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CABEÇA DE CASAL
REMOÇÃO
Sumário
I. Nos termos do disposto no art.º 2086.º Código Civil4, constituem fundamento para a remoção do/a cabeça de casal: - a ocultação dolosa existência de bens pertencentes à herança, ou de doações feitas pelo falecido, ou denúncia dolosa de doações ou encargos inexistentes - n.º 1, al. a); - administração negligente dos bens da herança - n.º 1, al. b); - incumprimento dos deveres a que está sujeito, no âmbito do processo de inventário – al. c); - inaptidão (na letra do preceito designada “incompetência”) para o exercício do cargo - (n.º 1, d). II. A administração negligente [al. b)] visa situações em que apesar de apto para o exercício do cargo, o cabeça-de-casal não observa deveres de cuidado inerentes a tais funções; III. O incumprimento de deveres no âmbito do processo de inventário [al. c)] decorre de ações ou omissões, dolosas ou gravemente negligentes, verificadas na pendência de processo judicial ou procedimento notarial de inventário; IV. A inaptidão, ou “incompetência” para o exercício do cargo a que se refere a al. d) constitui um conceito indeterminado, a preencher casuisticamente, visando situações de carência qualidades bastantes para a administração dos bens da herança ou para a observância dos deveres de cuidado inerentes ao cargo; V. Consistindo a remoção do cargo de cabeça de casal numa sanção, e atenta a gravidade das suas consequências da remoção, a mesma só deverá ser aplicada em caso de falta grave.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Nos presentes autos de inventário para partilha de herança por óbito de AA, que corre termos no Juízo Local Cível da --- (J1) sob o nº 249/23.8T8MTA, em que são cabeça de-casal BB e interessada CC, veio esta última deduzir incidente de remoção de cabeça-de-casal, alegando em síntese, que a requerida não administra a herança com prudência e zelo não cumpre com os deveres inerentes ao cargo exigidos pela lei e não tem competência para o exercício do mesmo cargo.
Notificada, a requerida deduziu oposição, pugnando pela improcedência do presente incidente.
Realizada audiência para produção de prova e discussão do mérito do incidente, veio a ser proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Em face ao exposto, julga-se a incidente improcedente por não provado e, em consequência determina-se a manutenção em funções da Cabeça de Casal BB, por referência à herança por óbito de AA..”
Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
“(…)
X. No que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e salvo o devido respeito, entende a RECORRENTE que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fez um errado julgamento da causa e violou as normas legais aplicáveis ao caso concreto, tudo estribado numa apreciação incompleta da prova produzida, com efeito na decisão quanto à matéria de facto, o que inquinou também a decisão final.
XI. São os seguintes os factos concretos que considera incorretamente julgados na douta Sentença:
Factos não provados
B) (…).
C) (…)
G)(…)
K) (…)
M) (…)
N) (…)
O)(…)
P) (…)
Q) (…)
Facto provado 15
(…)
LXVII. No que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de Direito cumpre dizer o seguinte: o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o conceito indeterminado de competência para o exercício do cargo de cabeça-de-casal, propondo-se a RECORRENTE a indicar o sentido com que a norma do artigo 2086º n.º 1 do Código Civil deve ser interpretada e aplicada.
LXVIII. Ora, o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
“1) A Requerida participou o óbito na Autoridade Tributária dois anos após a morte, em 13/04/2022.
5) A Requerida não solicitou autorização da Requerente para iniciar as obras no imóvel de ... 6) A Requerida não prestou informação sobre a decisão de fazer obras no imóvel de .... 9) A Requerida cortou parte da vedação que a Requerente tinha instalado para vedar o quintal do imóvel de xxx.
10) A Requerida construiu um degrau entre os muros que delimitam o espaço envolvente entre o imóvel de xxx e o imóvel contiguo pertencente ao vizinho DD, por forma a facilitar o acesso entre ambos os terrenos.
13) Nessa altura, a Requerida efetuou uma transferência de 70.000,00€ das supra indicadas contas à ordem e a prazo para o Banco CTT onde foi aberta a conta à ordem nº ...56 em seu nome.
