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OBRIGAÇÃO EMERGENTE DE CONTRATO COM CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
EXECUÇÃO
RECUSA DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
Sumário
I - Quando esteja em causa execução sumária que respeite a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais, o art. 855º-A do CPC impõe ao juiz um controlo oficioso [ainda que perfunctório] do eventual carácter abusivo de alguma daquelas cláusulas, gerador de nulidade do contrato, por ofensa do que dispõem os arts. 12º e segs. do DL 446/85. II - Por isso, como também estabelece o mesmo normativo legal, o requerimento executivo deve ser acompanhado de cópia [ou original] do contrato, contendo as referidas cláusulas contratuais, sob pena de recusa do requerimento executivo. III - Não tendo a exequente juntado aos autos [nem mesmo depois de convite do tribunal para o efeito] o contrato que indicou nos requerimentos de injunção [a que foi aposta a formulada executória] que constituem os títulos executivos dados à execução, nem as cláusulas contratuais que do mesmo fazem parte, tais faltas não podem considerar-se supridas com a junção de uma «ordem de instalação» não assinada pelo executado e que também não contém as ditas cláusulas contratuais.
Texto Integral
Proc. 2322/23.3T8VLG.P1 (apelação) – 2ª Secção Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Alexandra Pelayo
Des. Márcia Portela
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Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório:
A..., SA instaurou a presente execução sumária para pagamento de quantia certa contra AA, ambos devidamente identificados nos autos, alegando e pedindo o seguinte: «(…) é portadora de 2 requerimentos de injunção, aos quais foi aposta fórmula executória - injunção nº 85554/21.1YIPRT, injunção nº 13114/21.4YIPRT -, requerimentos esses que constituem títulos executivos, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro. Nos contratos que estão na origem da dívida foi convencionado domicílio para efeito de citação/notificação. Não obstante ter sido notificado no âmbito das injunções que servem de base à presente execução, não procedeu o Executado ao pagamento integral dos valores reclamados. É, por isso, o Executado, devedor do valor remanescente dos títulos executivos, acrescido de (i) juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada das injunções até efetivo e integral pagamento, (ii) juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre os títulos executivos desde a data de aposição das fórmulas executórias até efetivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP. Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários. (…) LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO O valor peticionado é inferior ao que resulta do somatório do(s) título(s) executivo(s) apresentados, por variação ocorrida na dívida dos títulos executivos n.º 85554/21.1YIPRT e nº 13114/21.4YIPRT em relação ao qual são peticionados nesta execução os seguintes montantes: _título executivo 85554/21.1YIPRT: 224,98€ de capital, 51,11€ de juros de mora vencidos e 27,28€ de juros compulsórios. _título executivo 13114/21.4YIPRT: 403,34€ de capital, 97,94€ de juros de mora vencidos e 55,27€ de juros compulsórios.».
Juntou, além de outros, os requerimentos injuntivos com fórmula executória e cópia de um contrato de fornecimento de serviços de televisão, internet, telefone e telemóvel, com data de 26.08.2019 e com o nº de pedido ....
