I - As obras ilicitamente realizadas pelo arrendatária só fundam a resolução do contrato pelo senhorio, nos termos do artigo 1083.º, nºs. 1 e 2, do C. C., se essa realização for de tal modo grave que torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
II - É dado ao imóvel locado um fim diverso do contratado (hotel/residencial) quando a arrendatária aí promove a prática da prostituição, o que funda o direito de resolução do contrato de arrendamento ao abrigo do artigo 1083.º, nºs. 1 e 2, alínea c), do C. C..
(Sumário da responsabilidade do Relator)
João Venade.
Álvaro Monteiro.
Carlos Cunha Carvalho.
AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., Porto, intentaram contra
A..., Unipessoal, Lda., com sede e estabelecimento comercial na Rua ..., ..., Porto,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação no seguinte:
. a) ser declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré, sendo decretado o respetivo despejo, condenando-se a Ré a entregar de imediato aos Autores o imóvel, livre e desocupado.
. b) Ser condenada a Ré a demolir todas as obras de inovação ou de alteração ao imóvel, que tenha entretanto realizado entre a data do embargo e o estado em que vier a demonstrar-se estar o edifício à data da perícia que a final é requerida;
. c) Pagar aos Autores a quantia de 250 000 EUR correspondente ao valor necessário para repor o prédio ao estado anterior à execução das obras pela Ré, ou então, e caso não se demonstre tal valor, subsidiariamente, aquele montante que vier a ser fixado em perícia que a final se requer;
. d) Ser condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia de 2.500 EUR ou aquela que corresponder ao valor locatício comercial do imóvel dos Autores, caso as obras não tivessem sido executadas pela Ré, desde a declaração de resolução até efetiva entrega do imóvel, livre de pessoas e bens;
e) Ser condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia de 2.500 EUR ou aquela que corresponder ao valor locatício comercial do imóvel dos Autores, desde a entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, e durante o período de tempo necessário à execução das obras necessárias a repor o prédio ao estado anterior, e com licença de utilização e para o exercício de atividade de residencial/hotel, sendo que se estima e fixa tal período em 24 meses, mas que se aceita seja substituído na condenação da Ré, pelo período de tempo que a perícia que a final se vai requerer, fixar.;
f) Ser condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia de 25.000 EUR a título de danos morais.
O sustento de tais pedidos radica, em síntese, no seguinte:
. celebraram com CC, ou sociedade por esta a constituir, contrato de arrendamento pelo período de 20 anos, com início em 01/05/2013 e termo em 30/04/2033, relativamente a prédio urbano sito na Rua ..., Porto;
. a finalidade da locação era residencial/hotel, não podendo mudar de ramo de negócio ou ser sub-alugado, pagando a Ré atualmente de renda mensal a quantia de 760,86 EUR;
. CC constituiu a sociedade Ré, para a qual transferiu a titularidade do arrendamento;
. Os Autores autorizaram a arrendatária a realizar obras de conservação e reparação, excetuando as que alterassem a estrutura do prédio;
. no início de setembro de 2021, os Autores conheceram que a Ré estava a realizar obras de pedreiro e trolha no imóvel, que alteravam profundamente a estrutura do prédio;
. efetuaram-se construções que não foram autorizadas pelos Autores, designadamente aplicação de janelas em alumínio onde antes existiam janelas em madeira, e uma parede em tijolos e betão, a dividir compartimentos e a encerrar uma janela do prédio para a rua, encrustada no piso de madeira, parede essa que não existia à data do arrendamento;
. foi elaborado auto de embargo extrajudicial de obra nova em 14/09/2021;
. todas as obras, para além de não terem sido autorizadas pelos Autores, estão a ser executadas sem prévia elaboração, apresentação e aprovação pela Câmara Municipal do Porto, ou pelas entidades competentes, de projeto de alterações de arquitetura e especialidades de águas, eletricidade e outras especialidades indispensáveis e necessárias licenciar na alteração;
. as obras em causa afetam a segurança, o arranjo estético e a linha arquitetónica do prédio;
. a sua reposição ao estado anterior e original, com a demolição das obras entretanto realizadas, e ainda a necessária obtenção de licença de utilização para o imóvel assim alterado, importará em centenas de milhares de euros;
. o imóvel perdeu completamente o valor, seja locativo seja de venda, já que os Autores não poderão vender ou arrendar o imóvel sem contratar projeto de arquitetura e especialidades para essas ou outras obras, e sem que as mesmas sejam efetivamente executadas e depois licenciadas pelas entidades competentes;
. o referido embargo extrajudicial foi judicialmente ratificado judicialmente por decisão transitada em julgado;
. o imóvel está a ser usado para exploração de prostituição;
. a realização pelo locatário de obras no interior do locado não autorizadas pelo senhorio e que não possam justificar-se nos termos dos arts. 1036.°, 1073º e 1074.°, n.°s 2 e 3, do Código Civil constituem fundamento de resolução do contrato pelo senhorio desde que, objectivamente, produzam alterações relevantes da fisionomia do locado (gravidade da infracção) ou provoquem um tal desequilíbrio na relação locatícia (consequências) que tornem inexigível a manutenção do arrendamento;
. é o que sucede no caso concreto;
. a realização das obras em causa necessitava de consentimento escrito do senhorio, salvo se as mesmas estivessem previstas no contrato, como determina o art.º 1074.º n.º 2, do C. C., autorização que não foi prestada;
. o locatário não pode aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina – artigo 1038º alínea c) do Código Civil;
. nem pode ser usado para fim que atinja os bons costumes ou à ordem pública;
. na reposição do imóvel no estado anterior, despenderão quantia nunca inferior a 250 000 EUR;
. tais obras e licenciamento, prolongar-se-ão durante um período de tempo nunca inferior a 24 meses;
. deve a Ré pagar a quantia mensal de 2 500 EUR correspondente ao período de tempo em que decorrerem tais obras;
. tal quantia é o valor médio pelo qual os Autores poderiam arrendar o seu imóvel;
. os Autores ficaram aborrecidos e tristes por o seu prédio ter sofrido obras de alteração profundas sem que eles as tivessem previamente autorizado.
Tais reparações não colocaram em causa a traça, a estrutura, a segurança, ou a configuração do locado.
Objeto do litígio -resolução do contrato de arrendamento; e como
Temas da prova:
1) Saber se a Ré estava a levar a efeito as seguintes obras no prédio dos AA.:
a) Foram e prosseguiram a ser demolidos pavimentos, tetos e derrubadas paredes emdiversos locais do imóvel, constituídos por tabique (elementos realizados com grade de madeira delgada e estreita, cujos vãos se enchem de argamassas de saibro ou cal), sendo substituídos por paredes com estrutura em chapa e revestidos a placas de gesso cartonado, com furos nas paredes e tetos.
b) Foram e prosseguiram a ser cortados elementos originais e de raiz da construção do edifício (rodapés de elevada dimensão, sancas de gesso tradicionais corridas, e outros) do imóvel, e bem assim furados e ocultados com tetos em placas de gesso cartonado;
c) Estão a ser executados novos quartos de banho, e outros ampliados, com recurso a paredes em pladur, incluindo a execução/ ampliação de pavimentos em argamassa de cimento e areia, aplicados sobre os soalhos originais.
d) Foram e prosseguiram a ser elevadas diversas paredes em tijolo e betão, que alteram a disposição dos espaços interiores e aumentam esse número, como por exemplo no primeiro andar, em que uma sala foi dividida em duas divisões (quartos) com quartos de banho individuais que se encontravam a ser realizados na altura da visita;
e) Foram alteradas as janelas das águas-furtadas e substituídas as originais em madeira por novas em PVC/alumínio;
f) Estão a ser realizadas alterações na rede de saneamento, cortando-se para o efeito os pisos e paredes;
g) O condutor de águas residuais foi alterado e colocado a servir dois quartos de banho, tendo sido alterados os ramais de descarga.
h) Para conseguir a passagem de um condutor de águas, com caimento, foi cortada uma viga em madeira, diminuindo a resistência estrutural dessa viga e do próprio piso.
i) Toda a instalação de águas, em execução e alterações, é apenas na horizontal, mantendo-se as tubagens verticais.
j) A rede de abastecimento e todas as tubagens de água (fria e quente) estão a ser alteradas por tubagens em inox sem qualquer proteção térmica.
k) As paredes foram e prosseguem a ser profundamente picadas e danificadas.
l) Não existe espessura e revestimento suficiente sobre a tubagem, quando os roços e a nova tubagem forem tapados.
m) A rede elétrica foi e prossegue a ser alterada, embora parcialmente, mantendo-se algumas ligações elétricas antigas;
n) Estão a ser alteradas as instalações elétricas e de águas parcialmente, sendo o resultado final um misto de materiais antigos (fios elétricos pré-existentes e tubos de grés) e de materiais novos (fios elétricos novos e tubos em pvc).
2) Saber se as aludidas obras foram com conhecimento e autorização dos AA..
3) Saber se as aludidas obras afectam a segurança, estética e linha arquitectónica do prédio, bem como perderá a licença de utilização nos termos existentes.
4) Saber se as obras de alteração à rede de saneamento provocam entupimentos.
5) Saber se a R. para obter caimento nos tubos condutores de águas residuais que estão a instalar de novo, os trolhas a mando da Ré cortaram uma viga em madeira do edifício, diminuindo a resistência estrutural dessa viga e do próprio piso.
6) Saber se a modificação e alteração das instalações elétricas, e a coexistência de instalações novas e antigas pode ser causa de incêndios elétricos, cujas consequências podem comprometer a própria existência do edifício.
7) Saber se há projecto para os vários tipos de obras realizados pela R..
8) Saber se o imóvel dos autos é utilizado pela R. para nele ser exercida a prostituição.
9) Saber se a prática da prostituição importa uma desvalorização do prédio dos AA.
10) Saber se o valor que será necessário despender para realização das obras de reposição do imóvel no estado anterior.
11) Saber se tais obras se prolongarão por um período de tempo não inferior a 24 meses.
12) Saber se o valor mensal pelo qual os AA. podiam arrendar o prédio.
13) Saber se os AA. sofreram danos não patrimoniais, por causa da realização das obras e pelo facto de poderem ver a licença de utilização caducada.
14) Saber se as obras levadas a efeito pela R. foram de reparação e urgentes, sem qua alterassem a estrutura do prédio.».
«1. A decisão recorrida está em desconformidade com a prova produzida, e, além disso, com uma boa decisão de Direito.
2. O Tribunal desconsiderou, como princípio de prova, quer no julgamento da matéria de facto, quer na decisão final, as decisões a tal respeito proferidas no âmbito do procedimento cautelar.
3. O que se lhe impunha que atendesse, desde logo, porque a Ré desrespeitou a ordem de embargo e concluiu as obras, assim prejudicando ou impossibilitando a boa realização da perícia.
4. A decisão é nula, porque o Tribunal tomou conhecimento de questões cuja apreciação lhe estava vedada (art. 615.º, n.º1, alínea c) do CPC)
5. Os pontos 47 e 48 dos factos provados (“O facto descrito em 44 (os quartos existentes no prédio dos Autores eram utilizados para a prática da prostituição) era do conhecimento geral” e “desde 2014 que nem os Autores, nem ninguém a seu mando, se deslocava ao prédio para ver o seu estado.”) consubstanciam violação do princípio do contraditório e da substanciação, porquanto tratam de matéria que não foi alegada pela Ré e também não são factos notórios ou factos de conhecimento oficioso, razão pela qual devem ser eliminados da factualidade provada ou, pelo menos, declarados não provados.
6. O ponto 16 dos factos provados contém juízos de direito e/ou conclusivos, pois que não bastava ao Tribunal decidir que a Ré procedeu a obras de reparação e acabamentos, cabendo-lhe apurar a natureza dos trabalhos, a extensão da intervenção, a finalidade da obra e se a mesma foi licenciada e autorizada.