19. Em 2017, o inventariado celebrou um acordo de pagamento em prestações, obrigando-se para com a comissão da AUGI ao pagamento de quantias mensais de 200,00€.
20. À data da propositura do incidente, estavam por liquidar 8.376,60€, valor este que é do conhecimento da Requerida e da Requerente, estando ambas a liquidar na proporção de 50% as prestações mensais de 200,00€.”
LXIX. Porém, em sentido contrário às premissas identificadas anteriormente, o Tribunal a quo concluiu que “não se provou que a Requerida tenha dolosamente sonegado a existência de quaisquer bens componentes da herança do inventariado, não se encontrando, como tal, preenchida a previsão legal da alínea a). [do artigo 2086º nº 1 do Código Civil]; também não se demonstrou que a Requerida desempenhe as funções de cabeça de casal com falta de zelo ou prudência. Com efeito, a Requerida demonstrou interesse no património hereditário ao efetuar obras necessárias no imóvel de ..., atendendo ao mau estado em que foi deixado pela anterior inquilina; demonstrou zelo ao retomar o pagamento da dívida à AUGI em conjugação com a Requerente; e demonstrou prudência ao não precipitar a realização de obras de conservação (que não se provaram essenciais nem urgentes) no imóvel de xxx, antes de realizadas as partilhas e ao manter aproximadamente no mesmo patamar os saldos bancários existentes à data da morte do inventariado.
Também não se provaram quaisquer violações de deveres que a lei imponha ao cabeça de casal (alínea c)). Ademais, conforme resulta de fls. 34, no que se pode aferir nesta sede, a herança nada deve à Fazenda Nacional e a dívida da AUGI está a ser gradualmente liquidada, tendo sido originariamente contraída ainda pelo inventariado.”
LXX. Com o devido respeito – que é muito – não é possível considerar que a RECORRIDA demorou dois anos para comunicar o óbito à Autoridade Tributária e quatro anos para apresentar a ação de inventário (que deu entrada a 27/03/2023) e, ainda assim, concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que a mesma não padece de manifesta incompetência por inércia para assunção deste cargo.
LXXI. Segundo as regras da experiência, poderá aceitar-se que o homem médio demore três meses após o óbito para inventariar contas bancárias, automóveis, imóveis e, prontamente, comunicar à Autoridade Tributária o facto, tal como determinado pelo prazo legal.
LXXII. A ação de inventário (iniciada quatro anos após a morte do de cujus) nem seria necessária se a RECORRIDA não insistisse no capricho de não dialogar com a RECORRENTE sobre os assuntos da herança. A RECORRENTE sempre pugnou pela resolução rápida, simples e justa para as partilhas da herança, mas a RECORRIDA, como se demonstra pela prova gravada e analisa supra perpetua uma administração silenciosa, não transparente, duvidosa, dolosa e demorada.
LXXIII. Mais, o Tribunal a quo considerou provado que a RECORRIDA não solicitou autorização à RECORRENTE para iniciar as obras no imóvel de ..., nem lhe prestou informação sobre essas obras e, ainda assim, considerou que aquela atuou com competência, zelo e prudência no exercício da administração da herança.
LXXIV. As conclusões do Tribunal a quo nesta matéria são evidentemente contrárias aos factos que dá como provados: não é possível dar como provado que alguém, de forma ativa, consciente e informada não presta informação sobre a sua administração (obras extraordinárias e de fundo no imóvel pertencente à herança) e, ainda assim, não concluir pela violação expressa da obrigatoriedade que o cabeça-de-casal tem de prestar contas anualmente (como dispõe o artigo 2093º do Código Civil).
LXXV. Os factos nº 5 e 6 que o Tribunal a quo considerou - e bem - provados, implicam concluir que a RECORRIDA não cumpre os deveres que a lei lhe impõe (prestar contas anualmente, administrar com zelo e prudência), donde deve ser removida nos termos do artigo 2086º nº 1 alíneas b) e c) do Código Civil.
