OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
INCUMPRIMENTO
CONFISSÃO
DECISÃO JUDICIAL
EFICÁCIA EX NUNC
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário

Sumário1
I - A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado, de acordo com o disposto no artigo 356º, n.º 1 do Código Civil.
II - O reconhecimento judicial de factos não faz prova plena contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis, conforme decorre do disposto no artigo 354º, alínea b) do Código Civil, caso em que a eventual confissão será apreciada nos termos do art.º 361º do Código Civil.
III - Nos termos do artigo 2008.º, n.º 1 do Código Civil, o direito a alimentos é indisponível, no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido; mas podem ser objecto de acordo entre os interessados o modo de serem prestados, as necessidades abrangidas ou o montante da prestação pecuniária a prestar, assim como podem deixar de ser pedidos ou serem renunciadas as prestações vencidas.
IV - Atenta a natureza assistencial da obrigação de alimentos, que se destinam a ser consumidos por quem deles carece, não deve ser atribuída eficácia retroactiva à decisão judicial que reduza o valor da prestação ou determine a sua cessação, porque tal poderia colocar em risco o sustento do alimentando, subvertendo a finalidade daquela obrigação de alimentos, devendo a decisão produzir efeitos ex nunc como acção constitutiva que é.
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1. Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. artigo 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
AA deduziu contra BB o presente incidente de incumprimento da prestação de alimentos, por apenso aos autos de inibição e limitação do exercício das responsabilidades parentais, pedindo que se ordene à entidade processadora do vencimento do requerido o desconto no seu vencimento mensal, quer das prestações vincendas, quer das prestações em atraso, a remeter ao requerente através de transferência bancária para a conta com o ... e que o requerido suporte todas as despesas médicas.
Alegou o requerente, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 3490490):
• O requerido ficou obrigado a pagar ao requerente, a título de prestação de alimentos, o valor de 100,00 € mensais, o que fez, de forma não regular, entre o ano de 2000 a 2009, mas de 2010 a 2017 não pagou qualquer valor;
• No ano de 2018 pagou;
• Estão em dívida as prestações devidas de 2010 a 2017 e de Janeiro de 2019 até à data, num total de 10 700,00 €;
• O requerente é maior de idade mas ainda se encontra a estudar, não tendo completado a sua formação profissional.
O requerido apresentou alegações nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 3534041):
• É falso que não tenha procedido ao pagamento da prestação de alimentos, pois sempre pagou, através de depósito ao balcão em contas tituladas pelo requerente e, de modo esporádico, através de entrega de numerário à tutora, CC, ou vale postal emitido pelos CTT;
• Sem prejuízo do pagamento, sempre o requerente, através do requerimento de 6 de Fevereiro de 2019, admitiu e confessou que nessa data apenas não havia sido paga a pensão respeitante ao mês de Janeiro de 2019, referindo que as pensões estavam a ser pagas por vale postal;
• Além disso, a obrigação referente aos anos de 2010 a 2015 estaria prescrita, nos termos do art.º 310º, f) do Código Civil;
• No âmbito do apenso C requereu diligências para aferir se se mantêm os pressupostos de atribuição e manutenção da obrigação de alimentos, visando obter a sua cessação, o que constitui questão prejudicial à presente causa, quanto ao pedido relativo às prestações de 2019, pelo que, nessa parte, deve o presente apenso ser suspenso até que se decida essa questão;
• O requerente litiga de má-fé alegando factos que não correspondem à realidade, pelo que deve ser condenado no pagamento de multa processual e de uma indemnização ao requerido para efeito de reembolso de despesas que suportou e que venha a suportar com honorários e despesas de mandatário.
Por despacho de 22 de Janeiro de 2020 o Tribunal, constatando a pendência dos apensos C e D, em que no primeiro o requerente suscitou o incumprimento da obrigação de alimentos referente ao ano de 2019 e no segundo, o incumprimento dessa obrigação quanto aos anos de 2010 a 2017 e as de Janeiro de 2019 até à data do requerimento inicial, notificou as partes para se pronunciarem sobre a eventual verificação de litispendência e, bem assim, o requerente2 sobre as excepções deduzidas pelo requerido nas suas alegações (cf. Ref. Elect. 48139494).
Por requerimento de 19 de Fevereiro de 2020, o requerente veio refutar a verificação do pagamento, não constando dos autos qualquer comprovativo da sua realização, esclarecendo que no seu requerimento (apenso C), quando referiu receber prestações por vale postal se reportava ao que recebe do Fundo de Garantia de Alimentos, sendo que o requerimento era muito simples e apenas para informar que o progenitor deixara de pagar a prestação em Janeiro de 2019 (cf. Ref. Elect. 3619191).
Por requerimento de 20 de Fevereiro de 2020, o requerido pronunciou-se no sentido de não ocorrer a excepção de litispendência (cf. Ref. Elect. 3622311).
Em 19 de Maio de 2020 realizou-se conferência em que foi alcançado um “acordo provisório”, assumindo o requerido o pagamento da quantia mensal de 100,00 €, a partir de Junho e ainda 50,00€ a acrescer a esse montante, pagamentos efectuados a título provisório, atento que manteve o alegado na sua resposta (cf. Ref. Elect. 48523741).
Em 3 de Outubro de 2023 foi proferido despacho convidando o requerente a esclarecer a contradição quanto ao que alega no requerimento deste apenso D quanto ao não pagamento das prestações desde 2010 e aquilo que referiu no apenso A, onde mencionou que o progenitor deixou de pagar em 2017, por já ter 19 anos (cf. Ref. Elect. 54155700).
O requerente veio fazê-lo, por requerimento de 4 de Outubro de 2023, referindo que o progenitor apenas pagou no ano de 2018 e que o requerimento junto ao apenso A, com data de 17 de Outubro de 2017, foi manuscrito por si, de forma confusa, não tendo exprimido claramente o que pretendia, pelo que estão em dívida as prestações desde 2010 a 2017 e desde 2019 (cf. Ref. Elect. 5436875).
O requerido pronunciou-se alertando para a circunstância de o requerente ter estado presente na conferência realizada no apenso A, onde acordaram quanto às prestações devidas, o que foi homologado por sentença (cf. Ref. Elect. 5507247).
Realizada a audiência de julgamento, em 4 de Outubro de 2024 foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 55916061):
“1. […]
a) Julgo verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, absolvo o requerido da instância relativamente às pensões de alimentos vencidas em Outubro e Novembro de 2017;
b) Absolvo o requerido do pedido referente às pensões de alimentos de Janeiro de 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017;
c) Declaro verificado o incumprimento quanto à obrigação de prestar alimentos por parte do requerido na quantia de € 700,00 (setecentos euros), referente às prestações de Janeiro a Julho de 2019;
d) Absolvo o requerido do demais peticionado.
2 – Julgo procedente a excepção de litigância de má-fé e, em consequência:
a) Condeno o requerente como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 2 UC;
b) Condeno o requerente como litigante de má-fé no pagamento de uma indemnização ao requerido, a liquidar após o trânsito em julgado da presente sentença.
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Nos termos do art.º 297.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, fixo o valor da causa em € 10.700,00 (dez mil e setecentos euros).
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Custas por ambas as partes, na proporção de 93% para o requerente e 7% para o requerido, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.”
Inconformado com esta decisão, o requerente vem interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 5998923):
1. O processo principal, do apenso supra identificado, teve origem numa ação de inibição e limitação do exercício do poder paternal, que teve origem no extinto tribunal da .... Onde foi decretado que o ora Requerido BB e DD, mãe do Requerente, ficavam totalmente inibidos do exercício do poder paternal relativamente ao filho AA, decretado por sentença, em 28.05.2002.
2. Foi fixado em dita sentença que o requerido pagaria o valor de 75€ mensais a título de prestação de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e actualizado anualmente de acordo com I.N.E.
3. Durante 22 anos o progenitor muito esporadicamente ou quase nunca pagou dito valor. Por esse motivo deu origem a vários apensos.
4. Assim como nunca procedeu a atualizado dito valor desde 2002.
5. O Apenso A teve início por requerimento redigido a mão e assinado pelo requerente com data de 17.10.2017, dirigido ao processo 182/2000, que era o processo inicial.
6. Em dito requerimento o Requerente informa que atingiu a maioridade e que pretende que o progenitor passe a pagar a prestação de alimentos.
7. Embora confusa a exposição do pedido e sem ter sido requerido qualquer esclarecimento, pelo tribunal a quo, foi agendada a conferência nos termos do artigo 46.º, n.º 1 do RGPTC.
8. A mandatária da tutora do menor no Apenso principal, a Dra. EE, juntou procuração no apenso A mas agora a favor do requerido, o que deontologicamente não é permitido.
9. O pai confessou-se devedor dos meses aí referidos e novamente refere que o pai iria pagar a título de pensão de alimentos 100€ por mês.
10. Em nenhum momento de dito acordo é feito qualquer referência a que esteja ou não em dívida outros valores, porque não foram peticionados nesse requerimento.
11. Em 21/02/2018, o tribunal a quo, mandou desentranhar o requerimento 2519309 e autuar por apenso como incumprimento das responsabilidades parentais.
12. O apenso B teve início por requerimento, devidamente elaborado, explícito e cristalino, assinado pelo requerente AA, por incumprimento do pagamento da prestação de alimento, mas relativamente a progenitora DD. Onde a progenitora foi condenada em 24.04.2018.