7. O Tribunal qualificou inadequadamente os factos, o que determinou o subsequente vício de fundamentação, que assentou em conclusões genéricas e abstratas, nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea b) do C.P.C..
8. Deve por isso ser eliminada dos factos provados a matéria correspondente aos juízos conclusivos de obras de reparação e acabamentos.
9. A destrinça das obras no antes e depois de 2014, para além de ser irrelevante para efeitos de decisão (o arrendamento iniciou-se em 2013), e, por isso, inadequado a desresponsabilizar a Ré pela sua execução, funda-se num processo de licenciamento que não foi concretizado, desde logo por falta de legitimidade da Requerente arrendatária, que não obteve o prévio conhecimento ou consentimento dos senhorios Autores para o efeito.
10. Os pontos 26, 27, 29 e 47 dos factos provados são atestações não alegadas pelas partes, correspondentes a juízos conclusivos e genéricos, e que mais não pretenderam senão buscar oficiosamente uma motivação do Tribunal para absolver a Ré do pedido, procurando justificações não alegadas pela Ré.
11. Foram violados os princípios da substanciação (art. 5.º, n.º 1 do CPC) e do contraditório, já que o tribunal deve decidir com base nos factos alegados pelas partes, que devem ser concretos e objetivos, e, para além disso, a decisão não pode conter juízos conclusivos ou que não tenham sido objeto de contraditório pelos Autores.
12. Todos esses juízos conclusivos do Tribunal, em que se pretendeu substituir às partes na determinação de factos que pudessem auxilia-lo e conduzir à absolvição da Ré importam, salvo o devido respeito, a nulidade da decisão.
13. E devem por isso ser eliminados da factualidade demonstrada os factos declarados provados sob os pontos 26, 27, 29 e 47.
14. O Tribunal recorrido deixou de conhecer de questões de que devia ter tomado conhecimento, designadamente a conclusão das obras que estavam embargadas, em ostensiva violação à ordem judicial, e que os Autores pediram a condenação da Ré na sua reposição ao estado anterior ao embargo.
Sem prescindir,
15. O Tribunal a quo julgou incorretamente os seguintes pontos da matéria de facto declarada provada:
16, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 42, 46, 47, 48,
16. E o Tribunal a quo julgou ainda incorretamente os seguintes pontos da matéria de facto declarada não provada:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
17. Existem meios probatórios constantes dos autos que impunham decisão diversa sobre a matéria recorrida.
18. No que concerne ao ponto 16 dos factos provados, para além do indício de prova que constitui a decisão no procedimento cautelar, as fotos juntas aos autos de embargo e ainda a reapreciação do depoimento das testemunhas DD e EE impunha que tivesse sido declarado provado as concretas obras que a Ré estava a realizar no dia do embargo, 14 de setembro de 2021:
a) demolição de pavimentos e tetos e derrube de paredes em diversos locais do imóvel, constituídos por tabique (elementos realizados com grade de madeira delgada e estreita, cujos vãos se enchem de argamassas de saibro ou cal), sendo substituídos por paredes com estrutura em chapa e revestidos a placas de gesso cartonado, com furos nas paredes e tetos;
b) corte de elementos originais e de raiz da construção do edifício (rodapés de elevada dimensão, sancas de gesso tradicionais corridas e outros), com furos ocultados por tetos em placas de gesso cartonado;
c) execução de novos quartos de banho, e ampliação de outros, com recurso a paredes em pladur, incluindo a execução/ampliação de pavimentos em argamassa de cimento e areia e que foram aplicados sobre os soalhos originais;
d) levantamento de diversas paredes em tijolo e betão, que alteram a disposição dos espaços interiores e aumentam esse número, como sucede(u) no primeiro andar, em que uma sala foi dividida em duas divisões (quartos), com quartos de banho individuais que se encontravam a ser realizados na altura da visita;
e) alteração das janelas das águas-furtadas, com substituição das originais em madeira por novas em PVC/alumínio;
f) alterações na rede de saneamento, com corte dos pisos e paredes;
g) alteração do condutor de águas residuais, que passou a servir dois quartos de banho, e dos ramais de descarga;
h) corte de uma viga em madeira, para conseguir a passagem de um condutor de águas, com caimento, o que diminui(u) a resistência estrutural dessa viga e do próprio piso;
i) alteração da rede de abastecimento e de todas as tubagens de água (fria e quente) por tubagens em inox e sem qualquer proteção térmica;
j) picagem e danificação das paredes, com abertura de roços;
l) alteração parcial da rede elétrica; e
m) alteração parcial das instalações elétricas e de águas, coexistindo materiais antigos (fios elétricos pré-existentes e tubos de grés) e novos (fios elétricos novos e tubos em PVC).
19. E deveria ainda ter resultado e declarado provado que as referidas obras não foram dadas a conhecer previamente aos Autores e também não foram por estes autorizadas.
20. E ainda que não foram aprovadas e/ou licenciadas pela Câmara Municipal do Porto.
21. Existe ainda erro de fundamentação, quando o Tribunal decide que “estando em causa respostas unânimes dos Srs. Peritos, as suas conclusões foram, evidentemente, valoradas e aceites, quando em comparação com os depoimentos das testemunhas DD e EE, que apenas estiveram no prédio na altura do embargo, e cujas conclusões técnicas não foram relevadas, quando em contradição com as conclusões dos srs. Peritos.”
22. Sobretudo porque as obras descritas aos pontos 10 a 13 da sentença proferida nos autos de embargo estão devidamente documentadas nas fotografias constantes do auto de embargo e foram assim declaradas provadas e porque os peritos não lograram presenciar ou percecionar as obras interrompidas, pois que a Ré violou a decisão de embargos e concluiu-as.
23. As testemunhas DD e EE presenciaram tais obras, que descreveram pormenorizadamente, e extraíram fotos das mesmas, e foram perentórias a atestar o estado do imóvel no decurso do embargo, com paredes e soalho demolidos, com rodapés e rodatetos antigos cortados, com vigas cortadas, com instalações sanitárias demolidas e outras construídas de novo, com alteração de redes hidráulicas e de esgotos e de eletricidade e com subdivisão e criação de novos compartimentos sanitários.
24. De resto, algumas dessas obras foram confirmadas pelo relatório pericial, por comparação com as fotos extraídas por tais testemunhas, conforme se depreende da resposta aos quesitos 1.º b), 4.º, 9.º, 11.º, 14.º e 38.º. E, relativamente ao quesito 1.º c), d) e g) os peritos confirmaram a existência de tais obras, mas não conseguiram identificar a data porque a Ré tinha violado o embargo e acabado as obras.
25. Já no que respeita à data anterior a 2014 em que os peritos fundam algumas das suas respostas, a mesma é uma suposição ou uma informação fornecida pela Ré aos peritos, sem que tenha resultado de qualquer juízo científico ou perceção realizada pelos mesmos.
26. O ponto 26.º dos factos provados deveria antes ter sido declarado não provado, na parte que refere que as alterações às instalações elétricas e hidráulicas foram determinadas por tais instalações não serem de origem.
27. A expressão "não serão da sua origem" é um juízo conclusivo. Indica que as instalações não fazem parte do estado original do prédio, mas não apresenta factos concretos que sustentem essa conclusão.
28. Também a expressão "o que obrigou à realização de novas instalações elétricas e hidráulicas" é conclusiva, pois presume uma relação de causa e efeito sem descrever factos específicos que demonstrem tal necessidade.
29. O ponto 27 dos factos provados, por se tratar de matéria não alegada pelas partes, e porque não concretiza as instalações sanitárias ou a data concreta a que se refere, deverá ser eliminada da decisão sobre a matéria de facto ou declarada não provada.
30. Também o ponto 29 dos factos provados deve ser declarado não provado, pois que radica em projetos de intenções que não foram alegados ou demonstrados nos autos, e sobre os quais os peritos não podiam realizar um juízo científico, decorrente da sua perceção.
31. De resto, tendo os Autores arrendado à Ré um imóvel com licença de utilização, um qualquer processo de licenciamento promovido pela Ré e destinado a legalizar obras teria que ter como fundamento obras realizadas por esta, e não pelos senhorios autores.
32. No que respeita ao ponto 30 dos factos provados, entendem os Autores que é irrelevante e não se acha demonstrada a clivagem ou destrinça entre o antes e o depois do ano de 2014, pois que o relevante para a decisão, tal como configurada a ação pelos Autores, eram as obras que a Ré estava a levar a efeito no dia 14.09.2021.
33. E tais obras alteraram substancialmente o imóvel locado.
34. Assim, ao invés de ter sido declarada provada a matéria dos artigos 30.º a 38.º, nos termos em que o foi, devia antes ter sido declarado, de modo restrito, o seguinte:
30.- Existem as seguintes instalações sanitárias, que não estão representadas nas plantas do processo camarário do prédio dos Autores:
a) No piso da cave, uma peça de bidé e de lavatório, em cada um dos quartos posteriores;
b) No piso do r/c, instalação de tubagem hidráulica, no compartimento indicado com “Recepção”, e instalação sanitária para serviço da “Sala Comum”, onde indica “Circulação”;
c) - No piso do 1º andar existe um instalação sanitária adicional, para servir um dos quartos da frente, não estando também representada a instalação sanitária do quarto posterior;
d) No piso do 2º andar, existe uma instalação sanitária em cada um dos quartos da frente, estando ainda o quarto posterior dividido em dois quartos
31. No prédio dos autores foram demolidos tetos, paredes e quartos de banho, e reconstrução com outros materiais, existindo compartimentos sem tectos acabados, sem gesso estuque, bem como tectos de compartimentos realizados com materiais/acabamentos recente.
33. Existe a abertura de um vão de porta, para uma instalação sanitária posterior no 1ºAndar.
34. Existem ainda no prédio dos autores paredes e tectos em pladur e em material quadriculado;
35. Foi erigida uma parede em tijolos e betão, no quarto com varanda no primeiro andar, a dividir o compartimento, e a encerrar uma janela do prédio para a rua, encrustada no piso de madeira;
37. No edifício existem, duas condutas montantes, colunas verticais, das águas residuais, uma localizada no compartimento da “Recepção”, e outra localizada na “IS4,30m2” junto à cozinha, não representadas nas peças desenhadas do processo de licenciamento;
Sem prescindir,
35. A matéria do ponto 42 dos factos provados deveria antes ter sido declarada não provada e deveria antes ter sido declarado provado que as obras realizadas pela Ré diminuíram o valor do imóvel dos Autores.
36. Trata-se de matéria de conhecimento notório do Tribunal.
37. O ponto 46 dos factos provados deveria ter sido declarado não provado, quer porque não foi alegado pelas partes (neste caso, pela Ré), quer porque contraria a versão oferecida pela Ré na Contestação, quer porque se trata de factualidade surpresa, que a Ré apenas introduziu no decurso da audiência de julgamento.
38. Essa inconsistência e alteração da defesa da Ré, para além de revelar a fragilidade do seu depoimento, não podia, para além daquela que foi a confissão que promove a prática de prostituição no locado, servir para demonstrar que de um ano a esta data deixou de o fazer.
39. Também o ponto 47 dos factos provados, para além de não ter sido alegado pela Ré, violando o princípio da substanciação e do contraditório, contraria aquela que foi a versão da Ré na sua defesa, e surpreende os Autores com uma factualidade que pretende aproveitar a Ré e que nunca lhes foi oposta.
40. O tribunal decidiu que a prostituição era praticada (contrariamente ao que foi alegado pela Ré), mas também decidiu matéria nova e inovadora (que a prática da prostituição teria sido abolida em 2024), e ainda decidiu, contra a defesa dos interesses dos Autores, e sem que tal alguma vez tivesse sido alegado, que tal prostituição (que a Ré negou existir) era do conhecimento geral (e, por isso, deles Autores, que só não a conheceram porque se teriam alheado do prédio, afastando-lhes o direito a pedir a resolução do arrendamento com tal fundamento).
