ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
SUB-ROGAÇÃO
DOCUMENTO ELECTRÓNICO
ASSINATURA ELECTRÓNICA
CASO JULGADO
EFEITOS REFLEXOS
PRESCRIÇÃO
Sumário

Sumário1
I – O artigo 25º, n.º 1 do Regulamento (UE) 910/2014 estabelece o princípio da não discriminação ou não desconhecimento, de acordo com o qual não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura electrónica pelo simples facto de se apresentar em formato electrónico ou de não cumprir os requisitos exigidos para as assinaturas electrónicas qualificadas, cumprindo aos tribunais valorar os documentos dotados de assinatura electrónica da mesma forma que os documentos analógicos providos de assinatura.
II - Um documento electrónico com assinatura electrónica que se deve ter por simples, deve ser valorado nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 10 do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de Fevereiro, ou seja, nos termos gerais de direito.
III - Para além das situações de oponibilidade do caso julgado que exigem a verificação dos pressupostos referidos nos artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil, há que ponderar o efeito reflexo do caso julgado, isto é, a repercussão do caso julgado relativamente a um terceiro titular de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes na decisão transitada em julgado, de modo que o efeito vinculativo do decidido se impõe aos tribunais e aos particulares quando esteja em causa um objecto processual em relação conexa com o objecto da anterior decisão.
IV - Não é, porém, possível extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não teve qualquer intervenção na acção em que aquela foi proferida nem se integra na esfera da identidade subjectiva definida pelo artigo 581º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
V - Sendo o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas complementares, revestindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário, por a responsabilidade primeira ser aquela que recai sobre o responsável civil; no entanto, não pode haver duplo ressarcimento quanto ao mesmo dano concreto.
VI - De acordo com o disposto nos artigos 1º, a) e 5º-B do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, o Fundo de Acidentes de Trabalho garante o pagamento das prestações infortunísticas ficando sub-rogado nos direitos da entidade responsável, sendo que, na ausência de outros preceitos laborais, o regime da sub-rogação há-de resultar do previsto nos artigos 589.º a 594.º do Código Civil, pressupondo a sua verificação o pagamento.
VII – A responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho pelo pagamento das prestações apenas surge no momento em que foi constatada a incapacidade económica do empregador para a ele proceder.
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1. Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO2, gerido pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões intentou contra ZURICH INSURANCE PLC, SUCURSAL EM PORTUGAL a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando o seguinte pedido:
a) A condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de 249 525,17 €, acrescida de juros de mora;
Subsidiariamente,
b) A condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de 129 525,17 €, correspondente à diferença entre a responsabilidade total do autor em sede de acidente de trabalho e o montante de 120 000,00 € pago pela ré a título de danos patrimoniais emergentes do acidente de viação.
Alegou, para tanto, muito em síntese (cf. Ref. Elect. 32659980):
• No âmbito do processo n.º ..../12, que correu termos na extinta Secção... do Trabalho de Guimarães – J..., do Tribunal da Comarca de Braga foi determinado o pagamento à sinistrada AA de uma pensão provisória, com início em 02-02-2013, a adiantar pelo FAT, que assim lhe liquidou a quantia total de 15 550,33 € a título de pensões provisórias;
• Por sentença de 17-11-2016, o empregador BB foi condenado no pagamento das prestações devidas à sinistrada, em virtude do acidente de trabalho por esta sofrido em 09-09-2011, que não procedeu a tal pagamento por ter sido declarado insolvente;
• Por despacho proferido em 20-04-2021, foi determinado que o FAT procedesse ao pagamento de tais prestações, pelo que o autor liquidou à sinistrada diversas quantias atinentes a indemnização por incapacidades temporárias, subsídio por situação de elevada incapacidade; pensões devidas desde 02-02-2013, num total de 126 307,42 €, tendo ainda constituído a provisão matemática, no valor de 185.599,04 €;
• O acidente de trabalho que vitimou a sinistrada AA foi, simultaneamente, um acidente de viação, tendo a ré sido condenada na proporção de 80% pela respectiva reparação, conforme decisão no processo n.º .../16 que correu termos no Juízo Central Cível de ... – Juiz 1, de quem a sinistrada recebeu diversas quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, despesas de deslocação, assistência de terceira pessoa e despesas médicas;
• Na acção de suspensão do direito à pensão (Apenso C) foi celebrada uma transacção, nos termos da qual o empregador BB ficou desobrigado do pagamento à sinistrada de diversas quantias;
• O autor tem direito a ser reembolsado pela entidade responsável pelo acidente de viação, das indemnizações pagas à sinistrada.
A ré contestou a acção, pugnando pela sua absolvição da instância ou, assim se não entendendo, do pedido, alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 33558643):
• A petição inicial padece de falta de causa de pedir por ser reclamada uma indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, sem alegação dos factos integradores dos seus pressupostos;
• A ré desconhece os exactos termos das acções por acidente de trabalho e de insolvência, em que não foi parte e impugna os alegados pagamentos efectuados, tendo sido junta apenas uma relação, vulgo print, compilada por funcionários do FAT;
• Desconhece se o acidente configurou um acidente de trabalho e se os alegados pagamentos efectuados têm relação de nexo causal directo com o sinistro discutido no tribunal de ...;
• Em qualquer caso, se houver lugar ao reembolso de alguma verba, apenas é legítimo exigir os montantes já liquidados e não as verbas que constituem uma provisão matemática;
• A ré pagou a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho/dano patrimonial o montante de 120 000,00 €, pelo que não pode pagar tal indemnização em duplicado, que sempre teria de ser descontado ao que já foi pago pelo FAT;
• Todos os pagamentos foram efectuados há mais de três anos, a contar da citação da ré, pelo que sempre estaria prescrito o direito ao reembolso;
• Em todo o caso, a sinistrada AA foi considerada culpada na produção dos danos na proporção de 20 %, de modo que a ré só teria de pagar os restantes oitenta por cento do valor dos danos.
Convidado para o efeito, o autor veio pronunciar-se sobre as excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e, face à impugnação dos documentos juntos para comprovar os pagamentos, referiu estarem em causa documentos electrónicos com um regime específico, que contém uma assinatura qualificada certificada, o que lhe confere a força probatória prevista no artigo 3º, n.º 2, ou no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 290-D/99 (cf. Ref. Elect. 33952816).
Em 11 de Janeiro de 2024 foi realizada a audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, relegando-se para final o conhecimento das excepções de caso julgado e prescrição, sendo fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova (cf. Ref. Elect. ...).
Em 13 de Setembro de 2024, o autor dirigiu aos autos um requerimento de ampliação do pedido atinente às prestações que continuou a assegurar à sinistrada, desde a data da apresentação da petição inicial (24-05-2022), a título de pensões, acrescendo ao já peticionado um valor de 28 130,42 €, ampliação admitida, conforme despacho proferido em audiência de julgamento de 18 de Setembro de 2024 (cf. Ref. Elect. 40394481 e ...).
Em 14 de Novembro de 2024 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido (cf. Ref. Elect. ...).
Inconformado com esta decisão, o autor veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 41281043):
1 - Na sentença de que se recorre, foram dados como Não Provados os factos relativos aos pagamentos efetuados pelo ora Recorrente à sinistrada, em concreto, os factos constantes dos temas da prova referidos em 2º, 6º, 7º, 8º e 25º, com o fundamento de que a prova documental não se mostra idónea a demonstrar tais pagamentos.
2 - Tal prova era constituída por constituída pela listagem junta a fls. 6v e 7 da PI bem como pelo documento (listagem) junto com o requerimento de ampliação do pedido em 13-09-2024, entendendo o Recorrente que os mesmos são aptos e credíveis a poderem contribuir, em termos positivos, para a livre convicção do juiz sobre os pagamentos efetuados por este Fundo à sinistrada.
3 - A Ré Zurich, em sede de contestação, impugnou o teor de tais documentos (apenas os juntos com a petição inicial e não os juntos com o pedido de ampliação do pedido, efetuado nos autos em 13-09-2024), por não corresponderem a comprovativos de pagamentos, mas sim a uma mera relação emitida por funcionários do Autor.
4 - Tal impugnação não corresponde a qualquer alegação de falsidade dos documentos, não tendo sido impugnada a letra ou a assinatura dos mesmos ou da exatidão da reprodução mecânica, nos termos previstos nos artigos 444º e seguintes do CPC.
5 - Os documentos juntos pelo Autor nos autos consistem em Listagens de Ordens de Pagamento extraídas do seu sistema informático, datadas de 13-05-2022 e 24-05-2022, respetivamente, emitidas em papel timbrado da ASF/FAT e assinadas eletronicamente pela sua Mandatária e funcionária daquela Instituição, tal como o documento datado de 12-09-2024 que foi junto com o requerimento de ampliação do pedido, referente ao montante liquidado à sinistrada até àquela data, no valor de 154.437,84€.
6 - O FAT não detém nenhum outro documento que comprove a realização das transferências por parte da entidade bancária (IGCP), não existindo retorno, por esta, de comprovativo de tal pagamento.
7 - Coloca-se, pois, a questão de saber qual o valor probatório das Listagens de Ordens de Pagamento apresentadas, bem como os factos que provam.
8 - Trata-se de documentos particulares, emitidos pelo próprio Autor e nos quais constam os elementos necessários para aferir da realização dos pagamentos em causa: número de operação (OP), entidade recebedora, titular do direito, data do pagamento, área funcional, tipo de prestação, meio de pagamento, estado da ordem de pagamento e valor.
9 - Os documentos em causa correspondem à impressão de documentos eletrónicos que contêm o conjunto de informações acima referidas, referentes ao cumprimento legal das obrigações assumidas por força da lei.
10 - Trata-se de documentos eletrónicos, objeto de um regime jurídico específico previsto no D.L. nº 12/2021, de 09 de fevereiro, que satisfazem o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo, suscetível de representação como declarações escritas, nos quais se encontra aposta uma assinatura eletrónica qualificada.