13. O requerimento apresentado no dia 06.02.2019, com o número de referência 3077349, manuscrito e assinado por AA, tem explícito a indicação que é para o apenso B, ou seja, para o processo que diz respeito a progenitora DD e não de BB.
14. Acontece que o tribunal, interpretou a sua maneira, não pediu esclarecimentos e criou com tal requerimento, o Apenso C e erradamente contra o BB.
15. No referido Apenso C, o requerido foi interpelado e veio alegar: “que sempre pagou todas as prestações devidas através de vales postais, transferência e dinheiro vivo”. Por esse motivo o requerido requereu ajuda ao tribunal para requerer provas ditos pagamentos, pois nenhum único comprovativo foi junto aos autos.
16. Os CTT vieram afirmar que não tinham quaisquer comprovativos de ditas afirmações de Vales Postais, como já era de esperar-se, assim como não existiam comprovativo de quaisquer transferências bancarias. Prova mais que suficiente, qua nenhum pagamento tinha sido feito nem uma única vez através destes meios. Por esse motivo declarou depois que tinha entregado em dinheiro!!!
17. Embora a data que foi apresentado dito requerimento, que deu origem erradamente ao Apenso C, o AA já era maior de idade em 06.02.2019.
18. Sem saber o AA, que o tribunal a quo tinha erradamente criado um Apenso (Apenso C) contra o seu progenitor, pois não era essa sua intenção, e porque foi aconselhado pelo MP da ..., aquando da sua audição, numa queixa apresentada contra si pelo seu progenitor (inquérito proc. 114/18.0...), para pedir prestação de alimentos ao progenitor pois o mesmo ainda tinha direito.
Assim o tendo feito, em 20.11.2019, através de mandatário que deu origem ao Apenso D.
19. O progenitor apenas pagou acertadamente no ano de 2018, após instauração do Apenso A, que tem data de 2017. De 2010 até 2017 nunca pagou.
20. O Apenso A, a que alude a sentença, refere apenas que o pai “confessou-se devedor de outubro e novembro de 2017” e mesmo assim o tribunal a quo, absolveu-o desses dois meses, na presente decisão.
21. O tribunal decidiu erradamente, absolvendo o requerido do pagamento das pensões de alimentos de janeiro de 2010 até setembro de 2017.
22. O tribunal a quo, nem faz qualquer referência, na sentença, sobre a condenação do requerido, relativamente ao mês de Dezembro de 2017, do qual também não fez qualquer prova de pagamento, nem resulta do acordo, do qual alega caso julgado, o tribunal a quo.
23. O tribunal a quo, veio ainda considerar que a matrícula efetuada pelo Requerente, no curso de Quiromassagem, promovido pela ..., em 13 de dezembro de 2019, não pode ser integrado para efeitos do art.º 1880.º do CC, por “não existir similitude no seu conteúdo e fim”. Absolvendo o requerido dos meses de agosto até a data da decisão.
24. Considera-se assim que andou mal, o tribunal a quo, ao ter considerado que o Requerido apenas devia pagar a prestação de alimentos até julho de 2019, por não considerar que o curso de formação em que se encontrava matriculado e mais por não ter sido fundamentado devidamente tal facto, assim como não tentou o tribunal a quo saber se o Requerente precisava ou na que fosse mantida a prestação de alimentos. Devendo ser alterada dita decisão e ser pago a prestação de alimentos até a decisão proferida.
25. O requerido requereu a condenação do Requerente por litigância de má fé, quando de toda a prova junta aos autos, resulta claro quem é que litigou de clara má fé.
26. O requerimento do Apenso A, nada tem de cristalino e diz respeito a pedido de pagamento de prestação após a maioridade. Onde não existe nenhuma confissão por parte do Requerente quanto as prestações de janeiro de 2010 a dezembro de 2017.
27. Relativamente ao requerimento do Apenso C, que serviu também de condenação em litigante de má fé do Requerente, como supra se referiu dito requerimento foi dirigido pelo Requerente para o Apenso B e o tribunal entendeu juntar no Apenso C.
28. Dito requerimento era dirigido ao Apenso da mãe que era o B e não do progenitor, como fez entender o tribunal a quo Apenso C, por erro deste tribunal, não pode assim, o requerente vir a ser condenando por litigância de má fé, por erro do tribunal.
29. Fundamento que é contraditório com todo o exposto e com toda a prova junta aos autos.
30. O Requerente peticionou aquilo que lhe era devido. Pediu o pagamento de sete anos, de vinte e dois passados e foi condenando em litigância de má fé.
31. Alegando o tribunal a quo, na sua fundamentação, que era o requerente que tentava justificar o injustificável. E desta forma considerou que o requerente agiu com negligência grave. E mais grave, considerou o tribunal a quo, que o facto do requerido ter pedido provas aos CTT e as instituições financeiras durante dois anos, para provar que tinha pago, era culpa do Requerente.
32. A litigância de má-fé pressupõe assim uma atuação dolosa ou com negligência grave, consubstanciada numa dessas diversas situações. Por isso, é necessário “prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé”.
33. É preciso que a parte tenha agido “sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele”.
34. Assim sendo considera-se que o tribunal esteve mal em condenar o Requerente por litigância de má fé, por não estarem preenchidos todos os pressupostos para se considerar como tal atendendo a toda a prova produzida nos autos e nos termos supra expostos.
35. Devendo assim o Requerente ser absolvido da condenação de litigância de má fé. De todos os factos dados como provados, não resulta nenhuma fundamentação lógica com a decisão proferida pelo tribunal a quo, salvo devido respeito, uma vez que contraria toda a prova documental e fundamental para a decisão da causa.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a condenação do requerido em todos os pedidos e a sua absolvição como litigante de má-fé.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil3 é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art.º 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação do requerente/apelante, o objecto do presente recurso consiste na apreciação das seguintes questões:
a. A verificação de confissão de pagamento por parte do requerente;
b. Caso julgado quanto às pensões relativas aos meses de Outubro e Novembro de 2017;
c. Cessação da obrigação de alimentos e prestações vencidas em dívida;
d. A litigância de má-fé.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. AA nasceu em 5 de Outubro de 1998 e é filho de BB e DD.
2. No âmbito do Apenso A, em 17 de Outubro de 2017, o requerente apresentou requerimento inicial, por si assinado, com o seguinte teor:
“Apesar de já ter 19 anos, mas continuar a estudar, conforme documento junto, venho solicitar a vossa Ex.ª que o meu pai, BB, continue a me dar a pensão de alimentos. O mesmo dava 100 euros desde +/- 2010. Até à data nunca tinha dado, depois a pedido de uma advogada começou a dar em 2010, este mês deixou de dar porque já tenho 19 anos e só deu porque não sabia a minha idade.”
3. Por sentença proferida em 29 de Novembro de 2017, no âmbito do Apenso A, em que foram intervenientes o requerente e o requerido, foi homologado o seguinte acordo:
“1.º- O pai BB confessa-se devedor ao filho AA da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensões de alimentos referentes aos meses de Outubro e Novembro de 2017, obrigando-se a pagar a mesma até ao dia 8 de Dezembro de 2017.
2.º- O pai pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 100,00 (cem euros) até dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária para a conta bancária já indicada pelo requerente.”
4. No âmbito do Apenso C, em 6 de Fevereiro de 2019, o requerente apresentou requerimento inicial, por si assinado, com o seguinte teor:
“1.º O meu pai BB no mês de Janeiro não depositou a pensão de alimentos.
2.º Informar que mudei de morada, passei a residir (…), até porque recebo o vale de pensão de alimentos pelos correios na anterior morada, solicito a alteração da mesma.”
5. O requerente, no ano lectivo 2018/2019, frequentou e concluiu com aproveitamento o Curso de Educação e Formação de Adultos, de nível secundário, tipologia B, no período compreendido entre 17 de Setembro de 2018 e 11 de Julho de 2019.
6. Em 13 de Dezembro de 2019, o requerente matriculou-se no curso de quiromassagem, da ... – ..., assinalando na sua condição actual perante o trabalho “desempregado”, “à procura do 1.º emprego”.
7. Este curso tem uma carga horária de 100 horas, de 2.ª a 5.ª feira das 19:30 às 23:00.
Considerando que, nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto4, procede-se ao aditamento do seguinte, com base na documentação junta aos autos:
8. Conforme ofício aos autos que constituem o apenso C, pela Secretaria Regional de Educação, de 13 de Junho de 20195, o requerente esteve matriculado nas seguintes escolas:
- 2015/16 – ..., Curso de Educação e Formação (CEF) de operador de fotografia;
- 2016/17 e 2017/18 – Escola Profissional Cristóvão Colombo, Curso Profissional de Técnico de Auxiliar de Saúde,
- 2018/2019 – ..., Curso de ... – ... – Tipo A.
9. O curso referido em 5. Conferiu ao requerente equivalência ao 12º ano de escolaridade e o nível 3 de Qualificação do Quadro nacional de qualificações6.
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O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto:
a. a- O requerido pagou pensões de alimentos no ano de 2019.
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3.2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da confissão de pagamento
Transcorridas as alegações do presente recurso e efectuando a sua interpretação, percebe-se que o recorrente se insurge contra a decisão na parte em que absolveu o requerido do pedido referente às prestações de alimentos de Janeiro de 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017, considerando que se verificava o seu pagamento, atenta a confissão do primeiro.
