A regra geral da responsabilidade pelas custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Dá causa o exequente/embargado, ao desistir da acção executiva, à extinção da instância dos embargos por inutilidade superveniente, devendo suportar as custas correspondentes.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto - ...
Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: João Maria Espinho Venade
2º Adjunto: José Manuel Monteiro Correia
Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
Nestes autos de embargos de executada que a co-executada AA moveu contra o exequente, aduzindo, em síntese, o cumprimento das obrigações exequendas, a culpa do exequente na parcial inexecução de algumas e sempre a impossibilidade de execução de algumas das pretensões, nos termos e com os fundamentos que melhor constam da respectiva petição, para a qual, por brevidade, nos remetemos, veio, a dado passo, já no decurso do julgamento, o exequente apresentar requerimento nos autos com o seguinte e integral teor: «BB exequente nos Autos acima referenciados, vem aos mesmos, muito respeitosamente, requerer a V. Exa. nos seguinte termos e fundamentos:
1. De acordo com o artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, a instância extingue-se quando se venha a tornar impossível ou inútil o prosseguimento da lide, por causa superveniente.
2. Ora, no passado dia 27 de novembro de 2024, em sede de Audiência de Julgamento, a embargante procedeu à junção aos presentes Autos da Ata n.º 8 da assembleia de condóminos do Condomínio sito na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, realizada em 23 de julho de 2024.
3. E do conteúdo da dita Ata n.º 8 extrai-se que o referido condomínio aprovou já em assembleia, e por unanimidade, a realização das obras de construção civil determinadas na decisão judicial já transitada em julgado, prolatada no Processo n.º ... – Juízo Local Cível de Matosinhos – ..., em 27 de fevereiro de 2018,
4. mais determinando o referido condomínio (entretanto constituído na sequência desta decisão judicial) que se responsabiliza pelo acompanhamento e execução das referidas obras, as quais têm o seu início agendado para o mês de março/abril de 2025; pela realização do caderno de encargos e pela assinatura do contrato de empreitada com a empresa “A..., Unipessoal, Lda.” no início do ano de 2025.
5. De facto, a realização das referidas obras de construção civil determinadas na Sentença do Processo n.º ... atrás referido é, precisamente, o objeto dos presentes Autos e seu Apenso,
6. o que redunda na inutilidade da Sentença que nesta ação se obtivesse e, por via disso, na inutilidade do prosseguimento desta Ação contra a embargante e contra todos os executados.
7. Por outras palavras, a decisão a proferir nestes autos não tem qualquer efeito útil contra os ora executados, razão pela qual surgiu supervenientemente a inutilidade da lide, motivadora da extinção da instância contra aqueles executados movida.
8. No sentido que vimos de expor, vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/09/2011, Processo n.º 2435/09.4TBMTS.P1.S1, de 13/01/2011, Processo n.º 2209/06.4TBFUN-L1.S1, de 25/03/2010, Processo n.º 216881/08.4YIPRT.C1, todos disponíveis para consulta no sítio da internet www.dgsi.pt.
Nos termos expostos e nos melhores de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exa., deve ser declarada extinta a instância contra os executados CC, NIF: ...80 e esposa DD, NIF: ...57, assim como contra a executada AA /C, NIF: ...46, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.»
Na sequência, foi proferida a seguinte decisão: «Atento o teor do requerimento que antecede declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide- artº 227º, do C.P.C. Custas a cargo dos embargantes.»
Veio então a embargante requerer a rectificação do despacho que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, aduzindo, desde logo, ser destinado e a apreciar na execução.
A Sra. Juiz proferiu então o seguinte despacho: «Salvo o sempre devido respeito por opinião contrária, carece de fundamento o alegado.
Com efeito, a desistência do pedido formulado na execução acarreta, necessariamente, a inutilidade superveniente destes autos, i.é., o exequente ao desistir do pedido, renuncia ao mesmo, o que significa que inexistindo pedido, inexiste utilidade em discutir a existência/inexistência da obrigação.
Improcede, pois, nesta parte, o alegado.
Quanto às custas, a verdade é que a embargante é quem retira proveito da declaração de inutilidade e, nessa medida, é a responsável pelo seu pagamento- artº 527º, do C.P.C
Pelo exposto, indefiro a requerida rectificação.
Custas do incidente pela requerente, com a taxa de justiça reduzida ao mínimo legal.»
Na sequência do indeferimento do pedido de rectificação, veio então a embargante recorrer da sentença mesma que julgou extinta a instância, mediante as seguintes conclusões:
1) A ora Apelante apresentou oposição à execução contra si instaurada por BB, através de embargos de executado.