11 - Quando assim é, a lei confere-lhe força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376º do CC, ou seja, a força probatória plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, tudo nos termos do artigo 3º, nº1, 2 e 5 do D.L. n.º 12/2021 de 9 de fevereiro.
12 - Ora, as listagens apresentadas pelo Autor e que constam nos autos, enquanto declarações escritas, têm apostas uma assinatura qualificada certificada, obtendo assim a força probatória prevista.
13 - Na esteira do já entendido por esse Tribunal (vide acórdão de 03-12-2020 proferido no Proc. n.º 29624/13.4T2SNT-Q.L1) e como consagração do princípio da livre apreciação da prova, deverá ser efetuado um juízo valorativo objetivável e fundamentado, formativo da convicção do julgador, que assenta em regras da lógica, da probabilidade e em máximas da experiência, mas também na valoração da prova indiciária ou instrumental da qual resultem elementos precisos e concordantes entre os factos provados e a provar, estabelecendo-se, assim, ilações e presunções entre o facto conhecido e o desconhecido.
14 - No caso dos autos, encontra-se provada a responsabilidade legal do Autor FAT, pelo pagamento à sinistrada AA, das prestações emergentes do acidente de trabalho pela mesma sofrido, responsabilidade esta alicerçada nas diversas decisões judiciais proferidas nos autos de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães, sob o nº ..../12 e cujas respetivas certidões foram juntas aos autos.
15 - Deu, assim, a Mma. Juíza a quo como provados todos estes factos, ou seja, que o FAT é responsável pela reparação do acidente de trabalho que vitimou AA, em substituição da entidade empregadora já insolvente BB, reparação esta que implica o pagamento de todas as prestações elencadas na sentença.
16 - Pois bem, os documentos constituídos pelas Listagens de Ordens de Pagamento, refletem, coerentemente, tais factos provados, ou seja, representam as diversas ordens de pagamento, por transferência bancária, dos valores das prestações em que o Autor foi condenado, tal como se se encontra provado nestes autos.
17 - Tais documentos traduzem a concretização dessa obrigação a que o FAT se encontra vinculado, documentando a realidade/factualidade que se encontra alcançada em termos probatórios.
18 - Impondo-se assim, que tal evidência conste dos factos dados como provados.
19 - A Ré Zurich não coloca em causa os pagamentos efetuados pelo Autor FAT, tendo a própria sinistrada, em sede de prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento realizada em 18-09-2024, confirmado o recebimento das prestações.
20 - Do exposto, outra conclusão não pode ser retirada que não seja a de que os documentos juntos aos autos pelo Autor FAT e ora Recorrente, indicados como docs 2 e 6 da petição inicial e o documento junto com o requerimento de ampliação do pedido, são consonantes com a restante matéria provada nos autos, sendo tais pagamentos consequência dos factos provados.
21 - Não se poderá inferir algo diferente que não seja que as prestações infortunísticas em causa foram pagas à sinistrada, por meio de transferência bancária, nos valores referidos nos citados documentos identificados como Listagens de Ordens de Pagamento nos quais se encontra aposta uma assinatura eletrónica qualificada.
22 - Impõe-se, assim, que tal matéria passe a constar dos factos dados como provados e, consequentemente, que seja alterada a decisão proferida, julgando a ação que o Fundo de Acidentes de Trabalho instaurou contra a Zurich Insurance Plc, procedente, por provada.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.
A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 41663122).
Em 7 de Fevereiro de 2025 a ora relatora proferiu despacho convidando as partes a se pronunciarem sobre as excepções deduzidas pela ré na sua contestação, ponderando a eventualidade de a impugnação dirigida à decisão sobre a matéria de facto, designadamente a atinente aos pagamentos alegados pelo autor, vir a ser julgada procedente (cf. Ref. Elect. 22638864).
O apelante veio fazê-lo, por requerimento de 18 de Fevereiro de 2025, reproduzindo, no essencial, tudo quanto alegou na sua resposta à contestação, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas, considerando que as sentenças proferidas no processo de acidente de trabalho com o n.º ..../12, quer nos autos principais, quer no Apenso C, constituem decisões cujo objecto está contido na causa de pedir da presente acção, por se tratar do mesmo acidente, estando fixada a responsabilidade da ré e afastando a prescrição pelo facto de o seu crédito só se constituir com o pagamento efectivo, pelo que o prazo de prescrição só começa a correr com o cumprimento da obrigação (cf. Ref. Elect. 738826).
A ré/apelada, por sua vez, deu por reproduzidas as excepções suscitadas na sua contestação3 (cf. Ref. Elect. 743348).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil4, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135,
Assim, perante as conclusões das alegações do autor/apelante, há que apreciar as seguintes questões:
a. A impugnação da decisão da matéria de facto;
b. O direito do FAT ao reembolso dos valores pagos à sinistrada;
c. A prescrição.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos, a que este Tribunal introduziu correcções/aditamentos em função dos elementos documentais existentes nos autos, conforme indicado em cada um dos pontos com alterações5 6:
1. O acidente de trabalho que vitimou a sinistrada AA, em 9 de Setembro de 2011, foi, simultaneamente, um acidente de viação, tendo a ré sido demandada no processo n.º .../16, que correu termos no Juízo Central Cível de ... – Juiz 1, enquanto seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo (tractor agrícola) com a matrícula ..-..-XX e respectivo atrelado, no qual foi proferida sentença, em 10 de Junho de 2018, que a condenou, na proporção de 80%, na reparação dos danos decorrentes do acidente, fixando a indemnização global na quantia de 335.200,00 €, correspondente a 80% dos valores arbitrados a título de indemnização pelos custos com transportes em deslocações (20.000,00 €); despesas com medicação (15.000,00 €); indemnização por assistência de terceira pessoa (84.000,00 €); incapacidade permanente (150.000,00 €) e danos não patrimoniais (150.000,00 €), acrescida de juros de mora, a contar da citação e ainda no pagamento, a liquidar posteriormente, quanto aos custos com tratamentos e deslocações, decisão que foi objecto de recurso, tendo sido proferido acórdão, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 17 de Janeiro de 2019, que modificou a data a partir da qual seriam devidos os juros de mora (a partir da decisão recorrida) e a indemnização atribuída a título de custos com medicamentos, remetendo esse segmento da decisão para liquidação.7
2. Recebeu a sinistrada da Ré Zurich Insurance Plc, a título de danos emergentes de acidente de viação, a seguintes quantias:
a) 120.000,00 €, a título de danos não patrimoniais;
b) 120.000,00 €, a título de danos patrimoniais;
c) 16.000,00 €, a título de despesas de deslocação;
d) 67.200,00 €, a título de assistência de terceira pessoa;
e) 12.000,00 €, a título de despesas médicas (as quais foram relegadas para execução de sentença);
f) Juros de mora.
3. Por despacho proferido em 04-07-2014 pela extinta 3ª Secção do Trabalho de Guimarães – J3, do Tribunal da Comarca de Braga, no âmbito do processo n.º ..../12, foi determinado o pagamento à sinistrada AA de uma pensão provisória, no valor anual de 4 046,96 €, a pagar em prestações de 1/14, com início em 02-02-2013, a adiantar pelo Fundo de Acidentes de Trabalho8.
4. Por sentença datada de 17-11-2016, proferida pela mesma Secção do Trabalho de Guimarães, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-03-2017, foi o empregador BB condenado no pagamento das prestações devidas à sinistrada AA, em virtude do acidente de trabalho por esta sofrido em 09-09-2011, a saber:
a) Indemnização por incapacidade temporária absoluta no montante de 16 064,00 €;
b) Pensão anual e vitalícia no montante anual de 10 976,97 €, a partir de 02-02-2013, sem prejuízo da dedução das quantias adiantadas pelo FAT a título provisório, com a inerente desoneração do pagamento à sinistrada;
c) Subsídio por situação de elevada incapacidade no montante de 5.312,49 €;
d) Despesas médicas no montante de 539,77 €;
e) Despesas de transportes no montante de 873,64 €;
f) Indemnização por danos não patrimoniais no montante de 3.000,00€;
g) Juros de mora;
h) Reembolso ao FAT das quantias adiantadas a título provisório.
5. A entidade empregadora não pagou à sinistrada qualquer quantia em que foi condenada, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em data anterior a 20-04-2021.
6. Face à situação de insolvência da entidade empregadora foi determinada, por despacho proferido, em 20-04-2021, no processo n.º .../12 (execução de sentença nos próprios autos), a suspensão da lide executiva e a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho, com cópia da decisão proferida no apenso C, para demonstrar a realização do pagamento das prestações emergentes de acidente de trabalho devidas à sinistrada, em substituição do devedor insolvente9.
7. Na acção emergente de acidente de viação, a sinistrada havia peticionado inicialmente o montante de 400.000,00€, a título de perda da capacidade de ganho, tendo posteriormente reduzido o pedido para 178 402,91 €, em função da reparação arbitrada no processo de acidente de trabalho.
8. No incidente da acção que correu termos sob o número ..../12, do Juízo do Trabalho de Guimarães – Juiz 2 – incidente de prescrição/suspensão do direito a pensão - a sinistrada reconheceu que o valor em dívida pela entidade patronal, nos termos da sentença proferida nos autos principais, foi reduzido no montante 4.792,00 €, sendo o valor de 3.000,00, € já abrangido pela indemnização por danos morais fixada na acção cível e o valor de 1.792,00 € já pago pela entidade patronal à sinistrada a título de custas de parte para compensação de parte do seu débito à mesma.
9. Na acção de suspensão do direito à pensão – apenso C do processo nº ..../12 - foi celebrada uma transacção, nos termos da qual o empregador BB ficou desobrigado do pagamento à sinistrada da quantia total de 4.792,00 €, tendo ficado extinta a dívida relativa a danos morais (3.000,00 €) e a despesas médicas e de transportes (539,77 € + 873,64 € = 1.413,41 €), deduzindo-se a restante quantia de 378,59 € na indemnização devida por incapacidades temporárias, a qual foi reduzida para 15.685,41 €.