O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, nesse segmento, nos seguintes termos:
“No âmbito do Apenso A, o requerente, em 17 de Outubro de 2017, apresentou requerimento inicial com o seguinte teor:
Apesar de já ter 19 anos, mas continuar a estudar, conforme documento junto, venho solicitar a vossa Ex.ª que o meu pai, BB, continue a me dar a pensão de alimentos. O mesmo dava 100 euros desde +/- 2010. Até à data nunca tinha dado, depois a pedido de uma advogada começou a dar em 2010, este mês deixou de dar porque já tenho 19 anos e só deu porque não sabia a minha idade.”
Correu ainda termos o processo de incumprimento das responsabilidades parentais, sob o Apenso C, no qual, em 6 de Fevereiro de 2019, o requerente apresentou requerimento inicial com o seguinte teor:
“1.º O meu pai BB no mês de Janeiro não depositou a pensão de alimentos.
2.º Informar que mudei de morada, passei a residir (…), até porque recebo o vale de pensão de alimentos pelos correios na anterior morada, solicito a alteração da mesma.”
Tais requerimentos foram assinados pelo próprio requerente, tendo, ainda, o mesmo comparecido na conferência de pais realizada em cada um dos apensos.
Nos termos do art.º 352.º do Código Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Segundo o art.º 355.º, n.º 1, do mesmo código, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial.
A confissão judicial é, de acordo com o art.º 355.º, n.º 2, do Código Civil, aquela que é feita em juízo. Concretiza o n.º 3, desta norma, que a confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento cautelar ou incidental só vale como confissão na acção judicial correspondente.
Nos termos do art.º 356.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado.
No caso em análise, resulta dos dois requerimentos iniciais apresentados e subscritos pelo próprio requerente, ambos concordantes entre si, que este confessou o pagamento das pensões de alimentos devidas até Dezembro de 2018.
Deste modo, resta concluir pela procedência da excepção invocada, de pagamento por confissão, absolvendo o requerido do pedido referente às pensões de alimentos de Janeiro de 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017.”
O Tribunal considerou, deste modo, ter ocorrido uma confissão judicial espontânea por parte do requerente, pelas seguintes razões:
1. O requerente apresentou, em 17 de Outubro de 2017, requerimento por si subscrito, que originou o Apenso A (alimentos a filho maior, nos termos do art.º 989º, n.º 1 do CPC), onde referiu que o progenitor, requerido, começou a pagar a pensão em 2010, mas naquele mês, ou seja, em Outubro de 2017, deixou de pagar por o filho já ter 19 anos de idade;
2. Em 6 de Fevereiro de 2019, novamente em requerimento por si subscrito, o requerente informou que o pai não depositou a pensão de alimentos do mês de Janeiro;
3.Da conjugação destes requerimentos decorre que o requerente admitiu ou confessou ter recebido as pensões referentes aos anos de 2010 a Dezembro de 2018.
O recorrente discorda deste entendimento pela seguinte ordem de argumentos:
i. O requerimento que deu origem ao apenso A foi por si redigido de modo confuso, sem que o tribunal tivesse requerido qualquer esclarecimento, tendo reclamado apenas as prestações referentes aos meses após a sua maioridade, por pensar que não podia exigir as anteriores;
ii. O requerimento apresentado em 6 de Fevereiro de 2019 estava expressamente dirigido ao apenso B (incumprimento das responsabilidades parentais, referente à progenitora DD), pelo que não deveria ter dado origem a um novo apenso, o C (incumprimento referente ao progenitor), sendo que naquele apenso B ficou determinado o desconto mensal de 33,74 € pela Segurança Social, no rendimento de reinserção social auferido pela progenitora, que aquele recebia por vale postal, devendo os vales postais serem remetidos para a nova morada;
iii. No apenso C o requerido alegou que sempre pagou as prestações através de vales postais, transferência e dinheiro, sendo que nenhum comprovativo foi junto aos autos, nem na sequência das diligências efectuadas pelo tribunal junto dos CTT e da instituição bancária onde o requerente tem conta bancária;
iv. Quando foi aconselhado que tinha direito às prestações em atraso, então apresentou o requerimento de 20 de Novembro de 2019, que deu origem ao presente apenso D e onde referiu que o progenitor apenas pagou as prestações do ano de 2018, sendo que de 2010 a 2017 nada pagou.
O apelante começa por colocar em crise a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido quanto àquilo que consignou nos dois requerimentos por si subscritos e apresentados em juízo em 17 de Outubro de 2017 e 6 de Fevereiro de 2019, justificando o que ali escreveu, quer com o seu desconhecimento daquilo que lhe era devido, quer com o facto de o próprio Tribunal, perante a pouca clareza do requerimento, não lhe ter dirigido um pedido de esclarecimento; acrescenta ainda que o requerimento de 6 de Fevereiro de 2019 era dirigido ao apenso B, não pretendendo originar uma novo apenso de incumprimento quanto ao progenitor.
Tem sido entendido pela jurisprudência que na interpretação das peças processuais (articulados e decisões judiciais) são aplicáveis, por força do disposto no art.º 295º do Código Civil7, os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art.º 236.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes da peça processual, para o que se deve ainda lançar mão do princípio, aplicável aos negócios formais, do mínimo de correspondência verbal, isto é, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – cf. art.º 238.º, n.º 1 do Código Civil.
É também entendimento pacífico que a interpretação deve orientar-se pela máxima da prevalência do fundo sobre a forma de modo a que se afira aquilo que é efectivamente pretendido pelas partes no processo apesar das eventuais incorrecções formais – cf. neste sentido, acórdãos dos Tribunais da Relação de Guimarães de 31-10-2019, 4180/18.0T8BRG.G1 e da Relação do Porto de 27-10-2016, 3822/12.6TBGDM.P1.8
Note-se que da conjugação do disposto nos art.ºs 236º e 238º do Código Civil, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real (atende-se “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”9), salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário).
Para uma adequada interpretação dos requerimentos apresentados pelo requerente importa considerar os seguintes dados que emergem dos autos:
• Os autos principais correspondem a uma acção de inibição do exercício das responsabilidades parentais intentada por FF contra BB e DD, pais de AA, que culminou numa sentença, proferida em 28 de Maio de 2002, em que aqueles foram inibidos do exercício do poder paternal relativamente ao filho AA, sendo o requerido BB condenado a pagar uma contribuição mensal de 75,00 € a título de prestação de alimentos devidos ao filho e a requerida DD condenada a pagar a quantia mensal de 25,00 € a esse título;
• Apenas em 17 de Outubro de 2017, o requerente, AA, então já com 19 anos de idade (nasceu a 5 de Outubro de 1998), apresentou o requerimento acima referido em que, dizendo que apesar de já ter 19 anos, mas porque continua a estudar, requereu, expressamente, “que o meu pai BB, continue a me dar a pensão de alimentos”, acrescentando que este “dava 100 euros desde +- 2010 até a data nunca tinha dado, depois a pedido de uma advogada começou a dar em 2010” tendo deixado de o fazer “este mês” [ou seja, em Outubro de 2017], porque o filho já tinha 19 anos;
• Tendo tal requerimento originado o apenso A, foi ali agendada conferência para 29 de Novembro de 2017, nos termos do art.º 46º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível10 ex vi art.º 989º do CPC, a que compareceram os ilustres mandatários do requerente e do requerido, estes ambos ausentes, em que o progenitor confessou dever ao filho BB a quantia de 200,00 €, referente à pensão de alimentos dos meses de Outubro e Novembro de 2017, obrigando-se a pagá-la até o dia 8 de Dezembro de 2017, assim como a pagar 100,00 € mensais, até ao dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária para a conta do requerente;
• Em 8 de Fevereiro de 2018, o requerente apresentou novo requerimento, por si subscrito, referindo estar a estudar e que a progenitora nunca pagou qualquer prestação, pedindo que a pensão de alimentos fosse paga pelo Fundo de Garantia de Alimentos, em substituição do progenitor, que nunca pagou qualquer prestação;
• Por decisão proferida no apenso B, em 4 de Junho de 2018, foi determinado que o Instituto de Segurança Social IP, Centro Distrital de Aveiro, procedesse ao desconto mensal da quantia de 33,74 € ao rendimento social de inserção auferido por DD, a vencer até ao dia 8 de cada mês, que deverá ser directamente depositada na conta bancária indicada por AA, devendo ainda proceder ao desconto da quantia de 50,00 €, em acréscimo à pensão determinada, até perfazer a quantia em dívida de 5 743,76 €11;
• Posteriormente, a solicitação do Tribunal, esclareceu, por requerimento de 15 de Março de 2018, agora subscrito pelo seu mandatário, que pretendia que o Fundo pagasse a prestação em substituição da sua progenitora, que nunca a pagou, acrescentando: “ao contrário do progenitor (pai) que tem pago a prestação de alimentos”;
• Em 6 de Fevereiro de 2019, o requerente apresenta novo requerimento, dirigido, efectivamente, ao processo n.º 5476/17.4...-B, por si subscrito, informando que o pai, BB, “no mês de Janeiro não depositou a pensão de alimentos” e, além disso, informou a sua mudança de residência, solicitando a alteração desta, pois que recebe “o vale da pensão de alimentos pelos correios na anterior morada”.
Tendo em conta este conjunto de elementos é possível afirmar, com segurança, que em Outubro de 2017, quando o requerente era já maior de idade, apresentou um requerimento em que manifestou a pretensão, não de que o seu progenitor pagasse as prestações anteriores em falta, mas que, apesar de ter completado 19 anos de idade, estando ainda a estudar, aquele continuasse a pagar a pensão fixada.