LXXVI. Tribunal a quo conjetura que a RECORRIDA demonstrou interesse no património hereditário porque efetuou obras no imóvel de ... (obras essas que o próprio Tribunal a quo considerou indevidamente necessárias sem, no entanto, ter sido feita a devida prova e análise sobre essa necessidade), mas ignora que a mesma cabeça-de-casal não fez obras no outro imóvel da herança. É o próprio Tribunal a quo que, sem alegação, nem prova, decide considerar necessárias e urgentes as obras de imóvel (...) em detrimento do outro imóvel (xxx) - ainda que tenham sido juntas aos autos fotografias do imóvel de xxx que não foram analisadas pelo Tribunal.
LXXVII. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar prudente a RECORRIDA não efetuar obras no imóvel de xxx antes de realizadas as partilhas, mesmo tendo prova suficiente (fotografias juntas pela RECORRENTE nos autos sob Docs. n.º 14 a 21, que o tribunal não analisou) que demonstra a humidade interior do imóvel e o mau estado dos móveis; o que foi, aliás, confessado pela RECORRIDA nas suas declarações de parte.
LXXVIII. O Tribunal a quo refugiou-se num argumento falacioso para dar como não provada a necessidade de obras no imóvel de xxx: se ambas as partes passam férias no imóvel quando vêm do Canadá, então não existe humidade entranhada, os móveis da cozinha não estão em péssimo estado de conservação. Com o devido respeito – que é muito – o Tribunal a quo deveria ter concluído pela efetiva falta de zelo na administração praticada pela RECORRIDA, sendo patente o seu desleixo e desconsideração pelo estado de conservação do imóvel de xxx.
LXXIX. O Tribunal a quo considera que a RECORRIDA “demonstrou zelo ao retomar o pagamento da dívida à AUGI em conjugação com a Requerente” mas ignora que: a) existe um acordo de pagamento em prestações para com a comissão da AUGI na quantia mensal de 200€ (facto provado nº 19) que a RECORRIDA não cumpre; b) a RECORRIDA sabe da existência de dívida de 8.376€ (facto provado nº 20) e não liquidou prontamente esses montantes; c) a RECORRIDA deve liquidar as prestações deste acordo sozinha, enquanto cabeça-de-casal, e não a par com a RECORRENTE – que é herdeira e não tem conhecimento, acesso, legitimidade e autorização para utilizar saldos bancários da herança para liquidar dívidas da mesma.
LXXX. Com o devido respeito – que é muito – não é possível dar como provado que existe dívida não paga (e quando são pagas as prestações não o são na totalidade do acordado) e, ainda assim, asseverar a prudência e zelo na administração da herança porque tal dívida vai sendo paulatinamente paga.
LXXXI. A falta de pagamento do acordo em prestação com a comissão da AUGI gera nova dívida, juros de mora. Demonstra incompetência para o exercício do cargo a cabeça-de-casal que considera aceitável pagar uma dívida apenas e só quando lhe apetece, obrigando a outra herdeira a liquidar 50% da dívida por receio de penhora do imóvel situado na AUGI.
LXXXII. O Tribunal a quo interpretou erradamente o sentido desta norma, devendo considerar provada a incompetência da RECORRIDA para gerir as dívidas da herança.
LXXXIII. Por fim, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a RECORRIDA demonstrou prudência “ao manter aproximadamente no mesmo patamar os saldos bancários existentes à data da morte do inventariado”, ignorando de forma evidente o facto provado nº 13 que dita que esse saldo bancário está numa conta titulada exclusivamente pela RECORRIDA, saldo esse que não é do conhecimento da CORRENTE, não podendo ela conhecê-lo, movimentá-lo ou utilizá-lo.
LXXXIV. A RECORRIDA não informa a RECORRENTE sobre os saldos bancários existentes, anualmente, não permite a existência de uma conta conjunta onde sejam depositadas as quantias da herança e nunca apresentou a movimentação desses saldos (com entradas e saídas) durante o período em que o imóvel de ... estava arrendado.
LXXXV. O Tribunal a quo deveria também aqui ter interpretado a norma do artigo 2086º nº 1 alíneas b) e c) do Código Civil no sentido de concluir que RECORRIDA não administra a herança com zelo e prudência, revelando incompetência para o exercício do cargo.