Depois de responder a convites de esclarecimento do tribunal, foi proferido o seguinte despacho [em 27.09.2023]: «A..., S.A. deduziu a presente execução de sentença contra AA reclamando o pagamento da quantia de € 1.206,40, dizendo que € 861,57 corresponde ao valor líquido e € 344,83 corresponde ao valor “dependente de simples cálculo aritmético” e dando à execução os requerimentos de injunção, aos quais foi aposta fórmula executória - injunção nº 85554/21.1YIPRT, injunção nº 13114/21.4YIPRT. Na liquidação da quantia exequenda diz que o “valor peticionado é inferior ao que resulta do somatório do(s) título(s) executivo(s) apresentados, por variação ocorrida na dívida dos títulos executivos n.º 85554/21.1YIPRT e nº 13114/21.4YIPRT em relação ao qual são peticionados nesta execução os seguintes montantes: _título executivo 85554/21.1YIPRT: 224,98€ de capital, 51,11€ de juros de mora vencidos e 27,28€ de juros compulsórios. _título executivo 13114/21.4YIPRT: 403,34€ de capital, 97,94€ de juros de mora vencidos e 55,27€ de juros compulsórios. Convidada a vir esclarecer, dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”, quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP, veio dizer que o “valor dependente de simples cálculo aritmético resulta da soma das seguintes rubricas: • Taxa de justiça Pepex: 94,10 Euros - Art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 • Custas de parte: 19,13 Euros - Artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP • Juros compulsórios: 82,55 Euros • juros da execução:149,05. Compaginado este esclarecimento com a liquidação efetuada no requerimento executivo concluímos que a exequente está a reclamar em duplicado os juros, quer moratórios, quer compulsórios. Quanto à quantia reclamada com fundamento no disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP: A liquidação da obrigação de pagamento das custas de parte que o artº. 533º. do CPC faz recair sobre a parte vencida é regulada pelas normas dos artºs. 25º. e 26º. do RCP, devendo a mesma e a respetiva interpelação ocorrer até ao momento previsto no nº 1 do artigo 25º do RCP e as que venha a ter direito em virtude da interposição da presente execução apenas são reembolsáveis a final e nos termos do disposto no artº. 541º. do C.P.C. e Regulamento das Custas Processuais. Do que se conclui que carece em absoluto de título a pretensão da exequente de receber a quantia de € 19,13 a título de custas de parte previstas no artº. 26º. nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais. Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC rejeito a execução quanto à quantia de € 250,71. Custas do decaimento pelo exequente. Notifique.
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Melhor compulsados os autos verifica-se que os valores reclamados nos requerimentos de injunção respeitam ao contrato nº. ... celebrado em 2 de junho de 2011. O documento junto ao requerimento executivo com vista a dar cumprimento ao disposto no artº. 855º.-A do CPC, para além de não fazer qualquer referência ao número do contrato indicado nos requerimentos de injunção, mostra-se datado de 26 de agosto de 2019. Termos em que se convida a exequente a juntar aos autos cópia do/s contrato/s a que respeita/m a/s injunção/ões dada/s à execução sob pena de rejeição do requerimento executivo – cfr. artº. 855º.- A do CPC.».
Em resposta à segunda parte deste despacho, a exequente informou que «não duplicou os juros, quer moratórios, quer compulsórios», que «[o]s presentes autos compreendem duas injunções e os juros foram calculados com base no capital relativo a cada injunção: - capital da injunção nº 85554/21.1YIPRT - 224,98€; - capital da injunção nº 13114/21.4YIPRT - 403,34€.» e, ainda, que «não dispõe no seu arquivo do contrato celebrado a 02/06/2011, sendo que a instalação deste contrato ocorreu a 08/06/2011 conforme Ordem de instalação que se junta ao diante.».
E juntou cópia de uma ordem de instalação com data de 08.06.2011, parcialmente manuscrita, sem assinatura do executado, vendo-se no local destinado à assinatura do cliente o nome BB.