Como é evidente, não colhe a argumentação do recorrente quando refere que não tinha conhecimento e que redigiu o requerimento de modo confuso, não tendo sabido explicar-se (é o que parece pretender dizer) e convencido que apenas poderia reclamar as prestações referentes aos meses posteriores à sua maioridade, pois que, se assim fosse e nada tivesse sido pago pelo progenitor desde 2010 até 2017, então não se perceberia, primeiro, por que razão não indicou logo que, desde 2010, não recebia nada e, em segundo lugar, mesmo admitindo que estava convencido de que apenas poderia reclamar as prestações vencidas posteriormente à sua maioridade, por que não reclamou as pensões vencidas desde 5 de Outubro de 2016, data em que completou 18 anos.
Assim, a referência constante do requerimento de 17 de Outubro de 2017, mês em que completou 19 anos de idade, não pode deixar de ser interpretada no sentido de que, tal como ali expressamente referiu o apelante, o progenitor vinha pagando as pensões desde cerca de 2010, altura em que teria começado a pagar na sequência da intervenção de uma senhora advogada e que apenas naquele mês em que apresentou o requerimento tinha deixado de pagar, por se ter apercebido que o filho já tinha 19 anos de idade (note-se que o requerente esclarece ainda que o pai teria pago até então, precisamente por desconhecer a sua idade).
Já no que concerne ao facto de o requerente ter dirigido o requerimento de 6 de Fevereiro de 2019 ao apenso B para informar acerca da mudança da sua morada, para efeitos de recebimento do vale da pensão através dos CTT, o que, embora não tenha explicado, se reportaria ao pagamento/desconto efectuado pela Segurança Social no subsídio recebido pela progenitora para cumprimento da prestação de alimentos devida por esta, certo é que nesse mesmo requerimento informa que o pai não pagou a pensão de Janeiro de 2019, o que, naturalmente, configura uma comunicação de incumprimento da obrigação de alimentos, justificando-se a abertura do apenso C.
Mesmo admitindo que a alusão efectuada pelo requerente ao recebimento do vale das pensões se referia ao montante que recebia através da Segurança Social e não ao que era pago pelo progenitor, sempre se teria de relevar o facto de, como já anteriormente referido, ter afirmado em Outubro de 2017 que o pai, apenas nessa data deixou de pagar e de, nesse mesmo requerimento, ter comunicado apenas a falta de pagamento referente ao mês de Janeiro de 2019, num momento em que, certamente, esclarecido sobre o âmbito das prestações a que tinha direito, já teria tido oportunidade para reclamar todas as demais se não houvessem sido pagas.
Assim, outra interpretação não há que retirar do teor de tais requerimentos que não a de que o requerente admitiu estarem pagas as prestações até Setembro de 2017.
A natureza jurídica da confissão (meio de prova) tem sido discutida, referindo Pires de Lima e Antunes Varela, que deve ser tida como um acto jurídico (uma declaração de ciência), sujeita ao regime fixado no art.º 295º do Código Civil – cf. Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; no mesmo sentido, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo IV, 2007, pág. 490.
Corresponde ao “reconhecimento da realidade dum facto (passado, ou presente duradoiro) desfavorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse” – cf. José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Actualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 471.
A confissão judicial só tem o valor de prova plena quando reduzida a escrito – cf. art.ºs 463º, n.º 1 do CPC e 358º, n.º 1 do Código Civil; cf. acórdãos dos Tribunais da Relação de Évora de 12-04-2018, 1004/16.7T8STR.E1 e da Relação de Guimarães de 31-10-2019, 33627/18.4YIPRT.G1.
A confissão extrajudicial terá força probatória plena quando conste de documento, autêntico ou particular (subscrito pelo confitente), e seja feita à parte contrária ou a quem a represente – cf. art.º 358º, n.º 2 do Código Civil.
Para além de tais pressupostos, é necessário que se verifiquem ainda os requisitos de capacidade e de legitimidade, previstos no art.º 353º do Código Civil.
A confissão que não seja escrita ou, sendo judicial, não seja reduzida a escrito, bem como a confissão extrajudicial a que falte o requisito da direcção à parte contrária, está sujeita à livre apreciação do julgador.
A força probatória plena da confissão vale, pois, apenas para a confissão simples, em que a parte se limita a confessar o facto desfavorável, sem mais, e que favorece a parte contrária (cf. art.ºs 352º e 356º, n.º 2 do Código Civil), mas já não para a confissão complexa ou para a confissão qualificada.
No âmbito do processo civil, a confissão judicial, ou seja, a que é feita num processo, só vale como judicial nesse processo, estando, assim, com essa qualidade, subtraída à eficácia extraprocessual – cf. art.º 355º, n.º 3 do Código Civil.
Como se refere na decisão recorrida, a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado – cf. art.º 356º, n.º 1 do Código Civil. O que significa que pode ter lugar, na fase dos articulados, por mandatário com poderes gerais – cf. art.º 46º do CPC; cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, CIDP, 2020, pág. 1033.
Na situação em apreço, importa, porém, acrescentar, atenta a natureza do direito que aqui está em causa – direito a alimentos -, que o reconhecimento judicial de factos, não faz prova plena contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis, conforme decorre do disposto no art.º 354º, b) do Código Civil, caso em que a eventual confissão será apreciada nos termos do art.º 361º do Código Civil, ou seja, o reconhecimento vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.
Estando em causa factos relativos a direitos indisponíveis, como ocorre em matéria de alimentos (cf. art.º 2008º do Código Civil).
No entanto, o legislador não pretendeu estender a proibição total da confissão a todos os factos alegados no âmbito de uma acção em que se discutam direitos indisponíveis, mas tão-só àqueles em que a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretenda obter. Isto é, o que se pretendeu foi impedir que nas relações subtraídas à disponibilidade das partes, estas pudessem conseguir indirectamente um efeito jurídico que não podiam produzir extrajudicialmente através de negócio jurídico. (cf. nesse sentido, os art.ºs 484º e 485º, c) do CPC).
Nos termos do art.º 2008.º, n.º 1 do Código Civil, o direito a alimentos é indisponível. Contudo, é indisponível no sentido de que não pode ser renunciado ou cedido, o que se justifica por terem por fim a satisfação de necessidades irrenunciáveis.
Tal não significa, porém, que não ser objecto de acordo quanto ao modo de serem prestados, quanto às necessidades abrangidas ou quanto ao montante da prestação pecuniária a prestar pelo devedor de alimentos, aspectos que podem ser objecto de acordo entre os interessados – cf. art.ºs 2005º, n.º 1 e 2006º do Código Civil; art.º 936º, n.º 3 do CPC e art.º 47º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível12 ex vi art.º 989º do CPC – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da relação de Coimbra de 8-07-2021, processo 1880/17.6T8CBR-B.C1.
Ademais, o art.º 2008º, n.º 1 do Código Civil admite que os alimentos possam deixar de ser pedidos e que se possa renunciar a prestações vencidas, dado que, neste último caso, tendo o alimentado sobrevivido sem essa assistência, sempre essa renúncia, a existir, não determinaria a oneração de outras pessoas, nem do Estado.
Assim, apesar da indisponibilidade da obrigação de alimentos, a vontade do requerente é, no caso, eficaz para produzir o efeito jurídico, ou seja, a sua afirmação do facto pagamento relativamente a prestações vencidas incide sobre uma questão da relação jurídica de obrigação alimentar que não está subtraída à sua vontade, pelo que a confissão tem força probatória plena.
Em face do anteriormente descrito, o próprio requerente, maior de idade, com os requerimentos analisados, confessou ter recebido as prestações de alimentos que lhe eram devidas desde 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017, pelo que nada há a apontar à conclusão vertida na decisão recorrida, que considerou o pagamento demonstrado por confissão e, em conformidade, absolveu o requerido quanto ao pedido de pagamento das pensões em referência.
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3.2.2. Do caso julgado quanto às pensões relativas aos meses de Outubro e Novembro de 2017
Quanto às pensões de Outubro e Novembro de 2017, o tribunal recorrido decidiu o seguinte:
“Por sentença proferida em 29 de Novembro de 2017, no âmbito do Apenso A, em que foram intervenientes o requerente e o requerido, foi homologado o seguinte acordo:
1.º- O pai BB confessa-se devedor ao filho AA da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensões de alimentos referentes aos meses de Outubro e Novembro de 2017, obrigando-se a pagar a mesma até ao dia 8 de Dezembro de 2017.
2.º- O pai pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 100,00 (cem euros) até dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária para a conta bancária já indicada pelo requerente.”
Dispõe o art.º 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que:
“As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa (…); se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção de caso julgado.”
Para que se possa afirmar que se repete uma causa é necessário, conforme exposto no art.º 581.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que estejamos perante uma “(…) acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.”
No presente caso, não há qualquer dúvida acerca da verificação desta tríplice identidade.
Com efeito, quer a presente acção, quer o Apenso A, se reportam a alimentos referentes ao requerente.
No Apenso A o requerente invoca o incumprimento a partir de Outubro de 2017, tendo sido proferida sentença, transitada em julgado, nos termos da qual foi declarado verificado o incumprimento do requerimento relativamente às prestações de alimentos de Outubro e Novembro de 2017.
Neste seguimento, concluímos que a presente acção configura uma repetição parcial da acção que correu termos neste tribunal e que constitui o Apenso A destes autos, na qual já foi proferida sentença transitada em julgado, pelo que se encontra verificada a excepção de caso julgado relativamente às prestações de alimentos vencidas em Outubro e Novembro de 2017.