LXXXVI. Comete um erro grosseiro de julgamento o Tribunal a quo ao considerar que o saldo escrito no extrato bancário de Março de 2022, junto pela RECORRIDA em Março de 2023, demonstra que a mesma mantem “inalteradas” as contas da herança. Com o devido respeito, apenas um documento atualizado permitirá aferir da existência ou não de saldos bancários.
LXXXVII. Aliás, a RECORRIDA não juntou aos autos de inventário o extrato bancário do Banco Millennium BCP à data da morte para verificar se todo o montante agora pertencente à herança foi transferido para a conta no Banco CTT.
LXXXVIII. Por fim, errou o Tribunal a quo ao considerar provado que a RECORRIDA cortou parte da vedação que a RECORRENTE tinha instalado para vedar o quintal do imóvel de xxx (em clara destruição de parte do imóvel da herança), e que construiu um degrau que facilitar o acesso indevido ao imóvel (possibilita a entrada de terreiros indesejados no imóvel) e, ainda assim, que a mesma atuou com zelo, prudência e competência na administração desta herança. Quando a cabeça-de-casal destrói voluntariamente parte do imóvel da herança e o torna vulnerável/desprotegido, atua de forma dolosamente danosa dos interesses da herança e dos seus herdeiros, protagonizando um claro incumprimento do dever de administrar e cuidar dos bens da herança; o seu comportamento não pode deixar de ser considerado grave, pelo que, revelando incompetência para o exercício do cargo, deve ser removida de tal função.
LXXXIX. O Tribunal a quo deveria ter lançado mão de todos os exemplos retratados anteriormente para preencher o conceito indeterminado que é a “incompetência para o exercício do cargo de cabeça-de-casal”, concluindo pela necessidade de remoção da cabeça-de-casal.
XC. Provado que ficou a má administração do património hereditário, a falta de cumprimento dos deveres processuais a que está obrigada, a incompetência para o exercício do cargo, a falta de transparência na administração da herança e a obstaculização à partilha e distribuição dos bens da herança, deve a RECORRIDA ser removida do cargo de cabeça-de-casal.
XCI. Considerando os novos factos provados e não provados, e todos aqueles que não mereceram qualquer censura por via do presente recurso, deve a sentença em análise ser revogada e, em consequência, ser a RECORRIDA removida do cargo de cabeça-de-casal.“
A apelada não apresentou contra-alegações.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam5. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas6.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as seguintes7:
• A impugnação da decisão sobre matéria de facto - Conclusões XI a LXVI;
• Se no caso vertente se verificam os requisitos de que depende a remoção da requerida do cargo de cabeça-de-casal – Conclusões LXVII a XCI.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
3.1.1. Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A Requerida participou o óbito na Autoridade Tributária dois anos após a morte, em 13-04-2022 .
2. À data da morte do inventariado, o imóvel de ... estava cedido para utilização de terceiro mediante o pagamento de uma quantia mensal (denominado “contrato de arrendamento”).
3. As aludidas contrapartidas mensais eram recebidas por EE, que estava incumbida para o efeito pelo inventariado e pela Requerida, sendo que era esta quem depositava os valores mensais recebidos após liquidadas as despesas.
4. O referido imóvel foi desocupado em Maio de 2022, tendo sido posteriormente realizadas obras pela Requerida, em virtude do mau estado em que o mesmo se encontrava.
5. A Requerida não solicitou autorização da Requerente para iniciar as obras no imóvel de ....
6. A Requerida não prestou informação sobre a decisão de fazer obras no imóvel de ....
7. A Requerente decidiu fazer uma vedação delimitando o quintal pertencente ao imóvel de xxx do imóvel contiguo pertencente ao vizinho DD.
8. Enquanto o inventariado era vivo, o aludido vizinho ficava responsável pela preservação, cultivo e limpeza do quintal em causa.
9. A Requerida cortou parte da vedação que a Requerente tinha instalado para vedar o quintal do imóvel de xxx.
10. A Requerida construiu um degrau entre os muros que delimitam o espaço envolvente entre o imóvel de xxx e o imóvel contíguo pertencente ao vizinho DD, por forma a facilitar o acesso entre ambos os terrenos.
