVIII. Pelo que, decidiu bem o Tribunal “a quo” ao considerar o facto 147 como não provado, por entender que “…as declarações de parte do réu apenas foram sustentadas por DD, pessoa que por causa da sua ligação à clínica ré, tem forte interesse no desenlace dos autos e que, atentas as funções que declarou desempenhar na ré, não se vê porque razão teria conhecimento direto de tais factos.”;

XIX. Acrescentando ainda aquele tribunal “a quo”, “Assim, na dúvida, não conseguiu o tribunal dar tais factos como provados, isto é, que logo nesse momento tivessem tais recomendações sido prestadas à autora.”;

XX. Pelo que mais uma vez, andou bem o Tribunal “a quo” em decidir como decidiu;

XXI. Alegam os Recorrentes que deveria também ter sido dado como provado o facto 166. “A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e resposta a todas as suas questões.”, (art.º 31 das alegações);

XXII. Na 1ª e única consulta com o Recorrente cirurgião, a Recorrida manifestou a vontade de melhorar a sua performance e estética corporal, na sequência da qual, foi-lhe dado explicações de forma sucinta, sobre o tipo de operação cirúrgica, as zonas do corpo a intervir, a quantidade de material biológico a transferir de uma zona para outra zona do corpo, bem como, os valores a cobrar pelo trabalho a executar pelo Recorrente cirurgião, conforme doc. 2 junto à da P.I.;

XXIII. Não lhe foram explicados os cuidados a ter no pré e no pós-operatório, nas eventuais situações de risco que podem ocorrer no intraoperatório devido aos efeitos da anestesia geral, e, após a intervenção cirúrgica, que tipo de cuidados a ter em caso de ocorrer uma discência das suturas e ou infeção grave das feridas operatórias, que tipo de sequelas poder-se-ão manifestar decorrentes da intervenção cirúrgica, bem como, que tipo de apoio psicológico no caso de vir a ser necessário,

XXIV. ou ainda, recorrer a um Hospital/Centro de Saúde, em caso de complicações no pós-operatório que coloque em risco a vida da Recorrida, onde (apesar da troca de inúmeras mensagens por e-mails e por WhatsApp, desde o dia da alta clínica (25-02-2016) até ao dia em que foi novamente chamada à clínica dos Recorrentes, no Porto (10-03-2016), para fazer a limpeza cirúrgica dos vários focos de infeção, (doc. 4, parágrafos 13 e 16 da P.I.), não houve por parte dos Recorrentes qualquer recomendação verbal ou escrita à Recorrida ou à Enf.ª CC, nesse sentido;

XXV. Sem prescindir, no dia da intervenção cirúrgica, (25-02-2016), foram entregues pela testemunha DD e pela funcionária administrativa (e não enfermeira) D. EE, dois documentos intitulados “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA A REALIZAÇÃO DA ANESTESIA GERAL” e “CONSENTIMENTO INFORMADO PARA LIPOASPIRAÇÃO”, para ler e assinar. (doc. 6 da contestação);

XXVI. Apenas, a testemunha DD, aquando da entrega dos mesmos, dirigiu-se à Recorrida e disse-lhe: “olhe leia”, não tendo sido dadas quaisquer explicações acerca do conteúdo daqueles documentos:

- Depoimento da Recorrida, D. AA, em 01-02-2024, ao minuto 00:13:58 a 00:14:28 e ao minuto 00:16:50 a 00:17:45, transcrito no articulado 49 supra, que se dá aqui por reproduzido;

XXVII. As declarações de parte prestadas pela Recorrida, aliadas às declarações prestadas pelo Recorrente cirurgião e pela testemunha DD (já transcritas nas alegações de recurso), não deixam antever que tivesse sido solicitado à Recorrida o seu consentimento livre e informado, dado que a mesma não foi esclarecida sobre os riscos que estaria sujeita com a infiltração de material biológico retirado em determinadas zonas do corpo (gordura) e injetado em várias outras zonas do mesmo, (lipoaspiração), nem tampouco, sobre os riscos de uma anestesia geral ou sobre eventuais sequelas, no caso de vir a ocorrer uma infeção ou uma hemorragia em rede, no local das incisões cirúrgicas e zonas circundantes;

XXVIII. O Recorrente cirurgião nada disse e a testemunha DD que no primeiro contacto dirigiu-se à Recorrida, dizendo “olhe leia”, não possui quaisquer habilitações académicas nem formação técnica adequada na área da saúde, para prestar informações ou transmitir de forma clara, os esclarecimentos sobre os riscos de uma anestesia geral ou de uma cirurgia de lipoaspiração;

XXIX. Ainda sobre o consentimento informado para o ato anestésico, foi ouvida a testemunha GG, médico anestesista que esteve presente no ato operatório:

- Depoimento da testemunha Sr. Dr. GG, em 01-03-2024, ao minuto 00:06:44 a 00:08:54 e ao minuto 00:46:33 a 00:50:29, transcrito no articulado 53 supra, que se dá aqui por reproduzido;

XXX. Pelas declarações acima transcritas podemos concluir que nada fora transmitido à Recorrida, sobre os riscos de uma anestesia/sedação que durou cerca de 08:00 a 10:00 horas, entre o período em que a Recorrida esteve no bloco operatório onde foi operada e a sala de recobro onde acordou e teve alta clínica;

XXXI. Esta testemunha sobre o consentimento informado, resumiu desta forma: “…é dito à doente para ler o consentimento e assinar e se tiver dúvidas perguntar e nós esclarecemos…”, situação incompreensível e contrária às diretrizes da (DGS) que prevê que o consentimento informado, “…é um processo pelo qual um cidadão é devidamente informado sobre os riscos, benefícios e alternativas sobre um determinado procedimento médico ou intervenção, o qual tem a capacidade de tomar uma decisão livre e esclarecida sobre o assunto.”, (Norma 15/2013 DGS de 13-10-2013, atualizada a 04/11/2015), em WWW.dgs.pt ;

XXXII. Pelo que andou bem o tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, ou seja, não houve por parte dos Recorrentes “…o cuidado de, para tal intervenção, se obter o consentimento informado escrito (sendo certo que se o houvesse de certeza que os réus o teriam junto aos autos), não consegue o tribunal ficar seguro de que todos os riscos da intervenção, incluindo obviamente os que decorreram da infiltração da gordura retirada tivesse sido efetiva e devidamente esclarecidos à autora.”;

XXXIII. Razão pela qual, o Tribunal “a quo” não tivesse dado como provado, e bem, o facto constante no ponto 166 da Sentença;

III – DA ANÁLISE DOS CONTEÚDOS DO CAPÍTULO E SUB-CAPÍTULOS C E D

XXXIV. Trata-se de um conjunto extenso de efabulações desprovidas de qualquer fundamento, sistematicamente enredadas à volta das mesmas questões, reveladoras de uma personalidade de mau perdedor, que apenas e só, tem por objetivo, lançar o descrédito sobre as provas oferecidas pela Recorrida e pela decisão do Tribunal “a quo”, que se mostra ponderada e justa;

XXXV. Destarte, é convicção da Recorrida, que o Tribunal “a quo”, andou bem ao ter decidido como decidiu, conforme a douta Sentença, ao declarar a presente ação parcialmente procedente por provada, e, em consequência, condenar os Recorrentes “…solidariamente, no pagamento à autora da quantia de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal de juro civil, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento” e absolvendo os “…réus do mais peticionado”;

Pelo exposto, deverão Vossas Excias, Senhores Juízes Desembargadores, decidirem pela improcedência do presente recurso de apelação, e, em consequência, manter a decisão recorrida proferida pelo Tribunal “a quo”, pois ao decidirem desse modo, farão como sempre, a costumada Justiça.”

O recurso foi admitido como APELAÇÃO, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644º, n.º 1, al. a), 645º/1/a) e 647º/1, do CPC).

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões decidendas são as seguintes:

-questão prévia suscitada nas contra-alegações da eventual violação do art. 640º nº 1 do CPC pelos recorrentes;

-modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação;

-(in)cumprimento dos deveres laterais de conduta, pelos réus;

- verificação de culpa da lesada.

III-FUNDAMENTAÇÃO[1]:

Na sentença, foram julgados provados os seguintes Factos:

1. O réu BB, é médico, inscrito na Ordem dos Médicos inscrito na Ordem dos Médicos como “médico especialista em cirurgia maxilofacial” e exercia, à data da prática dos factos, a atividade de cirurgia plástica/estética, no A..., por conta, no interesse e sob as ordens de A..., L.da.

2. Por sua vez, o A..., Lda., é propriedade e/ou é explorado pela A..., Lda.

3. Por sentir a necessidade de melhorar o seu aspeto físico e combater o envelhecimento, a autora, esteve presente numa consulta de cirurgia plástica/estética, no C..., sito em Faro, em 12 de Fevereiro de 2016.

4. Ali, foi atendida pelo réu cirurgião, que, após observação da autora, se propôs a executar uma intervenção no âmbito da cirurgia estética, que consiste na lipoaspiração à barriga e flancos num total de mais ou menos 2.500cc e proceder à transferência em simultâneo daquele material biológico, para as bochechas sulcos, rabo 300ml cada e mamas 120ml cada, barbela e pescoço.

5. No decorrer dessa consulta ocorrida nas instalações da C..., em Faro, acordou (contratualizou) com o réu cirurgião para na data de 2016-02-25, ser submetida a uma intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, se concretizou na “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular; foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total der 40cc no rosto; lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano”, e ainda, “lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas e 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios”.

6. Referiu ainda o réu cirurgião, que o valor a pagar por aquela cirurgia

estética, seria de mais ou menos “€3.500,00 euros”.

7. No decorrer daquela consulta, ficou logo agendada a intervenção cirúrgica da autora, a qual iria decorrer e ocorreu na clínica da ré sociedade, sediada na cidade do Porto, no dia 2016-02-25.

8. Ainda durante esta consulta, foi solicitado à autora a transferência para a conta da ré sociedade, do valor de €300,00 euros, para dar inicio ao

processo, tendo em vista a cirurgia.

9. Valor esse, que foi depositado no dia 2016-02-16.

10. No dia 2016-02-25, pelas 09:00 horas, a autora deu entrada na clínica de cirurgia estética do “A...”, sito no Porto, com o diagnóstico de “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial e enxerto de gordura nas nádegas e seios bilateralmente.”, e ainda, “…blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular”, conforme descrito no Relatório Médico elaborado pelo réu cirurgião, que junta (documento 4 junto com a petição inicial que se dá como reproduzido).

11. Antes de iniciar os preparativos para a intervenção cirúrgica, foi-lhe exigido pela funcionária/rececionista da referida clínica, o pagamento da cirurgia na totalidade, isto é, o valor de €3.135,00 euros, conforme fatura nº ..., emitida em nome da ré sociedade.

12. Após entrega de exames complementares de diagnóstico, que a autora transportava consigo, (eletrocardiograma, mamografia e análises ao sangue) esta submeteu-se à preparação pré-operatória por volta das 10:00 horas.

13. Tendo de seguida sido intervencionada sob anestesia geral, pelo réu cirurgião e pelo Dr. GG, (anestesista), tendo sido realizada uma lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas.

14. Foi ainda realizada, a infiltração de 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios.

15. Durante aquela intervenção cirúrgica, foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos Naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total de 40cc no rosto.

16. No mesmo ato cirúrgico foi executada lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano.

17. Após recobro pós-cirúrgico de 6 horas, a autora teve alta, medicada com ciprofloxacina 500 de 12/12, zaldiar 6/6, brufen 600 de 8/8.

18. Todo o material/tecido extraído, e posteriormente recolocado deveria ser executado em sala operatória asséptica e adequada àquele tipo de intervenção cirúrgica, e executada por profissionais conhecedores na matéria.