O caso julgado configura uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 577.º, alínea i), e 578.º do Código de Processo Civil, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, conforme exposto no art.º 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, julgo verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, absolvo o requerido da instância relativamente às pensões de alimentos vencidas em Outubro e Novembro de 2017.”
O apelante discorda da absolvição da instância relativamente aos valores atinentes à pensão dos meses de Outubro e Novembro de 2017, porque o próprio requerido se confessou devedor desses montantes, nunca tendo sido feita prova do seu pagamento, sem efectuar qualquer referência ao mês de Dezembro, que resulta do acordo.
O recorrente não dirige os seus argumentos contra os fundamentos subjacentes à constatação efectuada na decisão de verificação de caso julgado, pretendendo antes demonstrar que aquelas prestações, apesar do acordo alcançado no apenso A, não foram pagas.
Como se menciona na decisão recorrida, o art.º 577º, i) do CPC classifica o caso julgado como uma excepção dilatória, ou seja, a verificar-se, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância - cf. art.º 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
A excepção do caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – cf. art.º 580º, n.º 2 do CPC.
Como refere o Professor Alberto dos Reis “[] o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal”13, sendo que em ambas as funções, por princípio, são necessárias as três identidades mencionadas no art.º 581º do CPC.
O art.º 619º, n.º 1 do CPC estabelece que transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do mesmo diploma legal, de onde decorre que, efectivamente, é sempre necessário que ocorra a tríplice identidade acima mencionada.
As sentenças constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam – cf. art.º 621º do CPC.
É sabido que em sede de processos de jurisdição voluntária, como é o caso, a decisão proferida pode sempre ser alterada, em função de circunstâncias supervenientes - cf. art.ºs 3º, d) e 12º do RGPTC e art.ºs 988º, n.º 1 e 989º do CPC.
Os processos de jurisdição voluntária regem-se pelos princípios fundamentais do inquisitório, no domínio da instrução do processo (cf. art.º 986º do CPC), pelo predomínio dos critérios da equidade sobre os critérios de legalidade estrita (art.º 987º), pela livre modificabilidade das decisões (resoluções) ou providências de jurisdição voluntária (art.º 988º, n.º 1), pela inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, que não sejam, pois, de mera legalidade (art.º 988º, n.º 2) – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, 2ª Edição, pág. 148.
A revogabilidade das resoluções proferidas nos processos de jurisdição voluntária não significa que em tais processos não se forma o caso julgado (que ocorre nos exactos termos previstos nos art.ºs 620º e 621º do CPC), mas apenas que o caso julgado não reveste a característica da irrevogabilidade. Ou seja, qualquer resolução pode ser livremente alterada, embora haja transitado em julgado – cf. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, 1982, pág. 403.
Também em sede de processo de jurisdição voluntária a formação de caso julgado, deve ser aferida em função dos mesmos termos aplicáveis no contexto do processo contencioso.
Ora, neste caso, tendo em conta que o requerente abrangeu no seu pedido as prestações atinentes aos meses de Outubro e Novembro de 2017, cuja dívida, foi, efectivamente, confessada pelo requerido no apenso A, aquilo que o Tribunal recorrido apreciou não foi se aquelas foram ou não pagas, mas sim, situando-se num momento anterior, qual o efeito da decisão proferida naquele apenso sobre o pedido deduzido neste apenso D, para concluir que, verificados os pressupostos da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a questão atinente à falta de pagamento daquelas duas concretas prestações já fora apreciada, por decisão transitada em julgado, o que é, efectivamente, o caso.
O progenitor assumiu, no apenso A, que pagaria tais prestações até o dia 8 de Dezembro de 2017 e as seguintes até ao dia 8 de cada mês. Se o pagamento daquelas duas prestações não ocorreu no prazo acertado deveria o requerente ter suscitado esse incumprimento, mas não deduzir nova pretensão no sentido de serem elas devidas por aquele, o que já está estabilizado nos autos.
Quanto ao mês de Dezembro de 2017, foi abrangido, expressamente, no âmbito da demonstração do pagamento por confissão.
Nada há, pois, a alterar na decisão recorrida, também neste segmento.
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3.2.3. Da cessação da obrigação de alimentos e das prestações vencidas em dívida
Em face do decidido quanto às demais prestações, resta apreciar o incumprimento relativo às prestações de alimentos referentes ao ano de 2019 e a pretensão formulada pelo requerente de que estas e as vincendas fossem pagas pelo requerido.
Quanto a este ponto, a 1ª instância, tendo em conta que o apelante, maior de idade, no ano lectivo 2018/2019 frequentou e concluiu com aproveitamento o Curso de Educação e Formação de Adultos, de nível secundário, tipologia B, no período compreendido entre 17 de Setembro de 2018 e 11 de Julho de 2019, considerou que não existiam dúvidas de que a pensão de alimentos era devida até ao mês de Julho de 2019, pois que até essa data aquele se mantinha em formação.
Todavia, não obstante o facto de em 13 de Dezembro de 2019 o requerente se ter matriculado no curso de quiromassagem, da ... P. – ..., onde assinalou se encontrar “desempregado”, “à procura do 1º emprego”, considerou que não estava já em causa a conclusão da sua formação profissional, daí que a obrigação de alimentos não fosse devida a partir de Agosto de 2019, o que fundamentou do seguinte modo:
“Inexistem dúvidas de que, até Julho de 2019, é devida a pensão de alimentos ao requerente, dado que estamos no âmbito da sua formação.
A questão que se levanta e que cumpre apreciar é se a frequência do curso de quiromassagem integra o conceito de conclusão da formação profissional para efeitos do disposto no art.º 1880.º do Código Civil.
Conforme referido, para que a obrigação de alimentos se mantenha é indispensável que o filho demonstre não ter ainda completado a sua formação profissional.
Ora, considera-se que a frequência de um curso de quiromassagem, com uma carga horário de 100 horas, de 2.ª a 5.ª feira das 19:30 às 23:00, promovido pela ... – ... não assume uma natureza de continuidade face à conclusão do ensino secundário e curso profissional concluído no ano escolar de 2018/2019.
A admitir-se tal como formação profissional para os efeitos do art.º 1880.º do Código Civil a obrigação de prestação de alimentos pelo progenitor poderia manter-se indefinidamente. Bastaria para tanto a sucessiva inscrição em cursos de formação profissional, ainda que sem qualquer similitude no seu conteúdo e fim.
A própria norma impõe que a obrigação de alimentos apenas se mantém pelo “tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”, não se vislumbrando, perante este curso, qualquer completude da formação profissional obtida no ano escolar de 2018/2019.
Aliás, veja-se que o próprio requerente se inscreveu em tal curso assinalando na sua condição actual perante o trabalho “desempregado”, “à procura do 1.º emprego”.
Nestes termos, a obrigação de prestar alimentos apenas se manteve até Julho de 2019, cessando a partir desta data.
Nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, competia ao requerido a prova do pagamento destas pensões de alimentos, o que o mesmo não logrou.
Logo, tendo-se mantido o direito a alimentos até Julho de 2019, conclui-se pelo valor em dívida de € 700,00 (setecentos euros), referente às prestação de alimentos vencidas desde Janeiro a Julho de 2019.”
O recorrente discorda deste entendimento referindo que o direito a alimentos do filho não cessa, automaticamente, apenas pelo facto de não ter ultimado a sua formação profissional, mas apenas se essa falta se ficar a dever a culpa grave sua, para além do que a prestação até se pode manter durante toda a vida, sempre e na medida em que se justifique, não fazendo sentido que o Tribunal considere que o curso em referência não integra a formação prevista no art.º 1880º do Código Civil, pelo que deve o requerido ser condenado no pagamento da prestação de alimentos até à decisão proferida.
Este apenso D corresponde a um incidente de incumprimento da obrigação de alimentos por parte do progenitor (inicialmente fixada em sede de acção de inibição do exercício das responsabilidades parentais, enquanto o requerente era menor de idade e posteriormente alterada, já quando o filho era maior14), que foi tramitado nos termos do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC15.
De acordo com o disposto no art.º 989º do CPC, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores, nos termos dos art.ºs 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
No presente caso, tendo sido fixada a prestação de alimentos quando o requerente era menor, atingida a maioridade, tendo o progenitor deixado de pagar a prestação, aquele veio requerer a manutenção do pagamento da prestação, por não ter ainda concluído a sua formação profissional, no que obteve provimento, como atrás referido.
Entretanto, invocando a falta de pagamento das prestações devidas, para o que agora interessa, desde Janeiro de 2019, deduziu o presente incidente de incumprimento para obter o pagamento das prestações em falta e, bem assim, as prestações vincendas.
Tal como sucede com o regime das responsabilidades parentais, que abrange também a obrigação de alimentos, a decisão de fixação de alimentos a filho maior pode ser objecto de alteração, seja para redução ou cessação, o que deve ser obtido em processo autónomo, que segue a tramitação prevista nos art.ºs 45º a 47º do RGPTC ex vi art.º 989º, n.º 1 do CPC.
Os incidentes de incumprimento e de alteração do regime constituem procedimentos diversos, com distinta natureza e finalidade, sendo direccionado, o primeiro, para a correcção de situações em que o regime fixado se encontra em incumprimento, tendo por objecto e função a determinação quanto ao âmbito desse incumprimento e o estabelecimento de medidas tendentes ao cumprimento, designadamente através de meios coercivos e, o segundo, é decorrente da verificação de circunstâncias supervenientes que imponham alteração ao já estabelecido.