Posteriormente, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «A..., S.A. deduziu a presente ação executiva contra AA, dando à execução dos requerimentos de injunção nos quais alega que os valores reclamados respeitam ao contrato nº. ... celebrado em 2 de junho de 2011. O documento junto ao requerimento executivo com vista a dar cumprimento ao disposto no artº. 855º.-A do CPC, para além de não fazer qualquer referência ao número do contrato indicado nos requerimentos de injunção, mostra-se datado de 26 de agosto de 2019, razão pela qual se convidou a exequente a juntar aos autos cópia do contrato a que respeitavam as injunções dadas à execução sob pena de rejeição do requerimento executivo, vindo a mesma dizer que “não dispõe no seu arquivo do contrato celebrado a 02/06/2011, sendo que a instalação deste contrato ocorreu a 08/06/2011 conforme Ordem de instalação que se junta ao diante”, ordem essa que não se mostra sequer assinada pelo executado. Estatui o artigo 855º.-A do CPC que “Quando a execução respeite a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais, deve o requerimento executivo ser acompanhado de cópia ou original do contrato celebrado entre as partes, …, sob pena de recusa do requerimento”. Do referido dispositivo legal resulta que o exequente que pretende executar uma obrigação resultante de contratos como o invocado na injunção dada à execução deve ter o respetivo contrato na sua posse uma vez que o mesmo deve acompanhar o requerimento executivo. O dispositivo legal em cima citado, introduzido pela L. 117/2019 de 13 de setembro, procurou aprofundar o ajustamento da legislação nacional à Diretiva 93/13/CEE do Conselho relativa às cláusulas abusivas nos contratos com consumidores, permitindo tornar mais eficaz o controlo jurisdicional oficioso das referidas cláusulas. A exequente juntou ao requerimento executivo cópia de um contrato que, confessadamente, não corresponde ao invocado nos requerimentos de injunção dados à execução, sendo que do documento que agora junta, que não se mostra assinado pelo executado, não consta(m) as cláusulas que regulam o contrato invocado. Confessando a exequente que este é o único documento que detém, conclui-se que, para além de incumprida(s) as exigências decorrentes do disposto nos artº.s 48º. – mormente nºs 3 e 7 – da L. 5/2004, estamos perante o incumprimento do artº. 855º.-A do CPC, o que implica a rejeição da execução. Pelo exposto, e nos termos do disposto no referido dispositivo legal, recuso o requerimento executivo. Custas pela exequente. Notifique.».
Inconformada com esta decisão, interpôs a exequente o presente recurso de apelação [com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «1. Foi indeferido, liminarmente, o requerimento executivo pelo Tribunal a quo, por ter considerando que o documento apresentado pela Apelante – “não corresponde ao invocado nos requerimentos de injunção dados à execução, sendo que do documento que agora junta, que não se mostra assinado pelo executado, não consta as cláusulas que regulam o contrato invocado.”. 2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de fundamento, porquanto o documento indicado pela Apelante no requerimento de injunção corresponde ao contrato inicial, sendo que durante a relação contratual foram sendo celebrados outros contratos sucessivamente. 3. Não poderia, por isso, deixar de ser considerado o. mesmo contrato, uma vez que durante a relação contratual foram sendo sucessivamente celebrados vários contratos. 4. Nomeadamente, o contrato junto com o requerimento executivo. 5. As faturas em dívida respeitam a um período temporal posterior ao contrato junto ao requerimento executivo, ou seja, correspondem ao período que vigorava o contrato datado de 2019. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente, o artigo 726.º n.º 2 e 4 do C.P.C. Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso.».
Juntou, desnecessariamente [na medida em que o recurso subiu a esta 2ª instância nos próprios autos], cópia do requerimento executivo, dois requerimentos de injunção, contrato e cláusulas contratuais [todos estes juntos com o requerimento executivo], cópia do despacho de 27.09.2023, cópia do requerimento datado de 31.10.2023 e cópia da sentença, não havendo necessidade de nos pronunciarmos quanto a eles [quanto à sua admissão] em virtude de, todos eles, constarem dos autos desde datas anteriores à interposição do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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2. Questões a decidir:
Em atenção à delimitação constante das conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC], salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões [art. 608º nº 2, parte final, do mesmo diploma legal], o que aqui não acontece –, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se havia fundamento para a recusa/rejeição da execução decretada na decisão recorrida.
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3. Circunstancialismo a atender:
O circunstancialismo fáctico a ter em conta é o que está descrito no ponto 1 deste acórdão e, ainda, o seguinte:
a) Nos requerimentos de injunção a que foi aposta a fórmula executória, que constituem os títulos executivos, a ora exequente indicou que as dívidas neles reclamadas tinham origem no contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações nº ..., celebrado em 02.06.2011, com vigência desde então até 28.04.2021;
b) No requerimento executivo não é indicado o número do contrato nem a data da sua celebração, tendo a exequente juntado com tal requerimento um «documento de confirmação de compra», com o nome do executado no local destinado à identificação do cliente e uma assinatura condizente com o seu nome na parte final daquele, sem referência a qualquer número de contrato, com o número do pedido ..., datado de 26.08.2019 e sem menção de cláusulas contratuais.