41. Deve por isso o ponto 47 dos factos provados ser declarado antes não provado.
42. E o mesmo ocorre em relação ao ponto 48 dos factos provados, pois que se trata de matéria que não foi alegada pelas partes, violando o principio da substanciação e do contraditório, devendo por isso ser eliminado da factualidade ou pelo menos declarado não provado.
43. Já no que respeita ao ponto 1 dos factos não provados, deveria antes o mesmo ter sido declarados provados, quer através da reapreciação do depoimento das testemunhas DD e EE, quer da prova indiciária resultante da decisão do embargo, fotos juntas ao mesmo e mesmo relatório pericial que, apesar de incompleto, por não ter percecionado as obras entretanto concluídas, permite atestar tais obras de demolição de pisos e tetos.
44. Também os pontos 6 a 9 dos factos não provados deveriam antes ter sido declarados provados.
45. Tal matéria foi confessada pela gerente da Ré. Tal matéria foi atestada pela testemunha FF, arrolada pela Ré, e prostituta que alugava os quartos à Ré para tal atividade.
46. Mas, para além disso, e de tal matéria ter sido confirmada pela testemunha FF, a mesma resulta demonstrada dos documentos juntos aos autos pelos Autores, através de requerimento com data de 16.01.2024, com a Ref.ª citius 37844818.
47. O depoimento da Ré, afirmando que deixou de promover a prostituição no locado, há aproximadamente um ano, para além de não se achar alegado, não tem nem pode ter qualquer relevância jurídica, no sentido de afastar a ilicitude de tal atuação.
48. Para além disso, a factualidade a ser demonstrada reporta-se à data da entrada em juízo da ação, e não a eventuais posteriores alterações de comportamento da Ré.
49. O ponto 7 dos factos não provados deveria antes ter sido declarado provado, pois que é matéria de conhecimento notório e oficioso.
50. E o ponto 8 dos factos não provados deveria antes ter sido declarado provado, não apenas através da reapreciação do depoimento da testemunha DD, como também porque a fundamentação alcançada pelo Tribunal para excluir tais aborrecimentos dos Autores, que justifica com o “desinteresse dos Autores pelo imóvel” é totalmente despropositada e injustificada, para além de não ter sido alegada ou sequer demonstrada.
51. De igual modo o ponto 9 dos factos não provados deveria antes ter sido declarado provado, pois que resulta da lei, é do conhecimento notório, e resulta desde logo da informação camarária que informa que as alterações impõem licenciamento.
Sem prescindir,
DO DIREITO:
52. A decisão recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 1083.º do Código Civil.
53. O artigo 1038.º do Código Civil define que o arrendatário deve usar o locado de acordo com o fim contratualmente estipulado e não pode realizar obras sem o consentimento do senhorio, salvo casos expressamente previstos por lei.
54. A realização de obras não autorizadas constitui um incumprimento grave, que justifica a resolução do contrato de arrendamento (artigo 1083.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil).
55. Ao alterar a posição das instalações sanitárias e criando novas instalações sanitárias (com a inerente alteração do traçado da rede de esgotos) o que implicou a alteração da cota do pavimento, a Ré inquilina modificou a planta do imóvel locado;
56. A prática de prostituição no locado configura uma utilização ilícita do imóvel, violando as obrigações contratuais da inquilina e desvirtuando o fim de hotel. Este incumprimento grave constitui motivo para a resolução do contrato, conforme o artigo 1083.º, n.º 2, alínea b) do Código Civil.
57. A promoção e consentimento da prostituição pela inquilina constituem um incumprimento grave, uma vez que afetam diretamente a finalidade do contrato (hotel).
Face ao exposto, deve julgar-se procedente a apelação e, assim, declarar-se nula a sentença por a mesma constituir uma decisão surpresa e o Tribunal ter decidido sobre questões que lhe estava vedado conhecer e que não haviam sido substanciadas pelas partes e ainda deixou de conhecer questões que foram colocadas à sua apreciação.
Sem prescindir,
Mais se deverá julgar procedente a presente apelação e, por via disso, revogar-se a sentença recorrida, e mediante a reapreciação da matéria de facto e de direito, substituir-se a mesma por outra que determine a condenação da Ré nos pedidos, designadamente:
a) Declarada a resolução do contrato de arrendamento e decretado o despejo da Ré,
condenando-se a Ré a entregar de imediato aos Autores/Recorrentes o imóvel, livre e desocupado;
b) Condenada a Ré a demolir todas as obras de inovação e alteração que introduziu no imóvel e que, entretanto, realizou, entre a data do embargo e o estado em que se encontrava o edifício, à data da perícia;
c) Condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia correspondente ao valor necessário a repor o prédio ao estado anterior à execução das obras pela Ré, entretanto liquidado pelos peritos em € 50.000,00, acrescido de IVA;
d) Condenada a Ré a pagar aos Autores a quantia mensal de € 2.500,00 desde a declaração de resolução até efetiva entrega do imóvel, livre de pessoas e bens;
e) Condenada a Ré a pagar a quantia referida na alínea anterior durante todo o período que durarem as obras de reposição do imóvel ao estado anterior e com licença de utilização para o exercício de atividade de residencial/hotel;
f) Condenada a Ré a pagar aos Autora a quantia de € 25.000,00 a título de danos morais.».
. apreciação da matéria de facto que abrange, no essencial:
a). tipo de obras realizadas e o seu autor;
b). delimitação temporal das obras;
c). prática de prostituição no edifício dado de arrendamento e sua promoção pela Ré;
. despejo da Ré do locado por:
a). realização de obras;
b). destino do locado a fim diverso do contratado.
2.1). De facto.
Uma vez que o elenco de factos é algo extenso, bem como a sua impugnação, após a apreciação desta é que se indicarão os factos provados e não provados.
A). Impugnação da matéria de facto.
A1). Nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C..
Os recorrentes alegam que a sentença é nula porque o tribunal conheceu de dois factos (os elencados sob os nºs. 47 e 48 como provados) quando não podia tomar conhecimento dos mesmos já que não foram alegados e não foi exercido o contraditório.
O referido artigo 615.º, n.º 1, d), determina que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ora, o julgar como provados factos que não foram alegados sobre os quais não houve a oportunidade de contraditório, pode efetivamente fazer cair sob a sentença aquela nulidade já que o tribunal se pronuncia sobre uma questão de facto sobre a qual (ainda) não podia fazê-lo.
Vejamos então se ocorre tal nulidade.
Os factos provados 47 e 48 têm a seguinte redação:
44. Pelo menos desde 2014, e até 2023, os quartos existentes no prédio dos autores eram utilizados para a prática da prostituição.
47. O facto descrito em 44 era do conhecimento geral;
48. Sendo que, desde 2014, nem os autores, nem ninguém a seu mando se deslocava ao prédio para ver o seu estado.
O tribunal justificou a inserção destes factos referindo que, conforme reconheceu a testemunha DD, genro dos autores, nem estes, nem ninguém a seu mando, se deslocavam ao prédio desde há muitos anos (desde, pelo menos, a data da celebração do contrato de arrendamento), Por essa mesma razão, não demos como provado que o conhecimento da existência de obras, por um lado, e da utilização do prédio, por outro, tivesse tido algum efeito negativo nos autores, que revelaram um total desinteresse pelo imóvel, prolongado no tempo sendo que, por outro lado, recorde-se, a prática da prostituição local era de conhecimento público na zona onde o prédio está inserido (esta última afirmação sustenta-se no depoimento de FF, pessoa que se dedicava à prostituição).
E, lendo os dois articulados dos autos (petição inicial e contestação), verifica-se que nenhum daqueles dois factos foi alegado pelas partes. Na nossa visão, numa única perspetiva, pode considerar-se que aquele facto 47 – conhecimento geral da prática de prostituição no prédio dos recorrentes – serviria como facto instrumental do próprio facto 44 – como era do conhecimento da generalidade das pessoas que ali se praticava prostituição, então o facto podia resultar solidamente provado -.
No entanto, se por regra um facto instrumental não deve ser inserido nos factos provados já que o que releva é o facto essencial, podem haver situações em que esse mesmo facto instrumental deve ser acrescentado aos factos por eventualmente permitir uma melhor compreensão do relato factual. Não é o caso em análise já que o facto 44, por si só, já contém tudo o é essencial saber: o prédio era usado, naquele período, para a prática de prostituição.
Deste modo, sem necessidade de aferir do cumprimento do contraditório, elimina-se o facto provado 47.
O facto 48, tal como mencionam os recorrentes, surge sem conter uma alegação das partes que a sustente e o mesmo não é instrumental ou complemento e/ou concretizador de qualquer outra factualidade. É um facto novo e que serviu de base a que o tribunal recorrido entendesse que «tendo os autores revelado total alheamento em relação à situação do prédio, não podemos falar numa situação grave ou que tenha consequências negativas para o prédio até porque, no que se refere ao seu valor, ficou assente que os principais fatores a ter em conta são a área e a localização.»
Independentemente do acerto desta afirmação, aquele facto surge sem a antecedente alegação, pelo que não poderia ser atendido.
Deste modo, por se tratar de uma facto essencial não alegado, elimina-se o facto provado 48.
Em 14/09/2021 (na data descrita em 11), a ré procedia à realização de obras de reparação e acabamento de tetos, paredes e pavimentos, bem como a realização de trabalhos relativos às instalações elétricas e hidráulicas.
Os recorrentes alegam que a expressão procedia à realização de obras de reparação e acabamento é conclusiva e deveria ser eliminada.
Pensamos que, podendo não ser aquela redação mais pura que porventura se poderia adotar numa seleção de factos, ainda assim pensamos que essa expressão não é conclusiva. Ao elencar-se um determinado conjunto de obras que se mencionam como sendo de reparação ou acabamento, no fundo, está ainda a descrever-se o que se efetuou, apenas lhe dando uma definição – por exemplo, realizou obras de acabamento a nível de pintura, envernizamento – ou efetuou reparações de uma conduta ou de uma caixilharia -.
Por isso, não é por se referir a obras de acabamento/reparação que o facto deve ser eliminado. Um facto conclusivo será aquele que desde logo toma uma posição sobre o direito, sobre a solução jurídica (por exemplo, a Ré efetuou obras de reparação consentidas pelo teor do contrato de arrendamento); tal não sucede in casu.[1]
Mas o que pode suceder é que se refere que se realizaram tais obras mas não há prova de que as mesmas sejam de reparação ou a nível de acabamento e aí então o facto teria de ser alterado – por exemplo, prova-se que só se realizaram obras ao nível das fundações -.
Assim (e seguindo a dinâmica do recurso), não existe qualquer excesso de pronúncia que possa inquinar a sentença de nulidade nessa parte, sendo que a redação de um facto conclusivo não torna a decisão nula mas antes pode conduzir a uma alteração de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, c), do C. C..
Improcede esta argumentação.
Os factos têm a seguinte redação:
26. Existem instalações sanitárias, e compartimentos no prédio, que não serão da sua origem, o que obrigou à realização de novas instalações eléctricas e hidráulicas.
27. Essas alterações são de data anterior a 2014;
28. Tendo como base as plantas constantes no processo, datadas de Fevereiro de 2014 – “Projecto de Licenciamento”, os compartimentos e o seu uso, na sua grande maioria, estão localizados e em conformidade com as referidas peças desenhadas.
29. Sendo que o objetivo do pedido de licenciamento apresentado em 2014 era o de legalizar as obras existentes à data;
Afigura-se-nos que os recorrentes não têm razão; na verdade, não há qualquer impedimento, na nossa visão, em o tribunal concretizar a factualidade que tiver sido alegada pela Ré (e pelos Autores que também não alegam a data concreta em que as obras terão sido realizadas), situando-a temporalmente. Está-se no âmbito do já citado artigo 5.º, n.º 2, b), do C. P. C. (factos concretizadores) pelo que podia o tribunal tomá-lo em atenção.