2) O exequente/embargado contestou os embargos de executado.
3) O embargado/exequente apresentou, nos autos de Embargos de Executado, requerimento no qual peticiona “ ser declarada a extinção da instância contra os executados CC (…) e esposa DD, (…), assim como contra a executada/embargante AA (…)”.
4) Face à apresentação pelo embargado/exequente do requerimento de desistência da instância alegadamente por inutilidade superveniente da lide nos autos de Embargos de Executado, sem que tenha sido concedido à embargante/executada o direito de pronuncia sobre o requerimento em questão, foi de imediato proferida sentença pelo douto Tribunal ora recorrido da qual resulta “ Atento o teor do requerimento que antecede declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ”.
5) Acrescentando o Meritíssimo Juiz, “Custas a cargo dos embargantes”.
6) Visa o presente recurso demonstrar o demérito da referida sentença proferida pelo Douto Tribunal recorrido, ao determinar, sem audição prévia à Embargante/Executada, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da ora Apelante (única embargante).
7) Entende a Recorrente existir um incorrecto entendimento pelo Douto Tribunal ora recorrido do requerimento junto aos autos pelo Exequente/Embargado.
8) Não poderia o embargado/exequente desistir dos embargos de executado, mas sim e apenas da execução por si instaurada.
9) Como tal, a ser proferida sentença a mesma deveria ter sido nos autos de execução.
10) Sendo certo que, a desistência do pedido pelo exequente nos autos de execução, acarreta a extinção dos embargos de executado por inutilidade da lide.
11) Ora, desistindo o exequente, deverão as custas devidas ficar a cargo deste (e não da embargante).
12) Acresce, ainda, que não foi facultado à ora Recorrente oportunidade de se pronunciar quanto ao requerido pelo exequente.
13) O fundamento no qual assenta a suposta inutilidade superveniente da lide é uma deliberação aprovada em assembleia de condóminos do Edifício ..., ..., condomínio este do qual são condóminos o exequente e os executados.
14) Assim, qual o proveito que a ora Recorrente retira da declaração de inutilidade?
15) Quando poderia ver julgados procedentes os embargos deduzidos, não pagando custas e vendo extinta a execução; e agora, sem oportunidade de resposta sequer a um requerimento, vê extinta a execução e os embargos, sem julgamento e está condenada em custas?!
16) Assim faz o Douto Tribunal recorrido uma errada interpretação da Lei, designadamente do disposto no artigo 527º do CPC.
17) A Douta sentença ora recorrida no que respeita à condenação da recorrente nas custas do processo, enferma de nulidade da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma vez que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
18) Da interpretação e aplicação da Lei resulta decisão diferente da proferida pelo Douto Tribunal, no que respeita à condenação nas custas do processo.
19) Considerando o antes exposto e o previsto nos artigos no artigo 527º do CPC, padece a Douta Sentença, salvo melhor opinião, de uma errada interpretação do disposto no referido normativo legal.
20) Assim, a Douta sentença ora recorrida é nula, porquanto viola o disposto nos artigo 527º do C.P.C., enfermando da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º C.P.C.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II.
Sabido que é que as conclusões do recurso é que definem o objecto deste, são as seguintes e apenas de direito as questões a analisar:
- da nulidade da sentença, por contradição entre fundamentos e decisão;
- da inobservância do princípio do contraditório e respectiva consequência;
- do erro de juízo ou julgamento da sentença, quanto ao objecto e quanto a custas.
A)
A nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier a ser expresso. Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte do CPC, ambígua será decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente e, obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Neste sentido, LEBRE DE FREITAS, A Ação declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 381/382: «porém, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se».
Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista no art. 615º/1/c, do CPCivil, quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.
Por isso, a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão.
Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma.
Ora, quando se tenha presente o teor da decisão e o despacho que indeferiu a rectificação, em causa, como de resto patenteia a fundamentação do recurso apreciando, um juízo sobre a interpretação do requerimento do exequente e suas consequências quanto à execução, embargos e custas respectivas, justificado e coerente. Não se antevê, pois, qualquer contradição geradora de nulidade, sendo a apreciar a correcção do juízo infra.
B)
Desde logo, não tem obtido resposta unânime, no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal, como da doutrina, a questão de saber se a prolação de uma decisão surpresa, com violação do princípio do contraditório, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do CPC, ou uma nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, em conformidade com o disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
No último sentido, na esteira das posições assumidas por Teixeira de Sousa (Decisão-surpresa; nulidade da decisão, publicado in blog do IPPC) e de Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pág. 26), se pronunciaram os acórdãos do STJ de 13-10-2020 (proc. n.º 392/14.4.T8CHV-A.G1.S1), de 16-12-2021 (proc. n.º 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1) e de 13-04-2021 (proc. n.º 2019/18.6T8FNC.L1.S1,), disponíveis em www.dgsi.pt.