Assim, quer o incumprimento, quer a alteração, correndo por apenso aos autos onde foi fixada a obrigação, não deixam de constituir processos autónomos, com objecto e finalidade diversos, não devendo regular-se num as matérias que respeitam ao outro, sob pena de confusão dos objectos processuais.
Como tal, à partida, não se deve aproveitar o processo de incumprimento, onde apenas se deve cuidar de determinar quanto ao âmbito do concreto incumprimento ocorrido e às medidas tendentes ao respectivo cumprimento, designadamente em termos coercivos/executórios, para regular matérias que se prendam já com a alteração do regime dos alimentos.
No que concerne aos alimentos devidos a filho maior está hoje assente16 que os progenitores são responsáveis pelo pagamento de alimentos aos filhos mesmo após os 18 anos, desde que estes ainda não tenham completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente necessário para o fazer, desde que seja razoável exigir ao progenitor aquela obrigação – cf. art.ºs 1874.º, n.º 2, 1878.º, n.º 1 e 1880.º do Código Civil.
Além disso, o actual n.º 2 do art.º 1905º do Código Civil dispensa o filho maior de alegar e provar não ter ainda completado a sua formação profissional e de estarem reunidos os demais pressupostos do art.º 1880.º do mesmo diploma legal, até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor não convivente, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática.
É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar – cf. J. H. Delgado de Carvalho, in O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9, pág. 317.
Esta cessação por via de alteração das circunstâncias que presidiram à fixação da regulação inicial, deve ser suscitada e desenvolvida no quadro do processo (apenso) que lhe corresponde legalmente (cf. art.º 45º e seguintes do RGPTC), e não no apenso de incumprimento.
Não obstante isso, notificado do requerimento de incumprimento apresentado pelo requerente em 20 de Novembro de 2019, que deu origem ao presente apenso D, o requerido veio alegar suscitando, entre as demais excepções deduzidas, a verificação dos pressupostos para a cessação da obrigação de alimentos, considerando o facto de o requerente ter terminado a sua formação profissional, requerendo diligências no sentido de comprovar essa circunstância.
De notar também que o requerido formulou expressamente um pedido de cessação da obrigação de alimentos no âmbito do apenso C, quando notificado do requerimento de 6 de Fevereiro de 2019, em que o filho comunicou a falta de pagamento da prestação de Janeiro de 2019 (sucede, porém, que este apenso veio a ser arquivado, conforme despacho de 24 de Junho de 2020).
Ora, na decisão final proferida neste apenso D agora impugnada, o Tribunal recorrido acabou por apreciar não apenas o incumprimento das prestações vencidas, mas também a manutenção ou não da obrigação de alimentos, face à maioridade do filho e ao termo do seu processo de educação ou formação profissional.
Tendo em conta a posição assumida pelo progenitor e a pretensão que nessa sede formulou, ainda que em resposta ao requerimento de pagamento das prestações em falta e, bem assim, a menor formalidade de soluções/trâmites aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária, dado que o requerente nas suas alegações de recurso apenas se insurge quanto ao conteúdo da decisão e não quanto ao facto de a eventual cessação da obrigação de alimentos aqui ter sido apreciada, crê-se que é possível manter-se essa apreciação.
Certo é que, perante a pretensão de cessação da obrigação de alimentos deduzida pelo progenitor, não foi propriamente desencadeada a tramitação a que aludem os art.ºs 45º e seguintes do RGPTC.
Todavia, o requerente não só teve oportunidade de se pronunciar sobre essa matéria, como produziu a prova que entendeu pertinente18, pelo que se deve ter por cabalmente cumprido o exercício do contraditório, tendo havido lugar a conferência (com a estipulação de um acordo provisório) e a audiência final, pelo que não se mostram afectadas as garantias de defesa que teriam lugar caso a questão tivesse sido tratada, com autonomia, em sede de acção para cessação da obrigação de alimentos – cf. no sentido da adequação em sede processo de jurisdição voluntária, do conhecimento de outras questões, desde que garantido o exercício do contraditório, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8-07-2021, 1545/18.1T8FIG-J.C1.
Daí que, na ausência de argumentação recursória dirigida contra tal opção e afigurando-se suficiente e adequado, em equidade, o “critério de julgamento” adoptado, à luz do estatuído no art.º 987º do CPC, entende-se ser de prosseguir com a apreciação suscitada em sede de recurso.
Como já referido, fixada a pensão de alimentos, o progenitor é responsável pelo seu pelo pagamento mesmo após os 18 anos do filho, desde que este ainda não tenha completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente necessário para o fazer.
O requerente/apelante completou 18 anos de idade em 5 de Outubro de 2016.
No entanto, apenas no ano lectivo de 2018/2019 frequentou e concluiu o Curso de Educação e Formação de Adulto, que terminou em 11 de Julho de 2019 – cf. ponto 5.
Posteriormente, em Dezembro de 2019 matriculou-se no curso de quiromassagem, qualificando-se a si próprio, conforme folha de matrícula que preencheu, como desempregado, à procura de primeiro emprego.
Do art.º 1905º, n.º 2 do Código Civil decorre um limite objectivo para a percepção da pensão, ou seja, o completar os 25 anos de idade.
À data da maioridade, o recorrente ainda não havia concluído a sua formação, daí que se tenha mantido a prestação de alimentos, entretanto, fixada em 100,00 € mensais.
Porém, ainda antes de completar os 25 anos de idade, o filho maior pode deixar de ter direito à prestação de alimentos se já tiver concluído a sua educação ou formação profissional ou a tiver livremente interrompido ou ainda se for feita prova da irrazoabilidade da exigência dessa prestação.
O recorrente terminou a formação profissional referida em 5., o que lhe conferiu equivalência ao 12º ano de escolaridade – cf. ponto 9. dos factos provados.
Ao recorrente incumbia apenas provar os pressupostos dos art.ºs 1880º e 1905º, n.º 2 do Código Civil, sem a necessidade de demonstrar a quantificação dos alimentos educacionais, o que fez.
Todavia, aferidos tais pressupostos, impõe-se analisar as demais circunstâncias vertentes no caso e ponderá-las pelo critério da razoabilidade e da normalidade, pois a obrigação apenas se mantém “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
A cláusula do razoável deve ser densificada por factores objectivos (atinentes às condições económicas do jovem maior e dos progenitores) e por factores subjectivos (condições pessoais ligadas ao credor, como, por exemplo, aproveitamento escolar ou capacidade para trabalhar durante o período escolar).
Assim, é precisamente no atinente à cláusula da razoabilidade que se impõe a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente.
Para a aferição de um juízo de razoabilidade na exigência da obrigação de alimentos por parte do progenitor, relevarão “as possibilidades económicas do jovem maior (os rendimentos de bens próprios e/ou do trabalho que ele eventualmente tenha) e a dimensão dos recursos dos progenitores; como relevarão/militarão, para o efeito de saber se os recursos económicos dos progenitores, conquanto num juízo de prognose, são adequados às despesas vindouras, as circunstâncias ligadas à capacidade intelectual e ao aproveitamento escolar que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação; a duração e dificuldade relativa dos estudos que o filho maior pretenda prosseguir ou concluir. Significa isto […] que o financiamento dos estudos, por parte dos progenitores, não pode ser perspectivado como um direito absoluto do filho; podendo/devendo condicionar-se as prestações/financiamentos a um certo padrão de dedicação, aproveitamento curricular e assiduidade do filho. […] que se pode/deve ponderar a inobservância dos deveres dos filhos para com os pais, em particular, o desrespeito dos deveres de auxílio, assistência e respeito do filho maior para com o progenitor obrigado, como circunstâncias conformadoras do na e do quantum da obrigação/prestação alimentar.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2017, 1156/15.3T8CTB.C2.
Na previsão do art.º 1880º do Código Civil, enquadrada num contexto em que é cada vez maior o número de jovens que prossegue uma formação após atingir a maioridade, permanecendo na dependência económica dos pais, não se restringe a formação em causa a um tipo específico (universitária, técnica, etc.), mas é necessário que esteja associada a um objectivo de um futuro desempenho profissional (note-se o uso da expressão “formação profissional” em sentido amplo).
A razoabilidade como critério para a manutenção da obrigação convocará, por regra, a ponderação dos rendimentos do progenitor e, por outro lado, os valores implicados pela formação, assim como o contexto familiar e as exigências de outros elementos do agregado e, bem assim, a qualidade e seriedade da formação prosseguida – cf. Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Volume II, 2017 Ana Prata (Coord.), pp. 783-784.
Tendo em conta que anteriormente à formação em que o apelante se inscreveu em Dezembro de 2019, já este tinha frequentado o Curso de Educação e Formação de Adultos, com o qual obteve a equivalência ao 12º ano e que, anteriormente a esse, frequentou, no ano de 2015/2016, um curso de operador de fotografia e um curso profissional de técnico de auxiliar de saúde, nos anos de 2016/2017 e 2017/2018, não se descortina como discordar da conclusão a que chegou a 1ª instância, no sentido de não estar em causa, com esta nova formação, o complemento ou conclusão de um qualquer projecto sólido, consistente e objectivo no sentido de obter uma qualificação profissional com vista à entrada no mercado de trabalho, pois que se traduz numa nova acção de formação por parte de quem já frequentou e concluiu outros cursos, que lhe conferem competências profissionais, não se tratando, pois, de prosseguir, continuar e concluir um projecto de formação já iniciada, mas sim de enveredar por novas soluções, novas formações, sem que se detecte qual o projecto futuro de ingresso no mercado de trabalho especificamente visado.