11. Após o falecimento do inventariado, a Requerida convidou a Requerente e ambas deslocaram-se ao Banco Millennium onde estavam depositados saldos bancários inerentes às contas de depósitos à ordem nº ...85 no valor de € 4.225,17 e depósito a prazo nº ...11 no valor de € 80.000,00, ambas com dois titulares, sendo um deles o inventariado e o outro a Requerida.
12. Nessa altura, Requerente e Requerida tiveram ambas conhecimento dos saldos bancários existentes.
13. Nessa altura, a Requerida efetuou uma transferência de 70.000,00€ das supra indicadas contas à ordem e a prazo para o Banco CTT onde foi aberta a conta à ordem n.º nº ...56 em seu nome.
14. Ainda nessa altura, a Requerida entregou à Requerente um cheque no montante de 5.000,00€.
15. A mencionada conta aberta no Banco CTT foi utilizada para depositar os valores das contrapartidas mensais recebidas pela utilização do imóvel de ..., efetuados pelo casal FF e EE, e para debitar os valores resultantes das despesas da herança.
16. O imóvel de xxx está inserido em área urbana de génese ilegal (AUGI).
17. A assembleia de proprietários da AUGI 15 de Vila Ribeiro determinou que os custos de reconversão dos lotes que foram sendo calculados ao longo dos anos desde 2003, por estimativa, com base na permilagem de cada lote, fossem pagos por cada proprietário.
18. Assim, para o lote deste imóvel foi estabelecido o pagamento de 500€ para o ano de 2003, 750€ para os anos de 2005 a 2007, todavia, o inventariado deixou de liquidar estes montantes em 2006, tendo sido coercivamente obrigado ao pagamento de 17.176,60€.
19. Em 2017, o inventariado celebrou um acordo de pagamento em prestações, obrigando-se para com a comissão da AUGI ao pagamento de quantias mensais de 200,00€.
20. À data da propositura do incidente, estavam por liquidar 8.376,60€, valor este que é do conhecimento da Requerida e da Requerente, estando ambas a liquidar na proporção de 50% as prestações mensais de 200,00€.
21. Requerente e Requerida vivem habitualmente no estrangeiro.
3.1.2. Factos não provados
A sentença apelada considerou não provados os seguintes factos:
A. Os únicos dois atos que a Requerida praticou enquanto cabeça-de-casal foram os seguintes: entregou um cheque de 5.000,00€ à Requerente no dia 24/05/2019 e criou uma conta bancária em dela Requerida, no Banco CTT onde deveriam ser recebidas as contrapartidas mensais de um dos imóveis da herança.
B. A Requerida omite da Requerente as informações sobre o valor auferido a título de contrapartidas mensais pela cedência do imóvel de ..., desde o dia 15/05/2019 até ao presente.
C. A Requerida omite a existência de “contrato(s) de arrendamento ou a resolução dos contratos de arrendamento” em vigor antes do óbito do inventariado.
D. A Requerida omite do inventário o recheio do imóvel de ....
E. A Requerida nunca se preocupou em saber o estado de conservação do imóvel de xxx desde o primeiro dia em que foi investida no cargo de Cabeça de Casal.
F. A Requerida cancelou o seguro multirriscos do imóvel de xxx.
G. A Requerida deixa sistematicamente a porta traseira do imóvel de xxx aberta quando se ausenta de casa.
H. A Requerida terminou com o fornecimento de eletricidade do imóvel de xxx.
I. A Requerente prontificou-se a solicitar a reparação da vedação após esta ter sido cortada pela Requerida e, nesse seguimento, estando na presença de três trabalhadores, a Requerida proferiu em voz alta que não iria “fazer absolutamente nada naquela casa, pelo contrário a casa podia cair porque ela nada faria”.
J. Ao constatar que a reparação da vedação havia sido efetuada, a Requerida teve um impulso de raiva e um surto psicótico gritando com os trabalhadores, batendo por diversas vezes de forma violenta na sua cabeça, batendo nos móveis da casa e injuriando a Requerente.
K. A Requerida não cuida da manutenção do imóvel de xxx e insiste em destruir ou desfazer todas as conservações realizadas pelas Requerente.