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O Tribunal recorrido deu como não provados os seguintes factos10:
a) Em cumprimento do determinado, o FAT liquidou à sinistrada a quantia total de 15.550,33 € a título de pensões provisórias.
b) Em conformidade com o doutamente decidido, o Autor liquidou à sinistrada as seguintes quantias:
i. 15.685,41€, a título de indemnização por incapacidades temporárias (valor que inclui a dedução da quantia de 378,59 €);
ii. 5.312,49 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
iii. 89.759,19 €, a título de pensões devidas desde 02-02-2013, tendo sido deduzida a quantia de 906,31 € paga à pela sinistrada pelo Centro Nacional de Pensões a título de pensão social de invalidez, bem como a quantia de 15.550,33 € paga pelo FAT a título de pensões provisórias;
c) Os pagamentos efectuados pelo FAT perfazem a quantia total de 126.307,42 € (incluindo o montante pago a título de pensões provisórias);
d) A provisão matemática constituída para a pensão em causa ascende a 185.599,04 €;
e) Aceitou também a extinção do direito quanto às custas de parte, no valor de 1.792,00 €;
f) - O autor liquidou à sinistrada as seguintes quantias:
i. 15.550,33 €, a título de pensões provisórias;
ii. 15.685,41 €, a título de indemnização por incapacidades temporárias (valor que inclui a dedução da quantia de 378,59 €);
iii. 5.312,49 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
d) 89.759,19 €, a título de pensões devidas desde 02-02-2013, ao que acresce a provisão matemática no valor de 185.599,04 €, a qual diz respeito à responsabilidade futura do FAT.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da impugnação da matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Atentos os ónus que recaem sobre a parte que impugna a decisão sobre a matéria de facto, decorre do estatuído no art.º 640º, n.º 1 do CPC que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, na sua perspectiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
O recorrente convoca para reapreciação os factos dados como não provados sob as alíneas a), b), c), d) e f), que sustenta deverem ser dados como provados, para o que invoca a prova documental e testemunhal produzida nos autos em que se baseia para tanto, tendo procedido à transcrição dos segmentos do depoimento da testemunha inquirida que considera relevantes, pelo que, ao contrário do que a apelada veio sustentar nas suas contra-alegações, deve considerar-se suficientemente cumprido por aquele o ónus impugnatório em referência.
Todos os pontos de facto impugnados têm que ver com a demonstração dos pagamentos que o autor alega ter realizado à sinistrada, louvando-se a parte, quanto a todos eles, nos mesmos documentos e depoimento testemunhal, pelo que podem e devem ser apreciados em conjunto.
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
a) Em cumprimento do determinado, o FAT liquidou à sinistrada a quantia total de 15 550,33 € a título de pensões provisórias.
b) Em conformidade com o doutamente decidido, o Autor liquidou à sinistrada as seguintes quantias:
i. 15.685,41€, a título de indemnização por incapacidades temporárias (valor que inclui a dedução da quantia de 378,59 €);
ii. 5.312,49 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
iii. 89.759,19 €, a título de pensões devidas desde 02-02-2013, tendo sido deduzida a quantia de 906,31 € paga à pela sinistrada pelo Centro Nacional de Pensões a título de pensão social de invalidez, bem como a quantia de 15.550,33 € paga pelo FAT a título de pensões provisórias;
c) Os pagamentos efectuados pelo FAT perfazem a quantia total de 126.307,42 € (incluindo o montante pago a título de pensões provisórias);
d) A provisão matemática constituída para a pensão em causa ascende a 185.599,04 €;
f) - O autor liquidou à sinistrada as seguintes quantias:
i. 15.550,33 €, a título de pensões provisórias;
ii. 15.685,41 €, a título de indemnização por incapacidades temporárias (valor que inclui a dedução da quantia de 378,59 €);
iii. 5.312,49 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
d) 89.759,19 €, a título de pensões devidas desde 02-02-2013, ao que acresce a provisão matemática no valor de 185.599,04 €, a qual diz respeito à responsabilidade futura do FAT.
E justificou a sua decisão nos seguintes termos:
“Estes temas foram considerados não provados em virtude de nenhum documento ou outro meio probatório permitir adquirir convicção positiva acerca deles.
Com efeito, a prova documental constituída pela listagem junta a fls. 6v e 7 elaborada pelo próprio autor, não se mostra idónea a demonstrar os pagamentos que alega ter satisfeito à sinistrada em lugar da entidade patronal desta. Acresce referir que na falta de recibos ou comprovativos de transferências efectuadas para a testemunha AA, esta não soube esclarecer que quantias recebeu e quando.”
Argumenta o apelante que a prova dos pagamentos se mostra efectuada, pela seguinte ordem de razões:
• O autor apresentou três documentos que constituem documentos electrónicos reproduzidos em escrito, emitidos pelo próprio, com a aposição de assinatura electrónica qualificada por quem é funcionário do Fundo, que possuem força probatória plena e em conjunto com a restante matéria de facto provada revelam a plausibilidade e veracidade do seu conteúdo;
• A ré apenas impugnou os documentos juntos com a petição inicial e não o junto com o requerimento de ampliação do pedido, referindo que são uma mera relação emitida por funcionários do autor e não comprovativos de pagamento, o que não corresponde a qualquer alegação de falsidade, não tendo sido impugnada a assinatura;
• Os pagamentos foram efectuados por transferência bancária e continuam a sê-lo, quanto às pensões, mediante autorização do Fundo e seu envio para as entidades bancárias, não dispondo de nenhum outro documento que comprove a realização das transferências por parte da entidade bancária, sendo que, enquanto Fundo Público, o autor não emite recibos de quitação dos pagamentos efectuados aos sinistrados;
• Tais documentos contêm os elementos necessários para aferir dos pagamentos: número de operação, entidade recebedora, titular do direito, data do pagamento, área funcional, tipo de prestação, meio de pagamento, estado da ordem de pagamento e valor;
• Os documentos têm força probatória plena, nos termos do art.º 3º, n.º 2 e 5 do Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de Fevereiro;
• As listagens de ordens de pagamento reflectem todas as prestações em cujo pagamento o FAT foi condenado e que se retiram da demais factualidade provada;
• A ré não colocou em causa os pagamentos e a sinistrada, ouvida em audiência, confirmou tê-los recebido.
A ré/apelada contrapõe que a testemunha inquirida não soube dizer as quantias exactas que lhe foram pagas, nem quando, sendo que o FAT tinha de provar os exactos pagamentos contantes dos factos alegados e o próprio recorrente nafirma que os meios de prova indicados, que foram os considerados pelo tribunal recorrido, impunham uma decisão diversa; o FAT não juntou quaisquer recibos assinados comprovativos das transferências bancárias.
Os documentos em que o autor se baseia para considerar que está demonstrado o pagamento das quantias devidas à sinistrada foram juntos com a petição inicial e com o requerimento de ampliação do pedido, apresentado em 13 de Setembro de 202411 e contêm o seguinte conteúdo:
(…)
Conforme se pode verificar trata-se, efectivamente, de documentos internos do próprio autor, que contêm uma listagem de ordens de pagamento, com identificação do número de operação, da entidade recebedora (AA), a respectiva data de emissão, do titular do direito (AA), a menção a área funcional, o tipo de prestação, o meio de pagamento (transferência bancária ou cheque), o estado (paga ou autorizada) e, por fim, o valor.
Na sua contestação, a ré impugnou os factos alegados pelo autor, em concreto, os alegados pagamentos efectuados, referindo que não se encontram juntos meios ou comprovativos do pagamento e, quanto aos documentos em referência, que se trata “apenas uma relação, vulgo print, compilada por funcionários do FAT”12. Além disso, e ao contrário do que o recorrente refere nas suas alegações, o documento junto com o requerimento de 13 de Setembro de 2024 foi igualmente impugnado pela ré, nos mesmos termos da impugnação aduzida na petição inicial, conforme resulta da pronúncia do seu ilustre mandatário sobre o requerimento de ampliação do pedido efectuada no início da audiência final, ocorrida em 18 de Setembro de 202413.
Importa notar que sobre a emissão destes documentos nada foi explicitado em sede de audiência de julgamento, porquanto apenas foi inquirida a sinistrada AA, que, quanto a tal matéria, não se pronunciou, nem sobre ela teria conhecimento.
Na sua argumentação, o FAT veio sustentar que estão em causa documentos particulares que fazem prova plena quanto às declarações emitidas, sendo que a ré não invocou qualquer falsidade quanto ao seu conteúdo, nem impugnou a sua assinatura ou exactidão da reprodução mecânica, aduzindo tratar-se de listagens de ordens de pagamento extraídas do seu sistema informático, emitidas em papel e assinadas electronicamente pela sua mandatária e funcionária daquela instituição; mais referiu que os pagamentos foram realizados por transferência bancária a requerimento da própria sinistrada e, tal como sucede com todos os sinistrados que recebem pensões pagas pelo FAT, tais pagamentos são autorizados pelo Fundo, que posteriormente o comunica às entidades bancárias para as efectuar, pelo que não dispõe de outros documentos comprovativos do pagamento, não existindo recibos de quitação.
Sucede que esta argumentação não encontra apoio seja no próprio documento, seja na prova testemunhal produzida.
Em sede de resposta à contestação o autor referiu que estão em causa documentos electrónicos, que beneficiam de um regime específico, tendo-lhes sido aposta uma assinatura qualificada certificada, pelo que dispõem da força probatória prevista no art.º 3º, n.º 2 ou 4º do DL n.º 290-D/99, de 2 de Agosto14.