E não vislumbramos violação do princípio do contraditório já que esta questão foi abordada em julgamento e as partes tiveram ampla possibilidade de perguntarem (como perguntaram) sobre o referido licenciamento (além de ser referido em sede de relatório pericial)[2].
Por outro lado, já entrando no que se assemelha a uma já efetiva impugnação da matéria de facto, não detetamos que exista erro de julgamento, na matéria de facto, quando se baliza a data de realização de obras a um antes e depois de 2014 pois liga-se esta a um projeto de licenciamento datado desse ano que só visaria legalizar obras já anteriormente efetuadas.
Mas, já tendo a questão relevância na análise jurídica dessa delimitação temporal, ou seja, saber se, em sede de mérito jurídico, o estar provado que as obras se realizaram antes ou depois de 2014 importa alguma consequência para a licitude das obras, pensamos que há efetivamente, no mínimo, um equívoco, na redação assumida pelo tribunal recorrido.
Vejamos.
O facto de o contrato de arrendamento se ter iniciado em maio de 2013 e se ter fixado a data de 2014 como referência, com aquela justificação, não torna a sentença nula nessa parte mas torna-a parcialmente errada quer na seleção desse facto quer na fundamentação jurídica quando se menciona que «no que se refere às obras que alteraram as divisões interiores do prédio – nomeadamente no que se refere a casas de banho – ficou assente que as mesmas são anteriores a 2014, ou seja, antes da celebração do contrato de arrendamento entre as partes, pelo que nunca poderia ser fundamento para resolução do contrato.». Sendo o arrendamento de maio de 2013, essa conclusão não pode estar certa. Ou seja, o tribunal assumiu como data de referência 2014, a qual é relevante pois trata-se da data de licenciamento de obras, já em plena vigência do contrato de arrendamento, pedido efetuado em nome da Ré mas depois assume igualmente que 2014 é a data em que o contrato ainda não tinha sido celebrado, o que não é correto.
Importa assim corrigir esta análise no sentido de a fazer reportar ao que foi alegado pelos Autores, ou seja, que a Ré, após o início do contrato de arrendamento, efetuou obras.
Entraremos na análise dessa questão em fase subsequente à presente.
Mas, por ora, apenas se dirá que improcede assim a pedida eliminação destes factos 26, 27 e 29.
Os recorrentes mencionam que o tribunal tinha de se ter pronunciado sobre as obras que foram efetuadas depois do embargo de obra nova. Sustentam que alegaram a matéria em causa e que essa prova poderia levar a uma à instauração de processo crime, além de que se tem de atentar em tal desrespeito para efeitos da decisão a tomar, nomeadamente a condenação da Ré a repor o estado do prédio originário e prévio a tais obras.
No que respeita à instauração de processo crime, não é objeto deste recurso aferir se deve ou não a 1.ª instância comunicar factos ao M.º P.º nem, antes de se apreciar a matéria de facto, se pode concluir se tal participação porventura ainda pode ser feita.
Quanto à pura omissão de factos, os recorrentes (pelo menos até agora) não alegam quais sejam pelo que, ora, não se aprecia esta questão que só será efetivamente ponderada se, em sede de impugnação da matéria de facto, os recorrentes indicarem, devidamente, quais são os factos que devem então ser aditados aos factos provados.
Facto provado 16.
Em 14/09/2021 (na data descrita em 11), a Ré procedia à realização de obras de reparação e acabamento de tetos, paredes e pavimentos, bem como a realização de trabalhos relativos às instalações elétricas e hidráulicas.
Já afastamos a conclusão de que a menção a obras de reparação e acabamentos fosse uma expressão conclusiva.
Agora, os recorrentes pretendem que as obras que a Ré efetuava naquela data possam ser assim classificadas.
Aquela data de 14/09/2021 reporta-se à data em que se efetuou o embargo extrajudicial da obra levada a cabo pela Ré (facto provado 11), onde se menciona que «estão a ser feitas demolições, cortes na madeira e vigas, instalação da nova pichelaria e instalações elétricas e criação de divisórias e quartos de banho novos.».
Os recorrentes alegam que resultaram provados factos suficientes para afastar classificação nos autos de ratificação judicial de embargo de obra nova; no entanto, como resulta do artigo 364.º. n.º 4, do C. P. C., que estipula que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal, não será assim tão linear que aquela prova se transporta para esta ação principal. Pelo contrário, só no caso de confissão judicial, nos termos do artigo 355.º, n.º 3, do C. C.[3], é que se pode aproveitar a mesma que tenha ocorrido no procedimento cautelar e na ponderação de documentos, devidamente contraditados, se necessária, de acordo com o princípio da aquisição processual (artigo 413.º, do C. P. C.).[4]
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, no citado blog de processo civil, Código de processo Civil Online, anotação ao artigo 364.º, «o julgamento da matéria de facto e a decisão proferida no procedimento não produzem nenhuns efeitos na ação principal (n.º 4), isto é, o que venha a ser decidido no procedimento cautelar não produz caso julgado na acção principal. (b) Para além de qualquer opção legislativa, o regime é imposto pelo diferente grau da prova no procedimento cautelar e na ação principal: enquanto no procedimento cautelar é suficiente a “prova sumária” (art. 365.o, n.o 1, e 368.o, n.o 1), na acção principal exige-se a prova stricto sensu como grau de prova. (c) Não é possível atribuir na acção principal valor extraprocessual às provas produzidas no procedimento cautelar (art. 421.o) (…), embora seja possível utilizar essas provas e submetê-las à apreciação do juiz dessa ação. (d) A confissão judicial realizada no procedimento cautelar vale como tal na acção principal.».[5]
Assim, o que tiver sido dado como provado naquele procedimento cautelar não permite que, desde logo, se considere provada a mesma factualidade.
Quanto a fotos juntas com o embargo em 20/09/2021, analisando as mesmas, na nossa opinião, não se retira, de qualquer delas (incluindo, obviamente, as que não se reportam a obras mas, por exemplo, depósito de materiais), que estejam a ser efetuadas obras profundas; o que se retira é o que resulta do facto e que reproduz o que se conclui no relatório pericial (resposta à questão de facto 1, e), páginas 13 e 14): não houve intervenção ao nível da estrutura. E se as obras estão concluídas e não se deteta esse tipo de intervenção, antes de estarem concluídas também não terá ocorrido a mesma pois, face ao tipo de obras – colocação de esgotos, instalação elétrica, casas de banho, derribes de paredes interiores, colocação de paredes em pladour e tetos falsos; mesmo a referência a abertura de vão de porta é apontada a um tempo bastante antigo, atenta sua caracterização, como se denota da fotografia a fls. 14 do relatório pericial).
No que respeita aos testemunhos de EE e DD, este referiu que viu o corte de uma viga estrutural mas isso não significa que se tenha efetuado obras na estrutura do prédio; o que terá sucedido foi um corte numa viga, na parte superior (já reparada), para se colocar uma passagem de água (páginas 24 e 25 do relatório, não havendo qualquer menção a que se tenha afetado a estrutura, resultando assim uma intervenção nessa mesma estrutura que, em rigor, não o é – a estrutura, do que se apura no relatório, mantém-se intacta -).
Em relação ao depoimento de EE, não se deteta no mesmo qualquer relevância superior ao que consta do relatório pericial, extenso e corretamente alicerçado em factos e juízos técnicos, acabando por mencionar as obras que viu e classificando-as, argumentando por exemplo com a maior carga no edifício e se necessitavam de licenciamento, algo em que o relatório pericial é completo na sua análise.
Se há respostas em que os peritos mencionam que não sabem o que se questiona porque não presenciaram, isso não retira validade ao conteúdo do mesmo: por um lado mostram consciência que o seu trabalho consistia e analisar o que era possível e, por outro lado, a conclusão de que não se há prova sobre intervenção na estrutura mantém-se. Se tivesse havido uma intervenção a esse nível, fosse pelo tipo de obra que se realizou, fosse pelas fotografias juntas aos autos de embargos e ao processo principal, certamente a teriam retirado.
Por isso, não vemos que exista qualquer objeção provada ao que os peritos mencionam no relatório: considerando como estrutural do imóvel as paredes mestras de pedra e a escada central, …, consideram não ter havido alteração estrutural do imóvel pois aqueles elementos não foram modificados ou demolidos – página 30 -. Igual ideia é sustentada na resposta à questão de facto 49 em relação ao corte de viga (página 42).
Improcede assim o pedido de alteração deste facto 16.
Existem instalações sanitárias, e compartimentos no prédio, que não serão da sua origem, o que obrigou à realização de novas instalações elétricas e hidráulicas.
Os recorrentes mencionam que a expressão «não serão da sua origem» é conclusiva. Mais uma vez, assumindo aqui o que já acima referimos, não detetamos que o seja pois o que se refere é que tais obras não são contemporâneas com a edificação original, o que não é conclusivo, é um facto que dita essa realidade. Podia ser escrita de outro modo, mencionando-se a data de construção do edifício e a data das obras mas escrever que as obras não são da origem do prédio é uma menção que permite apreender a factualidade em causa; para a rebater, basta alegar que não o é porque as obras têm data posterior à construção do edifício, por exemplo.
E igual ideia expressamos quanto à afirmação de que a construção dessas novas instalações obrigou à realização de novas instalações elétricas e hidráulicas; pois se se verifica que há novas casas de banho e novas instalações daquele tipo, naturalmente que houve a obrigação de realizar novos escoamentos de água e novas instalações elétricas para essas novas casas de banho. É isso que se retira do facto que não é conclusivo pois reporta a realidade que o tribunal entender que existia.
Pode não ser assim e, por isso, pode sindicar-se essa factualidade, alterando-a, por exemplo, dando como não provado que por força da construção de novas casas de banho, se teve (se foi obrigado) a realizar aquele novo tipo de instalações.
Mais uma vez, não vislumbramos o juízo conclusivo que os recorrentes detetam, sendo que não há, em qualquer das duas situações, qualquer menção a conclusões jurídicas (essas sim, a evitar).
Prosseguindo, neste facto não há menção a licenciamento de obras nem que as mesmas (ou outras) tenham sido autorizadas pelo que não há que procurar retirar do mesmo qualquer conclusão sobre se o seu teor implica ou não tal licenciamento/autorização.
Nada mais há a acrescentar sobre esta facto, seja pelo que agora mencionamos seja pelo que se referiu supra quanto ao mesmo facto.
Improcede a argumentação.
26. Existem instalações sanitárias, e compartimentos no prédio, que não serão da sua origem, o que obrigou à realização de novas instalações eléctricas e hidráulicas.
27. Essas alterações são de data anterior a 2014;
Facto provado 29.
Sendo que o objetivo do pedido de licenciamento apresentado em 2014 o de legalizar as obras existentes à data.
Os recorrentes suscitam que os peritos não tinham modo de poder concluir que tal licenciamento apresentado em 2014 no fundo pretendia legalizar as obras já existentes, efetuadas antes de o contrato de arrendamento se ter celebrado.
Vejamos.
O tribunal recorrido refere que: «No que se refere às obras, foi essencial os completíssimos e extensos relatórios sociais (periciais), que descreveram de forma pormenorizada os trabalhos realizados pela ré, e aqueles outros, mais extensos, que não são da origem, mas que consideraram ser anteriores a 2014, uma vez que as divisões interiores correspondem ao projeto de licenciamento então apresentado na Câmara Municipal, tendo-se concluído que este se destinou a regularizar os trabalhos feitos antes dessa data. E esta conclusão dos Srs. Peritos é confirmada pelo depoimento da testemunha CC, que celebrou o contrato em causa nos autos, como arrendatária, e que afirmou nunca ter realizado obras de monta no local sendo que, ao contrário, e conforme reconheceu a testemunha DD, genro dos autores, nem estes, nem ninguém a seu mando, se deslocavam ao prédio desde há muitos anos.».