19. A autora após recobro saiu da clínica acompanhada por DD, indo juntos lanchar ao bar do Ginásio existente no mesmo edifício.

20. E que após refeição a transportou para a pensão onde esta ficara alojada que dista da clínica da ré sociedade cerca de 500 metros.

21. No dia seguinte, 26-02-2016, sexta-feira, a autora deslocou-se à clínica da ré sociedade, para acompanhar a sua amiga FF a fim desta ser submetida também, a uma intervenção cirúrgica.

22. No dia 27 de Fevereiro de 2016, sábado, a autora regressa à clínica da ré sociedade para avaliação clinica, onde foi feito pelo réu cirurgião, a troca dos streril streeps das suturas oculares, apesar de a autora manter o inchaço e pouca mobilidade pálpebra inferior.

23. Após a mudança dos pensos, a autora voltou a colocar a cinta compressiva à volta do tronco/abdómem e o soutien, de modo a permitir uma

compressão de toda aquela região que fora intervencionada.

24. Ainda neste dia 27-02-2016, foi-lhe dada uma carta pelo réu cirurgião para ser entregue à Enf.ª CC que reside em Faro, com cuidados a enfermeira, dando também a indicação para manter a medicação via oral, e com recomendações de repouso e descanso, conforme documento n.º 6 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

25. Por volta das 16:00 horas, a autora é levada diretamente ao comboio de carro, pelo réu cirurgião.

26. E, sabendo o réu cirurgião, que a autora necessitaria de fazer repouso, não deu indicações à autora, que não poderia regressar de comboio, à sua residência, em Faro, logo em 2016-02-27.

27. Fazendo a viagem de comboio sentada.

28. Situação que lhe causou muitas dores nas nádegas.

29. No 3º 4º e 5º dia após a intervenção cirúrgica, a autora permaneceu na sua residência cumprindo apenas com o plano terapêutico que lhe fora instituído pelo réu cirurgião sendo, neste período de recuperação da intervenção cirúrgica, acompanhada por enfermeira escolhidos por si e não pelos réus.

30. No dia 02-03-2016 e já em Faro, a autora deslocou-se à casa da enf.ª CC para retirar os pontos e fios de sutura das zonas intervencionadas, as quais se apresentavam com cicatrizes com boa evolução, colocou-se streril streep dois dias de precaução, conforme comunicação enviada por aquela enfermeira ao réu cirurgião, através do e-mail ..........@..... pelas 18:31 horas, onde anexou duas fotos, (fotografias 1 e 2 do documento 7 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

31. O réu cirurgião respondeu através de e-mail ..........@..... pelas 19:05 horas, dizendo “Olá tudo bem. Sim é melhor fez muito bem”.

32. A enf.ª CC, pela mesma via eletrónica e ainda no dia 02-03-2016, informa o réu cirurgião do seguinte: “Zona nadegueira esquerda com sinais inflamatórios e vermelhidão, sugeri inicio de cueca de algodão e uma noite sem o nylon da cinta no local retirados todos os pontos. O que sugerem?”.

33. Na sequência deste e-mail e no próprio dia 02-03-2016, o réu cirurgião pergunta à enf.ª CC: “Quanto à inflamação dos glúteos é local ou dos dois lados?” e “Tire-me uma foto e mande-me por favor, obrigado…” (fotografia 3, conforme doc. 8, junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido).

34. E para a autora começar a toma de Augmentin DUO (antibiótico).

35. No dia seguinte 03-03-2016, a autora enviou e-mail ao réu informando-o, “Sinto-me melhor, mas como pode ver, um dos lados está péssimo.”, referindo-se à nádega direita e juntando foto (fig. 5 do documento 9 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

36. No dia 04-03-2016, a autora recebeu, por interposta pessoa que não se identifica, pelo e-mail da clínica da ré sociedade, a resposta ao seu e-mail enviado no dia anterior, onde se dizia, “Estive a falar com o doutor BB sobre a sua nádega e pensamos que se calhar era melhor você ver um voo e vir cá! Assim víamos como está isso e fazíamos antibiótico injetável. Que acha”.

37. Neste mesmo dia, a enf.ª CC, foi à residência da autora, onde procedeu à retirada dos pontos dos sulcos nadegueiros os quais estavam com francos sinais inflamatórios.

38. Aquela enfermeira, tirou fotos das zonas intervencionadas nas nádegas e enviou ao réu cirurgião, (fotografias 6 e 7 do documento 10 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

39. Em consequência desta informação, o réu cirurgião enviou, por intermédio de uma sua doente, que estava em trânsito entre as cidades do Porto e Vila Real de Santo António, 3 frascos de cefalozolina 1gr. Iv/im para começar a ser aplicada localmente.”.

40. Tal antibiótico “cefalozolina” foi aplicado pela enf.ª CC diretamente nos orifícios por onde fora injetado o material biológico (tecido gorduroso/adiposo) durante a intervenção cirúrgica, o que provocou dores intensas, difíceis de suportar pela autora.

41. No dia 05-03-2016, a enf.ª CC voltou a fazer a limpeza dos orifícios/fístulas e respetivos pensos, onde aplicou, pela 2ª vez e diretamente naqueles orifícios/fístulas, o mesmo antibiótico, o que voltou a provocar fortes dores à autora, as quais só aliviaram com a colocação de gelo no local.

42. Levando a enf.ª CC, a reportar ao réu cirurgião, que a autora refere dificuldades devido às dores de aplicar a cefazolina localmente.

43. A situação clínica da autora era cada vez mais grave, devido à infeção generalizada nas nádegas e nos seios, provocando fortes dores generalizadas e insuportáveis.

44. Até que, que no dia 06-03-2016, a autora já nem conseguia sair da cama, pois os sinais inflamatórios nas zonas intervencionadas eram muito significativos, (fotografias 8 e 9 que integram os documentos 10 e 11 juntos com a petição inicial que se dão por reproduzidos).

45. Neste dia, a enf.ª CC procedeu à desinfeção das zonas intervencionadas e, ao aperceber-se da gravidade da situação, reportou ao réu cirurgião que a autora refere inflamação da região nadegueira contra lateral e aparecimento de hematomas no rosto, no peito e por volta da área lipoaspirada.

46. No dia 6 de Março de 2016 o réu BB recebeu as imagens da região nadegueira da paciente onde se notava claramente um processo infecioso e não inflamatório, mantendo, então, ciproflaxina, amoxicilina-clavulamico, via oral, e cefazolina, localmente.

47. E reforçou a terapêutica anti-inflamatória e analgésica para fazer face às intensas dores que a autora sofria, começando a fazer Nimede.

48. No dia 07-03-2016, o réu cirurgião pergunta “As dores acalmam alguma coisa com o nimesulide?”.

49. Ao que a autora responde, “As dores acalmam muito pouco, mas logo vem de novo pq rebentam outras bolhas”, e anexa as fotografias, (fotografias 10, 11 e 12 do documento 12 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

50. Tendo o réu cirurgião constatado que a doente apresenta muitas queixas e dores na região nadegueira esquerda e claros sinais de inflamação do lado contra lateral, assim como, começa a referir a mesma situação no peito direito.

51. E acrescenta, no relatório médico junto como documento n.º 4 com a petição inicial: “Fala-se com ela da disponibilidade de subir ao Porto e ficar vários dias para fazer uma cura mais intensiva e num local adequado a higiene médica.”, concluindo, “Ela refere não ter disponibilidade financeira para suportar os custos do hotel. Nós disponibilizamos o bilhete de avião assi como a locação durante a estância.”.

52. No dia 7 de Março de 2016 a paciente revela má evolução aos antibióticos, com sinais de rubor e calor, na região nadegueira e no dia 8 de Março de 2016 apresenta sinal grave na parte inferointerna da nádega esquerda, tendo o réu BB dado instruções à senhora enfermeira para que lhe extraísse todo o material purulento e infecioso.

53. Em 08-03-2016, o aspeto das vias de acesso cirúrgico nas nádegas para onde fora transferida/injetada gordura, era aquele que se pode observar, nas fotos figs. 13 e 14 constantes do documento 13 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

54. Tendo a enf.ª CC neste dia, procedido à drenagem de matéria mucopurulenta dos abcessos da nádega esquerda, tirou fotos antes e após o tratamento e enviou ao réu cirurgião, (figs. 15, 16 e 17 constantes do documento 14 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

55. Dia 09-03-2016, 4ª feira, (décimo terceiro dia após a intervenção cirúrgica), o estado clínico da autora era cada vez mais grave, devido às zonas necrosadas, e das fístulas/feridas que se abriam espontaneamente nas nádegas (visíveis nas figs. 18, 19, 22 e 23 que integram os docs. 15 e 16 da petição inicial que aqui se dão por reproduzidos).

56. Neste dia, o réu cirurgião telefonou à autora a propor a sua ida ao Porto a fim de ser tratada na sua clínica.

57. Ao que a autora respondeu afirmativamente, tendo o réu cirurgião enviado um bilhete de avião para o dia seguinte.

58. Dada a indisponibilidade económica da autora, e a necessidade de acompanhamento médico, o réu BB alojou a autora em sua própria casa, no Porto, passando a tratar, pessoalmente, das curas diárias e administração de medicamentes, em bloco operatório para conter a infeção, nas instalações da ré sociedade, sem que lhe fosse cobrado qualquer valor pelos tratamentos e assumindo as despesas da viagem de avião e estadia da autora, durante o tempo que para tais tratamentos permaneceu no Porto.

59. No dia 10-03-2016, logo pela manhã, a autora, seguindo as indicações do réu cirurgião, tirou fotos logo pela manhã, às zonas intervencionadas e enviou por e-mail ao réu cirurgião, (conforme fotografias 24 e 25 que integram o documento 17 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

60. Pelas 21:35 horas, a autora chegou ao aeroporto do Porto, onde o réu cirurgião a esperava, seguindo de imediato para a clínica, onde é feita lavagem no bloco operatório sob sedação, antibioterapia iv. (cefazolina+penicilina & benzatina 24000000U im), analgesia iv., lavagem com soluto de Dekam, assim como drenagem cirúrgica da nádega contra lateral com resultado de 200cc de material necrótico-purulento.

61. Já no bloco operatório da clínica, a autora foi sedada/anestesiada, com tipo e forma de aplicação não concretamente apurados.

62. No dia 11-03-2016, a autora retoma os mesmos tratamentos do dia anterior, mas desta vez incluindo o seio direito, onde fez drenagem de material de natureza necrótica sem sinais de infeção.

63. A limpeza das locas/feridas e os tratamentos prosseguiram, executados pelo réu cirurgião, bem como a terapêutica antibiótica e anti-inflamatória, sempre sob sedação até ao dia 25-03-2016.

64. Durante aqueles tratamentos, o réu cirurgião esteve ausente por um dia, tendo ficado a Dr.ª JJ a substitui-lo, e, como tal, procedeu à limpeza cirúrgica das locas/feridas.

65. No dia 25-03-2016, a autora regressou a casa (Faro), mantendo a terapêutica antibiótica injetável prescrita, e, com o seio direito ainda com fístula e dreno, para instilação da loca no buraco inferior do sulco infra mamário.

66. A autora, encontrava-se ainda com lesões graves, quer ao nível das nádegas, quer ao nível dos seios.

67. Tendo continuado, conforme instruções do réu cirurgião, a fazer os pensos às lesões, mas, desta vez, no Centro de Saúde ... e sob a orientação da sua médica de família, Dr.ª KK.

68. No dia 12-04-2016, o estado das lesões contraídas pela autora, decorrentes da cirurgia estética, é o que consta das fotografias 26 e 27 juntas com o documento 17 da petição inicial que aqui se são por reproduzidas.