L. A Requerida está no imóvel de xxx desde Novembro de 2022 e não limpou o terreno.
M. A Requerida nunca investiu na conservação e reparação do imóvel de xxx, sendo que os móveis da cozinha estão em péssimo estado, prevendo-se que possam cair, desintegrar-se e magoar alguém.
N. O interior do imóvel tem humidade entranhada, sendo urgente tratá-la e eliminá-la.
O. A Requerida consciente e propositadamente não se encontra a liquidar as prestações à AUGI.
P. A gestão do passivo da herança não é feita adequadamente e são geradas novas despesas sem fundamento.
Q. A Requerida faz uma administração imprudente da herança, atuando em proveito próprio com desvios de saldos bancários e gestão danosa dos imóveis.
S) A Requerida tem falta de idoneidade física para gerir a herança.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da impugnação da decisão sobre matéria de facto 3.2.1.1. Considerações gerais
Dispõe o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Por seu turno estatui o art.º 640º n.º 1 do mesmo código que quando seja impugnada a decisão sobre matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, sempre que o recorrente se baseie no teor de depoimentos prestados, incumbe-lhe, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. A observância desse ónus pressupõe a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não tem necessariamente que constar das conclusões, mas deve constar da motivação do recurso. No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), proc. 320/15.0T8MGR.C1; e STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Sumariando os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES8:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…).” 3.2.1.2. O caso dos autos
No caso em apreço, a apelante impugnou a decisão sobre matéria de facto no tocante ao ponto 15 dos factos provados e às als. B), C), G), K), M), N), O), P), e Q) dos factos não provados.
Lidas as alegações de recurso e as respetivas conclusões, temos por suficientemente observados todos os mencionados ónus.
Assim sendo, inexiste fundamento para rejeitar a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.1. Ponto 15 dos factos provados dos factos não provados
O ponto 15 dos factos provados tem a seguinte redação:
15. A mencionada conta aberta no Banco CTT foi utilizada para depositar os valores das contrapartidas mensais recebidas pela utilização do imóvel de ..., efetuados pelo casal FF e EE, e para debitar os valores resultantes das despesas da herança.
Na sentença apelada o Tribunal a quo justificou o processo de formação da sua convicção quanto a este ponto de facto nos seguintes termos:
“O facto 15) resulta provado pelas declarações assertivas e genuínas da cabeça de casal, que mereceram credibilidade por parte do tribunal, ao referir que a conta em causa é utilizada para as questões relacionadas com a herança, tendo sido nessa mesma conta depositados os valores das rendas do imóvel de ... enquanto o mesmo esteve arrendado, conforme de resto se comprova pelos extratos constantes de fls. 16 a 17v., assim se dando por não provado os factos B) e C).”
A apelante discorda deste entendimento, sustentando que os factos em apreço devem considerar-se não provados.9
Para tanto argumenta que o documento a que o Tribunal a quo se reporta não “atesta(r) que essa conta foi utilizada para depositar valores das rendas do imóvel de ..., nem que tem actualmente saldo semelhante ao valor que foi inicialmente transferido para essa conta (e que representaria o valor constante nas contas bancárias pertencentes à herança na data do óbito)”. Mais sustenta que “esse extrato de 22/03/2022 junto a 27/03/2023 devia ter referência ao saldo total à data da junção do mesmo, devendo ser requerida junção do mesmo à data de hoje. Apenas assim seria possível ao Tribunal atestar que essa conta bancária tem as quantias monetárias pertencentes à herança”. Finalmente manifesta discordar da conclusão retirada pelo Tribunal de que «as entradas a crédito no extrato junto pela recorrida com menção de “TRF de FF” estão relacionadas com EE e com o imóvel de ...»10.
Apreciando, importa em primeiro lugar referir que foi a própria requerente quem, no requerimento inicial do presente incidente de remoção de cabeça-de-casal afirmou que a requerida abriu uma conta bancária no Banco CTT “onde deveriam ser recebidas as rendas de um dos imóveis da herança”11, que sabia que tal imóvel estava arrendado, que as rendas eram recebidas pela Srª EE, e que pelo menos parte do valor de tais rendas era depositado naquela conta, aludindo ainda ao pagamento de despesas com dinheiro proveniente das mesmas rendas12.