Nada temos a objetar, parcialmente, a esta análise.
Na perícia, com relatório datado de 08/01/2024, menciona-se essa conclusão que os peritos, no âmbito da sua área de conhecimento específico e especializado, atingiram ao analisarem as obras e as compararam com o dito projeto-base do licenciamento de 2014 – resposta a questão de facto 1, c), a páginas 13 -; e também mencionam obras que consideram anteriores a 2014 e que não estão no licenciamento – resposta a questão de facto 10, páginas 24, bem como no 2.º relatório pericial, de 20/05/2024, V conclusão, página 20. E, na nossa visão, é este relatório que, pela sua clareza e sustentabilidade, também serve de apoio à conclusão de que o licenciamento de 2014 nada mais representou do que a legalização de anteriores obras que já teriam sido realizadas.
Neste relatório, depois de se elencaram os vários pedidos, efetuados na Câmara Municipal do Porto, em relação a obras, apresentado pelo Autor e de se analisarem os mesmos em detalhe, atinge-se a seguinte conclusão:
«Tendo como comparação a Planta de Pedido de Licenciamento, com data de Fevereiro de 2014, onde a requerente junto da Câmara Municipal do Porto, é a Ré, e TODAS as plantas apresentadas nos processos identificados de “A – “ a “E – “, onde o requerente junto da Câmara Municipal do Porto, é o Autor, a Planta de Pedido de Licenciamento, com data de Fevereiro de 2014, é um “Resumo”, uma representação final, do que realmente existe construído no imóvel alvo de perícia, de certo, com a intenção de licenciar o existente. Na Planta de Pedido de Licenciamento, com data de Fevereiro de 2014, constam, à semelhança das várias plantas apresentadas nos processos de licenciamento junto da Câmara Municipal do Porto, entre o ano de 1987 e 12 de Agosto de 1993, as alterações efectuadas nos vários pisos do imóvel, face ao inicial, ano de 1987, como é o caso da execução e/ou demolição de instalações sanitárias, bem como execução e/ou demolição de paredes interiores.» - nosso sublinhado -.
Esta análise está enquadrada não só no âmbito do que o tribunal solicitou como também nos conhecimentos dos Srs. Peritos que analisaram elementos objetivos e concluíram que, pelo que tinham observado no imóvel, aquelas alterações (mais) relevantes tinham sido efetuadas antes do licenciamento de 20/05/2014, e diga-se, bastante antes.
Não há qualquer outro tipo de prova nos autos que possa afastar esta conclusão, nomeadamente testemunhal pois ou ninguém viu tais obras a serem realizadas antes de 2014 ou mesmo o da anterior arrendatária (CC) que apenas referiu que não realizou obras de grande relevância.
Daí que, com aquela análise do relatório pericial e ausência de prova de que tenha sido a Ré a realizar as obras em causa, a decisão a tomar nesta matéria de facto é de manter os factos provados 27 e 29 como tal mas acrescentar aos factos não provados o que a Autora alegou:
Facto não provado 4.1.
A Ré realizou as obras que estão na base do licenciamento datado de 20/05/2014.
Estão aqui elencadas várias obras realizadas no imóvel que não estarão contempladas nas plantas do licenciamento de 2014 (que não se dão por reproduzidas por não se vislumbrar utilidade em se transcrever tal factualidade, algo extensa).
Na verdade, o que os recorrentes questionam não são as obras que foram dadas como provadas mas antes que:
. não se deveria fazer referência ao licenciamento de 2014 – já nos pronunciamos sobre esta questão -;
. as obras efetuadas em 14/09/2021 afetaram substancialmente o locado – não vemos que tenha de existir qualquer alteração para que se possa vir a analisar juridicamente se todas as obras cuja realização se deu como provada têm ou não influência nos pedidos formulados, ou seja, os factos que estão provados permitem que tenham integração jurídica para análise dos pedidos formulados;
. quanto à data do embargo extrajudicial, altura em que estavam a ser realizadas obras, já resulta do facto 16 essa mesma factualidade;
. falta de pronúncia do tribunal sobre o conhecimento e autorização da realização das obras no locado.
Esta é uma questão autónoma relativa à apreciação desta factualidade em questão – saber se as obras que constam nos factos foram autorizadas -. Ora, pensamos que é consensual que, para além do que consta do contrato de arrendamento (cláusula 7.º, em que se autoriza a realização de obras de conservação e reparação), não há qualquer outro documento onde conste outro tipo de autorização para realização de obras nem nenhuma testemunha referiu que as mesmas foram autorizadas. A legal representante da Ré mencionou que entendeu que as obras já estavam previamente autorizadas pelo contrato e que, por isso, não teria de solicitar autorização, o que demonstra que, não tendo sido pedida autorização, é natural que não tenha sido dada.
Os recorrentes alegaram a falta de autorização das obras em causa (artigo 31.º, da petição inicial) mas, em rigor, o que se apura é que, para além da autorização constante daquela cláusula contratual, não houve outra tomada de posição dos mesmos sobre a realização de obras.
Assim, acrescenta-se aos factos provados a seguinte factualidade:
38.1). Para além da autorização constante da cláusula 7.ª, do contrato de arrendamento, não houve outra tomada de posição dos Autores sobre a realização de obras pela Ré.
Note-se que, infra, regressaremos a esta questão da autorização de obras.
. quanto ao licenciamento de obras, o que consta que estava a ser efetuado pela Ré em 2021 já contém a menção a falta de licenciamento (facto 22), o que é suficiente para, se for necessário, avaliar da consequência dessa omissão.
Procede assim unicamente a impugnação quanto ao aditamento do facto 38.1.
O prédio pode ser vendido no estado em que se encontra, sendo que a localização e as áreas do prédio são os fatores preponderantes na atribuição do respetivo valor comercial.
Os recorrentes pretendem que se altere o facto de modo a que resulte provado que as obras realizadas pela Ré desvalorizaram o edifício.
Ora, como pensamos ser de fácil compreensão, o facto não se debruça sobre o valor efetivo do prédio, apenas menciona quais são os fatores preponderantes na atribuição do seu valor: área e localização.
O tribunal nada diz sobre porque motivo dá como provado este facto.
Diga-se que o mesmo surge porque é assim que se refere na resposta à questão de facto 113 não vemos motivo para alterar este facto pois o que aí se refere afigura-se-nos ser correto: a área e localização de um imóvel serão os fatores preponderantes para a avaliação do mesmo. Mas isso não significa que, se tal for necessário, não se analise também se o estado de conservação, a sua alteração estética pode ou não influenciar esse valor (por exemplo, como os peritos mencionam, se um comprador estiver interessado no imóvel devido à sua traça original) ou até o uso que lhe tenha sido dado (no caso, prostituição).
Mas prova de que o imóvel tem agora um valor inferior ao que teria se não tivessem sido realizadas obras é algo que não sucedeu, de todo pois, desde logo, não há uma avaliação do mesmo nem nenhuma testemunha o fez de modo minimamente seguro.
Assim, improcede esta argumentação.
Desde há cerca de um ano os quartos passaram a ser cedidos a turistas.
Os recorrentes pretendem que o facto resulte não provado. E pensamos que terão razão pois só a legal representante da Ré o mencionou, bem como FF, angariadora de clientes para a prática de prostituição no local. Ora, esses depoimentos não são, por si só, credíveis, uma porque é parte, alegadamente envolvida numa atividade que não é consentânea com o objeto do contrato e a outra porque produziu um depoimento que, neste aspeto, até contradisse parcialmente o da legal representante da Ré (a atividade teria cessado há cerca de oito meses). Mas para se poder determinar que se passou a exercer a atividade de alugar quartos a turistas, teria de ser junta documentação que o comprovasse – recibos, declarações de rendimentos, contabilidade, … -, o que não sucedeu.
Assim, esta matéria, que efetivamente não foi alegada pela Ré mas que, atendendo à prova da prática de prostituição, é ainda um elemento temporal concretizador dessa prática, podendo assim ser inscrito nos factos já que foi abordado em julgamento, acaba por não resultar provada.
Assim, o facto provado 46 passa a ser o
Facto não provado 6.1:
Desde há cerca de um ano os quartos passaram a ser cedidos a turistas.
Já foi eliminado.
Já foi eliminado.
Facto não provado 1.
A Ré tivesse procedido à demolição de pisos.
Pretendem os recorrentes que o facto resulte provado mas, com o devido respeito, pensamos que sem razão. No relatório pericial menciona-se expressamente que não se deteta qualquer demolição de piso (ou seja, a eliminação de um piso do imóvel) – resposta a questão de facto 1.º, d), página 13 -.
Do auto de embargo extrajudicial, sempre sujeito a reapreciação, não consta que se tenha visionado uma demolição de piso – documento n.º 6 junto com o procedimento cautelar -.
Mesmo nos excertos de depoimentos de testemunha indicados pelos recorrentes não consta que tenham visto a demolição de um piso mas antes levantamento de soalho ou demolições de tetos, como referido no relatório pericial.
Assim, improcede esta argumentação.
A Ré promovesse a atividade da prostituição no imóvel.
Como já demos a entender, não atribuímos credibilidade ao depoimento da legal representante da Ré ao referir que já não se praticava aquela atividade no edifício há um ano; e também não a atribuímos quando menciona que arrendava os quartos, não sabendo o que se passava lá dentro, afirmação sem o mínimo de sustento nas regras de conhecimento do homem médio que, ficando a saber que se arrendam quartos para aquela prática, não pode confira que a senhoria desconhece essa atividade diária.
E tanto assim é que o tribunal recorrido deu como provado que até 2023 se praticava prostituição no edifício, sendo que GG e «B..., Lda.», são as sócias da Ré desde 28/06/2021 (data do registo da aquisição de quota da sociedade arrendatária, A...), pelo que não só durante o tempo da arrendatária original, ou seja, a empresa constituída por CC (aquela assina o contrato de arrendamento) – A... Unipessoal, Lda., ora Ré, como durante o período em que novas pessoas ocuparam o lugar de sócias de Ré (GG e «B..., Lda.) se praticaram atos de prostituição por própria admissão da legal representante da Ré – se em 30/10/2024, dia da realização da sua audição, admite que há cerca de um ano que não se praticam tais atos, é porque assume que entre 28/06/2021 e 30/10/2024 (obviamente não com este detalhe quanto à data) os mesmo se vinham praticando.
E, por fim, há que atender ao documento junto em 16/01/2024 pelos recorrentes, referente a uma página de Facebook de anúncio a casa de passe da Ré (de julho de 2022), não nos convencendo a resposta da Ré ao mencionar que se tratou de uma usurpação de imagem, sobre a qual não existe qualquer prova nos autos.
Assim, seja porque GG refere que, antes de si, sabia que havia essa prática (artigo 72.º, da contestação), seja porque em julgamento a mesma fixou uma data de cessação dessa atividade já no exercício, por si, da representação da Ré, seja ainda porque não é vislumbramos que a Ré não promovesse, de algum modo, essa atividade (no que seria um fechar de olhos e desconhecimento que não tem, para nós, sustento no senso comum) entende-se que deve resultar provado que a Ré promovia a atividade de prostituição no edifício em causa. E, consequentemente, recebia parte de rendimentos dessa atividade, como consta do facto provado 45, não questionado (o arrendamento de quartos).
Assim, elimina-se este facto não provado e adita-se aos factos provados:
. Facto provado
44.1). A Ré promovia o exercício dessa atividade de prostituição.
A prática da prostituição importe uma desvalorização do prédio dos Autores.
Os autores ficaram perturbados quer com a realização das obras, e pelo facto de poderem ver a licença de utilização caducada, quer com a utilização do prédio para a prática de prostituição.
As obras realizadas possam implicar a perda das licenças existentes no imóvel.