69. No dia 13-04-2016 o réu cirurgião pergunta à autora se “…fuiste Al ginecólogo?”, ao que a autora responde “Olá, sim jah fui. Vou fazer uma ecomamaria. Receitou m ananase. Qdo tiver resultado volto para continuar a observacao”, e termina dizendo “Fiquei desolada quando vi para alem da cicatriz a diferença de tamanho entre as mamas”, (conforme documento 19 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

70. No dia 19-04-2016, a autora ainda mantinha pontos cirúrgicos para retirar das lesões.

71. Em 22-04-2016, a autora envia comunicação eletrónica de onde consta “Hoje retirei os restantes pontos (…) É igualmente dia do m aniversário e não paro de chorar qdo olho para as suturas das nadegas e do peito. Nem consegui vestir uma blusa um pouquinho degotada…”, enviando as fotografias 28 e 29 que integram o documento 22 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

72. Em 28-04-2016, a autora envia nova comunicação eletrónica ao réu cirurgião, informando-o que dá “…Graças a Deus por ter sobrevivido, mas não resisti ah depressão …”, ao mesmo tempo que junta novas fotos que refletem as sequelas com que ficou, (fotografias 30, 31 e 32 que integram o documento 23 da petição inicial que aqui se dá por reproduzido).

73. A autora sentiu ansiedade e mergulhou num quadro depressivo após a realização da operação cirúrgica.

74. Em 16-05-2019, na sequência de várias consultas de psiquiatria a que a autora se submeteu, na Clínica ..., em Faro, foi-lhe diagnosticado um “…quadro depressivo reativo a cirurgia plástica mal sucedida, com varias complicações e sequelas físicas graves, sentindo-se mutilada”.

75. As suturas acabaram por fechar/sarar, deixando cicatrizes inestéticas hiperpigmentadas, que revelam uma grande depressão nas duas nádegas e no seio direito, ficando este maior que o seio esquerdo e o abdómen, com cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal

76. Causa sofrimento à autora não poder vestir uma peça de roupa mais decotada.

77. Desde que foi operada, a autora evita ir à praia e vestir um biquíni que sempre usou desde muito nova, causando-lhe grande perturbação psicológica e desconforto.

78. As cicatrizes que fecharam por segunda intenção, formaram grande contração cutânea dos músculos glúteos.

79. Teve constantes dores e esteve sem posição postural para dormir, atendendo ao período de tempo decorrido desde a data da intervenção cirúrgica, até a data da cura/consolidação, médico-legal.

80. Em 05-07-2016 a autora queixava-se que se sentia mutilada, por ter sinais muito visíveis a nível do peito e nádegas.

81. E que se sentia-se muito desconfortável pelas marcas físicas que ostentava.

82. Sente retração e inibição no envolvimento afetivo e sexual

83. Nesta data, por força da infeção que sobreveio e teve causa na cirurgia aqui em causa, a autora apresenta:

a. A nível do tórax, assimetria mamária com hipotrofia da glândula mamária direita ligeira, cicatrizes operatórias da parte superior da glândula mamária direita com 3cm e outra 2 da região inframamária bilateral de 1,5 cm e cicatriz intermamária transversal de 3*3 cm.

b. A nível do abdómen, cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal.

c. A nível das nádegas, dismorfia da nádega de maior dimensão do lado direito com depressão central até ao sulco inter nadegueiro e cicatrizes operatórias da nádega esquerda com 10 cm e de forma irregular e duas cicatrizes na nádega direita na sua porção média de 2 e 3 cm, respetivamente, sem áreas ulceradas e/ou dolorosas embora deprimidas na sua porção central de predomínio direito.

84. O período durante o qual a autora, ainda com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das atividades da vida diária, familiar e social), fixável num período de 52 dias (entre 26.03.2016 e 16-05-2016).

85. O quantum doloris que padeceu é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.

86. A autora sente-se incomodada perante a família e pelo facto de estar num meio pequeno em que as coisas se sabem com facilidade.

87. A autora à data de propositura da acção ainda padecia de síndrome depressivo e não se sente bem dentro do seu próprio corpo que sempre apreciou.

88. O que lhe traz muito sofrimento emocional e stress.

89. A autora sentiu-se enganada em todo este processo, na medida em que, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética”.

90. Sendo possível que, no futuro a autora não consiga vir a ter uma vida afetiva e sexualmente saudável, como acontecia no passado em termos da sua fruição.

91. Por razão não concretamente apurada, por força da intervenção cirúrgica levada a cabo pelo réu na pessoa da autora, ocorreu infeção que se manifestou no pós-operatório progressivamente nos vários locais intervencionados.

92. A autora deveria ter sido encaminhada pelo réu para um Centro Hospitalar público ou privado, dotado de pessoal de enfermagem especializado em enfermagem médico-cirúrgica, a fim de encontrar uma resposta adequada à sua patologia, atendendo à gravidade da situação.

93. Desde a primeira consulta ocorrida em 12-02-2016 em Faro, até à presente data, a autora despendeu em consultas, exames complementares de diagnóstico, taxas moderadoras, medicamentos e tratamentos, o valor de pelo menos €417,62.

94. Numa tentativa de melhorar a sua situação clinica, a autora teria que recorrer a nova(s) cirurgia(s), as quais consistiriam em novos lipofillings, nova lipoaspiração abdominal e revisão das cicatrizes deixadas das cirurgias anteriores.

95. Para alcançar tal desiderato, a autora despenderia um valor entre os €7.000,00 e os 10.000,00 euros.

96. A ré sociedade está inscrita e sob a alçada da Entidade Reguladora da Saúde, como prestadora de serviços de saúde tendo como tipologia autorizada “Clínicas ou consultórios médicos” e lotações autorizadas de 0 para camas, blocos operatórios, blocos de ambulatório, postos de diálise e salas de parto, conforme documento que sob o n.º2 é junto com a contestação das rés e que aqui se dá por reproduzido.

97. A consulta que a autora fez na C... em 12-02-2016 visou informar a autora sobre todos os procedimentos nas intervenções de Lipoaspiração Abdominal e Flancos, com Infiltração para as Nádegas, Peitos e Rosto, bem como Blefaroplastia Inferior.

98. Mandam o regime e as boas práticas que o paciente permaneça em recuperação, sob observação, pelo período de até 24 (vinte e quatro) horas, e que, uma vez recuperado e sem sinal de complicações, ao fim desse período, lhe seja dada alta médica, tendo o réu dado alta à autora após recobro cirúrgico de seis horas, não manifestando esta na altura sinais de complicações.

99. A cirurgia decorreu sem complicações.

100. No dia 27 de Fevereiro de 2016 a autora fez controlo pós-operatório sem que apresentasse qualquer complicação pós-operatório.

101. Todos os serviços de natureza médica foram prestados por médicos habilitados para o efeito

102. A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos.

103. Em determinado momento de todo o processo, os réus reconhecendo que a intervenção não tinha produzido os efeitos queridos por todos, predispuseram-se a realizar a participação ao seguro.

104. Tendo a autora respondido nos seguintes termos: “Esta situação jah me ultrapassa. Estou francamente muito chateada e algo revoltada. Afinal a questão do seguro não se pode colocar desta maneira pelo que entreguei o assunto ao meu advogado Dr LL. Ele logo entra em contacto contigo.”.

105. Os direitos e obrigações alocados ao negócio de seguros explorado pela D..., Sucursal em Portugal, foram adquiridos pela interveniente, por escritura de trespasse outorgada em 30 de Junho de 2014.

106. O referido contrato de trespasse abrangeu apenas «...a cedência de todos os ativos, Responsabilidades incluídas, direitos, titularidade e interesses aloocados ao negócio de seguros da Sucursal, incluindo, sem limitação, todas e quaisquer apólices de seguro pelos respectivos titulares com a Sucursal.».

107. A interveniente promoveu a substituição do prefixo “525”, pelo prefixo “6052”, em todas as apólices de seguro adquiridas por via do referido negócio, sendo certo, porém, que todo o clausulado contratual – leia-se cláusulas Gerais, Especiais e Particulares se mantiveram inalteradas.

108. Em 18-06-2001 o réu BB apresentou, à então D..., Sucursal em Portugal, proposta de seguro, na qual o mesmo figura com tomador do seguro e segurado, conforme documento n.º 2, junto com a contestação da interveniente, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

109. Nessa proposta de seguro o réu BB declarou que exercia a profissão de médico, no Hospital ... e que era titular da especialidade de Clínica Geral.

110. Por via da aludida proposta de seguro, o réu BB pretendia celebrar um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Do Profissional de Saúde, que garantisse, a responsabilidade civil em que pudesse incorrer para com terceiros, em consequência do exercício da sua profissão de médico no âmbito da especialidade de Clinica Geral.

111. Aquando da apresentação da proposta de seguro o réu BB não declarou ser titular de qualquer outra especialidade médica, nomeadamente da especialidade de Cirurgião Maxilo-Facial, ou de Cirurgião Plástico Facial, ou outra.

112. Perante essa proposta, a então D..., Sucursal em Portugal emitiu a apólice n.º ..., a qual teve início em 01.09.2001, com a duração de um ano e seguintes, a qual passou a estar subordinada às Condições Particulares, Gerais e Condição Especial juntas com a contestação da interveniente e que aqui se dão por reproduzidas.

113. Tal como emerge das sobreditas Condições Particulares da Apólice é objeto do aludido contrato de seguro o segurado BB, com a profissão de médico titular da especialidade de Medicina Geral, sendo o risco seguro por via do mesmo o exercício da profissão e especialidade indicadas nas mencionadas Condições Particulares da Apólice.

114. Resultando das Condições Particulares da Apólice que nos termos estabelecidos nas Condições Gerais e na Condição Especial n.º UM anexas às Condições Particulares, ficam abrangidos os sinistros ocorridos depois da data de início e durante a vigência da Apólice, com garantias e limites de capital ali melhor indicados.

115. No âmbito do aludido contrato de seguro, são as seguintes as garantias contratadas pelo réu BB:

a. Responsabilidade Civil Profissional;

b. Responsabilidade Civil de Exploração;

c. Subsídio por inibição temporária do exercício da atividade profissional.

116. Tal como estabelecido no artigo 1º da Condição Especial 01 aplicável ao contrato, sob a epígrafe “OBJECTO DO SEGURO”, “Pela presente Condição Especial fica garantida, até aos limites estipulados nesta

Condição Especial /ou nas Condições Particulares, a Responsabilidade Civil Extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente lhe sejam exigíveis pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por erros profissionais cometidos pelo Segurado no exercício da sua Profissão / Especialidade identificada nas Condições Particulares e, exclusivamente, durante o período de vigência da Apólice.”

117. No que tange a cobertura de Responsabilidade Civil Profissional, ficou estipulado que: “1.1.1 De acordo com as coberturas contratuais, fica segura a responsabilidade Civil Profissional do Segurado perante terceiros, derivada de danos e prejuízos causados no exercício da sua profissão, exercida de acordo com a legislação vigente, e especialmente por danos que tenham a sua origem em: a) Erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em diagnóstico e/ou tratamentos; b) Erro, omissão, imprudência, excesso ou desvio em intervenções cirúrgicas; c) Erro, omissão, ou imprudência na aplicação ou entrega de produtos farmacêuticos aprovados pelo Organismo competente, ou reconhecidos pela ciência médica se não for necessária a sua aprovação; d) Erro, omissão ou imprudência em informações prestadas a pacientes ou a terceiros relativamente a efeitos, consequências ou resultados de um determinado tratamento ou doença; e) Da responsabilidade do Segurado pela eventual substituição de um médico da mesma especialidade que se encontre impedido temporariamente ou, inversamente, pelo recurso a outro profissional da mesma especialidade que represente de maneira ocasional o Segurado (por motivo de férias, doença, por exemplo), desde que a designação do médico substituto seja efetuada pelo Segurado; f) Actos ou omissões do pessoal ao seu serviço, no máximo de 2, por danos que estes possam causar no desempenho das tarefas de que estejam encarregados; g) Responsabilidade do Segurado derivada de reclamações e/ou danos originados pela extração, transfusão e/ou conservação de sangue ou plasma sanguíneo ou que sejam consequência da aquisição, transmissão ou contágio do Síndroma de Imunodeficiência Adquirida (S.I.D.A.); h) Prestação de primeiros socorros por motivo de acidente ou doença; i) Posse ou utilização de aparelhos ou instalações reconhecidos pela ciência médica, salvo se tiverem origem no funcionamento normal ou anormal do próprio aparelho. 1.1.2 A cobertura contratual compreende apenas a especialidade profissional declarada nas Condições Particulares, bem como especialidades de risco igual ou inferior, de acordo com a Tarifa estabelecida para a fixação do prémio contratual.” –artigo 2.º da Condição Especial 01.