Por outro lado, no articulado de oposição ao presente incidente, a requerida corroborou esse mesmo entendimento, ali tendo alegado que “a conta existente no Banco CTT apresenta diversos movimentos a crédito e débito porquanto aí são depositados os valores das rendas do imóvel, sito em ... efetuados pelo casal FF e EE, que durante vários anos administraram o imóvel e debitados os valores resultantes da energia elétrica consumida no imóvel, sito em xxx”13.
Daqui decorre, com clareza, que os factos vertidos no ponto 15 dos factos provados estão largamente provados por acordo das partes, nos termos do disposto no art.º 574º, nº 2 do CPC, sendo que apenas um segmento daquele ponto não pode considerar-se assentes por acordo: a referência ao Sr. FF.
Aliás, conforme consta do ponto 3 dos factos provados, que não foi impugnado, deve considerar-se assente que as rendas relativas ao imóvel de ... “eram recebidas por EE, que estava incumbida para o efeito pelo inventariado pela Requerida, sendo que era esta quem depositava os valores mensais recebidos após liquidadas as despesas”.
Portanto, é manifesto que os factos vertidos no ponto 15 apenas podem ser questionados no tocante à referência ao Sr. FF.
Importa assim aferir se a prova produzida é suficiente para concluir que os valores depositados na conta do Banco CTT por iniciativa de FF provêm das rendas do imóvel de ....
Ora, o extrato bancário que constitui o doc. nº 1 junto com a junto com o requerimento da requerida com a refª 35499354/45140181, de 27-03-2023, que se reporta à conta bancária a que alude o ponto 13 dos factos provados (não impugnado), contém várias entradas a crédito, provindas de transferências bancárias provindas de uma conta titulada por FF. Essas transferências têm datas de 17-06-2019, 12-07-2019, 13-08-2019, 18-09-2019, 14-10-2019, 18-11-2019, 16-12-2019, 13-01-2020, 14-02-2020, 13-03-2020. Trata-se, por isso de transferências efetuadas em ritmo mensal, sendo que as efetuadas em 2019 são no montante de € 213,60, e as feitas em 2020 no montante de € 214,73.
Trata-se, pois, de transferências que, pela cadência mensal e montante certo são perfeitamente compatíveis com a leitura de que se tratariam de rendas.
O mesmo documento atesta ainda transferências bancárias efetuadas em 15-04-2020, 16-06-2020, 17-07-2020, 17-08-2020, 07-12-2020, 15-12-2020, 12-01-2021, 16-02-2021, 13-08-2021, 16-09-2021, 12-10-2021, 14-12-2021, 18-01-2022, 15-02-2022, e14-03-2022 efetuadas por EE, várias das quais no mesmo no valor de € 214,73.
É neste contexto probatório que devem ser ponderadas as declarações prestadas pela requerida.
Com efeito, atenta a enorme conflitualidade e animosidade inerente ao presente processo, e à contradição entre as teses sustentadas pela requerente (a interessada GG) e a requerida (cabeça-de-casal BB), não merecem especial credibilidade os depoimentos prestados por uma e outra que não encontrem apoio noutros meios de prova (aqui se excluindo o depoimento da testemunha HH, por ser marido da requerente e nessa medida comungar do interesse desta no desfecho da causa).
Porém, a verdade é que neste ponto, as declarações prestadas pela requerida encontraram eco noutros meios de prova, nomeadamente no acordo das partes quanto a matéria conexa e no mencionado extrato bancário.
Nesta conformidade, resta concluir que relativamente ao segmento deste ponto 15 dos factos provados relativo a depósitos efetuados por FF não vemos qualquer motivo para divergir do entendimento manifestado pelo Tribunal a quo.
Termos em que se conclui pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto quanto ao ponto 15 dos factos provados.
3.2.1.2.2. Als. B) e C) dos factos não provados
As als. B) e C) dos factos não provados têm a seguinte redação:
B. A Requerida omite da Requerente as informações sobre o valor auferido a título de contrapartidas mensais pela cedência do imóvel de ..., desde o dia 15/05/2019 até ao presente.