Aglomeramos estes três factos, não só por estarem relacionados com a prática da prostituição como, na nossa visão, devem manter-se como não provados.
Já acima referimos o que pode influenciar a o valor do imóvel sendo que, em suma, depende da situação em concreto, ou seja, a finalidade que se pretende dar ao imóvel – venda ou retirada de rendimentos periódicos, pouco importando a fonte dos mesmos para a entidade devedora – arrendatária -, ou a finalidade que se pretende dar com a sua aquisição – demolição total, parcial, reconversão ou manutenção da atividade. O local em si, naturalmente tendo relevância – um imóvel no centro de uma cidade pode ser mais valorizado pelo preço por m2 do terreno -, não se pode concluir que a perderá por aí se praticar uma atividade menos dignificante. Pode essa atividade pura e simplesmente desaparecer com a aquisição do imóvel por outra pessoa o que, no caso, até se pode considerar que nem era preciso surgir uma terceira pessoa. Na verdade, a Ré mencionou que deixou de permitir essa atividade (o que se desconhece) mas, pelos vistos, bastaria uma intervenção de alguém para cessar uma atividade que não era independente da frequência do imóvel. Outra situação seria se, por exemplo, na rua onde se situa uma habitação de uma família, se praticasse esse tipo de atividade ou outra de caráter menos pacífico (assaltos, por exemplo). Aqui, naturalmente que quem quisesse adquirir uma habitação para viver, ponderaria o valor a dar para viver num local menos tranquilo.
Mas, no caso concreto, aquela atividade estava relacionada com o imóvel e não com o local onde o mesmo se integrava. Por isso, repete-se, tudo dependeria da finalidade e/ou da identidade do comprador para se aferir do valor do imóvel. Mas concluir que, desde logo, há desvalorização do edifício, é algo de que não há prova e que os peritos refutaram, como mencionamos.
Também não há qualquer prova que as obras que foram realizadas possa implicar a perda de licenciamento para a atividade de hotelaria; poderão ter de ser regularizadas a fim de poderem ser emitidas (se é que estão válidas, conforme resposta a questão de facto 105, a páginas 61), até podendo ser encaradas como melhoramentos do edifício – resposta a questão de facto 103, página 60).
A referência ao regime jurídico do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 é a colocação de uma hipótese pois, para o tribunal concluir que as obras implicavam a perda de licenciamento, teria que saber qual a posição da entidade administrativa sobre este tipo de situações, qual o nível de abrangência sobre a realização de obras e se estas estão ou não sujeitas a algum tipo de controle para se obter a licença ou se apenas necessitam de ser avaliadas quanto à sua correção, como parece decorrer do documento da Câmara Municipal do Porto junto em 20/02/2024, enviada a solicitação do tribunal.
São situações que não estão demonstradas nos autos e, muito menos, por depoimentos de testemunhas ou conhecimento notório do tribunal.
Por fim, também não resulta provado o estado emocional dos Autores porque simplesmente a prova sobre tal matéria é nula pois não tem relevo o genro dos Autores afirmar que os mesmos estão com idade avançada e tristes mas o que resulta é que há uma situação que pode durar há cerca de dez anos e não há notícia de que tenham procurado saber do estado do imóvel (que, com a idade que tem, certamente necessitaria de obras que, mesmo que podendo ser realizadas pelo arrendatário, podiam eventualmente ser corrigidas com má qualidade) ou o que aí sucedia nem qualquer dado objetivo (atestado médico, por exemplo) de onde resulte a sua situação de fragilidade emocional.
Assim, mantém-se também esta factualidade como não provada.
Os Autores autorizaram a arrendatária a realizar obras de conservação e reparação, e outras necessárias à utilização do fim a que se destinava o prédio – residencial/hotel, excetuando as que alterassem a estrutura do prédio.
O tribunal recorrido não menciona expressamente como entendeu que tal factualidade resultava provado mas julgamos que a sua base terá sido o teor do contrato já que, no decurso da motivação jurídica, refere que «…importa recordar que, nos termos do contrato celebrado, a arrendatária estava autorizada a realizar obras de manutenção ou de adaptação do arrendado ao fim a que se destinava (hotel/residencial), ficariam a cargo da arrendatária.».
Ora, esta conclusão só pode advir do teor da cláusula n.º 6, do contrato de arrendamento, que estatui que:
«todas as obras de conservação ordinária requerida por lei ou pelo fim do contrato e as de adaptação do arrendado, ao fim a que se destina, são da obrigação da segunda outorgante ou da sociedade que venha a constituir, ficando as mesmas, bem como as benfeitorias que fizer, ainda que autorizadas pelos primeiros outorgantes, a fazer parte integrante do mesmo, não podendo a segunda outorgante ou a sociedade a constituir, alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização.».
Não há qualquer cláusula do contrato que se refira a estas obras (a 7.ª reporta-se a obras de conservação); porém, na nossa perspetiva, não resulta da cláusula 6.ª que as obras de adaptação do arrendado ao fim a que se destina estejam desde logo consentidas pelos senhorios no contrato. O que ali se menciona é que tais obras (bem como as de conservação ordinária e as benfeitorias), mesmo que autorizadas, ficam a fazer parte integrante do locado, além de serem da obrigação da arrendatária (são da obrigação da segunda outorgante…).
Ou seja, tais obras, ainda que estejam autorizadas por qualquer modo, fazem parte do arrendado; e as obras de conservação e reparação, que não alterem a estrutura do prédio, ficam autorizadas pela cláusula 7.ª; mas as de adaptação do locado não têm referência contratual como estando desde logo autorizadas. O que se refere é que são da responsabilidade da arrendatária (logo, os senhorios não as realizam) e, mesmo que consentidas, fazem parte do locado.
Assim, não é correto dar como provado que as obras necessárias à utilização do fim a que se destinava o prédio (de adaptação do locado) estão autorizadas contratualmente.
Aliás, a própria Ré nunca alega que as obras de adaptação estavam autorizadas pelo contrato, só fazendo menção às de conservação e reparação (artigo 75.º, da contestação).
Deste modo, há que alterar a redação deste facto pois sustenta-se num documento que não fornece a base suficiente para que possa ter essa redação, alteração essa efetuada nos termos do artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do C. P. C. pois o facto não está provado por documento.
Deste modo, o facto provado 5 passa a ter a seguinte redação, nessa parte, mantendo-se a restante inalterada:
Os Autores autorizaram, no contrato referido em 2), a arrendatária a realizar todas as obras de conservação e reparação, desde que não alterassem a estrutura do prédio. As canalizações … .
Menciona-se ainda que não é objeto deste recurso indagar se o embargo de obra nova foi violado, matéria diga-se, da exclusiva reapreciação nos respetivos autos, conforme artigo 402.º, do C. P. C..
2.1). De facto.
Resultam assim provados os seguintes factos:
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. Os Autores são os donos e legítimos possuidores de um prédio urbano sito na Rua ..., ... Porto, correspondente a um prédio em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto de casa de 4 pavimentos, tendo a cave 1 divisão, 3 divisões o r/c, 3 divisões no 1.º andar, 3 divisões nas águas furtadas, quintal com 254 m2 e dependência com 1 divisão de 28 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 da freguesia ... e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo ...21.
2. Os Autores, nessa qualidade de proprietários, deram de arrendamento, pelo período de 20 anos, com início em 01 de maio de 2013 e termo em 30 de abril de 2033, a CC, ou a sociedade por esta a constituir, o referido imóvel;
3. A CC constituiu a sociedade Ré, para a qual transferiu a titularidade do arrendamento, nos termos do contrato celebrado;
4. O prédio arrendado destina-se a residencial/hotel, com alvará de licença de utilização n.º...24/14, emitido em nome da Ré, em 28 de agosto de 2014, possuindo o prédio alvará de licença de abertura de estabelecimento de residencial com 2 estrelas, emitido em 7 de novembro de 1988, não podendo mudar de ramo de negócio ou ser sub-alugado, pagando a Ré atualmente de renda mensal a quantia de €760,86.
5. Os Autores autorizaram, no contrato referido em 2), a arrendatária a realizar todas as obras de conservação e reparação, desde que não alterassem a estrutura do prédio. As canalizações de águas e esgotos, assim como todas as instalações sanitárias e de luz e respetivos acessórios, bem como as persianas, encontravam-se, à data do arrendamento, em bom estado, tendo a Ré se obrigado a assim as manter conservadas.
6. A CC comunicou aos Autores que iria transmitir a GG e à sociedade B... Unipessoal, Lda., as quotas que detinha em tal sociedade, tendo comunicado tal cessão aos Autores através de carta com data de 26/04/2021 (aditamento que se efetua por se tratar de um claro lapso de escrita, data que resulta do documento n.º 5 junto pelos próprios Autores na petição inicial).
7. No início do mês de setembro de 2021, veio ao conhecimento dos Autores que a Ré estava a realizar obras de pedreiro e trolha no imóvel que lhes pertence.
8. Os Autores pediram a pessoa sua conhecida que visitasse o imóvel, cuja venda entretanto estavam a promover, e averiguasse o estado do mesmo e as obras que estavam em curso.
9. Tal pessoa visitou o imóvel, no dia 13 de setembro, e verificou que estavam a decorrer trabalhos de construção civil no seu interior, tendo avisado os Autores e o seu filho do mesmo.
10. Os AA. elaboraram o auto de embargo extrajudicial de obra nova com o seguinte teor:
11. AUTO DE EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA
- Aos 14 de setembro de 2021, no prédio sito à Rua ..., Porto, compareceram o advogado HH e as testemunhas DD e EE, para verificar o estado das obras que estão a ser executadas no imóvel pelo arrendatário. Apresentou-se o encarregado da obra, que autorizou a entrada no imóvel, tendo sido constatado que estão a ser feitas demolições, cortes na madeira e vigas, instalação da nova pichelaria e instalações elétricas e criação de divisórias e quartos de banho novos. A vistoria foi realizada na presença do encarregado e foram tiradas fotos que irão posteriormente ser imprimidas e anexadas ao presente auto. As fotos foram tiradas pela testemunha DD. No quarto da frente estava a dormir um senhor com um cão na sua companhia. O advogado e as testemunhas foram informados pelo encarregado, e telefonicamente pelo seu superior/agente, Sr. II, que estava a caminho a proprietária da sociedade, D. GG, acompanhada de advogado. A Sra. D. GG não fala português, mas foi-lhe esclarecida pelo seu advogado, que se identificou como Dr. JJ, que o advogado dos proprietários do imóvel, com poderes para o ato conforme procuração que exibiu, embarga neste momento a obra, devendo ela obstar imediatamente ao seu prosseguimento. Pelo Advogado da Sra. D. GG, e esta, foi dito que não autorizam a entrada no imóvel. Uma vez que a mesma já foi realizada, com a autorização do encarregado, foi notificada a D. GG e o seu ilustre advogado que tal obra causa prejuízo ao prédio e que a deverá suspender imediatamente. Em tempo, o encarregado da obra é o Sr. KK, que confirmou perante todos os presentes que deu autorização ao advogado do senhorio e testemunhas para entrarem. A proprietária referiu que não deu autorização e declarou, assim como o seu ilustre advogado, que não irão assinar o presente auto, que lhes lido, explicado e vai ser assinado pelo advogado do senhorio e testemunhas presentes. Depois de lido a ambos, gerente da Ré e seu advogado, e traduzido e esclarecido, em língua francesa, pelo signatário da P.I., à referida gerente da Ré, que é de nacionalidade francesa, e aparentava não falar português, o dito auto, ambos recusaram assinar o mesmo. E mais comunicaram que não haviam dado autorização de entrada.