Em primeiro lugar, cumpre notar que estão em causa, com efeito, documentos particulares, porque não foram emitidos pelas autoridades públicas mencionadas no art.º 362º, n.º 2 do Código Civil, a quem a lei atribui competências para emitirem documentos dotados de fé pública, pois que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões15, que gere o FAT, é uma pessoa colectiva de direito público com atribuições e competência na supervisão e regulação do sector segurador e dos fundos de pensões16, junto da qual funciona o FAT17, mas não lhe foram atribuídas por lei funções de atestação de fé pública dos documentos por si emitidos.
Assim, os documentos emitidos ou subscritos pelo FAT/ASF são documentos particulares, que poderão ser autenticados nos termos da lei, adquirindo a força probatória dos documentos autênticos, nos termos do art.º 377º do Código Civil, o que, porém, não sucede no caso.
Atendendo à experiência comum de qualquer cidadão médio que, na vida actual, estabelece relações com entidades seguradoras, bancárias ou outras, com elevado nível de organização e estruturas de dimensão nacional ou internacional, é possível afirmar ser usual o recurso a dados extraídos de sistemas informáticos de tais entidades, que depois são reflectidos em documento em papel, de que são exemplo os extractos bancários, que, hodiernamente, para muitos dos clientes, são já apenas facultados digitalmente, seja por notificação por correio electrónico, seja apenas por disponibilização na página institucional da entidade a que cada particular tem acesso com os seus dados de identificação.
Serve isto para dizer ser lídimo concluir, de acordo com as regras da experiência, que as listagens constantes dos documentos juntos aos autos e acima reproduzidos correspondem à impressão em papel de dados existentes no sistema informático do FAT, sendo que a correspondência do seu conteúdo com o que consta deste sistema foi atestada pela pessoa que apôs a sua assinatura electrónica no documento em papel.
Como explica Luís Filipe Pires de Sousa, o processo de formação e utilização de um documento electrónico comporta três fases: a fase de criação; a fase de armazenamento e a fase de recuperação ou leitura. De modo que, “Na fase de criação, o computador utiliza um programa informático que converte a linguagem humana em linguagem binária (sequência de números binários: zero e um), sendo que os números binários passam a representar os caracteres da linguagem humana (no caso desta consistir em signos alfabéticos). […] Na fase de armazenamento, a informação é gravada em diversos suportes, v. g., disco duro, cd, etc. Na fase de recuperação ou leitura, com recurso a programa informático, é possível a leitura ou visualização do texto, sons ou imagens que foram previamente gravados.” – cf. Direito Probatório Material Comentado, 3ª edição, pág. 430.
O documento electrónico corresponde, assim, à representação de um facto concretizada por meio de um computador e armazenado em formato específico, capaz de ser traduzido ou apreendido pelos sentidos mediante o emprego de programa apropriado, daí que o documento electrónico se constitua quando ocorre a gravação dos bits num suporte, não sendo, porém, nesse momento, legível para o homem, carecendo de uma descodificação dos códigos binários em símbolos gráficos legíveis, pelo que tal documento é um documento novo face aos documentos tradicionais.
O art.º 2º, a) do DL 290-D/99, de 2 de Agosto definia documento electrónico como o documento elaborado mediante processamento electrónico de dados.
O art.º 3º, 35) Regulamento (UE) 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 201418, relativo à identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno19 define «Documento electrónico» como qualquer conteúdo armazenado em formato electrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual.
O documento electrónico em sentido estrito ou próprio20 não é, assim, perceptível pelo homem, o que apenas ocorrerá com recurso ao computador e a software.
Em sentido amplo, o documento electrónico equivale a um meio de prova, isto é, a impressão do documento electrónico num papel é o meio de prova pelo qual o documento electrónico (fonte de prova) acede ao processo.
Significa isto que os documentos juntos aos autos correspondem a uma impressão formada a partir de uma sequência de bits gravados e, como tal, constituem uma cópia analógica (por extracto) de um documento electrónico, ou seja, é um documento extraído de um documento. Através dessa cópia transfere-se a eficácia probatória de um documento para outro documento, desde que este seja fidedigno ao original – cf. art.ºs 386º, n.º 1 e 387º, n.º 1 do Código Civil.
O art.º 3º, 1) e 5) do Regulamento (UE) 910/2014, ao definir “identificação electrónica” e “autenticação” permite constatar que não são conceitos coincidentes, sendo que esta última é um processo electrónico que permite a identificação electrónica de uma pessoa singular ou colectiva, ou da origem e integridade de um dado em formato electrónico a confirmar, sendo um procedimento efectuado com recurso a diversos instrumentos como o PIN, password ou dados biométricos, com vista a estabelecer a certeza da associação da identidade a uma determinada pessoa singular ou colectiva, enquanto a identificação electrónica consiste em recolher os dados identificativos objectivos.
A assinatura electrónica simples é definida no art.º 3º, 10) do Regulamento (UE) 910/2014 como os dados em formato electrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato electrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar, sendo uma figura residual face à assinatura electrónica avançada e à assinatura electrónica qualificada – cf. art.º 3º, n.ºs 11) e 12) do Regulamento
O art.º 25º, n.º 1 do Regulamento (UE) 910/2014 estabelece o princípio da não discriminação ou não desconhecimento, de acordo com o qual não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura electrónica pelo simples facto de se apresentar em formato electrónico ou de não cumprir os requisitos exigidos para as assinaturas electrónicas qualificadas, cumprindo aos tribunais valorar os documentos dotados de assinatura electrónica da mesma forma que os documentos analógicos providos de assinatura – cf. Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 376.
Já quanto à assinatura electrónica qualificada, o art.º 25º, n.º 2 estabelece o princípio da equivalência funcional entre ela e a assinatura autógrafa reconhecida.
A assinatura electrónica avançada deve obedecer aos requisitos descritos no art.º 26º do Regulamento (UE) 910/2014, consistindo num processo, comportando ainda uma subespécie de assinatura electrónica qualificada, que é criada por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas electrónicas e que se baseie num certificado qualificado de assinatura electrónica, que por sua vez deve ser emitido por um prestador de serviços de confiança - cf. art.º 3º, n.ºs 11) e 12).
O actual art.º 3º, n.º 121 do DL 12/2021, de 9 de Fevereiro efectua uma equiparação do documento electrónico ao documento escrito, mas não afirma que este é um documento escrito qua tale, pois estatui que o documento electrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita.
O n.º 1 do referido art.º 3º abrange quer o documento electrónico com assinatura electrónica simples, quer o que é desprovido de qualquer assinatura electrónica.
A aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria as presunções mencionadas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do art.º 3º do DL 12/2021 (ou seja, que a pessoa que apôs a assinatura é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva em causa; que a assinatura foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico; e que este não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada).
Sendo aposta uma assinatura electrónica qualificada, o documento electrónico com o conteúdo referido no n.º 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, conforme decorre do n.º 5 do art.º 3º do DL 12/2021, de 9 de Fevereiro.
Nos termos do art.º 3º, n.º 10 do DL 12/2021, de 9 de Fevereiro, “salvo disposição especial, o valor probatório dos documentos eletrónicos não associados a serviços de confiança qualificados é apreciado nos termos gerais do direito”.
Daqui decorre que a valoração que o tribunal deve efectuar do documento electrónico em referência não está condicionada pelo reconhecimento ou desconhecimento da contraparte a quem é imputado o documento, pois que lhe compete proceder à valoração do documento.
Perante a junção de um documento electrónico não associado a serviços de confiança qualificados a contraparte poderá, não impugnar a sua genuinidade como sucede com os documentos escritos, mas invocar nos autos factos susceptíveis de colocarem em crise os parâmetros de qualidade, segurança, integridade e imodificabilidade da assinatura electrónica simples. Na ausência de uma reacção dessa ordem, a prova da integridade e fiabilidade do documento está facilitada, sendo o documento apreciado no seu valor pelas características de qualidade, segurança, integridade e imodificabilidade do documento electrónico, com base, nomeadamente, nas presunções judiciais.
Conforme se constata do conteúdo das listagens reproduzidas no suporte de papel, este encontra-se assinado por CC, mandatária do aqui autor e que será sua funcionária, conforme é referido nas alegações de recurso.
Nenhum elemento carreado para os autos permite asseverar a natureza da assinatura aposta no documento como assinatura electrónica avançada ou qualificada, pois que se desconhece se se encontram observados os requisitos a que acima se aludiu (existência de certificado qualificado de assinatura electrónica, emitido por um prestador de serviços de confiança).
Sendo um documento electrónico com assinatura electrónica que se deve ter por simples, deve este ser valorado nos termos do disposto no art.º 3º, n.º 10 do DL 12/2021, de 9 de Fevereiro.
Na sua contestação, a ré não colocou em crise a integridade, qualidade, segurança, integridade e imodificabilidade da assinatura electrónica simples, pelo que se deve aceitar que o documento em causa deve ser imputado a quem figura como seu subscritor.
Por outro lado, sendo documento com assinatura simples, e como tal inidóneo a assumir a eficácia probatória prevista no art.º 376º, n.º 1 do Código Civil, nem por isso deixa de poder ser utilizado pelo julgador para a formação da sua convicção, procedendo à sua livre apreciação (cf. art.º 366º do Código Civil22), ainda que em consonância com as regras da razão e da lógica para uma correcta valoração da prova, sem arbitrariedades. “Face à ausência de máximas de experiência legais (prova legal), cabe ao juiz eleger – a partir da prova feita e das particularidades do caso – a máxima de experiência aplicável com prevalência sobre outras, em função de critérios de racionalidade.” – cf. Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 468.
Com base em tais documentos é possível afirmar que o autor emitiu aquelas listagens de ordens de pagamento das prestações nele inscritas e que, de acordo com o seu sistema informático interno, tais prestações foram autorizadas e pagas, conforme a menção aposta à frente de cada um desses valores.