118. Mais ficou expressamente acordado com o réu BB que, sem prejuízo das exclusões constantes das Condições Gerais da Apólice que não sejam derrogadas pela Condição Especial 01, ficam expressamente excluídas da garantia do contrato as reclamações derivadas de: (…) c) Propriedade, direção, consultadoria ou assessoria de hospitais, clínicas ou quaisquer outros estabelecimentos de saúde, mesmo quando apenas figure In nomine sem exercício de direção ou consultadoria; (…) e) Contratação de profissionais que não estejam devidamente habilitados, ou uso de procedimentos clínicos que não sejam reconhecidos por entidades científicas ou profissionais médicas de reconhecido prestígio; f) Reclamações com base em danos meramente estéticos, por não ter sido conseguida a finalidade proposta na operação ou tratamento; g) Atos dolosos ou derivados do incumprimento voluntário de normas legais, éticas ou profissionais aplicáveis(…) k) Reclamações decorrentes de danos que tenham como origem ou causa as instalações onde o Segurado exerce a sua atividade profissional, bem como máquinas, mobiliário ou utensílios.” - Artigo 2.º 1.2 da Condição Especial 01.

119. No que se reporta à cobertura intitulada de Responsabilidade Civil de Exploração, foi expressamente acordado com o réu BB que, por via da mesma, fica garantida, “…até ao limite indicado nas Condições Particulares, a responsabilidade civil extracontratual que possa advir, para o Segurado, da qualidade de proprietário, arrendatário ou usufrutuário do local destinado ao exercício da atividade profissional segura, indicada nas Condições Particulares, incluindo: a) Danos a terceiros produzidos por incêndio e/ou explosão, excluindo os provocados pela posse, uso ou armazenamento de materiais explosivos; b) Danos a terceiros por água, em consequência de rutura ou entupimento de canalizações ou depósitos, até 5% do capital seguro para a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, por sinistro e anuidade; c) Quando se trate de local arrendado (edifício ou fração) os danos causados ao mesmo, até 5% do capital seguro para a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, por sinistro e anuidade.” –artigo 2.º n. 2 da Condição Especial 01.

120. Tal como emerge do Artigo 1º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Definições”, foi acordado com o réu BB que, para efeitos do presente contrato de seguro, se entende por: “k) RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL: Entende-se por responsabilidade civil contratual, a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes de contratos, de negócios jurídicos unilaterais ou da lei. l) RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL: Entende-se por responsabilidade civil extracontratual, a responsabilidade resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, “causam prejuízos a outrem.

121. Tal como emerge das Condições Particulares da Apólice por via do referido contrato de seguro apenas se mostra garantido o exercício da atividade profissional do réu BB no âmbito da especialidade de Medicina Geral e Familiar, ao qual corresponde o código estatístico ..., utilizado para efeitos de tarifação do contrato.

122. À data dos factos, o capital seguro no âmbito do aludido contrato ascendia aos seguintes montantes: - no que tange a cobertura de “Responsabilidade Civil Profissional”, o capital contratado pelo réu BB ascendia à quantia de 1.200.000,00€, por anuidade, com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados; no que tange a cobertura de “Responsabilidade Civil Exploração”, o capital contratado pelo réu ascendia à quantia de 600.000,00€, por anuidade, com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é 300.000,00€, independentemente do número de lesados.

123. A lipoaspiração abdominal com enxerto autologo de gordura nas nádegas e seios, o lipffiling facial e a blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular, alegadamente realizados pelo réu BB na pessoa da autora, são procedimentos do foro da especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética.

124. A prática de actos médicos da especialidade de Cirurgia Maxilo- facial envolve riscos muito superiores relativamente àqueles praticados no âmbito da especialidade de Medicina Geral, de acordo com a tarifa estabelecida para a fixação do prémio contratual do seguro aqui em causa.

125. O prémio comercial anual atual para a especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial para um capital idêntico ao contratado pelo réu BB, isto é com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados é, em valor não concretamente apurado, mais elevado do que o prémios anual atual para a especialidade de Medicina Geral com idêntico capital com o sublimite por sinistro correspondente a 50% daquele montante, isto é, 600.000,00€, independentemente do número de lesados.

E foram julgados não provados os seguintes Factos:

126. Deveria ter sido feito um estudo prévio ao sangue (antibiograma), antes da autora ter sido operada, de modo a selecionar o antibiótico adequado, por forma a não correr o risco de infeção das zonas intervencionadas.

127. Os procedimentos referidos em 12 a 16 não foram acompanhados por pessoal médico e de enfermagem especializado, devidamente treinado para o efeito.

128. DD apresentava-se como doutor.

129. Foi DD quem a anestesiou nos termos referidos em 61 e 63.

130. No dia referido em 64, após o tratamento, a autora constatou que o cateter que havia sido colocado no MSD, (região do sangradouro), ficou obstruído, tendo DD, na sua presença, telefonado a uma médica anestesista que se encontrava de serviço ao banco de urgência de um hospital próximo da cidade do Porto tendo-a transportado no seu veículo a um parque de estacionamento desse mesmo hospital, onde, a referida médica, dentro do mesmo veículo, procedeu à substituição do cateter por outro.

131. De regresso à clinica da ré sociedade, a autora só rezava para sair com vida da situação,

132. Após o seu regresso à clínica, DD administrou um antibiótico pelo cateter, o que lhe causou grande ardor e calor no membro superior direito.

133. A autora perguntou a DD se era médico, tendo mesmo respondido que “era engenheiro de máquinas, mas tinha um doutoramento em auxiliar de saúde, para poder entrar no bloco operatório” da clinica da ré.

134. As cicatrizes fecharam como referido supra devido a não terem sido tomadas medidas preventivas no âmbito da desinfeção e esterilização dos materiais e equipamentos cirúrgicos utilizados durante a cirurgia.

135. Em 09 Junho de 2016, a autora enviou novamente ao reu cirurgião, um conjunto de fotos que revela o estado em que ficaram as nádegas, os seios e a zona da face em volta dos olhos, (fotografias 33, 34, 35 e 36 do documento 25 da petição que se dá por reproduzido).

136. Quer na consulta realizada no C..., em Faro, em 12 de Fevereiro de 2016, quer no próprio dia em que foi internada na clínica da ré sociedade, no Porto, a autora não foi devidamente informada, nem esclarecida pelo réu cirurgião, sobre eventuais riscos e ou sequelas, que a intervenção cirúrgica poderia trazer-lhe no futuro.

137. A autora nunca fora informada, nem corretamente esclarecida, sobre o risco de infeção no pós-operatório, que viesse a originar graves deformações, nas zonas do corpo afetadas, deixando-a com sequelas para o resto da sua vida.

138. A autora sente dor à palpação dos seios e das nádegas, resultantes de infeção de enxerto de gordura realizado na cirurgia de 25 de Fevereiro de 2016 e, quando se senta numa superfície mais dura, (exemplo: quando vai à sanita), sente dor forte e intensa na nádega esquerda.

139. Deformidades, que inibem a autora de utilizar os duches públicos, quando se desloca às piscinas para fazer hidroterapia, que mantinha com carácter de regularidade (2 a 3 x semana).

140. A partir da data da cirurgia, a autora tem estado impedida, por largos períodos, de simplesmente passear, de retomar as marchas pedonais que praticava com regularidade, de fazer hidroterapia e de se divertir com a família, vendo-se privada de desfrutar da sua vida normal que sempre teve e desejou.

141. Pelo exame pericial de Avaliação de Dano Corporal em Direito Civil e respetivo Relatório, efetuado pelo Prof. Doutor MM, do Centro de Medicina Legal e Ciências Forenses, da Faculdade ..., bem como, pelo exame efetuado por um especialista em cirurgia plástica e estética e respetivo Relatório, Dr. NN, do Centro de Cirurgia Plástica e Estética ..., a autora despendeu uma quantia de valor elevado, em transportes, alimentação e alojamento que de momento não consegue quantificar.

142. Saradas as cicatrizes/lesões, independentemente das sequelas e das malformações físicas, o réu cirurgião, nunca mais contactou a autora, no sentido de orientá-la, encaminhá-la e ou ajudá-la na procura de soluções clínicas, mais adequadas ao seu problema.

143. O réu não sugeriu o apoio da psicologia clínica, por forma a atenuar o grau de sofrimento psíquico e emocional que a autora padecia.

144. A ré sociedade nunca procurou saber, nem se inteirar sobre o grau de satisfação da autora quanto à cirurgia a que foi sujeita.

145. Nem tampouco, procurou saber junto dos vários profissionais de saúde que prestaram serviços à autora (enfermeiros, técnicos de saúde), se esta necessitava de qualquer apoio, nomeadamente, psicológico.

146. A enfermeira CC tinha pouca experiência em cuidados de enfermagem hospitalares no pós-operatório

147. Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação.

148. Com a alta médica, o réu BB prescreveu e informou à autora que o sucesso no pós-operatório dependia de repouso absoluto,

149. No dia 26-02-2016, a autora foi às instalações da segunda ré em ordem a que o réu BB também a consultasse e se inteirasse da evolução do seu pós-operatório e de que tudo estava a correr bem e como o previsto

150. A viagem que a autora decidiu fazer no mesmo dia entre o Porto e Faro, tinha sido desaconselhada.

151. Porquanto o réu BB preveniu-a que inda era cedo para tal viagem, mas como a autora não podia ou não queria gastar mais dinheiro em alojamento decidiu voltar para Faro.

152. A enf.ª CC retirou também os pontos das restantes suturas existentes nos dois seios, apesar da mesma não o referir, (o seio direito também se encontrava muito ruborizado e com sinais inflamatórios).

153. No dia 9 de Março de 2016, ainda com antibioterapia e analgesia, o réu BB pede à senhora enfermeira que a volte a espremer, quando essa se apercebe de uma nova região infeciosa, desta feita, na mama direita.

154. No dia 4 de Março de 2016 enviou à autora o antibiótico intravenoso para que a senhora enfermeira o administrasse via subcutânea.

155. Nos dias 28 e 29 de Fevereiro e 1 de Março, de 2016, a ré sociedade, através da senhora EE, contactou telefonicamente a autora, a fim de saber se estava bem ou se havia alguma evolução a assinalar e que merecesse atenção e cuidados médicos, sendo que a sua resposta foi negativa.

156. O réu BB continuou a acompanhar a autora, após 07-05-2016, mormente contactando a senhora Dra. OO, sobrinha da autora, a irmã da paciente, HH, e a médica de família da paciente, a senhora Dra. KK.

157. A infeção ficou-se a dever ao facto de a autora estar já infetada com infeção vaginal comum, causada por fungos do gênero Cândida (candidíase) à data da cirurgia.

158. Acresce ainda que a autora não cumpriu as instruções do réu BB ao frequentar piscinas públicas, nos dias seguintes ao da intervenção cirúrgica,

159. E ao conduzir o seu automóvel nos dias seguintes, não observando, desse modo, o repouso que lhe havia disso prescrito como essencial ao sucesso da intervenção,

160. Expondo-se a potenciais ambientes de contaminação e de stress dos tecidos intervencionados e ainda não totalmente cicatrizados.