Por essa razão, seria de confirmar o decidido pela 1ª instância, no sentido de a partir do mês de Julho de 2019 não estarem verificados os pressupostos que justificam a manutenção da obrigação de alimentos ao filho maior, devendo declarar-se a cessação dessa obrigação.
Contudo, para efeitos do pagamento reclamado pelo requerente, que abrange quer as prestações vencidas, quer as vincendas, importa aferir em que momento produz efeitos a decisão de cessação da obrigação de alimentos, ou seja, se a cessação da obrigação de alimentos deve produzir efeitos apenas com a decisão prolatada ou se deve retroagir à data da formulação do pedido de cessação.
Nos termos do art.º 2006º do Código Civil, “os alimentos são devidos desde a proposição da ação ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo do disposto no artigo 2273.º
Estipula-se, assim, a eficácia retroactiva das decisões que respeitam à fixação judicial de alimentos, enquanto obrigação constituída ex novo, à data da propositura da acção.
Com base nesta norma, a jurisprudência tem entendido que também a decisão que aumente o montante dos alimentos já fixados, nos termos do art.º 2012º do Código Civil, produzirá efeitos a partir da data da propositura da acção em que o pedido de alteração é formulado.
A aplicação de idêntica solução à acção de redução da prestação de alimentos ou sua cessação já não se apresenta, porém, linear.
É possível defender, atento o disposto nos art.ºs 2006º e 2007º, n.º 2 do Código Civil, este por argumento a contrario, que os alimentos pagos a mais, no intervalo entre o momento da propositura da acção e o momento do trânsito em julgado da decisão que reduza o seu montante, deveriam ser restituídos, com base no enriquecimento sem causa, demonstrados os respectivos requisitos. Contra esse entendimento, pode, porém, ser invocado o princípio geral da insusceptibilidade de restituição de alimentos já prestados, que, segundo alguma doutrina e jurisprudência, vigora no ordenamento jurídico português, o que afasta a aplicação das regras do enriquecimento sem justa causa, instituto de carácter subsidiário, que só se aplicará se o ordenamento não dispuser diversamente, como seria o caso se se invocasse a regra do art.º 2007º - cf. Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Volume II, 2017 Ana Prata (Coord.), pp. 909-911.
Vaz Serra, pronunciando-se sobre a possibilidade de restituição de alimentos já prestados, admite a existência de uma obrigação de restituição dos alimentos que já hajam sido prestados, quando essa prestação ocorra depois da formulação do pedido de redução ou nas situações em que o credor conhece com suficiente concretização as circunstâncias e a medida da redução – cf. Rute Teixeira Pedro, op. cit., pp. 911-912.
Assim, se os alimentos fixados por decisão judicial são devidos a partir da data da propositura da acção, e não do trânsito em julgado da decisão, também no caso de cessação da obrigação de os prestar, deveriam os respectivos efeitos retroagir à data da propositura da acção e não do trânsito em julgado da decisão – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5-03-2020, 840/14.3T8FNC-C.L1-2 – “[…] se é à data da instauração da ação que se averigua se aquele que presta os alimentos não pode continuar a prestá-los, e não à data do trânsito em julgado da decisão que se faz essa avaliação, a decisão que determina a cessação da obrigação de os pagar, terá que ter efeitos retroagidos à data da instauração da ação (data em que ocorreu o pedido de redução/cessação da pensão de alimentos). Concluindo, se o devedor tem a obrigação de prestar os alimentos desde a data da propositura da ação de alimentos pelo credor, também tem aquele o direito de os deixar de prestar desde a data da propositura da ação de cessação de alimentos.”
O argumento preponderante a favor da possibilidade de restituição dos alimentos definitivos reside no facto de o legislador ter expressamente acolhido o princípio de não restituição relativamente aos alimentos provisórios (art.º 2007º, n.º 2 do Código Civil) e nada ter dito quanto aos definitivos, depreendendo-se daí que não quis acolher a existência de tal restrição quanto a estes. O legislador proíbe expressamente a “restituição dos alimentos provisórios recebidos”, mas não proíbe a restituição de alimentos definitivos que tenham sido recebidos. A diversa natureza dos alimentos provisórios e definitivos justificaria a diversidade de tratamento operada pelo legislador (afasta-se, assim, a eficácia ex nunc de decisões proferidas em acções constitutivas, como é o caso - cf. art.º 10.º, n.º 3, c) do CPC) – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-11-2019, 304/11.7TMPRT-C.P1.
Todavia, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2021, 1601/13.2TBTVD-A.L1.S1 entendeu-se, de modo contrário, que a aplicação do disposto no art.º 2006º do Código Civil apenas será admissível se for compatível com a natureza e finalidade próprias da obrigação de alimentos, concluindo-se que assim não sucede, atenta a natureza assistencial da obrigação de alimentos, ou seja, os alimentos destinam-se a ser consumidos por quem deles carece, pelo que atribuir eficácia retroactiva à decisão judicial que reduza o valor da prestação de alimentos ou determine a sua cessação, implicando, concomitantemente, a obrigação de restituir parte dos alimentos recebidos e, em regra, já consumidos, conduziria afinal a pôr em risco o sustento do alimentando e, por isso, subverteria a finalidade última da obrigação de alimentos.
Acrescenta-se ainda em tal aresto:
“[…] a regra excecional que está prevista no artigo 2007.º, n.º 2, do C. C. no sentido de que não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos, deve ser entendida como emanando de um princípio geral de não restituição de todos os alimentos que forem prestados, devendo a decisão que os reduz ou termina a obrigação de os prestar ter efeitos ex nunc como verdadeira ação constitutiva. A retroatividade ao momento da propositura da ação para o início da obrigação de prestar alimentos ou de pagar o seu aumento tem por base o querer proteger-se o necessitado/credor de eventuais demoras na fixação desse valor. Mas quando se procura cessar uma obrigação de alimentos que por natureza se destina a ser consumida, não se devem atribuir efeitos retroativos sob pena de se estar a exigir a restituição de valores que, destinados a serem consumidos, muito provavelmente o credor já não tem ao seu dispor.”
Veja-se, ainda, neste sentido, os acórdãos do Tribunal das Relações do Porto de 26-09-2024, 3654/16.2T8AVR-A.P1; de Coimbra, de 25-10-2024, 4195/18.9T8VIS-C.C1 e de Évora, de 13-07-2022, 2197/20.4T8FAR.E1.
Este entendimento afigura-se ser, pelas razões supra descritas, aquele que melhor salvaguarda os interesses em presença, daí que a cessação da prestação alimentícia apenas deva, por regra, produzir efeitos a partir da data da prolação da decisão.
Todavia, no caso concreto, tendo em conta que o apelante atingiu a idade de 25 anos em 5 de Outubro de 2023, a cessação da prestação de alimentos sempre terá necessariamente de retroagir a essa data.
Assim, porque o requerido não logrou comprovar o seu pagamento, são devidas ao requerente as prestações vencidas de Janeiro a Dezembro de 2019 e, bem assim, aquelas que se venceram após essa data e até o dia 5 de Outubro de 2023, data em que o requerente completou 25 anos.
*
3.2.4. Da litigância de má-fé
A decisão recorrida considerou verificados, em relação ao requerente, os pressupostos da litigância de má-fé, pelo que o condenou no pagamento de uma multa equivalente a 2 UC e no pagamento de uma indemnização devida ao requerido, a liquidar após o trânsito em julgado.
Fê-lo nos seguintes termos:
“Face a este preceito, são punidas como litigância de má-fé, não apenas as condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes.
A má-fé é tratada nesta norma sobre dois prismas:
Por um lado, a má-fé material, que abrange os casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento a parte não ignorava ou não devia desconhecer, a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais e relevantes para a decisão da causa.
Por outro lado, a má-fé instrumental, que se refere ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para impedir a descoberta da verdade, para entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A sanção por litigância de má-fé, apenas pode ser aplicada quando se demonstre, pela conduta da parte, que esta quis actuar litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal, e desde que se esteja perante uma situação da qual não resultem dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente.
No caso, o requerente sustenta a presente acção na falta de pagamento pelo requerido/pai das pensões de alimentos de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2017 e ano de 2019, admitindo apenas o pagamento das pensões de alimentos devidas no ano de 2018.
Todavia, e conforme se apreciou aquando do conhecimento da excepção de caso julgado, que determinou a absolvição da instância relativamente às pensões de Outubro e Novembro de 2017, e da confissão, que levou à absolvição do pedido quanto às pensões de Janeiro de 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017, o requerente alterou a verdade dos factos.
Tal resulta de forma cristalina do requerimento inicial assinado pelo próprio no âmbito do Apenso A, em 17 de Outubro de 2017, com o seguinte teor:
Apesar de já ter 19 anos, mas continuar a estudar, conforme documento junto, venho solicitar a vossa Ex.ª que o meu pai, BB, continue a me dar a pensão de alimentos. O mesmo dava 100 euros desde +/- 2010. Até à data nunca tinha dado, depois a pedido de uma advogada começou a dar em 2010, este mês deixou de dar porque já tenho 19 anos e só deu porque não sabia a minha idade.”
E ainda do requerimento apresentado no âmbito do Apenso C, em 6 de Fevereiro de 2019, igualmente assinado pelo próprio, com o seguinte teor:
1.º O meu pai BB no mês de Janeiro não depositou a pensão de alimentos.
2.º Informar que mudei de morada, passei a residir (…), até porque recebo o vale de pensão de alimentos pelos correios na anterior morada, solicito a alteração da mesma.”