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4. Apreciação jurídica:
A presente execução sumária para pagamento de quantia certa tem como títulos executivos dois requerimentos de injunção a que foi aposta a fórmula executória nos termos previstos no art. 14º do Regime anexo ao DL 269/98, de 01.09.
Trata-se de títulos executivos admitidos pela al. d) do nº 1 do art. 703º do CPC.
Subjacente aos mesmos está um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações celebrado entre a exequente [prestadora de tais serviços] e o executado [beneficiário deles], que é um contrato padronizado que contém cláusulas contratuais gerais e está sujeito ao regime legal estabelecido no DL 446/85, de 25.10, particularmente aos deveres de comunicação e de informação previstos nos seus arts. 5º e 6º, que, in casu, impendiam sobre a exequente.
De acordo com o art. 855º-A do CPC, na redação introduzida pela Lei nº 117/2019, de 13.09, «Quando a execução respeite a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais, deve o requerimento executivo ser acompanhado de cópia ou original do contrato celebrado entre as partes, se for entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente, sob pena de recusa do requerimento.».
Na exposição de motivos da proposta de lei nº 202/XIII que esteve na base daquela Lei nº 117/2019, exarou-se que “Reforça-se (…) a tutela do consumidor contra cláusulas contratuais gerais abusivas, vinculando-se o exequente a apresentar cópia do contrato, de que emerge o crédito exequendo, concluído por recurso a essas cláusulas e o juiz da execução a controlar oficiosamente a ilegalidade ou carácter abusivo dessas mesmas cláusulas, recaindo sobre o agente de execução o dever de suscitar a intervenção liminar do juiz da execução, sempre que seja plausível a existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas. Alinha-se, assim, o processo de execução com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa às cláusulas abusivas nos contratos com os consumidores. O reforço da tutela do consumidor contra cláusulas contratuais abusivas ou ilegais exprime-se ainda na penalização do credor que, devendo conhecer da ilicitude dessas cláusulas, procurou, com base nelas, a satisfação do crédito, em prejuízo do primeiro.”.
Com esta alteração, o legislador visou reforçar “a proteção dos consumidores contra as cláusulas contratuais abusivas e aprofundar o ajustamento da legislação interna à Diretiva 93/13/CEE do Conselho relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, em especial no que respeita ao exercício do controlo jurisdicional oficioso das cláusulas abusivas, verificando o cumprimento do critério geral e dos requisitos de transparência expressos na legislação”, tanto mais que há “um risco significativo de que os consumidores possam não se opor a uma injunção de pagamento, os tribunais nacionais devem avaliar, oficiosamente, o caráter abusivo das cláusulas contratuais em alguma fase do processo e, no máximo, antes da respetiva execução contra um consumidor.” [assim, Lurdes Varregoso Mesquita, in Algumas notas à Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro – alterações aos embargos de executado e outras conexas, Julgar Online, abril de 2020, pgs. 20 e segs.].
E quanto ao art. 855º-A do CPC propriamente dito, refere a mesma Autora que “A norma, na sua substância, é justificada e acompanha a evolução da matéria a nível europeu, seguindo o sentido correto. Contudo, a sua inserção sistemática é discutível. Ao intercalar a norma no capítulo do processo sumário, o legislador pretendeu associar a necessidade de junção da cópia do contrato nas execuções de obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais quando a ação executiva siga a forma sumária. Considerando que estão em causa relações de consumo, percebe-se que o legislador terá pensado, sobretudo, nas execuções fundadas em requerimento de injunção com fórmula executória, até porque nestes casos o consumidor não teve qualquer intervenção antes da formação do título executivo, o que impunha que fosse criado um mecanismo que provocasse (e assegurasse) a avaliação oficiosa, em defesa dos direitos dos consumidores. E, além do mais, foi este o contexto em que se formou, como se viu, a corrente jurisprudencial do Tribunal de Justiça. Ora, se a execução de requerimento de injunção com aposição de fórmula executória segue a forma de processo sumário (art. 550.º, n.º 2, al. b) era coerente a inserção da norma nesse âmbito” [idem, pg. 23].