161. As dores causadas pelos tratamentos da infeção são dores momentâneas e suportáveis

162. A autora já vinha sendo acompanhada há cerca de dois anos por médicos psiquiatras.

163. Tendo a autora recusado a participação ao seguro

164. A especialidade de Cirurgia Maxilo-Facial não confere autoridade técnica ao médico titular da mesma para a realização de procedimentos cirúrgicos levados a cabo ao nível do abdómen, no caso uma lipoaspiração, seios e nádegas, os quais se inserem no foro da Cirurgia Plástica e Reconstrutiva

165. O réu ultrapassou os limites das suas qualificações e competências.

166. A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e repostas a todas as suas questões

167. Por os tratamentos que se seguiram, não terem sido efetuados em local adequado e asséptico, ocorreu infeção no pós-operatório, nos vários locais intervencionados

168. A cirurgia em regime ambulatório é definida pelo internamento do paciente em período necessariamente inferior a 24 horas.

169. A autora nasceu em 1954.

IV-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:

Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

O impugnante da matéria de facto, que pretenda a reapreciação da matéria de facto, está sujeito aos ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do CPC, que se traduzem na indicação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; na indicação da decisão diversa que aos mesmos deva caber, devendo ainda especificar os meios de prova constantes do processo que no seu entender determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos (nº 1 do art. 640º).

De acordo com o referido no nº 2 do mesmo preceito legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Como refere Abrantes Geraldes,[2] “os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de factos em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado produzido.

E reforça ainda que,[3] “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto, s transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

No caso em apreço, apesar da Recorrida ter suscitado, nas contra-alegações, a falta de cumprimento destes ónus pelos Recorrentes, alegando que as mesmas omitiram completamente a especificação dos pontos impugnados, bem como a decisão a proferir sobre cada um, bastará ler as conclusões de recurso supra transcritas para se perceber que tal não ocorre, tendo sido indicado pelos Recorrentes com clareza, quer os pontos concretos da matéria de facto impugnados, quer a decisão que os mesmos pretendem que seja proferida.

De qualquer forma, sempre seria de atender ao recente acórdão do Supremo Tribunal de justiça, n.º 12/2023, de 14 de novembro[4]no âmbito do qual foi uniformizada jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.

Dessa forma, carece de fundamento o vício apontado, encontrando-se o recurso de molde a ser apreciado, nos moldes requeridos, o que passaremos a fazer.

Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação.

Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[5], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelos recorrentes, pelo que neste âmbito a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos fatores da imediação e da oralidade.

Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada, por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pelos apelantes, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova, como dissemos já, a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

À luz dos destas considerações e princípios, reanalisemos a sentença relativamente aos seguintes pontos da matéria de facto que se mostram impugnados: ponto 89 dos factos provados e pontos 169, 147 e 166 dos factos não provados.

Impugnam os Apelantes o facto 89, dos factos provados, que pretendem ver dado como não provado, o qual tem a seguinte redação:

89. A autora sentiu-se enganada em todo este processo, na medida em que, desde o primeiro contacto com o réu cirurgião, em Faro no dia 2016-02-12, que este se apresentou como “médico especialista em cirurgia plástica e estética”.

Alega que o tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos das amigas da Autora, mas em lado algum, desses depoimentos resulta que o réu se tenha apresentado à autora dessa forma.

Sem embargo de se entender a inutilidade deste facto, em face da prova produzida, uma vez que ficou provado que o Dr. BB tinha competência profissional médica para proceder à intervenção estética e plástica na Autora, tal como resulta do afirmado pelo perito médico, do Instituto Nacional de Medicinal Legal e Ciências Forenses, IP, que na consulta técnico cientifica que se mostra junta aos autos, declarou referindo-se ao réu que “do seu curriculum infere-se as qualificações necessárias para os atos médicos realizados”, o que reafirmou, de forma explicativa na audiência de julgamento, este facto impugnado, retrata unicamente uma impressão subjetiva vivenciada pela autora.

Na verdade, se a autora se sentiu enganada por esse facto, fê-lo sem razão, uma vez que, tal como se provou (facto provado 110), não obstante o procedimento de lipoaspiração abdominal com enxerto autologo de gordura nas nádegas e seios, o lipffiling facial e a blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular, que foram realizados pelo réu BB na pessoa da autora, serem procedimentos do foro da especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética, todos os serviços de natureza médica foram prestados por médicos habilitados para o efeito (facto supra 110).

Entendemos porém, que não assiste razão aos impugnantes, porquanto, independentemente do réu ter afirmado ou não perante a autora ser “médico especialista em cirurgia plástica e estética”, (o que se desconhece), aquele é apresentado ao público em geral, onde se inclui a autora, como médico da clínica, denominada A..., clínica à qual, aliás, dá o seu nome, pelo que, o réu é apresentado aos pacientes que procurem a clínica, como médico especialista em cirurgia estética avançada.

Improcede assim a impugnação.

Alegam os Apelantes que não deveria subsistir no elenco dos factos não provados, o facto 169, que deveria transitar para os factos provados, uma vez que a idade da autora resulta dos autos e foi confirmado pela própria.

O facto impugnado é este:

169. A autora nasceu em 1954.

O tribunal a quo julgou este facto não provado, por não ter sido junta aos autos certidão de assento de nascimento que o permitisse provar.

Reconhecendo-se a relevância da idade da autora para a decisão a proferir, desde logo, no que concerne a avaliação do dano corporal e sem se conseguir perceber porque é que a autora, na resposta ao recurso, em vez de esclarecer tal facto pessoal, vem ao invés pugnar pela não alteração da matéria de facto, entendemos, face à natureza das questões em discussão nesta ação, não ser exigível a prova da prova da idade da autora através de certidão de nascimento emitida pela Conservatória do Registo Civil, (sendo que podia até ter-lhe sido solicitada a exibição do documento oficial - cartão de cidadão - para esse efeito, de forma simples, quando foi ouvida em tribunal), sendo bastante para tal, a informação constante do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil prestada pelo médico de Clínica Forense do Instituto Nacional de Medicinal Legal e Ciências Forenses, IP, que elaborou esse relatório, que se encontra junto aos autos e onde a consta a indicação que a autora nasceu em 22.4.1954.

Dessa forma, deverá ser eliminado o facto 169 dos factos não provados e deverá ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:

-A Autora nasceu no dia ../../1954.

Os recorrentes impugnam ainda o facto 147, dos factos não provados, que pretendem ver provado, o qual tem o seguinte teor:

147. Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter até integral recuperação.

Alegam que resulta da conjugação dos depoimentos prestados pelo réu, pela testemunha DD e pela autora.

Na sentença, o tribunal recorrido, fundamentou desta forma tal facto que foi julgado não provado: “Ora neste ponto as declarações de parte do réu apenas foram sustentadas por DD, pessoa que por causa da sua ligação à clínica ré tem forte interesse no desenlace dos autos e que, atentas as funções que declarou desemprenhar na ré, não se vê porque razão teria conhecimento direto de tais factos.

Assim, na dúvida, não conseguiu o tribunal dar tais factos como provados, isto é que logo nesse momento tivessem tais recomendações sido prestadas à autora.”

No sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[6].

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607º nº 4 do CPC).

Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

Como refere Manuel de Andrade,[7] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.

Ora, na situação em apreço, não podemos subscrever a dúvida apontada pelo tribunal recorrido, desde logo porque, a própria autora nas declarações que prestou, reconheceu que quando saiu da clínica, o Réu lhe entregou uma papel com as recomendações e cuidados que deveria ter naquele período pós-operatório, quando afirmou, “o doutor BB entregou-me um papel com os cuidados que deveria ter, da alimentação e dessa coisas”.

Assim sendo, da conjugação dos depoimentos prestados pelo réu, que que relatou de forma pormenorizada as recomendações referentes ao pós operatório que fez á autora/recorrida, conjugadas com o depoimento prestado por DD, sócio da 2ª ré, o qual, na qualidade de colaborador exerce as funções de administrador da clínica, que relatou que a clínica tem já um relatório pré-elaborado que entregam a todos os pacientes, para aqueles saberem como devem atuar no período pós-operatório, relativamente à retirada de pontos, tratamentos e outros cuidados, impõe-se a prova do facto impugnado, inexistindo qualquer dúvida, uma vez que a autora confirmou ter recebido precisamente “um papel com os cuidados que deveria ter”.

Desta forma, deverá ser eliminado o facto 147 dos factos não provados, acrescentado ao elenco dos factos provados, o seguinte facto:

-Após a cirurgia a autora saiu das instalações da ré sociedade só depois de lhe prescreverem os cuidados que deveria ter no pós-operatório.

Por último, impugnam os Apelantes o facto 166, que pretendem ver ser julgado provado, o qual é o seguinte:

166. A autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e repostas a todas as suas questões.

Relacionado com esta matéria, emergiram provados os seguintes factos:

97. A consulta que a autora fez na C... em 12-02-2016 visou informar a autora sobre todos os procedimentos nas intervenções de Lipoaspiração Abdominal e Flancos, com Infiltração para as Nádegas, Peitos e Rosto, bem como Blefaroplastia Inferior.

5. No decorrer dessa consulta ocorrida nas instalações da C..., em Faro, acordou (contratualizou) com o réu cirurgião para na data de 2016-02-25, ser submetida a uma intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, se concretizou na “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular; foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total der 40cc no rosto; lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano”, e ainda, “lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas e 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios”.

102. A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos.

Da conjugação destes factos resulta que a autora deu o seu consentimento ao réu para a realização da totalidade das intervenções cirúrgicas a que foi submetida na clinica da ré.

Já o facto impugnado diz respeito à prestação de informações relativamente aos riscos que este tipo de intervenções comportam.

Nos termos de consentimento referidos no facto 102, que a autora leu e assinou, consta extensa informação quer quanto ao procedimento médico, meios alternativos e riscos que acarreta, sendo que neles a autora declara ter sido devidamente informada e não ter dúvidas quanto a qualquer questão.

Os aludidos “termos de consentimento” são constituídos pelos seguintes documentos juntos com a contestação:

-documento denominado “consentimento informado para realização de anestesia geral”,(cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde consta o objetivo da técnica e os seus efeitos sobre o paciente, assim como os riscos do procedimento (documento que se mostra assinado pela autora, sob os dizeres “Afirmo que me foi informado pelo Dr. BB, na data de 25.02.2016 e que me foi facultada a informação por escrito acerca da anestesia geral, os benefícios que esperam e os riscos que podem advir da sua realização, bem como todas as alternativas.

Compreendi a informação que me foi facultada e esclarecidas as minhas dúvidas de forma satisfatória.

Dou consentimento aos médicos de anestesia e reanimação desta clinica que me exerçam o procedimento mencionado e as provas complementarias necessárias. (…) Sei que em qualquer momento posso revogar este consentimento”.

-documento denominado “consentimento informado para lipoaspiração”, onde consta a informação geral do procedimento, a indicação de tratamento alternativo e são indicados os riscos da lipoaspiração.

Depois dessa informação que ocupa duas paginas e meia, em letras maiúsculas conta o seguinte: É IMPORTANTE QUE LEIA CUIDADOSAMENTE A INFORMAÇÃO ANTERIOR E QUE TENHAM SIDO ESCLARECIDAS AS SUAS PERGUNTAS ANTES DE ASSINAR O CONSENTIMENTO DA PROXIMA PÁGINA”.

Segue, na mesma página, o seguinte:

“CONSENTIMENTO PARA CIRURGIA/PROCEDIMENTO OU TRATAMENTO”, que se mostra assinado pela autora, sob os dizeres:

“1-Pela presente autorizo o Dr. BB e os seus ajudantes a realizar o seguinte procedimento ou tratamento: LIPOASPIRAÇÃO.