Certo é que de tal listagem não decorre, por si só, que os pagamentos nela consignados tenham, de facto, tido lugar (tanto mais que, mesmo que se estivesse perante documento a que fosse atribuída a força probatória decorrente do art.º 376º do Código Civil, os factos compreendidos na declaração só se teriam como provados na medida em que fossem contrários aos interesses do declarante – cf. n.º 2).
Todavia, tal não implica que se deva considerar os factos atinentes aos pagamentos invocados pelo autor como não provados, pela singela ausência de um recibo de quitação assinado pela sinistrada ou na falta de extractos bancários assinados pelo autor a comprovar a execução das transferências.
Na verdade, não existe nenhuma imposição legal de prova tarifada quanto aos factos em apreço, ou seja, não existe uma exigência legal de que o pagamento ou o cumprimento pelo FAT das suas obrigações se prove através de um meio específico. Pelo contrário, a prova desse pagamento é livre.
Com base nos documentos que atestam as ordens de pagamento emitidas pelo FAT, conjugados com toda a matéria de facto apurada e demais elementos existentes nos autos, deve tomar-se como plausível que tais ordens de pagamento foram emitidas nas datas e pelos valores ali consignados, delas constando os elementos necessários a aferir da realização dos pagamentos, com base no número de operação, nome da sinistrada titular do direito, data do pagamento, área funcional e tipo de prestação, meio de pagamento, estado da ordem de pagamento e valor pago.
A prova implica um juízo valorativo objetivável e fundamentado, formativo da convicção do julgador, que assenta em regras da lógica, da probabilidade e em máximas da experiência, mas também na valoração da chamada prova indiciária ou instrumental da qual resultem elementos precisos e concordantes entre os factos provados e a provar, estabelecendo-se, assim, ilações e presunções entre o facto conhecido e o desconhecido.
Com efeito, a demonstração da realidade de um facto pode ser efectuada directamente ou pode ser extraída, por presunção judicial (cf. art.ºs 349º e 351º do Código Civil), de outros factos provados (a base da presunção).
As presunções são ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cf. art.º 349º do Código Civil. Supõem a prova de um facto conhecido (base da presunção), do qual, depois, se infere o facto desconhecido.
As presunções são “judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga. […] inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.” – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 312.
As máximas da experiência (ou “juízo de probabilidade qualificada”) reflectem regras gerais de carácter científico com validade universal (como as regras da matemática ou da física) ou aquilo que decorre do princípio da normalidade, ou seja, em que os factos surgem relacionados entre si, seja por relações de causa-efeito seja por uma ordem lógica e regular, existindo uma tendência para a repetição dos mesmos fenómenos.
As presunções servem para a prova de qualquer facto probando, posto que não excluída quanto a este a prova testemunhal (cf. art.º 351º do Código Civil). Ainda que tal facto pudesse ser provado directamente por um meio de prova, nada impede que possa ser demonstrado (indirectamente) por presunção judicial – cf. neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Presunções judiciais; âmbito de âmbito de aplicação, onde refere que as presunções judiciais não têm nenhum carácter subsidiário perante a prova directa, sendo a regra a equivalência entre a prova (directa) do facto probando através de um meio de prova e a prova (indirecta) desse facto através de uma presunção judicial ou natural.
Ora, está provada através das certidões judiciais juntas aos autos a assunção de responsabilidade pelo FAT quanto ao pagamento das prestações devidas à sinistrada, tal como espelhado nos factos descritos em 3. a 6..
Por outro lado, as listagens em apreço demonstram que, em conformidade com o judicialmente decidido, o FAT ordenou e autorizou o pagamento de diversos valores a título de pensões provisórias e definitivas, conforme o decidido no processo emergente de acidente de trabalho, através de transferência bancária para a conta bancária da lesada, sendo que os valores indicados como tendo sido pagos a título de indemnização por incapacidades temporárias (com o desconto indicado pelo autor) e subsídio por elevada incapacidade, coincidem com aqueles que foram determinados na decisão proferida no processo laboral (cf. ponto 4. dos factos provados).
Acresce que a testemunha AA, sinistrada a quem foram pagas tais quantias, diversamente do sustentado pela recorrida, confirmou na audiência de julgamento ter recebido os valores que lhe foram arbitrados. Certo é que não soube concretizar os valores anteriormente recebidos, mas foi assertiva e o seu depoimento não deixa qualquer margem para dúvidas quanto ao facto de ter recebido todos os valores devidos, sejam pensões provisórias ou definitivas e as demais quantias estipuladas e, bem assim, quanto ao facto de quem os pagou ter sido o FAT.
Na verdade, mesmo no que diz respeito às pensões provisórias, a testemunha não soube, efectivamente, situar no tempo o momento desse pagamento, mas disse que não foi logo após o acidente, ainda tendo demorado algum tempo; esclareceu também que, embora tenha sido o patrão BB quem foi condenado no processo emergente de acidente de trabalho, este nada lhe pagou, tendo sido o Fundo, quem, após a sentença de condenação, suportou o pagamento das quantias devidas: “Eu confirmo que recebia as quantias, mas não confirmo exactamente os valores que não me recordo,…. Mas recebi sim os valores…” – cf. minutos 6.45, 8.00, 12.10 e seguintes do seu depoimento.
Além disso, a testemunha afirmou claramente que continuava a receber a pensão mensal e que esta tem hoje o valor de 960,00 €, sendo o FAT quem lha paga, aferindo-se ser precisamente esse o valor constante das listagens apresentadas pelo autor – cf. minuto 7.10 e seguintes do seu depoimento.
Acresce que o acidente ocorreu em 2011, quando a sinistrada tinha 17 anos de idade. O seu depoimento foi prestado em 2024, ou seja, 13 anos depois. Face ao tempo decorrido e às lesões de que a sinistrada ficou afectada – ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 70 pontos e, entre o mais, perturbação psiquiátrica com diminuição do nível de eficiência pessoal em grau II23, com necessidade de ajuda de terceira pessoa para as tarefas diárias – surge contextualizada a sua incapacidade de concretização dos valores recebidos, não obstante o que ficou claro o recebimento de todas as quantias que lhe são devidas e, bem assim, que o FAT continua a suportar o pagamento da pensão.
Da conjugação do conteúdo das mencionadas listagens de ordens de pagamento com o depoimento da testemunha DD e ainda com aquilo que resulta das certidões de decisões judiciais juntas aos autos e reflectidas na factualidade apurada, outra conclusão não pode ser retirada que não seja a de que os documentos em causa estão em consonância com os demais meios de prova juntos aos autos, inferindo-se por via dos factos provados que deles resultam a plausibilidade e veracidade do seu conteúdo, ou seja, que as prestações infortunísticas referidas no documento foram pagas à sinistrada, segundo os meios e datas nelas consignados.
No que diz respeito às provisões matemáticas, o seu valor decorre, na verdade, da aplicação dos critérios previstos na Lei (bases técnicas e tabelas práticas, acrescidas de 10%) – cf. art.ºs 84º, n.º 1, 85º, n.º 3 e 76º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro24 e Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro.
Nos termos do art.º 85º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, compete ao Instituto de Seguros de Portugal (hoje, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) determinar o valor do caucionamento das pensões, quando não exista ou seja insuficiente o seguro das responsabilidades do empregador.
O autor veio sustentar que constituiu provisão matemática para caucionamento da pensão devida à sinistrada AA, no valor de 185 599,04 €, mas não indicou de que modo efectuou esse cálculo e menos ainda comprovou ter efectivamente procedido a tal constituição25.
Por outro lado, no artigo 44º da contestação a ré seguradora colocou em crise o valor relativo à provisão matemática, referindo desconhecer em que base foi calculado e se tal cálculo se encontra correcto.
Na verdade, o FAT não só não indicou o modo de cálculo da provisão matemática (sendo certo que esse cálculo compete à ASF), como não esclareceu ou indicou se foram aplicadas as bases de cálculo da provisão e quais, estabelecidas no Anexo da Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro, para além do que não foi apresentado nenhum elemento probatório que ateste, por um lado, a constituição da provisão e, por outro, o valor em causa26.
Assim, nesta parte, manter-se como não provada a constituição da provisão matemática, pelo valor alegado pelo autor.
Daqui decorre que importa julgar parcialmente procedente a impugnação dirigida contra a decisão sobre a matéria de facto, de modo que são aditados à factualidade provada os seguintes factos:
10. Em cumprimento do determinado em 3., 4. e 6., o FAT liquidou à sinistrada as seguintes quantias:
i. Em Julho de 2021, 15.685,41 €, a título de indemnização por incapacidades temporárias;
ii. Em Julho de 2021, 5.312,49 €, a título de subsídio por situação de elevada incapacidade;
iii. A partir de Agosto de 2021, 117 889,61 €, a título de pensões devidas desde 02-02-2013, bem como, entre 2014 e Outubro de 2016, a quantia de 15.550,33 €, a título de pensões provisórias.
*
3.2.2. Do direito do FAT a obter o reembolso dos valores pagos à sinistrada
Dispõe o art.º 1º, a) do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 185/2007, de 10 de Maio, que compete ao FAT “Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.”
Por sua vez, o art.º 5.º-B do mesmo diploma legal estatui, sob a epígrafe «Sub-rogação e privilégios creditórios», o seguinte:
“1 - O FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efectuados, bem como das respectivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação.
2 - Os créditos abrangidos pelo presente decreto-lei gozam das garantias consignadas nos artigos 377.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
3 - A provisão matemática referida no n.º 1 é calculada de acordo com as bases técnicas e respectivas tabelas práticas de cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho, em vigor à data da constituição do crédito.”
Decorre destes normativos legais que o FAT garante o pagamento das prestações infortunísticas ficando sub-rogado nos direitos da entidade responsável, sendo que, na ausência de outros preceitos laborais, o regime da sub-rogação há-de resultar do previsto nos art.ºs 589.º a 594.º do Código Civil, aferindo-se estar em causa uma sub-rogação legal por via da qual ocorre a transmissão do crédito através do facto jurídico pagamento - cf. art.º 592º, n.º 1 do Código Civil.