Resulta, pois, que o requerente, na presente acção, altera ostensivamente a verdade dos factos, apresentando uma versão distinta daquelas que, até à data, apresentou, concordantes entre si, vindo peticionar quantias já pagas.
Notificado nestes autos para esclarecer as divergências verificadas, o requerente vem, singelamente, apresentar uma justificação que ainda mais gravoso torna o seu comportamento com a instauração desta acção nos moldes em que o fez.
Diz o mesmo o seguinte:
“(sic) O requerimento junto ao apenso A datado de 17 de outubro de 2017 e manuscrito pelo requerente, refere-se a ditas datas supra referidas, de forma confusa, uma vez que o requerente efectuou dito requerimento junto a secretaria do tribunal e não consegui se exprimir de forma clara no dito requerimento por si elaborado, pelo que esclarece que encontra-se em divida desde 2010 até 2017 e desde 2019 nunca foi pago qualquer valor.”
Tal não colhe.
Veja-se que, por sentença proferida em 29 de Novembro de 2017, no âmbito do Apenso A, em que foram intervenientes o requerente e o requerido, na conferência realizada, onde esteve presente o requerente, foi homologado o seguinte acordo:
1.º- O pai BB confessa-se devedor ao filho AA da quantia de € 200,00 (duzentos euros), a título de pensões de alimentos referentes aos meses de Outubro e Novembro de 2017, obrigando-se a pagar a mesma até ao dia 8 de Dezembro de 2017.
2.º- O pai pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de € 100,00 (cem euros) até dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária para a conta bancária já indicada pelo requerente.”
Tal acordo encontra-se em conformidade com a alegação do requerente constante do requerimento inicial apresentado naquele processo.
Conclui-se, assim, que o requerente instaura a presente acção peticionando que seja declarado o incumprimento de quantias devidas a título de pensão de alimentos referentes a um período de 7 anos que bem sabia estarem pagas, factos estes que eram do seu inteiro conhecimento.
E, mesmo advertido pelo tribunal para esta situação, persiste na mesma conduta, tentando justificar o injustificável.
Concluímos, assim, que o requerente agiu, no mínimo, com negligência grave.
Tal comportamento levou ainda a que o tribunal desenvolvesse toda uma actividade instrutória junto dos CTT – ao longo de praticamente dois anos e meio – sem qualquer razão de ser.
Este comportamento é merecedor de censura. Estamos perante um caso em que se encontra cabalmente demonstrado pela conduta do requerente que este quis actuar litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal.
Estão, assim, verificados os pressupostos da litigância de má-fé do requerente.
Dispõe o art.º 456.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, que tendo litigado de má-fé a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta o pedir.
No presente caso foi pela requerida solicitado o pagamento de uma indemnização correspondente às despesas por si suportadas com a presente acção, juntando a respectiva prova documental.
Assim, cumpre começar por fixar a multa a aplicar, dentro dos limites estipulados no art.º 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, com um limite mínimo de 2 UC e um máximo de 100 UC e atendendo aos critérios mencionados no n.º 4, da mesma norma.
De todo o exposto, e atendendo à gravidade e censurabilidade da conduta do requerente, condeno-o no pagamento de uma multa que fixo em 2 UC.
Nos termos do art.º 542.º, n.º 1 e 543.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, condeno ainda o requerente no pagamento de uma indemnização ao requerido, a liquidar após o trânsito em julgado, dado que inexistem elementos para se fixar, desde já, o seu valor (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 4876/18.7T8MNC.G4, de 18/04/2024, disponível em www.dgsi.pt).”
O apelante dissente do assim decidido argumentando o seguinte:
• Não existe nenhuma confissão da sua parte quanto ao recebimento das prestações de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2017;
• O requerido confessou-se devedor das prestações de Outubro e Novembro de 2017 e, não obstante, foi absolvido sem fundamento;
• Não foi junta nenhuma prova de pagamento por parte do requerido.
Todos estes pontos foram já apreciados anteriormente, estando confirmada a verificação da confissão quanto ao pagamento das prestações devidas de Janeiro de 2010 a Setembro de 2017 e Dezembro de 2017, pelo que, é evidente que, ao reclamar, neste apenso, o pagamento de prestações relativamente às quais declarou anteriormente nos autos estarem pagas, o apelante alterou a verdade dos factos.
A litigância de má-fé exige que se verifique por parte do litigante dolo ou negligência grave, isto é, pressupõe a consciência de que se não tem razão; é necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
Tal não significa que a parte deva assumir um comportamento processual contrário ao seu interesse, ou seja, que não possa deduzir oposição a pretensão alheia quando entenda que lhe assiste razão.
A tutela jurisdicional está à disposição de todos os titulares de direitos mas o exercício dos meios processuais deve decorrer de forma sincera, actuando a parte de modo coerente e convencida da sua pretensão.
A norma do art.º 542º, n.º 2 do CPC permite distinguir a má fé substancial, inerente a uma actuação que se revele pelas condutas descritas nas alíneas a) e b) e a má fé instrumental, vertida nas alíneas c) e d) do mesmo artigo.
Contudo, em qualquer dessas situações há que estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, sendo próxima de uma actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva
Como se explana no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-11-2020, 279/17.9T8MNC-A.G1.S1:
“A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito."
A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito.”
É sabido que a matéria atinente à litigância de má fé assume natureza delicada e de difícil discernimento em face do próprio facto de que a contenda processual acarreta sempre a instauração de um conflito de interesses em que, por norma, cada uma das partes está convicta da sua verdade.
Assim, a censura tem se basear na ofensa de valores éticos que decorra de uma actuação com dolo ou negligência grave aquando da dedução de pretensão cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar ou tiver feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
A condenação por litigância de má fé exige prudência por parte do Tribunal e cuidada ponderação dos factos patenteados nos autos.
Independentemente da procedência parcial que a pretensão recursória do apelante logrou alcançar, não deixou de ser constatada a verificação de confissão nos articulados do processo, subscritos pelo próprio requerente, quanto ao pagamento de parte das prestações de alimentos cujo incumprimento veio sustentar com o requerimento de 29 de Novembro de 2019, que deu origem ao presente apenso D.
Tal como concluiu a 1ª instância, o apelante agiu, seguramente, e para dizer o mínimo, com negligência grave, pois que face ao que verteu nos autos nos anteriores requerimentos, desde, aliás, Outubro de 2017, onde começou por reclamar apenas as prestações de Outubro e Novembro de 2017, não se coibiu de, posteriormente, e ao arrepio do que antes afirmara – que o progenitor pagava as prestações desde 2010, tendo deixado de o fazer em Outubro de 2017, por o filho já ter 19 anos -, vir reclamar o pagamento de prestações cujo recebimento assumira já nos autos.
Assim, como ali se referiu, o apelante é também responsável por toda a actividade probatória a que o Tribunal se dedicou para aferir da existência dos pagamentos.
Justifica-se, pois, a condenação como litigante de má fé, mostrando-se adequada e proporcional a multa aplicada.
Mantém-se, pois, nesta parte, a decisão recorrida.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Como decorre do referido art.º 527º do CPC, na base da responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às acções, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.
Do princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas a parte a cujo comportamento lato sensu seja objectivamente imputável o dirimir do litígio, sendo que, na dúvida, a lei presume, iuris et de iure, ou seja, que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Dado que o requerente e o requerido são ambos parte vencida neste recurso, são ambos responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do respectivo decaimento, ainda que este último não tenha exercido o direito de contraditório.
As custas ficam, pois, a cargo do apelante e do apelado, na proporção do respectivo decaimento.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a. alterar a decisão recorrida quanto ao ponto 1, alínea c) do dispositivo, que passa a ter a seguinte redacção:
c) Declara-se verificado o incumprimento quanto à obrigação de prestar alimentos por parte do requerido, referente às prestações de Janeiro a Dezembro de 2019, no valor mensal de 100,00 €, que são devidas e, bem assim, as vencidas até o dia 5 de Outubro de 2023;
b. Manter, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante e do apelado, na proporção do respectivo decaimento.
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Lisboa, 11 de Março de 2025
Micaela Sousa
Carlos Oliveira
Ana Mónica Mendonça Pavão
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2. Consta no referido despacho a notificação do “requerido” o que se ficará a dever a lapso.
3. Adiante designado pela sigla CPC.
4. Cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 333; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468.
5. Cf. Ref. Elect. 3279489 do apenso C.
6. Cf. Declaração anexada ao ofício de 31 de Julho de 2019 enviado pela Secretaria Regional de Educação, constante do apenso C, Ref. Elect. 3355647 do apenso C.
7. “Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.”
8. Acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
9. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, pág. 447.
10. Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, adiante designado pela sigla RGPTC.
11. Cf. Ref. Elect. 45632884 do apenso B.
12. Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, adiante designado pela sigla RGPTC.
13. In Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª edição, reimpressão, pág. 93.
14. Cf. Decisão de 29 de Novembro de 2017 no apenso A.
15. Cf. Despachos proferidos em 3 de Dezembro de 2019, 7 de Maio de 2020 e 8 de Março de 2024, Ref. Elect. 47951239, 3619191 e 54978197.
16. Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que alterou o art.º 989º do CPC e o art.º 1880º do Código Civil.
17. Blog do IPPC, acessível in http://blogippc.blogspot.pt/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html.
18. Cf. A junção do comprovativo da matrícula referida no ponto 6. dos factos provados, com o requerimento de 16 de Dezembro de 2019 (Ref. Elect. 3529610).
19. Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.