2-Li e compreendi e assinei as páginas do folheto informativo anexado “consentimento informado para lipoaspiração (...).

9-Foi-me explicado de forma compreensível:

a-O tratamento citado anteriormente ou procedimento a realizar;

b-os procedimentos alternativos ou métodos de tratamento;

c-Os riscos do procedimento ou tratamento proposto”.

(…) Estou satisfeita com a explicação e não necessito de mais informação”.

O documento foi assinado pela autora.

- documento denominado “consentimento para cirurgia/procedimento ou tratamento”, que se mostra assinado pela Autora autorizando o Dr. BB e os seus ajudantes a realizar o seguinte procedimento ou tratamento: BLEFAROPLASTIA”.

Afirma de idêntico modo que:

Foi-me explicado de forma compreensível:

a-O tratamento citado anteriormente ou procedimento a realizar;

b-os procedimentos alternativos ou métodos de tratamento;

c-Os riscos do procedimento ou tratamento proposto”.

(…) Foi-se perguntado se necessitava de alguma informação adicional, mas estou satisfeita com a explicação e não necessito de mais informação”.

Nestes documentos assinados pela autora consta assim a informação sobre em que consiste a intervenção médica a realizar, tratamentos alternativos e riscos que estes tipos de intervenções – anestesia geral, Lipoaspiração e Blefaroplastia - comportam, declarando que foram-lhe fornecidas todas as informações e repostas a todas as suas questões.

O facto não provado ora impugnado, mostra-se assim em contradição com o facto provado 102, (“A autora leu e assinou os termos de consentimento juntos com a contestação das rés, referentes aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que aqui se dão por reproduzidos”), porquanto naqueles documentos não consta apenas o consentimento da autora, consta a informação relevante relativa àqueles atos médicos e a declaração da autora de que deles foi cabalmente esclarecida.

Daí que quanto a estes procedimentos acabados de mencionar, não possa subsistir o facto não provado 166, por existir prova documental que o contraria.

Já, porém relativamente à intervenção médica que consistiu no transplante do tecido adiposo recolhido no procedimento de lipoaspiração, para as nádegas, peitos e rosto da autora – denominada lipofilin facial e enxerto de gordura nas nádegas e seios bilateral [8] - coloca-se a dúvida se a autora foi ou não devidamente informada dos riscos que este procedimento comporta, nomeadamente, quanto a infeção, porquanto, ao contrário do que aconteceu quanto aos outros procedimentos não foi unto qualquer documento assinado pela autora.

De acordo com a orientação dominante, compete, via de regra, à instituição de saúde e/ou ao médico provar que prestou ao paciente as informações devidas e adequadas para que este pudesse livre e esclarecidamente exercer o seu direito de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde.

Com efeito, trata-se, desde logo, da necessidade de acautelar o equilíbrio processual entre a impossibilidade de provar um facto negativo (não ter sido – ou não ter sido adequadamente - informado) que, segundo a doutrina, se traduz numa “prova diabólica”, de um lado e, de outro, da facilidade relativa da prova para o médico.

O risco de uma falta ou deficiência de informação recai sobre a instituição de saúde e/ou o médico. É que, em geral, médico e paciente não se encontram em paridade situacional, em pé de igualdade, porquanto o último não tem e nem pode ter a mesma quantidade e a mesma qualidade de informação do primeiro. O médico é que tem de provar a criação de condições concretas e efetivas que permitissem ao paciente compreender o significado, o alcance e os riscos do tratamento proposto.[9]

No caso em apreço, os réus lograram provar que prestaram as informações adequadas à autora relativamente aos procedimentos médicos realizados de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, que constam dos documentos analisados.

Porém, naqueles documentos não consta informação relativamente ao processo de injeção da gordura extraída do abdómen da autora noutras partes do seu corpo.

Com efeito no documento denominado “consentimento informado para Lipoaspiração”, é definida a técnica da lipoaspiração, (como técnica cirúrgica para eliminar tecido adiposo em excesso em determinadas áreas do corpo), mencionando que “a lipoaspiração pode ser realizada como um procedimento primário para melhorar o contorno corporal, ou sem simultâneo com outras técnicas cirúrgicas, como lifting facial, abdominoplastia, o lifting de joelhos, para esticar a pele relaxa de estruturas de suporte”.

Nenhuma informação porém é prestada à paciente relativamente a outras técnicas que tenham sido efetuadas em simultâneo com a lipoaspiração.

Daí que existindo para uns e para outros não, impõe-se a dúvida se foi devidamente prestada tal informação, dúvida que é resolvida, nos termos do art. 414º do C.P.C contra a parte a quem a prova aproveita, isto é contar os réus.

Desta forma, impõe-se a alteração da resposta dada a este facto, devendo ser restringida o facto 166 dos factos não provados, à seguinte redação:

Não provado que:

166-A autora foi informada dos riscos do lipofilin das nádegas, peitos e rosto, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões.

E provado que:

-Relativamente aos atos médicos de anestesia geral, lipoaspiração e blefaroplastia, a autora foi informada dos riscos que este tipo de intervenções comportam, tendo-lhe sido dadas todas as informações e a possibilidade de serem respondidas todas as suas questões.

Em face do exposto, a modificação da matéria de facto é parcialmente procedente.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

Na sentença sob recurso, foram os Réus condenados solidariamente a pagar à autora uma indemnização, que foi fixada em €65.000,00 para ressarcimento dos danos por esta sofridos em consequência da infeção ocorrida posteriormente à intervenção cirúrgica realizada pelo primeiro réu, na clínica da 2ª ré, tendo-se aí considerado como “facto voluntário e ilícito gerador da obrigação de indemnizar”, o tratamento menos adequado prestado pelos réus à autora.

Concluindo-se que não foi possível apurar as circunstâncias que potenciaram ou acarretaram a infeção subsequente à intervenção cirúrgica a que a autora se submeteu, concluiu a sentença que, não tendo havido violação de deveres primários, a responsabilidade dos réus assenta na violação dos deveres acessórios de conduta, isto por ter sido omitido o dever de informação relativamente à intervenção cirúrgica que consistiu no transplante da gordura retirada do abdómen da autora para as nádegas, peito, barbela e pescoço, salientando que se trata do procedimento “que maior relevância ainda assume quando da matéria provada se pode constatar que foi em zona onde foi injetada a gordura previamente aspirada que se iniciou e manifestou a infeção” e por ter concluído que o réu médico, não tomou os atos necessários/adequados para evitar que a infeção evoluísse da forma que evoluiu, tendo assumindo proporções de tal gravidade, que vieram a causar as deformações no corpo da autora, respondendo a 2ª ré, por força do disposto no art. 800º do CCivil.

Discordam os apelantes desta decisão, por entenderem que os réus não violaram qualquer dever acessório de conduta, nem estes violaram o dever de informação, defendendo que foi a autora quem, com a sua conduta, ao recusar seguir os conselhos médicos dos réus e ao não colaborar com estes contribuiu para o desfecho da situação, pelo qual os réus foram injustamente responsabilizados.

Vejamos se assim é.

Provou-se que, no dia 25.2.2016, a autora foi intervencionada na clínica da 2ª ré, sob anestesia geral, pelo réu cirurgião e pelo Dr. GG, (anestesista), tendo sido realizada uma lipoaspiração tumescente infiltrativa de 3500cc de gordura, tendo sido enxertada gordura estéril no total de 180cc para cada nádega, assim fazendo um total de 360cc nas duas nádegas.

Foi ainda realizada, a infiltração de 120ml em cada seio, num total de 240cc no total dos dois seios. Durante aquela intervenção cirúrgica, foi-lhe enxertado 20cc em cada hemisférico facial repartido anatomicamente em (sulcos Naso genianos, peri bucal e região malar) tendo sido enxertado um total de 40cc no rosto.

No mesmo ato cirúrgico foi executada lipoaspiração cruzada a região cervical e mentoniana com três pontos de entrada, orelha esquerda/direita e submentoniano.

Provou-se que, por razão não concretamente apurada, por força da intervenção cirúrgica levada a cabo pelo réu na pessoa da autora, veio a ocorrer infeção que se manifestou no pós-operatório progressivamente nos vários locais intervencionados, nomeadamente nas nádegas e peito da autora.

A autora, em consequência da infeção decorrente da cirurgia aqui em causa, ficou com as seguintes “marcas” no corpo: apresenta a nível do tórax, assimetria mamária com hipotrofia da glândula mamária direita ligeira, cicatrizes operatórias da parte superior da glândula mamária direita com 3cm e outra 2 da região inframamária bilateral de 1,5 cm e cicatriz intermamária transversal de 3*3 cm.

A nível do abdómen, cicatriz supra umbilical operatória de 2 cm vertical e sem aparente deformidade da parede abdominal.

E a nível das nádegas, dismorfia da nádega de maior dimensão do lado direito com depressão central até ao sulco inter nadegueiro e cicatrizes operatórias da nádega esquerda com 10 cm e de forma irregular e duas cicatrizes na nádega direita na sua porção média de 2 e 3 cm, respetivamente, sem áreas ulceradas e/ou dolorosas embora deprimidas na sua porção central de predomínio direito.

À data de propositura da acção ainda padecia de síndrome depressivo e não se sente bem dentro do seu próprio corpo que sempre apreciou, o que lhe traz muito sofrimento emocional e stress.

Recordando-se que a autora procurou a clínica da ré e o réu por pretender melhorar o seu aspeto físico e combater o envelhecimento, temos de concluir que não foi atingido o resultado pretendido.

As partes estão de acordo quanto à conclusão que foi retirada na sentença, de esse resultado não ter sido conseguido, tal como se provou, por causa do surgimento dum infeção no período pós operatório, que foi causal das deformidades físicas que a autora ora apresenta.

Importará agora apurar se, tal como pretendem os apelantes, não pode ser assacada responsabilidade aos réus, por não terem violado qualquer dever acessório de conduta, nem o dever de informação, devendo, ao invés os danos serem imputados exclusivamente à conduta da autora/apelada que, recusou seguir os conselhos médicos dos réus e não colaborou com estes, assim contribuindo para a ocorrência dos danos.

Em primeiro lugar, concordamos com o enquadramento legal feito na sentença, que situa a questão em apreço, no âmbito da responsabilidade contratual.

Conforme resultou provado, a autora, residente em Faro, esteve presente numa consulta de cirurgia plástica/estética, no C..., sito em Faro, em 12 de Fevereiro de 2016, tendo sido atendida pelo réu cirurgião, que, após observação da autora, se propôs a executar uma intervenção no âmbito da cirurgia estética.

No decorrer dessa mesma consulta acordou (contratualizou) com o réu cirurgião para na data de 2016-02-25, ser submetida a uma intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, se concretizou na “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular.

Acordaram aí o preço a pagar e agendaram a intervenção cirúrgica da autora, a qual iria decorrer (tal como ocorreu) na clínica da ré sociedade, sediada na cidade do Porto, no dia 2016-02-25.

A autora procedeu ao pagamento da quantia acordada, tendo a respetiva fatura sido emitida em nome da ré sociedade.

Conclui-se assim que entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, mediante o qual aquele se comprometeu a realizar na autora um intervenção cirúrgica plástica e estética para, “lipoaspiração à barriga + flancos”, com “…lipodistrofia abdominal e cervical, com lipifilling facial; blefaroplastia inferior com dermatoacalasia bilateral ocular.

As partes acordaram ainda que a mesma seria realizada na clínica da Ré, tendo a autora concluído para o efeito com a 2ª ré, um contrato de prestação de serviços, médicos, tendo o pagamento da totalidade dos serviços prestados sido efetuado à clinica.

Foi assim celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, na modalidade de “contrato total”, inserido na categoria ampla de prestação de serviços – 1154º do Código Civil, no sentido em que o contrato celebrado pela autora com a ré, engloba um contrato de prestação de serviços médicos, através do médico por si escolhido, com disponibilização das instalações e prestação de serviços de internamento (que envolvem prestação de serviço médico e paramédico).