A fonte da transmissão por via sub-rogatória é o cumprimento por terceiro, pelo que a sub-rogação supõe o pagamento; antes deste não há sub-rogação, ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento, enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor.
A sub-rogação legal dispensa o acordo, seja do credor, seja do devedor. Emerge do simples acto de execução d aprestação efectuada pelo terceiro, que fica, ipso iure, sub-rogado na posição do primitivo credor – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP 2021, pág. 624.
Assim, se o crédito por sub-rogação pressupõe o pagamento e só nasce com o pagamento, só a partir do cumprimento/pagamento se constituiu o crédito sub-rogado, cujo reembolso é aqui peticionado.
Como decorre do referido art.º 5.º-B do DL n.º 142/99, o FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e seus beneficiários, na medida dos pagamentos efectuados, bem como das respetivas provisões matemáticas, acrescidos de juros de mora vincendos.
O pedido de reembolso formulado pelo FAT nesta acção reporta-se a valores que por este foram pagos referentes a pensões provisórias e definitivas, subsídio de elevada incapacidade e indemnização por incapacidades temporárias, que correspondem às prestações previstas nos art.ºs 283º e 284º do Código do trabalho e art.ºs 23º, 47º, 48º, 50º, 52º e 67º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Estando provado que o FAT procedeu ao pagamento das prestações descritas no ponto 10. dos factos provados e atento o estatuído na norma supra transcrita, tem direito a obter da responsável pelo acidente de viação os valores que despendeu, pois que está demonstrado que se tratou de acidente de trabalho simultaneamente de viação, cuja responsabilidade pela eclosão foi imputada ao condutor do veículo segurado na aqui ré, na proporção de 80%.
Na sua contestação a ré suscitou a inoponibilidade do decidido pelo Tribunal do Trabalho, pois que não foi parte na acção emergente de acidente de trabalho, assim como não o foi no âmbito do processo que declarou a insolvência do empregador, que não constituem caso julgado perante si, impugnando genericamente os factos alegados pelo FAT27.
Tem razão a seguradora quando refere que a decisão proferida no processo emergente de acidente de trabalho não faz caso julgado quanto a quem nele não foi parte.
O art.º 619º, n.º 1 do CPC estabelece que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do mesmo diploma legal, de onde decorre que, efectivamente, é sempre necessário que ocorra a tríplice identidade referida no art.º 581º do CPC (quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico).
As sentenças constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam – cf. art.º 621º do CPC.
A identidade jurídica das partes não tem de coincidir com a identidade física dos sujeitos relevando antes que actuem como titulares da mesma relação substancial – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3ª edição Revista e Actualizada, Lisboa 2001, pág. 47.
O pedido consiste no efeito jurídico que se pretende obter, isto é, é a enunciação do direito que o autor quer fazer valer em juízo e da providência que requer enquanto tutela desse direito.
A causa de pedir consiste, conforme resulta do art.º 581º, n.º 4 do CPC, nos factos concretos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos.
Ainda que a causa de pedir justificativa da atribuição das prestações devidas por acidente de trabalho se baseie nos factos atinentes à verificação do sinistro, o pedido formulado na acção .../12 é distinto daquele que foi apreciado processo .../16, em que a aqui ré foi demandada, sendo que naquela não teve intervenção.
Não se verifica a aludida tríplice identidade de que depende a verificação da excepção de caso julgado que impede a repetição de uma causa.
“A excepção do caso julgado traduz-se em «a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social» (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, pp. 305-306).” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2015, 915/09.0TBCBR.C1S1, CJ (STJ) I, pág. 128.
Mas a análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através dessa vertente de excepção dilatória com constatação da aludida tríplice identidade ou, ao invés, pela força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 599-600 alertam para esta distinção aduzindo:
“A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito […]. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida […], ou o fundamento da primeira decisão […] é também questão prejudicial na segunda acção […]. Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela proferida deva, excecionalmente, ser invocável […]) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção […]”
O professor Miguel Teixeira de Sousa28 procura demonstrar que a excepção de caso julgado pode funcionar não só para assegurar que não há uma repetição de uma causa (cf. art.ºs 580º, n.º 1, 581º, n.º 1 e 577º, i) do CPC), mas também para evitar a contradição de julgados, o que sucede quando a diferença entre o objecto da primeira acção e o da segunda acção deriva da alegação nesta última de um fundamento não invocado naquela (cf. pág. 15), ou seja, neste caso, a excepção de caso julgado realiza uma função positiva obstando à contradição do decidido numa causa anterior inviabilizando a apreciação de um aliud com base num facto precludido.
Quando o caso julgado relativo a um objecto prejudicial é invocado numa acção posterior releva nesta segunda acção uma proibição de contradição daquele caso julgado, proibição que não impede a nova pronúncia do tribunal sobre o que é pedido, antes vincula o tribunal a utilizar o caso julgado como base da apreciação sobre o que lhe é solicitado.
Além das situações de questão prejudicial, a proibição de contradição tem de actuar quando se trata de evitar que o caso julgado seja contrariado por uma decisão posterior.
Assim, sintetiza o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pp. 19-20:
“[…] a proibição de contradição pode justificar quer a autoridade de caso julgado, quer a excepção de caso julgado, tudo dependendo da relação do objecto da primeira acção com o objecto da segunda acção. Em concreto […] há que considerar três hipóteses:
- O objecto da segunda acção é dependente do objecto (prejudicial) da primeira acção; nesta situação, importa vincular o tribunal da segunda acção à pronúncia prejudicial do tribunal da primeira acção, ou seja, há que evitar que o tribunal da segunda acção possa contrariar aquela pronúncia; este desiderato é atingido através da proibição de contradição da decisão anterior e da autoridade de caso julgado;
- O objecto da segunda acção é contraditório com o objecto da primeira; nesta hipótese, importa afastar uma pronúncia contraditória com a anterior; este efeito é conseguido através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção de caso julgado;
- O objecto da segunda acção é igual ao objecto da primeira acção; nesta situação, o que importa excluir é uma repetição da pronúncia do tribunal da primeira acção; para conseguir este desiderato há que impor a proibição de repetição da decisão anterior e a aplicação da excepção de caso julgado.”
Assim, o alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos prescritos no art.º 581º e seguintes do CPC para a excepção de caso julgado, devendo tornar-se extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e a razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente, presentes.
No entanto, o alcance da autoridade do caso julgado parece continuar dependente da identidade das partes no processo, pois que este apenas lança a sua eficácia nas relações entre aquelas.
Assim, a “identidade de sujeitos […] constitui o pressuposto básico para a invocação quer da excepção de caso julgado (vertente negativa), quer para a afirmação dos limites do caso julgado (vertente positiva). Não é possível de modo algum extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não possa considerar-se vinculado nos termos anteriormente referidos”, pelo que “nenhum efeito de caso julgado (ou mesmo de autoridade de caso julgado) pode ser extraído de uma decisão relativamente a sujeitos que não tiveram qualquer intervenção na acção em que foi proferida nem se integram na esfera da identidade subjectiva definida pelo art.º 581º, n.º 2.”, não o podendo ser em acção que corra entre sujeitos diversos na perspectiva da sua qualidade jurídica – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, págs. 661, 742 e 743.
Todavia, existem terceiros que são atingidos pela eficácia do caso julgado. É usual distinguir os terceiros juridicamente indiferentes dos terceiros juridicamente interessados.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2017, 1375/06.3TBSTR.E1.S1, após a explanação sobre o alcance da excepção do caso julgado e da autoridade de caso julgado, aborda-se a sua extensão relativamente a terceiros do seguinte modo:
“Relativamente à extensão do caso julgado a terceiros, de entre eles, segundo Antunes Varela e outros distinguir-se-ão:
i) – os terceiros juridicamente indiferentes, a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, não interferindo com a existência e validade do seu direito, embora podendo afetar a sua consistência prática ou económica, em relação aos quais não poderia deixar de se admitir a eficácia do caso julgado;
ii) – os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de relações jurídicas independentes e incompatíveis com o caso julgado alheio, em relação aos quais nenhuma razão haverá para serem por ele atingidos;
iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado;
iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável.
[…] a sentença tem, como destinatários naturais, as partes e só as partes. Estender a eficácia da sentença a terceiros, estranhos ao processo, que não intervieram nele, que não foram ouvidos nem convencidos, que não foram colocados em condições de dizer da justiça, de alegar as suas razões, de exercer qualquer espécie de influência na formação da convicção do juiz – é uma violência que pode redundar numa iniquidade.»”
Neste caso, impõe-se reconhecer que a aqui ré não pode ser considerada abrangida pela esfera de identidade de sujeitos que emerge do n.º 2 do art.º 581º do CPC, mas, sendo ela uma pessoa afectada pelo sinistro, enquanto seguradora do condutor lesante, deve ser tida como terceiro titular de uma relação jurídica concorrente com a apreciada no processo n.º ..../12, pelo que apenas lhe seria extensível o efeito do caso julgado decorrente da decisão neste proferida se lhe fosse favorável, o que não sucede no caso dos autos.
Não vinculando a ré, que nela não foi parte, a decisão proferida na acção especial por acidente de trabalho em que foram atribuídas as pensões/prestações posteriormente suportadas pelo FAT, tem de admitir-se que podia questionar, na presente acção em que é demandada com vista ao reembolso de tais valores, os fundamentos de facto e de direito em que se alicerça tal decisão – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-05-2012 1587/08.5TJLSB.L2-6.
Contudo, a questão de fundo discutida no processo laboral tem-se como definitiva, desde que definitiva entre as partes, posto que tenha transitado em julgado entre estas, não podendo voltar a discutir-se a natureza do sinistro e a responsabilidade dos intervenientes no processo.