12. O prédio dos Autores possui alvará de licença de utilização n.º ...24/14, emitido em nome da Ré, em 28 de agosto de 2014;
13. Para além disso, o prédio dos Autores possui alvará de licença de abertura de estabelecimento de residencial com 2 estrelas, emitido em 17 de novembro de 1988;
14. O embargo extrajudicial realizado pelos Autores foi ratificado judicialmente, através de sentença proferida nos autos de ratificação extrajudicial de embargo de obra nova que correram termos sob o processo n.º..., que correu termos pelo ... local Cível do Porto.
15. A Ré recorreu de tal decisão, que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto;
16. Em 14/09/2021 (na data descrita em 11), a ré procedia à realização de obras de reparação e acabamento de tectos, paredes e pavimentos, bem como a realização de trabalhos relativos às instalações eléctricas e hidráulicas;
17. Tendo efectuado um corte na seção superior da viga de madeira que, entretanto, foi tapado;
18. Bem como a picagem de uma parede na cozinha, para substituição de tubagem, no mesmo local onde existia a tubagem antiga, com a abertura pontual de ranhura para instalação de tubagem;
19. Colocando nova cablagem a alimentar alguma aparelhagem eléctrica, nomeadamente onde ocorreu reabilitação de compartimentos.
20. Com realização de trabalhos na rede de águas, com abertura de roços em paredes para instalação hidráulica;
21. A ré procedeu à substituição dos quatro caixilhos em alumínio dos vãos exteriores do 2ºAndar, por peças novas de alumínio, bem como a realização de uma instalação sanitária para cada um dos quartos da frente do 2º Andar;
22. As obras realizadas pela ré em 2021, não foram objeto de pedido prévio de licenciamento;
23. Sendo que não eram obras urgentes;
24. Todos os restantes compartimentos, instalações sanitárias, peças sanitárias, construção de divisórias em tijolo entre quartos (quartos da frente 1ºAndar e quartos posteriores do 2ºAndar), já existiam à data de 2014;
25. O prédio dos autores foi objecto de processo de licenciamento junto da Câmara Municipal do Porto, na data de Fevereiro de 2014, com a apresentação de novas plantas dos vários pisos do edifício;
26. Existem instalações sanitárias, e compartimentos no prédio, que não serão da sua origem, o que obrigou à realização de novas instalações eléctricas e hidráulicas.
27. Essas alterações são de data anterior a 2014;
28. Tendo como base as plantas constantes no processo, datadas de Fevereiro de 2014 – “Projecto de Licenciamento”, os compartimentos e o seu uso, na sua grande maioria, estão localizados e em conformidade com as referidas peças desenhadas.
29. Sendo que o objetivo do pedido de licenciamento apresentado em 2014 o de legalizar as obras existentes à data;
30. Comparativamente às Plantas de Licenciamento de 2014, existem no edifício, as seguintes instalações sanitárias, que não estão representadas nas plantas:
a) No piso da cave, uma peça de bidé e de lavatório, em cada um dos quartos posteriores;
b) No piso do r/c, instalação de tubagem hidráulica, no compartimento indicado com “Recepção”, e instalação sanitária para serviço da “Sala Comum”, onde indica “Circulação”;
c) – No piso do 1º andar, não estando bem representada a parede divisória dos quartos da frente, existe um instalação sanitária adicional, para servir um dos quartos da frente, não estando também representada a instalação sanitária do quarto posterior;
d) No piso do 2º andar, existe uma instalação sanitária em cada um dos quartos da frente, estando ainda o quarto posterior dividido em dois quartos
31. No prédio dos autores, antes de 2014, foram demolidos tetos, paredes e quartos de banho, e reconstrução com outros materiais, existindo compartimentos sem tectos acabados, sem gesso estuque, bem como tectos de compartimentos realizados com materiais/acabamentos recente
32. Foram demolidos tectos em tabique no 1º Andar;
33. Existe a abertura de um vão de porta, para uma instalação sanitária posterior no 1ºAndar, abertura que não consta nas Plantas de Licenciamento de Fevereiro de 2014, mas que é de data próxima da construção do edifício;
34. Existem ainda no prédio dos autores paredes e tectos em pladur e em material quadriculado, colocados em data anterior a 2014;
35. Foi erigida, antes de 2014, uma parede em tijolos e betão, no quarto com varanda no primeiro andar, a dividir o compartimento, e a encerrar uma janela do prédio para a rua, encrustada no piso de madeira;
36. Parede que consta nas plantas datadas de Fevereiro de 2014 – “Projecto de Licenciamento”, estando, contudo está mal representada;
37. No edifício existem, duas condutas montantes, colunas verticais, das águas residuais, uma localizada no compartimento da “Recepção”, e outra localizada na “IS4,30m2” junto à cozinha.
38. Colunas verticais que não estão desenhadas nas Plantas de Licenciamento de 2014, mas que são de data anterior;
38.1). Para além da autorização constante da cláusula 7.ª, do contrato de arrendamento, não houve outra tomada de posição dos Autores sobre a realização de obras pela Ré.
39. As paredes mestras de pedra e a escada central não foram modificados ou demolidos;
40. À data da perícia, não estavam a ser realizadas obras no prédio, nem alterações às redes de saneamento;
41. Para reversão de instalações sanitárias e redes hidráulicas bem como, no caso dos revestimentos modificados (que não é possível repor), a aplicação de novos revestimentos que tentem replicar as condições originais, será necessário despender a quanta de 50.000,00 €, mais IVA;
42. O prédio pode ser vendido no estado em que se encontra, sendo que a localização e as áreas do prédio são os fatores preponderantes na atribuição do respetivo valor comercial;
43. Os pisos e os corrimões em madeira, tendo em conta os anos do imóvel, estão em estado de conservação aceitável;
44. Pelo menos desde 2014, e até 2023, os quartos existentes no prédio dos autores eram utilizados para a prática da prostituição;
44.1). A Ré promovia o exercício dessa atividade de prostituição.
45. Recebendo a ré o valor pela utilização do quarto;
46. (eliminado).
47. (eliminado).
48. (eliminado).
E resultaram não provados:
1. Que a ré tivesse procedido à demolição de pisos;
2. Que, nos trabalhos realizados, tivesse a ré deixado buracos no chão:
3. Que a ré tivesse procedido à demolição de elementos em pedra, integrantes da estrutura do edifício;
4. Ou que tenha procedido à abertura de vãos e construção de janelas em paredes anteriormente encerradas;
A Ré realizou as obras que estão na base do licenciamento datado de 20/05/2014.
5. Que os trabalhadores que fizeram as obras por conta da ré não tivessem conhecimentos técnicos;
6. (eliminado)
6.1). Desde há cerca de um ano os quartos passaram a ser cedidos a turistas.
7. Que a prática da prostituição importe uma desvalorização do prédio dos AA.
8. Se os autores ficaram perturbados quer com a realização das obras, e pelo facto de poderem ver a licença de utilização caducada, quer com a utilização do prédio para a prática de prostituição.
9. Que as obras realizadas possam implicar a perda das licenças existentes no imóvel.».
Ultrapassada a análise do acerto da decisão sobre a matéria de facto, importa definir juridicamente as questões em causa no recurso. E, em suma, o que se tem é a celebração de um contrato de arrendamento entre Autores e a Ré, datado de 26/04/2013, com início em 01/05/2013, com a duração de 20 anos, destinado a residência/hotel.
Está assim em causa um contrato de arrendamento comercial (algo que as partes não questionam e pensamos que é o correto pois a Ré, face ao que se apura, tomou o gozo de um imóvel e não de um espaço já perfeitamente dotado de todo o equipamento para o exercício de tal atividade).
A). Da resolução do contrato de arrendamento.
A1). Das obras.
Conforme resulta dos factos, foram realizadas obras nesse imóvel, por pessoas que não os senhorios, sendo que há duas localizações temporais de obras:
. as realizadas antes de 2014, que não se provam que tenha sido a Ré a efetuá-las – facto provado 24 e não provado 4.1;
. as que estavam a ser efetuadas aquando do embargo extrajudicial de obra, realizado em 14/09/2021, conforme factos provados 16 a 23.
Tal como sucedia no R. A. U., também o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento se forem realizadas obras não consentidas que provoquem uma alteração relevante no locado. A diferença é que, enquanto no R. A. U. se explicitava em concreto essa possibilidade (artigo 64.º, n.º 1, d) - Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar atos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043.º do Código Civil ou 4.º do presente diploma - atualmente essa possibilidade enquadra-se numa cláusula geral de resolução, conforme artigo 1083.º, nº. 1 e 2, do C. C.:
«1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:». Este artigo é aplicável aos arrendamentos comerciais como disposição comum que é ao regime do contrato de arrendamento.
Uma vez que a realização de obras não é exemplificada nas alíneas deste n.º 2, há que aferir se a realização de obras pelo arrendatário assumem gravidade ou consequências que tornam inexigível a manutenção do contrato pelo senhorio, tendo ainda presente o regime específico de obras previsto no artigo 1111.º, do C. C. quanto a arrendamentos comerciais:
«1. As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.
2. Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.».
Como já mencionamos, as partes convencionaram que as obras de conservação e reparação estavam consentidas desde que não alterassem a estrutura do imóvel e estavam a cargo do arrendatário; e igualmente estavam a cargo do arrendatário a realização de obras de conservação relacionadas com o fim do contrato e as de adaptação ao fim a que se destinava, sendo que não se menciona se estas últimas estão ou não consentidas.
Por isso, não estipulando as partes se havia ou não esse consentimento, por força daquele n.º 2, do artigo 1111.º, do C. C., considera-se a arrendatário autorizada a realizar as obras requeridas pelo fim do contrato.
O tribunal entendeu que, contratualmente as obras em causa estavam consentidas por se destinarem a adaptação ao fim do contrato; mas, além de não concordamos com esse consentimento contratual, mesmo que se siga pelo consentimento supletivo legal, temos fortes dúvidas que as obras se destinassem ao uso como Hotel e não antes à finalidade que ai se praticava: exercício de prostituição, com os quartos a serem usados com tal finalidade.
De qualquer modo, mesmo analisando a gravidade das obras, entende-se que não há motivo para a resolução do contrato.
Em relação às obras que sustentaram o pedido de licenciamento de 20/05/2014, como se acaba por, de algum modo, concluir na decisão recorrida mas agora com o, assim entendido por nós, completo reflexo na matéria de facto em relação ao que foi alegado, não há prova de que tenha sido a Ré, empresa A..., Unipessoal, Lda. a realizar as mesmas, pelo que tais obras não podem sustentar o pedido de resolução do contrato. Cabia aos Autores/senhorios, demonstrarem que a Ré, enquanto arrendatária, tinha incumprido a sua obrigação de não realizar obras no imóvel de modo a que, no fundo, conduzissem a uma descaracterização do mesmo (artigo 342.º, n.º 1, do C. C.).
Não o conseguiu, nesta parte.
No que respeita às obras que estavam a ser efetuadas pela Ré aquando do embargo de obra nova, também entendemos que não revestem a gravidade suficiente para justificarem a resolução do contrato. Como se descreve no facto provado 16, são obras que não se podem considerar de uma tal monta que o senhorio acabaria por estar a receber de volta um local arrendado que já quase não reconheceria como sendo o mesmo. Na verdade, as obras são:
. obras de reparação e acabamento de tetos, paredes e pavimentos, bem como a realização de trabalhos relativos às instalações elétricas e hidráulicas;
. corte na seção superior da viga de madeira que, entretanto, foi tapado;
. picagem de uma parede na cozinha, para substituição de tubagem, no mesmo local onde existia a tubagem antiga, com a abertura pontual de ranhura para instalação de tubagem;
. colocação de nova cablagem a alimentar alguma aparelhagem elétrica, nomeadamente onde ocorreu reabilitação de compartimentos;
. abertura de roços em paredes para instalação hidráulica;
. substituição de quatro caixilhos em alumínio dos vãos exteriores do 2ºAndar, por peças novas de alumínio, bem como a realização de uma instalação sanitária para cada um dos quartos da frente do 2º Andar.