Como exemplo da corrente jurisprudencial enunciada em primeiro lugar refira-se o acórdão de 29-02-2024 (proc. n.º 19406/19.5T8LSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
Sobre as possibilidades de enquadramento da questão, Luís Correia de Mendonça, O contraditório e a proibição das decisões-surpresa, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, a. 82 v. 1-2 (Jan.-Jun. 2022), p. 185-239, artigo disponível em: https://portal.oa.pt/media/135588/luis-correia-de-mendonca.pdf.
Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, tendo a doutrina e jurisprudência começado a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa. Decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
Temos para nós que quando o tribunal profere uma decisão sem observância do contraditório, em contravenção com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, não está a conhecer de uma questão de que não pudesse tomar conhecimento. Ao invés, tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá ser-lhe aplicada a regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma.
Em abono desta tese é de afirmar, nas palavras do acórdão de 29-02-2024, citado que “se, na realidade, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório configurasse um caso de excesso de pronúncia, sujeito ao regime das nulidades da sentença, o que faria sentido é que a nulidade fosse suprida nos mesmos termos em que é suprida a nulidade causada por excesso de pronúncia, o que não acontece”, já que, para suprir a nulidade causada pela inobservância do princípio do contraditório, não se considera sem efeito a parte viciada, antes se anula a decisão recorrida com o objectivo de determinar o cumprimento do formalismo que foi omitido e de proferir nova decisão sobre a questão.
Acrescenta-se, por fim, como argumento corroborante – e acompanhando, também aqui, o acórdão de 29-02-2024 – que “o n.º 2 do artigo 630.º do CPC, na parte em que dispõe que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, aponta no sentido de que o legislador configura a omissão de formalidades que contendam com o princípio do contraditório como nulidade prevista no n.º 1 do artigo 195.º do CPC”.
Constitui decisão-surpresa a decisão tomada pelo tribunal relativamente questão não discutida pelas partes, sendo que a inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.
Não sufragamos também o entendimento de que o meio processual único para a arguição da nulidade (processual) decorrente da violação do contraditório devido é a reclamação perante o tribunal que proferiu a decisão, no prazo de dez dias (arts. 149.º e 199.º, n.º 1, do CPC), podendo ser interposto recurso da decisão que incida sobre a mesma reclamação. Caso em que, sempre a nulidade processual arguida apenas nas alegações de recurso de revista se deverá considerar sanada, por não respeitar a vício do acórdão recorrido e na medida em que não se reporte ao indeferimento de uma reclamação oportunamente apresentada. Nessa tese, a nulidade processual decorrente da preterição do contraditório invocada pelo recorrente deveria ter sido objecto de reclamação, no prazo de dez dias desde a notificação da decisão, perante o Tribunal da Relação nos termos da segunda parte do art. 196.º e arts. 197.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, todos do CPC, uma vez que não se coloca a hipótese prevista no n.º 3 da última disposição. Não tendo sido deduzida tempestivamente tal reclamação perante o tribunal a quo, sempre se verificaria o efeito preclusivo de perda da faculdade de exercício.
Concordamos antes com Paulo Ramos de Faria e Nuno de Lemos Jorge, em As outras nulidades da sentença cível, Julgar Online, setembro de 2024, p. 1 a 79[1], quando a p. 48, anotam que: «a prevalência da apelação como meio impugnatório (…) explica que a decisão-surpresa não caia inevitavelmente nas malhas do regime de arguição previsto no art. 195.º e seguintes, quando o recurso é admissível (sublinhado nosso). Desta decisão cabe recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir).» e, mais à frente, p. 49. «Não sendo a decisão recorrível, por a causa o não admitir, cessa o concurso aparente de meios de impugnação, sendo aplicável sem dificuldade o regime da nulidade (art. 195.º e segs.), podendo a parte prejudicada dela reclamar para o juiz do processo (art. 197.º).»
Da decisão pois que não observou o contraditório caberá recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir sem a realização necessária do contraditório que se impunha).
No caso, resulta evidente dos autos que não foi dada à embargante a possibilidade de se pronunciar sobre o requerimento apreciado pela decisão recorrida, o que integra, efectivamente, uma nulidade, susceptível já a omissão de implicar com a apreciação do mérito da questão, precludida ab initio a possibilidade de a embargante conformar a decisão que veio a ser proferida.