A propósito do art. 855º-A do CPC, ensinam José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre [in Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, 3ª edição, Almedina, pgs. 868-869] que “Tendo em conta o preceituado nas normas dos arts. 724-4-a, 725-1-d e 855-2-a, quando se execute obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25 de outubro), das três uma: - Ou o título executivo é uma sentença condenatória e na ação em que esta foi proferida o contrato necessariamente foi apresentado, não fazendo qualquer sentido que o seja novamente na ação executiva; - Ou o título executivo, sendo extrajudicial (art. 550-2, alíneas c) e d)), é o próprio documento do contrato com cláusulas contratuais gerais; - Ou o título executivo é o requerimento de injunção e, neste caso, desta não constituindo requisito a apresentação do documento que titula o contrato (art. 10-2 do regime anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro), está o exequente obrigado a apresentá-lo com o requerimento executivo, proporcionando ao juiz, se for caso disso, a verificação oficiosa da nulidade do contrato, por ofensa de alguma das disposições dos arts. 12 a 22 do DL 446/85 (art. 286 CC e art. 24 do DL 446/85), cuja possibilidade prática de verificação oficiosa se pretendeu reforçar, em conformidade com a jurisprudência comunitária sobre a Diretiva 93/13/ CEE (…). Só neste caso tem aplicação a norma em anotação.”.
E António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa [in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, Almedina, pgs. 291] referem que “Este artigo foi introduzido para responder à jurisprudência do TJUE sobre a Diretiva 93/13/CEE. A fim de assegurar a proteção pretendida por tal Diretiva, aquele órgão tem sublinhado que a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção proativa do juiz do processo de execução (§39 Ac. Pohotovost, C-76/10). Tal implica o exame do contrato, no intuito de averiguar se, porventura, o mesmo respeita as exigências da legislação europeia em matéria de proteção do consumidor contra as cláusulas abusivas. Nessa tarefa, cabe ao tribunal nacional apreciar oficiosamente o carácter abusivo de alguma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da referida Diretiva e, deste modo, suprir o desequilíbrio que exista entre o consumidor e o profissional. Ponto é que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito (Ac. Aziz, C-415/11, Ac. Banco Popular Español, C-537/12, Ac. Joros, C-397/11, ou Ac. Dirk Brusse, C-488/11).”.
Na jurisprudência:
O Acórdão desta Relação do Porto de 30.01.2024 [proc. 676/23.0T8VLG.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp] decidiu que [sumário]: “I - Atento o disposto no artigo 855.º-A do Código de Processo Civil, apresentando o exequente como título executivo uma injunção a que foi aposta fórmula executória e tratando-se de matéria sujeita à aplicação de cláusulas gerais, deve o requerimento executivo ser acompanhado dos elementos necessários à apreciação oficiosa de cláusulas contratuais abusivas. II – Não satisfaz essa exigência legal a apresentação de uma ordem de instalação de serviços sem ser acompanhada de outro documento contendo o clausulado aplicável a essa relação contratual.”.