Não são obras de profunda remodelação (como as anteriores) mas ou de renovação do que já existia ou de uma inovação – instalação sanitária em quartos -, que, face ao que sabemos, não tem qualquer relevo na configuração do imóvel – em quartos colocam-se instalações sanitárias -, obra semelhante a outras que já o Autor vinha pedindo que se licenciassem – vejam-se páginas 10 e 11 do 2.º relatório pericial, com junção de planta onde se assinalam as alterações pedidas no 2.º andar, também referente a instalações sanitárias em quarto, no 1.º pedido de licenciamento de 30/04/1992 (e nos subsequentes), obras estas que não se provam ter sido realizadas pela Ré.
A substituição de caixilhos antigos por novos também não se apura ser uma obra de tal modo relevante que possa levar à resolução do contrato (teria que resultar ou uma desconformidade estética relevante ou uma falta de aptidão do caixilho que se tinha colocado, por exemplo, o que não se apura).
Assim, entendemos que não está provada matéria suficiente para permitir aos Autores/recorrentes resolver o contrato por obras realizadas no imóvel, ainda que possam ser classificadas como não tendo sido consentidas.[6]
Ora, nos termos do já citado artigo 1083.º, n.º 2, c), do C. C., é exemplo de inexigibilidade de manutenção do contrato de arrendamento, podendo ser resolvido o contrato pelo senhorio o uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio.
É, para nós, o que sucede: num arrendamento comercial, destinado a residencial/hotel, a arrendatária usou-o para outro fim – arrendamento do imóvel para a prática de prostituição -. A finalidade de residência/hotel refere-se a facilitar ao utente a acomodação no imóvel, nomeadamente aí repousando ou usando o quarto como uma residência, mais ou menos temporária. Já a finalidade de se usar um quarto unicamente para se entabularem relações de índole sexual de natureza paga, ocasionais, não se integra nessa finalidade.
Está provado que a Ré promovia a atividade de prostituição no local o que não pode ser enquadrado naquela finalidade contratual. Não sabemos a duração dessa atividade pelo que o que se apura é no imóvel locado se promoveu essa prática, pela Ré (facto provado 44.1).
Por isso, e sem necessidade de apreciação de qualquer outra factualidade, como a lei classifica, presumidamente, como grave essa situação e fundamentadora da resolução, não existindo qualquer circunstancialismo que afaste a gravidade de um edifício, destinado a hotel/residencial, ser afinal usado para a prática de uma atividade como a promoção da prostituição, pensamos acertado concluir que os Autores têm direito a pedir a resolução do contrato de arrendamento por a arrendatária o ter usado para fim diverso.
A título de mero exemplo, temos como entendendo serem os casos do n.º 2, do artigo 1083.º, do C. C., presunções legais ilidíveis da inexigibilidade da manutenção do contrato, Gravato de Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 2.ª, página 209 e Ac. R. G. de 27/07/2019, processo n.º 408/17.2T8VRL.G2, www.dgsi.pt-.
Assim, competiria à Ré, nos termos do artigo 350.º, do C. C., demonstrar que, apesar dessa prática, a mesma não acarretava tal inexigibilidade, como por exemplo, ter cessado há bastante tempo, ter tido curta duração, não acarretar qualquer prejuízo à consideração dos senhorios, …, o que não sucedeu.
Não há qualquer facto de onde se possa retirar que os Autores neutralizavam esse seu direito por, sabendo que esse fim ocorria há vários anos, nada tenham feito. Não se apura que os Autores/recorrentes soubessem que assim sucedia nem que aquela atividade tinha de ser do seu conhecimento. Admite-se que um senhorio, desde que receba a renda, possa não revelar interesse pelo modo como o rendimento que sustenta esse mesmo pagamento é obtido.
Mesmo residindo os Autores na mesma cidade onde o imóvel se encontra (Porto), não é seguro que tivessem de saber que no mesmo se praticava aquela atividade e há quanto tempo tal sucedia (poderia ser diferente se morassem na mesma rua ou zona por ser mais difícil sustentar um desconhecimento, proximidade geográfica que não resulta dos factos nem das moradas indicadas nos autos). E menos seguro é concluir que se tratava de uma atividade conhecida/cognoscível de todos pois basta pensar nas pessoas que ali não passam e não procuram aquela atividade que muito provavelmente não sabem o que sucederia no prédio.
Estas dúvidas sobre o efetivo conhecimento dos Autores sobre a situação do prédio e do que aí sucedia, afastam a aplicação do instituto de abuso de direito, em qualquer das suas vertentes, nos termos do artigo 334.º, do C. C..[7]
Conclui-se assim pela procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento, tendo assim a Ré de entregar o imóvel locado aos Autores.
Como já mencionamos, o pedido de demolição de obras que tenham sido realizadas após a realização do embargo tem um processo específico onde deve ser apreciado: os autos de, no caso, ratificação judicial de embargo extrajudicial, nos termos do artigo 402.º, do C. P. C. onde, se se concluir por essa inovação, se executa nesses mesmos autos a decisão de condenação a destruir as obras.
Admite-se que, se o pedido for efetuado na ação principal e houver contraditório e se se concluir por essa inovação, se possa formular essa condenação de demolição, assim perdendo o Autor/requerente a possibilidade de executar nos próprios autos de embargo de obra nova essa decisão.
No entanto, no caso concreto, nos presentes autos, não está provada a realização de obras após a realização do embargo extrajudicial pelo que, a eventual prova dessa realização terá de ser efetuada naquele procedimento específico.
Improcede assim este pedido.
Esta reposição, pretensamente a obter pelos Autores/senhorios através de indemnização, tinha de ter como pressuposto que se tratavam de obras ilícitas que provocavam danos no locado e que, por isso, davam azo a que os senhorios, tendo sofrido um dano no seu património, tivessem direito a ser ressarcidos, ao abrigo da responsabilidade contratual – artigos 762.º e seguintes, do C. C. -.
Depois teria de se aferir da imputação à arrendatária, a título de negligência ou dolo, o ter causado o referido dano.
O que pode conduzir à improcedência do pedido em análise é não se ter apurado que a atuação da Ré tenha provocado deteriorações ilícitas no locado. Na verdade, as obras que se prova que realizou ou são obras de reparação ou de acabamento de tetos, paredes e pavimentos, bem como relativos a instalações elétricas e hidráulicas (facto provado 16), sem que se denote que as que estão elencadas nos factos seguintes e a que já nos reportamos, possam considerar-se obras ilícitas e/ou graves. As de reparação estavam previamente consentidas e as restantes podem ser consideradas como melhoramentos do edifício no que respeita a instalação elétrica e de condução de água e que, por isso, não causarão danos ao edifício. Ou, dito de outro modo, não se apura que tais obras causem dano ao edifício de modo a que tenham de ser retiradas para se eliminar esse mesmo dano.
Daí que também se conclua pela improcedência deste pedido.
d1). 2 500 EUR, ou a quantia que corresponder ao valor locatício comercial do imóvel, caso as obras não tivessem sido executadas pela Ré, desde a declaração de resolução até efetiva entrega do imóvel, livre de pessoas e bens;
d2). 2 500 EUR, ou a quantia que corresponder ao valor locatício comercial do imóvel, desde a entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, e durante o período de tempo necessário à execução das obras necessárias a repor o prédio ao estado anterior, e com licença de utilização e para o exercício de atividade de residencial/hotel, sendo que se estima e fixa tal período em 24 meses, mas que se aceita seja substituído na condenação da Ré, pelo período de tempo que a perícia que a final se vai requerer.
Ambos os pedidos devem improceder, um deles parcialmente e outro na totalidade.
Por um lado, não houve condenação da Ré a repor o edifício no estado que se encontrava e muito menos com a abrangência que subjaz ao pedido d2), face à não prova da realização das obras pela Ré antes de 2014.
Por outro lado, não se prova a perda de licença de utilização do imóvel por causa das obras realizadas pela Ré [(ainda nos reportando ao pedido d2)].
E quanto ao pedido d1), a indemnização a atribuir aos senhorios até à entrega do imóvel após a declaração de resolução do contrato está prevista no artigo 1045.º, do C. C., com o seguinte teor:
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.».
Ou seja, no caso concreto, o senhorio tem direito a receber o valor correspondente à renda singela do bem locado, resultando esse valor diretamente da lei (não era necessário pedir o seu pagamento). Não se avalia o imóvel para calcular o valor da renda que poderia ser cobrada e se sanciona o arrendatário com esse novo valor; o arrendatário tem de pagar a indemnização por ocupar o imóvel (porque o contrato já cessou, senão continuaria a ser entendido o valor como renda), com o mesmo valor da renda.
Para poder obter algum outro valor, teria que se demonstrar a desvalorização do imóvel com a realização das obras e aí a indemnização em causa já não seria a prevista no citado artigo 1045.º, do C. C. mas a que resultaria da ocorrência de um dano na propriedade dos senhorios.
Este dano (desvalorização) não se provou.
Assim, o pedido d1) será parcialmente procedente, sendo a Ré condenada a pagar o valor mensal da renda desde a notificação da declaração de resolução até efetiva entrega do imóvel, renda essa atualmente no valor de 760,86 EUR, por cada mês que se completar (facto provado 4).[8]
Quanto ao pedido d2), o que estaria em causa seria ressarcir os Autores, mais uma vez, pelo dano que teriam sofrido no seu património face à necessidade de realização de obras para repor o imóvel no estado anterior e à perda de rendimentos que daí adviria, também pela perda de licença para se exercer no locado a atividade de hotelaria; no entanto, não há factualidade provada que sustente este pedido.
Improcede assim, na totalidade, este pedido d2.
Não se provaram quaisquer danos desta natureza pelo que se mantém a improcedência deste pedido
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, decide-se:
1). Declarar a resolução do contrato de arrendamento referido em 2 a 4, dos factos provados, devendo a Ré entregar aos Autores o respetivo imóvel, livre de pessoas e coisas.
2). Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 760,86 EUR desde a notificação da declaração de resolução do contrato de arrendamento até ao momento da restituição do locado, por cada mês completo em que não se efetive a entrega.
Absolver a Ré dos restantes pedidos.
Custas do recurso a cargo de recorrentes e recorrida, na proporção de 4/6 e 2/6, respetivamente.
Registe e notifique.
Porto, 2025/03/20.
João Venade.
Álvaro Monteiro.
Carlos Cunha Carvalho.
____________________
[1] Ainda que não referindo este nosso entendimento quanto à impossibilidade de consagração da solução jurídica num facto, veja-se Miguel Teixeira de Sousa em duas publicações no seu blog de Processo Civil – posts de 12/06/2023 e 30/01/2024 -.
[2] Daí que, quando é notório que houve expressa possibilidade de pronúncia sobre o facto e até efetiva pronúncia, não vemos a necessidade de existir um prévio despacho que determine a possibilidade de as partes se pronunciarem – veja-se anotação 11, por Miguel Teixeira de Sousa sobre a necessidade de tal despacho prévio, no C. P. C. online, artigo 5.º.
[3] A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na ação correspondente.
[4] O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.
[5] Em igual sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª, página 22.
[6] Como se refere no Ac. da R. C. de 08/05/2018, processo n.º 593/11.7TBNZR.C1, www. dgsi.pt (e que aproveitaremos para o primeiro ponto do nosso sumário): «Com efeito, como já bastas vezes aludimos supra, não é fundamento bastante da resolução contratual pelo senhorio a simples realização de obras pelo arrendatário. Necessário é que se possa concluir que a sua realização é de tal modo grave que torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento…(o que) há-de determinar-se, essencialmente, sob uma perspetiva de lesão dos interesses materiais do senhorio…
[7] É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
[8]Não havendo qualquer demonstração que estejam preenchidos os pressupostos de consignação em depósito, como por exemplo, se menciona no artigo 1042.º, n.º 2, do C. C. – recusa do credor em receber esse valor -.