O que a seguradora pode discutir é o âmbito da sua responsabilidade, que pode não coincidir com a responsabilidade da empregadora fixada naquela acção, seja qual for a razão ou com os valores concretamente pagos pelo FAT, mas não pode questionar a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal, e que a ela não respeita.
Sucede, porém, que, confrontada com os valores atribuídos à sinistrada e que foram pagos pelo FAT, a seguradora se limitou a sustentar que tal decisão não produzia, quanto a si, caso julgado, mas não colocou em crise as prestações atribuídas e os cálculos que a elas conduziram e que, comprovadamente, foram pagos pelo FAT, não tendo, assim, questionado os fundamentos de facto e de direito que basearam aquela outra decisão.
Pode, pois, concluir-se que o autor, tendo procedido ao pagamento do valor das pensões e demais prestações descritas em 10., conforme ordenado pelo Tribunal do Trabalho de Guimarães face à situação de insolvência da entidade patronal da sinistrada, ficou sub-rogado, nos termos do art.º 5º-B do DL 142/99, de 30 de Abril, nos direitos que esta última tinha sobre o responsável pela produção do acidente para reembolso das prestações pagas.
É um caso típico de sub-rogação legal, por força da qual os direitos que cabiam ao primitivo credor (artigo 592º e 593º do Código Civil) se transferem para aquele que satisfez a obrigação.
A ré/recorrida sustentou, ainda, em sede de contestação que já pagou à sinistrada, a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho/dano patrimonial, a quantia de 120 000,00 €, pelo que já pagou tudo o que tinha a pagar, quer a título de danos patrimoniais, quer não patrimoniais, não podendo pagar em duplicado, pelo que esse valor sempre teria de ser descontado.
Está demonstrado que o acidente que vitimou a sinistrada foi simultaneamente acidente de viação e acidente de trabalho.
Provado está também que a sinistrada tem vindo a ser ressarcida da perda de capacidade de ganho que as lesões suportadas lhe determinaram ao nível profissional, quer por referência aos períodos de incapacidades temporárias, quer por força da sua incapacidade para o trabalho – cf. ponto 10. dos factos provados.
O art.º 17º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro estatui o seguinte:
“1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante.
4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo.”
Resulta deste normativo legal, designadamente dos números 2 e 3, que, nas situações de confluência de responsabilidades pelo mesmo acidente, o direito à indemnização delas decorrente não é cumulável em relação ao mesmo dano concreto – cf. neste sentido, a propósito do art.º 31º da anterior Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, pág. 150.
Prevê-se, então, o direito de desoneração do responsável pela reparação do acidente de trabalho, caso o sinistrado receba de terceiro, pelo mesmo dano, uma indemnização superior à que seria devida pela entidade responsável pelo acidente de trabalho ou, caso a indemnização arbitrada seja inferior à dos benefícios conferidos em consequência do acidente de trabalho, o direito de desoneração limitado àquele montante indemnizatório.
Se o sinistrado for totalmente ressarcido pelo prejuízo que sofreu em contexto de acidente de trabalho e se a responsabilidade pelo ressarcimento do dano incumbir a um terceiro estranho à relação laboral, não pode aquele, se já tiver sido ressarcido pelo terceiro, voltar a sê-lo pelo empregador, pois que isso implicaria um enriquecimento injustificado ao ser duplamente indemnizado/ressarcido pelo mesmo dano. Por essa razão se afirma que se está perante indemnizações complementares, subsistindo a indemnização emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha a ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem, pois, entendendo, de modo uniforme, que as indemnizações a atribuir em sede de reparação do prejuízo adveniente de acidente de viação e de sinistro laboral se baseiam em critérios distintos e cada uma delas tem uma funcionalidade própria29, não sendo cumuláveis, mas antes complementares, até ao ressarcimento total do prejuízo causado, assumindo a responsabilidade laboral carácter subsidiário. Competirá, contudo, sendo esse o caso, ao responsável pelo infortúnio laboral alegar e provar os pressupostos para o reconhecimento do direito de desoneração – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, 40/08.1TBMMV.C1.S1 e de 14-12-2016, 255/07.5TTCBR-A.C1.S1.
Todavia, como resulta dos n.ºs 1 e 2 do mencionado art.º 17º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, o direito à reparação por acidente causado por outros trabalhadores ou terceiros não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral, o que significa que em sede de acção civil compete à respectiva jurisdição aplicar o direito sem limitação quanto aos montantes a arbitrar, pois que se privilegia o risco do causador do acidente de viação, usufruindo a seguradora laboral de legitimidade para invocar o pagamento das prestações que efectuou, reclamando-as junto do responsável pelo sinistro.
Apesar de não ser permitida a cumulação de indemnizações, quando deva haver lugar à fixação de indemnizações na dupla vertente do acidente, cada um dos tribunais – o cível e o laboral – fixará as indemnizações segundo os critérios legais aplicáveis, mas com inteira independência do que tenha decidido ou venha a decidir o outro tribunal. Podem, inclusive, ser peticionadas as duas indemnizações - ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum -, para depois ser feita a opção pela mais conveniente; o que não pode é haver recebimento das duas indemnizações, por não serem cumuláveis.
O recebimento pela sinistrada das quantias fixadas pelo Tribunal do Trabalho, não a impede de exercer, na jurisdição civil, o seu direito de acção contra o terceiro que causou o acidente, nos termos da lei geral. Caberá à seguradora ou ao responsável laboral, pretendendo exonerar-se do pagamento de indemnizações/pensões, usar do meio processual próprio para o efeito – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-01-2021, 4744/17.0T8BRG-A.G1.
Assim, tal como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019, 1456/15.2T8FNC.L1.S1, na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho, cabendo à entidade patronal ou à sua seguradora, o direito de reembolso pela antecipação da indemnização por si suportada.
Veja-se, neste sentido, Júlio Manuel Vieira Gomes, in Nótula sobre o tratamento Jurisprudencial dos Acidentes que merecem a qualificação simultaneamente de acidentes de trabalho e de acidentes de viação, pp. 248-24930 – “[…] cabe ao lesado ou seus representantes a opção entre exercer uma ou outra pretensão junto dos Tribunais competentes, que exercerão a sua jurisdição de modo independente. […] o responsável pelo acidente de viação (ou o seu segurador) não pode pretender a dedução na indemnização a que for condenado da indemnização que o trabalhador/sinistrado porventura já tenha recebido por força da reparação do acidente de trabalho.”
Não obstante as considerações expendidas, aquilo que se constata, conforme decorre do ponto 6. dos factos provados, é que na acção n.º .../16 a sinistrada havia peticionado inicialmente o montante de 400 000,00€, a título de indemnização por perda da capacidade de ganho, valor que posteriormente reduziu para 178 402,91 €, em função da reparação arbitrada no processo de acidente de trabalho, o que significa que a indemnização atribuída na acção cível teve em atenção a funcionalidade própria consistente na reparação do dano biológico em toda a sua amplitude, que extravasa a afectação da capacidade de ganho, que foi a vertente concretamente ponderada em sede de acção emergente de acidente de trabalho.
Tendo a própria sinistrada reduzido, na acção cível, a quantia peticionada a título de reparação pelo dano biológico, tal significa que ali não esteve em causa o ressarcimento do mesmo dano já previamente ponderado na acção laboral, tanto mais que, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2023, 8085/17.4T8PRT.P1, “O dano biológico tem um rebate patrimonial, enquanto diminuição ou perda do rendimento salarial e, nesse tocante, a indemnização atribuída no foro laboral já o cobre, mas o dano biológico tem outras repercussões que podem considerar-se patrimoniais e não patrimoniais, sendo duas as suas dimensões patrimoniais: uma, a relativa à perda do rendimento salarial, em consequência da incapacidade para o trabalho, indemnização que foi atribuída ao A. em sede de direito laboral, que o não esgotou porquanto não incluiu os danos futuros resultantes da perda da capacidade aquisitiva tout court (e, no caso, demonstrou-se mesmo que o A. tinha uma outra atividade, além de assalariado por conta de outrem), outra, a que resulta da afetação da integridade físico-psíquica, a incapacidade funcional que deve ser indemnizada, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, abrangendo situações em que o lesado esteja inactivo.”
Assim, tendo a própria sinistrada conformado o seu pedido no pressuposto de que a reparação pelo dano especificamente laboral já se mostrava definida no processo por acidente de trabalho, na acção cível restou para apreciar a vertente do dano biológico que afecta a vida extralaboral da lesada, pelo que, ao contrário do sustentado pela recorrida, a sua condenação no reembolso ao FAT dos valores que despendeu com o pagamento das prestações arbitradas em sede laboral, não traduzem a cumulação de indemnização pelo mesmo dano, porquanto foram ponderadas vertentes distintas em cada uma das acções para a fixação das prestações arbitradas.
Tendo a ré seguradora sido responsabilizada na proporção de 80% pela produção do acidente, será nessa mesma proporção que deverá reembolsar o FAT pelas prestações cujo pagamento este assegurou, descritas no ponto 10. dos factos provados.
*
3.2.3. Da prescrição
Invocou ainda a ré a prescrição do crédito invocado pelo FAT, sustentando que todos os pagamentos foram efectuados há mais de três anos, a contar da sua citação, sendo esse o prazo de que este dispunha para exercer o seu direito, nos termos do art.º 498º, n.º 3 do Código Civil, pelo que ocorre a prescrição pelo menos quanto aos pagamentos ocorridos em 2013, 2014 e 2015 e quanto a todos os ocorridos até Junho de 2019.
Em sede de resposta, o autor afastou a prescrição referindo que o prazo para o exercício do direito de sub-rogação legal só se inicia a partir da data do cumprimento da obrigação, sendo que no caso liquidou as pensões provisórias entre 25 de Julho de 2014 e 31 de Outubro de 2016 e, a partir de 6 de Julho de 2021, as prestações definitivas, e, quanto às primeiras, o direito a exigir o reembolso apenas ocorreu com a transferência da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, ou seja, com o despacho de 20 de Abril de 2021.