E no Acórdão da Relação de Évora de 13.07.2022 [proc. 410/21.0T8ENT.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre] decidiu-se [sumário]: “I. Quando a execução, que não se baseie em sentença proferida em ação declarativa, respeite a obrigação emergente de contrato com cláusulas contratuais gerais, deve o requerimento executivo ser acompanhado do contrato celebrado entre as partes, sob pena de recusa do requerimento, nos termos do artigo 855º-A do Código de Processo Civil. II. Porém, caso o exequente não junte ‘ab initio’ o contrato, deve o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento nos termos do artigo 726º, n.º 4, do Código de Processo Civil, convidando o exequente a juntar o documento em falta. III. Tendo o exequente feito junção do original do contrato celebrado entre as partes, mas em que a parte respeitante às “condições gerais” não se mostra totalmente legível, estando deteriorada, justificando o exequente que tal se deve à antiguidade do contrato, que está datado de 18/09/2000, e juntando cópia legível das ditas condições, alegando serem comuns a todos os contratos, mostra-se desproporcionada e fortemente penalizadora dos direitos do credor à satisfação do seu crédito a conclusão de que tal circunstância equivale à falta de junção do contrato celebrado entre as partes, para os efeitos do artigo 855º-A do Código de Processo Civil.”.
Feita esta breve referência doutrinal e jurisprudencial relativamente ao regime consagrado no art. 855º-A do CPC, retomemos o caso em análise.
Do que consta nos pontos 1 e 3 desde acórdão resulta que com o requerimento executivo não foi junto o contrato [nem as respetivas cláusulas] que, por alegado incumprimento do aqui executado, esteve na origem dos pedidos que a ora exequente formulou nos requerimentos das injunções a que foi aposta a fórmula executória e que, como se disse já, constituem os títulos executivos da presente execução. Juntou tão só o «documento de confirmação de compra» referido na al. b) do ponto 3, que tem uma data bastante posterior à daquele contrato [como se afere do confronto com o que está descrito na al. a) do mesmo ponto 3].
Por tal motivo, o tribunal a quo convidou a exequente a juntar aos autos cópia do contrato a que respeitam as injunções dadas à execução, sob pena de rejeição/recusa do requerimento executivo, nos termos do citado art. 855º-A.
A exequente, em resposta, informou que «não dispõe no seu arquivo do contrato celebrado a 02/06/2011» e referiu que «a instalação deste contrato ocorreu a 08/06/2011 conforme Ordem de instalação que se junta ao diante.», tendo juntado cópia de uma ordem de instalação com data de 08.06.2011, parcialmente manuscrita, sem assinatura do executado, vendo-se no local destinado à assinatura do cliente o nome BB.
Temos assim que:
- A exequente não juntou com o requerimento executivo o contrato que indicou nos ditos requerimentos de injunção, por, confessadamente, não os possuir no seu arquivo;
- Também não juntou as cláusulas contratuais [gerais e, eventualmente, especiais] a que tal contrato ficou sujeito e do qual faziam parte integrante;
- E, na sequência do aludido convite do tribunal, juntou, tão só, uma ordem de instalação, que não contém assinatura do aqui executado, mas sim a de outra pessoa [desconhecendo-se que seja], nem contém quaisquer cláusulas relativas ao contrato que lhe era subjacente.
Ora, não tendo a exequente juntado aos autos o referido contrato nem as cláusulas contratuais a que ela e o executado se vincularam [e que daquele faziam parte] e não podendo considerar-se supridas tais faltas com a mera junção da mencionada «ordem de instalação», surge evidente a impossibilidade do tribunal [quer o tribunal recorrido, quer esta Relação] proceder ao controlo oficioso [ainda que perfunctório] do eventual carácter abusivo de alguma daquelas cláusulas, gerador de nulidade do contrato, por ofensa do que dispõem os arts. 12º e segs. do DL 446/85.
Como tal, bem andou a decisão recorrida ao ter recusado/rejeitado o requerimento executivo, em obediência ao prescrito no art. 855º-A do CPC.
Improcede, por isso, o recurso.
Pelo decaimento, as custas deste recurso ficam a cargo da recorrente – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2, todos do CPC.
Face ao exposto, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. 2º. Condenar, pelo decaimento, a recorrente nas custas deste recurso.
Porto, 25/3/2025
Pinto dos Santos
Alexandra Pelayo
Márcia Portela