A cirurgia foi efetuada pelo réu assessorado por uma equipa cirúrgica ao serviço da ré, médico esse que propôs-se realizar a cirurgia previamente acordada coma autora.

Miguel Teixeira de Sousa[10] defende a este propósito que a responsabilidade civil médica “é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais”; “em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art.º 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)”.

Com efeito, estando em causa direitos absolutos, como o direito á vida ou à integridade física, oponíveis por isso erga omnes a atuação incorreta e danosa da intervenção médica pode ser vista também como violadora daqueles direitos e nessa medida integradora da responsabilidade extracontratual, desde logo quando a responsabilidade não derive de contrato.

Qualquer, porém, que seja a responsabilidade civil que impende sobre o lesante ela traduz-se numa obrigação de indemnizar, ou seja de reparar os danos sofridos pelo lesado.

Mas a distinção entre responsabilidade contratual/extracontratual tem interesse, desde logo, porque, por via de regra, implica com as regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (cf. arts. 799º, nº 1 e 487º, nº 1 do Cód. Civil), favorecendo concretamente o lesado na sua pretensão indemnizatória.[11]

Com efeito, na responsabilidade civil obrigacional a culpa presume-se, o que não sucede na responsabilidade extracontratual ou aquiliana onde cabe ao lesado provar a culpa do lesante.

Neste tipo de casos, a regra deve ser a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a exceção que ocorre, normalmente, apenas quando o médico atua num quadro de urgência, em que, por força das circunstâncias, inexiste acordo do doente para a sua intervenção. [12]

Com efeito, à relação médico/doente está hoje subjacente, no comum dos casos, um vínculo de natureza contratual e mesmo que concorram na negligência médica a responsabilidade contratual e extracontratual este concurso deve ser resolvido no sentido da prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada à defesa dos interesses do lesado.[13]

Aliás, sem prejuízo do eventual concurso da responsabilidade extracontratual e contratual, a doutrina e a jurisprudência sempre consideraram este último regime como o aplicável por se mostrar “mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.”

Se o resultado estético da autora não foi conseguido, com a intervenção cirúrgica do réus, não podemos esquecer que, tratando-se da prática de atos médicos, estamos do domínio de uma obrigação em que o conteúdo da prestação debitória não é a simples apresentação de um resultado (obrigação de resultado), mas antes a prática de um conjunto de atos para que o resultado se possa produzir sem defeitos (obrigação de meios), cabendo dessa forma à autora o ónus de alegar e provar o incumprimento ou cumprimento defeituoso dos atos necessários (meios) à produção de um bom resultado.

Resulta dos autos que o resultado não foi cabalmente conseguido, por causa do surgimento dum infeção no período pós operatório, que foi causal das deformidades físicas que a autora passou a apresentar.

Isto posto, vejamos agora se se mostra verificado o requisito do incumprimento contratual, que os apelantes entendem não se verificar, que consistiu num desadequado acompanhamento médico do quadro infecioso sofrido pela autora, decorrente da cirurgia.

Pode afirmar-se que a responsabilidade em saúde divide-se entre a responsabilidade por má prática/negligencia com base na violação das legis artis e na violação do consentimento informado, quer por falta de informação, quer por falta de consentimento ou consentimento inválido.[14]

O Estatuto da Ordem dos Médicos, - Lei nº 117/2015 de 31 de agosto - prevê no art. 135º (princípios gerais de conduta), o seguinte:

1-O médico deve exercer a sua profissão de acordo com as legis artis com o maior respeito pelo direito á saúde das pessoas e da comunidade (…)

(…)

-O médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o consentimento livre e esclarecido.”

A execução defeituosa, ou ilicitude objetivamente considerada, abrange, uma omissão do comportamento devido, consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.[15]

Tal como resulta da matéria de facto, a autora prestou o seu consentimento à realização do enxerto de gordura nas nádegas e seios bilateralmente, sem que lhe tenha sido prestada informação adequada nomeadamente quanto aos riscos desta concreta intervenção.

Esta técnica médica foi precedida duma lipoaspiração que consistiu na retirada do tecido adiposo em excesso do abdómen da autora e que foi depois transplantada nas nádegas e peito.

A autora foi apenas informada quanto ao risco da lipoaspiração que: “a infeção é muito infrequente após este tipo de intervenção. Se ocorrer, o tratamento pode incluir antibiótico ou cirurgia adicional”, tal como consta do termos de consentimento junto aos autos, que assinou.

O seu consentimento para o enxerto de gordura não foi pois um consentimento esclarecido, não tendo sido advertida do aumento do risco de infeção coma realização desta técnica cirúrgica após a lipoaspiração.

Ora, como se explica no Ac. do STJ de 08-09-2020[16], “O direito do paciente à informação (previsto, inter alia, no art. 5.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina ou Convenção de Oviedo (doravante CDHBio), no art. 157.º CP, no art. 44.º do CDOM, na Base XIV, n.º 1, al. e), da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor Revogada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro.) e ao consentimento livre e esclarecido (plasmado no art. 25.º CRP, no art. 5.º da CDHBio, no art. 45.º do CDOM, no art. 70.º, n.º 1, do CC e na Base XIV, n.º 1, al. b) da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, então em vigor) são expressões do direito ao consentimento informado enquanto informed choice. A autodeterminação nos cuidados de saúde implica, não só que o paciente consinta ou recuse uma intervenção determinada heteronomamente, mas também que disponha de toda a informação relativa às diversas possibilidades de tratamento. Conforme o art. 5.ª da CDHBio, “1. Qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida. 2. A esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e os seus riscos. 3. A pessoa em causa poderá, a qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento”. Por outro lado, segundo o art. 3.º, n.º 2, al. a) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (incorporada no Tratado de Lisboa, “No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei”. O consentimento informado assumiu também dimensão universal com a aprovação, na Assembleia Geral da UNESCO, da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em outubro de 2005 (arts. 6.º e 7.º).

Também no Acórdão do STJ de 09-10-2014,[17], escreveu-se: “O conteúdo do dever de informação é elástico, não sendo, nomeadamente, igual para todos os doentes na mesma situação. Abrange, salvo ressalvas que aqui também não interessam e além do mais, o diagnóstico e as consequências do tratamento. Estas são integradas pela referência às vantagens prováveis do mesmo e aos seus riscos. Não se exigindo, todavia, uma referência à situação médica em detalhe. Nem a referência aos riscos de verificação excecional ou muito rara, mesmo que graves ou ligados especificamente àquele tratamento.

Por sua vez, constata-se que no acórdão do STJ de 2.6.2015[18] foi apreciada uma situação com contornos idênticos à ora em apreço. Numa lipoaspiração programada com o consentimento da autora “decidiu o réu intraoperatoriamente aproveitar algum tecido adiposo que havia sido extraído da autora e injetá-lo nos grandes lábios da mesma, concretizando uma vulvoplastia, não tendo a autora para tal prestado o seu consentimento (neste caso nem alertada tinha sido para a possibilidade de tal intervenção).

Tal como aí se decidiu, “o consentimento do paciente é um dos requisitos da licitude da atividade médica (artigos 5.º da CEDHBioMed e 3.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e tem que ser livre e esclarecido para gozar de eficácia: se o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico será ilícita por violação do direito à autodeterminação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada.” A falta de consentimento constitui uma violação dos direitos subjetivos da paciente à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação (arts. 25º nº 1 e 26º nº 1 da CRP e 70 nº 1 do C.C.).”

Impunha-se ao réu a obrigação de informar a autora dos eventuais riscos acrescidos e complicações da intervenção cirúrgica a que ia ser sujeita, sendo que a autora não foi devidamente informada do risco acrescido que aquela intervenção envolvia no que respeita à ocorrência de infeções, o que se impunha desde logo, uma vez que havia sido informada que a infeção na lipoaspiração é “infrequente”, com vista a que a autora pudesse, de forma consciente e segura, tomar a decisão de se submeter ao referido procedimento médico de enxerto do tecido adiposo retirado na lipoaspiração, nas nádegas e peitos.

É aqui que reside a violação ilícita e culposa do réu (culpa presumida), nos termos do art. 799.º do CC, dos deveres de informação. uma vez que a intervenção cirúrgica que consistiu no enxerto de gordura não foi validamente consentida, já que a autora não foi devida e adequadamente informada e esclarecida acerca dos riscos gerais daquela intervenção, o que constitui esta uma ofensa ao seu direito à integridade física.

Impunha-se quer ao réu, quer à ré, o dever de esclarecer e de obter o consentimento da autora com vista a garantir a salvaguarda dos bens jurídicos da autodeterminação e liberdade pessoal bem como da integridade física e psíquica do paciente.

Porém, em face da matéria de facto provada, já não podemos acompanhar a sentença, quando imputa ao réu violação do dever acessório de proteção e cuidado relativamente à pessoa da sua paciente, aí justificada da seguinte forma: “não poderia o réu médico era ter deixado a situação evoluir até ao ponto a que chegou (tentando sem sucesso sucessivos antibióticos), com uma infeção a espalhar-se para outras zonas do corpo e tecido já a necrosar e uma paciente em sofrimento.”

Aqui, portanto, se encontra a ilicitude da conduta do réu médico, ao não tomar os atos necessários/adequados para evitar que a infeção evoluísse de tal forma, assumindo proporções de tal gravidade.”

O Código Deontológico da Ordem dos Médicos impõe ao médico o dever de prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance e de atuar em conformidade com as leges artis.

A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina[19] impõe, no seu artigo 4º, sob a epígrafe "Obrigações profissionais e regras de conduta" que «Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efetuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como das regras de conduta aplicáveis ao caso concreto.»

As leges artis, visando a realização correta do ato profissional, são primacialmente regras profissionais (regras de arte) e só mediatamente regras que impõem deveres de diligência, já que não se concebe a realização correta de um ato profissional, sem o cuidado devido.

Na apreciação da atuação do réu, em conformidade ou não com a legis artis e o dever de cuidado que lhe era exigido, não podemos esquecer as circunstâncias particulares da situação em apreço, em que os problemas surgiram após a cirurgia que decorreu sem problemas, no período pós operatório, estando médico e paciente geograficamente separados por 600KM, uma vez que a autora, residente em Faro, aceitou ser operada na cidade do Porto, onde o réu exerce a sua atividade profissional na clínica Ré, tendo decidido regressar a Faro, dois dias após a cirurgia.

Após ter sido submetida à cirurgia na clínica da 2ª ré, sita no Porto, a autora tinha, na verdade duas escolhas: ou permanecer no Porto, junto do médico que a intervencionou e da clínica que lhes prestou os serviços médicos, até ao seu completo restabelecimento, ou regressar à sua residência.

Foi esta segunda hipótese a escolhida pela autora, que foi aceite pelo réu, o qual tendo-lhe fornecido a informação necessária dos cuidados a ter, se disponibilizou ainda a acompanhar o pós-operatório da autora à distância.

Na área da sua residência, a autora tinha também duas escolhas: submeter-se aos tratamentos necessários pós-operatórios, num Centro de Saúde, que é uma unidade básica do SNS, para atendimento e prestação de cuidados de saúde à população, que a encaminharia para um hospital da sua área de residência, caso surgissem complicações, ou escolher quem lhe prestasse tais cuidados, particularmente.

A autora escolheu esta segunda hipótese, tendo decidido que os tratamentos seriam efetuados por uma profissional de saúde da sua escolha (que lhe foi recomendada por umas amigas), a enfermeira CC, com quem o réu de imediato se predispôs a colaborar à distância, tendo remetido à autora os cuidados pós-operatórios, para lhe serem entregues e tendo ainda permanecido sempre em contacto com esta enfermeira durante o período operatório.