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo, diferindo, por essa razão, como é sabido, do direito de regresso, que é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta.
Apesar de constituírem realidades jurídicas distintas, a sub-rogação e o direito de regresso apresentam afinidades, desde logo, o elemento comum de prévio pagamento da obrigação e visando, no seu funcionamento, o reembolso total ou parcial.
Como resulta do atrás expendido, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento; enquanto não o fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos de credor.
Conforme doutrina do Assento31 do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 197732, a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras; só abrange as prestações vencidas que hajam sido efectivamente pagas.
Ora, não poderia razoavelmente aceitar-se que o prazo de prescrição começasse a correr ainda antes de o direito se subjectivar, isto é, antes ainda de o respectivo titular o poder exercer
Por essa razão, tem sido entendido que o prazo de prescrição, na situação em apreço, apenas se deve contar a partir do cumprimento, por aplicação analógica do disposto no art.º 498º, n.º 2 do Código Civil
E quanto à questão do início da contagem desse prazo de três anos em situações, como a dos autos, em que para o ressarcimento dos danos resultantes de um mesmo acidente tem lugar uma sucessão de actos de pagamento, tem sido entendido pela jurisprudência não ser aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais em função de circunstâncias aleatórias, associadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba, podendo, contudo, essa autonomização justificar-se quanto lhe esteja subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de exercício do direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro, caso em que caberá a quem invoca a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de pagamentos até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2011 e de 6-07-2023, 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; do Tribunal de Relação de Lisboa de 6-07-2023, 6029/20.5T8LSB.L2-8; de 25-10-2012, 10237/11.1T2SNT.L1-2.
Assim, apenas com a sentença proferida na acção emergente de acidente de trabalho referida em 4., transitada em julgado, ficaram definidas as prestações devidas à sinistrada por parte da entidade patronal.
Por sua vez, a responsabilidade do FAT pelo pagamento das prestações apenas surge no momento em que foi constatada a incapacidade económica do empregador para a ele proceder, ou seja, no caso em apreço, apenas com a declaração de insolvência e subsequente prolação do despacho de 20 de Abril de 2021, proferido no processo .../12, que ordenou a notificação do FAT para demonstrar a realização do pagamento de tais prestações, em substituição do devedor insolvente – cf. ponto 6. dos factos provados – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-03-2021, processo n.º 3226/17.4T8VCT.G1.
Também no que diz respeito às pensões provisórias, apenas com a sentença final condenatória proferida na acção em referência ficaram definidos os elementos constitutivos das prestações devidas à sinistrada e só a partir dessa data se conhece a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento das prestações decorrentes do acidente e, bem assim, os respectivos montantes, pelo que, também apenas nesse momento, se pode saber se as pensões provisórias vão ou não ser reembolsadas por parte de quem as adiantou e garantiu.
Daí que, quanto às prestações provisórias cujo pagamento é adiantado e garantido pelo FAT, não ocorre uma situação de imediata transmissão da obrigação por via sub-rogatória. A sub-rogação legal impõe que a obrigação exista na esfera jurídica do credor; só assim ocorre transmissão do crédito para a esfera jurídica do terceiro que cumpre a obrigação, o que depende da fixação da responsabilidade do devedor e do quantum dessa responsabilidade – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-12-2020, 29624/13.4T2SNT-Q.L1-1 e de 9-11-2021, 70/11.8TYLSB-M.L1-1.
Tendo presente a data do despacho em que foi ordenado ao FAT que procedesse ao pagamento das prestações cuja responsabilidade recaía sobre o empregador (20 de Abril de 2021) e a data da entrada em juízo da presente acção (24 de Maio de 2022) e, bem assim, a data dos pagamentos das prestações em causa resulta claro que não transcorreu, entre um momento e outro, o prazo de três anos em referência, pelo que não se verificou a prescrição do direito que o FAT pretende exercer.
Em conclusão, procede parcialmente a apelação, devendo a ré seguradora ser condenada no pagamento ao autor das quantias por este pagas e enunciadas no ponto 10. dos factos provados, na proporção da sua responsabilidade pelo acidente de viação, judicialmente fixada em 80%, ou seja, compete-lhe pagar ao autor a quantia de 123 550,27 € (cento e vinte e três mil quinhentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimos), improcedendo a acção quanto aos restantes valores peticionados.
Sobre esta quantia incidem juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, calculados desde a data da citação, momento da constituição em mora -pois só com só com a interpelação judicial foi a ré confrontada com o pedido de pagamento -, à taxa legal de 4% - cf. art.ºs 804º, 805º, n.º 1 e 806º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente e a recorrida claudicam ambos, parcialmente, quanto à pretensão trazida a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo de ambos, na proporção do respectivo decaimento.
Face ao ora decidido impõe-se ainda alterar a condenação em custas em 1ª instância, cuja responsabilidade deverá ser atribuída a ambas as partes, na proporção do decaimento33.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a. Alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:
i. Condenar a ré Zurich Insurance Europe AG – Sucursal em Portugal no pagamento ao Fundo de Acidentes de Trabalho da quantia de 123 550,27 € (cento e vinte e três mil quinhentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, calculados desde a data da citação, à taxa legal de 4%, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas na 1ª instância e na instância de recurso cargo de apelante e apelada, na proporção do respectivo decaimento.
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Lisboa, 11 de Março de 2025
Micaela Marisa da Silva Sousa
Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha
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2. Adiante designado pelo acrónimo FAT.
3. Tenha-se em conta que a excepção de ineptidão da causa de pedir foi já apreciada pelo Tribunal a quo é não constitui matéria objecto do recurso.
4. Adiante mencionado pela sigla CPC.
5. Considerando que, nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2022, 7ª Edição Atualizada, pág. 333; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468.
6. Para facilitar a exposição renumerou-se o elenco factual que se encontrava referenciado por alíneas e, simultaneamente, por referência aos pontos constantes da enunciação dos temas da prova.
7. Explicitou-se o conteúdo da decisão proferida no processo em causa, discriminando os valores em cujo pagamento a ré seguradora foi condenada e o resultado do recurso interposto da decisão de 1ª instância, com base nas certidões das respectivas decisões juntas aos autos com o requerimento de 22 de Janeiro de 2024, com a Ref. Elect. 38236397.
8. Em conformidade com o documento 1 junto com a petição inicial e sua certidão, corrigiu-se a data do despacho (Julho de 2014 e não Julho de 2008) e aditou-se o valor anual da pensão.
9. Identificou-se o processo onde foi proferido o despacho em questão e aditou-se a menção à suspensão da instância e correcção da referência a notificação do FAT e não determinação do pagamento das prestações por este.
10. Que ora se identificam por alíneas.
11. Cf. Ref. Elect. 32659980 e 40394481.
12. Cf. Artigo 25º da contestação.
13. O que se conferiu mediante a audição da respectiva gravação, posto que em acta ficou apenas consignada a conclusão da parte pela improcedência da pretensão – cf. Ref. Elect. ....
14. Diploma que aprovou o Regime Jurídico dos Documentos Electrónicos e da Assinatura Digital, actualmente revogado pelo DL n.º 12/2021, de 9 de Fevereiro.
15. Adiante designada pela sigla ASF.
16. Cf. Art.º 1.º do DL 1/2015, de 8 de Janeiro e art.º dos respectivos Estatutos por aquele aprovados.
17. Cf. Art.º 2.º, n.º 1 do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, diploma que criou o FAT.
18. Que é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável aos Estados Membros, incorporando-se automaticamente no ordenamento nacional sem necessidade de qualquer mecanismo de receção – cf. art.º 288.º do Tratado de Lisboa e artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
19. Cuja execução é hoje assegurada, no ordenamento jurídico interno, pelo DL 12/2021, de 9 de Fevereiro.
20. Cuja noção Luís Filipe Pires de Sousa entende dever ser adoptada para o definir – cf. op. cit., pág. 435.
21. Correspondente, aliás, ao art.º 3º, n.º 1 do anterior DL. 290-D/99, de 2 de Agosto.
22. Cf. Ainda neste sentido, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, ..., pág. 540.
23. Conforme decorre dos factos provados na decisão referida em 1..
24. Que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
25. Note-se, aliás, que a obrigação de caucionamento, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, recai sobre o empregador, competindo precisamente ao FAT garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável – cf. art.º 84º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e DL 142/99, de 30 de Abril.
26. Cf. No sentido da demonstração da provisão por falta de impugnação da aplicação das bases de cálculo da provisão, o que não sucede no caso, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-11-2021, 570/11.8TYLSB-M.L1-1.
27. Nos termos do art.º 665º, n.º 2 do CPC, a Relação deve conhecer das questões que o tribunal recorrido não apreciou por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio.
28. Blog IPPC Preclusão e caso julgado, entrada de 3-05-2016, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2016/05/paper-199.html
29. A pensão vitalícia fixada no processo por acidente de trabalho corresponde à redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, por lesão corporal, perturbação funcional ou doença, como resulta dos art.ºs 8º, n.º 1 e 23º, alínea b) da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro; a indemnização pelo dano biológico visa ressarcir, além da redução da capacidade de ganho, ainda as limitações funcionais do lesado, um dano que vai para além do tempo de vida activa, e o esforço acrescido no exercício das actividades profissionais e pessoais.
30. In Revista Julgar, n.º 46 Janeiro-Abril 2022.
31. Hoje com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência. Na sequência da reforma de processo civil de 1995, foi revogado o art.º 2º do Código Civil (art.º 4º, nº 2 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro) que estabelecia que “nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral”, e quanto aos assentos já proferidos passaram a ter o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos art.ºs 732º A e 732º B do C.P.Civil (art.º 17º do DL 329-A/95). Assim passaram os assentos a ter o valor dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência e como tal a obrigar os tribunais, de 1ª instância e da Relação hierarquicamente subordinados.
32. Processo n.º 066378.
33. Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 379 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”