Relativamente às consequências extraíveis do reconhecimento de tal nulidade, temos defendido a posição de que, prima facie, tal determinaria, na presente fase, a mais da anulação da decisão recorrida, decisão a determinar a intervenção e pronúncia da parte, nos termos e para os efeitos do prescrito no nº. 3, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, fixando prazo em conformidade.
Contudo, a embargante/executada/recorrente, no enformar do objecto recursório, em sede de alegações, já emitiu pronúncia acerca da matéria apreciada na decisão a anular, ou seja, já enunciou os fundamentos argumentativos tradutores da sua posição relativamente à questão decidenda, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia.
Assim é que, in casu, em sede de alegações, a apelante apresentou efectiva e completa pronúncia sobre as questões. O que evidencia, com concludência, estarmos, no que à Recorrente invocante concerne, perante uma densificada alegação acerca das questões tratadas na decisão apelada, assim se podendo concluir por uma efectiva pronúncia por parte da Embargante, determinando que, deste modo, o exercício do aludido contraditório já se mostra assegurado através das alegações apresentadas, não se justificando a emissão de comando determinante da concessão de nova pronúncia.
Por seu turno, a posição do exequente já emergia do requerimento junto aos autos, sendo que lhe foi dada a oportunidade de tomar novamente posição quanto à argumentação expendida pela Recorrente nas suas alegações, mediante a apresentação de contra-alegações, tendo optado por não o fazer. Quanto a ele, pois, observado o contraditório.
Está, pois, este tribunal em condições de decidir do fundo ou mérito da questão, o que passará a fazer-se.
C)
Assente-se que o requerimento apreciado pela decisão recorrida se constitui como um acto jurídico não negocial, ao qual, nos termos e para os efeitos do artigo 295º do CC, são aplicáveis as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos e, assim, a teoria da impressão do destinatário.
No caso concreto, há que atender não apenas ao teor do requerimento e ao fundamento convocado para a extinção pretendida, como ao contexto em que foi apresentado, nos autos de embargos na véspera de continuação da audiência de julgamento em curso nestes e, de forma não escamoteável, ao objecto da execução a que os embargos foram opostos e aos fundamentos ou causa de pedir destes.
E, na presença da totalidade destes elementos interpretativos, mister é concluir estar invocada a extinção dos embargos por inutilidade superveniente da lide, por via do desinteresse, rectius, da desistência pelo exequente do pedido nos autos de execução, por entender que os seus interesses estavam agora salvaguardados pelos termos de uma deliberação do condomínio do prédio a que se reporta o litígio… É que, na verdade, aquela deliberação não tem qualquer efeito extintivo a se da obrigação exequenda, com o que apenas configurável, por interpretação necessária, a desistência da pretensão executiva pelo exequente, por entender que o cumprimento da deliberação do condomínio satisfará o seu interesse em jogo na execução. E assim é que a expressão literal da pretensão no requerimento em causa se reporta à extinção do processo também contra os co-executados não embargantes… Outrossim, como é sabido, apenas a desistência do pedido é livre, não o sendo já a da instância, após a apresentação de oposição, como tal se prefigurando os embargos[2].
Donde, a extinção por inutilidade superveniente a que se alude no requerimento vem a sê-lo agora a da instância de embargos, consequente à extinção da execução, por desistência do pedido pelo exequente, nessa parte assistindo razão à apelante.
É que ocorre inutilidade superveniente da lide quando, na pendência da instância, a resolução do litígio deixe de interessar seja em razão de desaparecerem o(s) sujeito(s) ou objeto do processo, seja por o Autor lograr satisfação fora do âmbito da instância. Ora, como adiantado, a satisfação do exequente não o é directa e imediatamente por força da deliberação da qual dá nota e junta aos autos. Na verdade, a deliberação decide da realização, adjudicação e início das obras cuja execução vinha pedida coercivamente. Tão só. Não as realiza ou torna inelutável a sua realização/execução. Tudo para reiterar a recondução interpretativa da pretensão pelo exequente a uma verdadeira e própria extinção da execução por desistência, a qual, determinando a extinção desta, faz desaparecer o objecto dos embargos, caracterizando já a inutilidade superveniente destes, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa.
Nas situações de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide o princípio regra em matéria de custas é o de que as mesmas serão da responsabilidade do autor, salvo se, excecionalmente, tal impossibilidade for imputável ao réu, caso em que é este o responsável pelo pagamento da totalidade das custas (artigo 536.º, n.º3 do CPC).
Já as custas em caso de desistência são-no pelo desistente.