De realçar, porque em causa está uma infeção ocorrida no período pós operatório, que a senhora enfermeira revelou no seu depoimento, que procedia aos tratamentos na sua residência “numa salinha à parte”, reconhecendo que apesar de ser um local limpo, não é esterilizado, nem asséptico como nos hospitais.

Decorre ainda da extensa comunicação junta aos autos trocada entre o réu e a senhora enfermeira e entre o réu e a autora, que este esteve sempre disponível e atento à situação física e psicológica da autora (animando-a, por vezes), solicitando por diversas vezes fotografias, para melhor poder avaliar a situação clínica daquela.

Como resulta da factualidade provada, quando é comunicado ao réu a existência dum primeiro foco infecioso pela enfermeira CC, o réu de imediato prescreveu medicação adequada - antibióticos - para a combater.

Após a toma do primeiro antibiótico receitado pelo réu, este logo se inteirou do estado de saúde da autora, para saber se o antibiótico estava ou não a produzir os efeitos desejados de combater o foco infecioso.

A autora informou-se que “sinto-me melhor mas como pode ver um dos lados está péssimo”, enviando-lhe fotos.

Nesta sequência, logo no dia 4.3.2016, a autora recebeu um e-mail remetido pela clínica ré, com o seguinte teor: “Estive a falar com o doutor BB sobre a sua nádega e pensamos que se calhar era melhor você ver um voo e vir cá! Assim víamos como está isso e fazíamos antibiótico injectável. Que acha?! Vinha e ia no mesmo dia ou no dia a seguir, como preferir”.

Concordamos com os Apelantes quando afirmam que o tribunal desvalorizou indevidamente esta mensagem, por entender que “pouca relevância se pode dar a esta comunicação, porque não parte do médico assistente (nem sequer se sabe se é enviada por um médico) e porque parece deixar à autora a análise da gravidade do seu estado, o que certamente não lhe compete.”

O e-mail é da clínica ré, onde a autora aceitou ser intervencionada, o que não foi posto em causa pela autora.

Nele é transmitida à autora, através da clinica médica onde foi intervencionada, a opinião do seu médico (do doutor BB) o qual, em face do seguimento que fazia à distância da condição física da autora – infeção – entende que autora deveria ser vista presencialmente na clínica, explicando que tal era necessário para poderem ver in loco a situação e para a autora poder fazer antibiótico injetável (o réu explicou em julgamento, que se trata de um antibiótico que apenas é fornecido a estabelecimentos hospitalares ou equiparados, não sendo vendido ao público em geral nas farmácias).

Não há dúvida em face desta comunicação, que o médico réu e a clínica ré, se disponibilizaram, logo aquando do surgimento dos primeiros sinais de infeção, a consultar a autora e a medicá-la da forma que entenderam ser mais eficaz, transmitindo-lhe era melhor você ver um voo e vir cá! Assim víamos como está isso e fazíamos antibiótico injectável.

Não se vislumbram quaisquer razões ou motivos para a autora poder questionar (que não questionou) a credibilidade da informação prestada pela clinica relativa a um médico seu.

O tom menos formal usado naquela comunicação, (presente aliás na restante comunicação do réu com a autora), não retira a importância da informação médica que foi prestada à autora.

A autora porém, rejeitou deslocar-se à clínica onde anteriormente aceitara ser submetida à cirurgia, em face do que, o réu, não obstante aquela recusa, decidiu enviar para Faro, nesse mesmo dia, através duma sua paciente, o antibiótico injetável, que veio a ser ministrado na paciente pela enfermeira CC, segundo a prescrição do réu, se bem que num ambiente assético bem diverso daquele a que a autora seria tratada se tivesse deslocado à clinica, como pretendiam os réus.

Seguiu-se uma evolução desfavorável da infeção, que se estendeu à outra nádega e a ambos os peitos da autora, que o médico sempre foi atenta e preocupadamente acompanhado, como resulta das conversas juntas aos autos entre médico e paciente.

A situação infeciosa desenvolveu-se negativamente, ao ponto de surgirem necroses nas zonas intervencionadas, num quadro infecioso de tal maneira grave que a autora deixou de se poder locomover, ficando acamada, levando o médico/clínica réus, “em desespero de causa”, a “obrigar” a autora a deslocar-se à clínica, custeando-lhe a viagem de avião (onde se deslocou em cadeira de rodas, como a autora descreveu no seu depoimento), e a prestar-lhe para além da estadia durante 16 dias na cidade do Porto, o tratamento diário das infeções, cuja descrição aparece detalhada no relatório Médico, junto pela Ré – doc 4, onde consta que a limpeza das feridas era feita diariamente no bloco cirúrgico, com a paciente sedada, com antibioterapia, tratamento que logrou debelar a infeção, vindo a salvar a vida da autora, não obstante ter deixado marcas visíveis no corpo que a desgostam.

É relevante dizer que o réu admitiu no seu depoimento que a infeção podia acabar muito mal, com uma septicemia e a paciente poder vir a falecer, sendo que nas conversas juntas aos autos a autora também desabafa dizendo que pensou que ia morrer. (Em 28-04-2016, diz “…Graças a Deus por ter sobrevivido, mas não resisti ah depressão …”).

Concordamos com os apelantes no sentido que os RR. cumpriram, até num grau superior ao que lhes era exigível, com os seus deveres de zelo, diligência e de cuidado no pós-operatório que sobre o Réu cirurgião impendia, atendendo a que se encontrava a 600 km de distância da sua paciente, por opção desta.

Na Carta de Direitos e Deveres dos Doentes, citada pelos apelantes, disponibilizada pela Ordem dos Médicos, resulta, que:

“1. O doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde. Isto significa que deve procurar garantir o mais completo restabelecimento e também participar na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive; e (…)

4. O doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites.”

Os réus sempre se disponibilizaram e acompanharam o pós-operatório da autora, à distância, respeitando a vontade da autora que foi a de fazer o pós-operatório, com uma pessoa da sua confiança, na sua residência, a 600 km daqueles. Já da parte da autora temos de reconhecer que não houve a necessária colaboração com aqueles, pois pretendendo os réus combater de forma eficaz o processo infecioso, no seu início, aquela recusou.

Também a autora não cumpriu com o seu dever, enquanto paciente, de zelar pelo seu estado de saúde, ao recusar injustificadamente, em face da progressão da infeção e da evidente degradação do seu estado de saúde, ser assistida por um médico, (particular ou colocado á sua disposição pelo Serviço Nacional de Saúde, face à situação económica que invocou), pese embora, note-se, ter sido aconselhada a procurar ajuda médica próxima, pelas suas amigas, tal como estas relataram nos seus depoimentos, as quais assistiram preocupadamente à degradação da sua saúde.

Com efeito, de acordo com os depoimentos das amigas da autora (sendo uma familiar médica), esta recusou sempre atender aos seus conselhos de procurar ajuda médica em Faro, porque entender que o médico dela (que note-se encontrava-se fisicamente distanciado a 600 Km de distância, assim como a clínica onde aquele a poderia tratar), é que tinha a obrigação de a curar.

Estamos perante um comportamento negligente da autora, pois aquela demonstrou uma incúria e uma falta de cuidado, cuidado esse que lhe era exigível em face daquelas particulares circunstâncias, podendo e devendo ter adotado um outro comportamento, que teria evitado uma progressão tão nefasta da infeção que desenvolveu no período pós-operatório, causadora dos danos de que pretende ora ser ressarcida.

Dispõe o art. 570 º nº 1 do Código Civil que:“ Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”

Do exposto resulta que, foi a falta de colaboração da autora, recusando o regresso à clínica no Porto, onde tinha sido operada, tendo o médico entendido que devia ser aí tratada, em meio hospitalar, numa altura em que o processo infecioso era incipiente (apenas numa das nádegas, que depois se estendeu às outras áreas do corpo intervencionadas) podendo facilmente ser sustado, insistindo em continuar a ser tratada por uma enfermeira, que exercia a sua atividade profissional em local que não reunia condições asséticas comparáveis com as que podiam ser fornecidas pelos réus, recusando ainda, já num estado grave da situação infeciosa procurar ajuda médica próxima de si, quando era visível para si e para todos os que com ela conviviam a degradação da sua saúde em consequência da infeção, que se veio a alastrar para outra partes do corpo da autora intervencionados, contribuiu sem dúvida, para um agravamento dos danos.

É aliás significativo, em face da matéria provada que, uma infeção que poderia ter sido contida, inicialmente com um antibiótico injetável, ministrado em condições hospitalares, como foi inicialmente sugerido pelos réus à autora, só tenha sido possível de ser contido, após regresso (“algo forçado”) da autora à clínica, submetendo-se esta a 16 dias de limpeza cirúrgica diária, no bloco operatório, com sedação da paciente e antibioterapia - procedimentos devidamente discriminados no relatório médico junto aos autos e confirmado pelos réus.

Não obstante o agravamento dos danos ter sido causado pelo comportamento negligente e como tal culposo, da paciente, os réus custearam todo o processo de cura da infeção, tendo assumido ainda as despesas da viagem de avião e estadia da A. durante todo o tempo que foi necessário à cura.

Desta forma, considerando as circunstâncias do caso, em que autora contribuiu com o seu comportamento para o agravamento da infeção, que foi causal dos danos que sofreu e que a ilicitude dos réus consistiu unicamente em não terem prestado a informação completa (omitiram apenas a informação dos riscos apenas relativamente a um dos procedimentos médicos); que foi a intervenção ativa dos réus, custeando o regresso da autora à clínica e a sua estadia no Porto, que veio a permitir o tratamento até aí recusado pela autora (feito na ré ou noutro estabelecimento hospitalar, mesmo sem custos); que os réus procederam ao tratamento médico da infeção em estado muito avançado e sua cura, sem cobrar qualquer quantia à autora, (tendo dessa forma salvado a sua vida, já que evitaram o passo seguinte, que seria a ocorrência duma septicémia), entendemos ser de reduzir a indemnização, à quantia de 20.000€, ao abrigo do disposto no art. 570 º nº 1 do Código Civil.

Esta quantia vence juros de mora desde a citação, como decidido na sentença.

VI-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso e em reduzir a indemnização à quantia de € 20.000,00.

Custas na proporção do decaimento.


Porto, 11 de março de 2025.
Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
João Diogo Rodrigues
_________________
[1] Os factos provados e não provados impugnados no recurso, encontram-se assinalados a “bold”.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, pg. 175.
[3] Obra citada, pg. 169.
[4] Publicado no D.R. I série de 14.11.2023.
[5] Abrantes Geraldes, In ob. Citada, pág. 266 “ A Relação atua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
[6] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
[7] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191.
[8] Expressão utilizada no Relatório médico da Ré.
[9] Ver entre outros o Acórdão do STJ de 8.9.2020, proferido no Processo 148/14.4TVLSB.L1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.
[10] In “O Ónus da Prova nas Ações de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 127.
[11] Veja-se o leia-se Acórdão do STJ de 22.9.2011, proc. 674/2001.P L.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido ver Henriques Gaspar, em “A Responsabilidade Civil do Médico”, CJ, ano III, 1978, pág. 341 e os Acórdãos desta Relação de 10.02.2015, relator: Rodrigues Pires, e de 26.01.2016, relator Igreja de Matos, disponíveis em dgsi.pt.
[13] Neste sentido o Acórdão do STJ de 22.09.2011, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Ver Revista JULGAR nº 42, André Gonçalo Dias da Costa, in “Responsabilidade civil em saúde e violação do consentimento informado na jurisprudência português recente, pg. 134 e 135.
[15] cf. Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pg. 69
[16] Proferido no P 148/14.4TVLSB.L1.S1 já citado.
[17] Proferido no P 3925/07.9TVPRT.P1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.
[18] Proferido no P 1263/06.3TVPRT.P1.S1 e disponível in www.dgsi.p
[19] Ratificada por Portugal e entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa, em 1 de Dezembro de 2001.