Ora, terá de entender-se que a conduta do exequente/embargado deu causa à extinção dos embargos, devendo suportar as custas da correspondente actividade processual. Por força do princípio da causalidade não há outra solução que não a de condenar o embargado/exequente nas custas, quer da execução, por desistência, quer dos embargos. Foi o embargado quem decidiu da desistência da execução (que não se impunha por via da deliberação a que alude no requerimento), por forma a que tendo ele dado causa à extinção dos embargos, afasta a aplicação da regra geral de responsabilidade do autor pelas custas[3]. O mesmo é dizer que o peso das custas deve lançar-se sobre o embargado porque a sua conduta fornece base razoável para sobre ele assentar a responsabilidade pelas custas – há um nexo de causalidade entre a conduta do embargado e as despesas do processo[4].
Solução que é também suportada pela especificidade da norma quanto à responsabilidade pelas custas quando a instância se extingue por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (artigo 450º, 3, do Código de Processo Civil). Ocorrência em que as custas ficam a cargo do autor ou requerente, salvo se a impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
Ali se estatui um princípio geral de que, nestes casos de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide em que ocorre uma circunstância superveniente que não é imputável a qualquer das partes, é o autor quem suporta as custas, a título de risco[5]. A este respeito entende-se que não havendo fundamento para as lançar sobre os ombros do réu, tem de ser o autor a suportá-las, dando actualidade à doutrina do assento n° 4/77, de 9 de Novembro[6] agora com valor de jurisprudência uniformizadora (artigos 16° do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 732º-A do Código de Processo Civil): “O disposto no n° 1 do artigo 447° do Código do Processo Civil é aplicável independentemente da natureza do facto que determine a impossibilidade ou a inutilidade da lide”[7]. Aresto que, debruçando-se sobre a inutilidade derivada de uma modificação do direito positivo, apenas se limitou a definir que são irrelevantes as causas ou os motivos que determinam a superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide para dar aplicação àquele preceito, cuja convocação se impõe. Posição sustentada pela regra da onerosidade do processo e a exigibilidade das custas, desde que não haja isenção. E, impondo-se a tributação, havendo preceito legal que, na extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, expressamente atribui às partes o dever de as suportar, não cabe ao intérprete afastar a norma com a invocação do seu carácter injusto.
Numa situação como a do aresto referenciado, em que a alteração legislativa tornou inútil o prosseguimento da lide, justificava-se que fosse o autor a pagar as custas, suportando o risco de ter accionado o aparelho judiciário. Risco que o actual regime divide entre as partes, sendo as custas igualmente repartidas entre elas [artigo 450º, 1 e 2, a)].
Na situação versada, foi o exequente que, por desistência da execução, suprimiu o objecto da acção apensa, de embargos. Só a conduta dele deu azo ao desaparecimento do objecto do presente processo. Foi esta sua atitude que, implicando a extinção da execução primeira, determinou a inutilidade superveniente dos embargos, por razões que exclusivamente lhe são atribuídas.
A decisão sindicada não pode, pois, manter-se.
É que, em súmula: a regra geral da responsabilidade pelas custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Dá causa o exequente/embargado, ao desistir da acção executiva, à extinção da instância dos embargos por inutilidade superveniente, devendo suportar as custas correspondentes.
III.
Tudo visto, concede-se provimento à apelação e, revoga-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julga a instância executiva extinta, por desistência do pedido pelo exequente e, consequentemente, julga a instância de embargos extinta por inutilidade superveniente da lide, com custas em ambas as sedes pelo exequente/embargado.
Notifique.
Decaindo na apelação, suporta o embargado as custas da apelação (artigo 446º, 1, do Código de Processo Civil; artigo 6º, Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais).
Porto, 20 de Março de 2025
Isabel Peixoto Pereira
João Venade
José Manuel Correia
__________________________________
[1] Bem assim, como antecede, quanto à natureza do vício.
[2] Recorde-se, conforme anota José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Almedina, pág 193, que os embargos de executado constituem uma contra-acção, de natureza declarativa a correr por apenso ao processo de execução, mediante o qual o executado/embargante visa “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do crédito exequendo ou da falta de um pressupostos, específico ou geral, da execução.”
[3] Lebre de Freitas, “Código de Processo civil”, Anotado, II, 2ª ed., pág. 201.
[4] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, anotado, II, 3ª ed., pág. 216.
[5] Lebre de Freitas, ibidem, pág. 210, citando Rodrigues Bastos, Notas cit., II, pág. 330.
[6] D.R. n. 298, I Série, de 27-12-1997.
[7] Ac. R.C. de 13-02-2007, in CJ online, ref. 7719/2007.