C. A Requerida omite a existência de “contrato(s) de arrendamento ou a resolução dos contratos de arrendamento” em vigor antes do óbito do inventariado.
A convicção do Tribunal a quo relativamente a estes pontos de facto acha-se descrita no ponto que antecede.
A apelante discorda deste entendimento, considerando que os factos em apreço devem considerar-se provados14, invocando para tanto as declarações prestadas pela apelada, que qualifica como confessórias, bem como o depoimento da testemunha HH e as suas declarações, transcrevendo os seguintes trechos:
Declarações da requerida
“00:07:08
Mmo. Juiz:
Desde que o senhor AA faleceu é a senhora que tem de tratar de tudo, certo? Calma, oiça. Tem dito aquilo que vai fazendo à senhora... [CC]?
BB 00:07:21 Não, nunca disse nada.
Mmo. Juiz | 00:07:24
Então e não acha que podia dar conta? Tem a noção que... que parte do património será da senhora, porque é que nunca disse nada?
BB | 00:07:33
Talvez, talvez. Mas quando eu fui ver o apartamento, da casa não fiz nada, mas quando eu fui ver o apartamento, a desgraça que estava lá dentro, eu tentei logo de...
Mmo. Juiz |00: 07:43
Mas não é só isso. Estamos a falar de pagamento de impostos, relativos a...
BB | 00:07:48 Eu pago tudo.
Mmo. Juiz | 00:07:48
Está bem, dá conta do que vai fazendo?
BB | 00:07:51 Não, não, não.
Mmo. Juiz| 00:08:47
Já disse que conversaram uma vez sobre os bens e desde aí nunca mais falaram.
BB | 00:08:48
Para cá não vai mais falar. Ela disse, não temos acordo, agora só com os advogados. Eu disse, tudo bem.
----
Mmo. Juiz 00:14:11
Olhe, a senhora informou a dona CC sobre se esse imóvel em ... estaria arrendado?
BB |00: 14:18
Na ocasião a mulher saiu para fora, já não houve mais renda.
Mmo. Juiz | 00:14:26
Então, hoje em dia está arrendada ou não?
BB |00: 14:28 Não está arrendada.
Mmo. Juiz | 00:14:29
Então, e quando é que a arrendatária saiu?
BB | 00:14:32
Ela saiu em 2020, acho que foi em 2020. 20 ou 21, 20.
----
Mmo. Juiz 00:14:56
Mas esta conta CTT mantém-se?
BB | 00:14:46 Sim.
Mmo. Juiz | 00:14:47
Com os valores daquelas rendas só? Não tocou na... As rendas que foram pagas entre o falecimento do Sr. AA e 2020, a data em que a arrendatária saiu, estão todas lá, é isso?
Está a perceber o que eu estou a dizer?
BB 00:15:04
Sim, sim
Mmo. Juiz 00:15:02 Então o que é que eu disse?
BB 00:15:11
Se o dinheiro está lá
Mmo. Juiz 00:15:11
O dinheiro de quê
BB |00: 15:13
As rendas não houve mais renda
Mmo. Juiz 00:15:23
O senhor AA faleceu quando?
BB
em 2019
Mmo. Juiz 00:15:26
E a arrendatária saiu da casa de ... quando?
BB 00:15:30
Em 2020
Mmo. Juiz 0:15:31
Então entre 2019 e 2020 não houve rendas?
BB | 00:15:33
Sim houve ela pagava [impercetível] quem tinha as contas era toda na agência agência é que fazia as contas
Mmo. Juiz |00: 16:01 E essa conta ainda existe?
BB 00:16:03 Sim.
Mmo. Juiz 00:16:04
Com essas rendas? Portanto, entre 2019 e 2020 houve rendas. E essas rendas estão depositadas na conta do Banco CTT. É isto?
BB | 00:16:11
Sim, sim. Eu não tenho a certeza bem como é que foi. Eu não tenho ideia em qual foi o tempo que a mulher saiu.
Mmo. Juiz | 00:18:12
Atualmente não há qualquer contrato de arrendamento pois não? esse imóvel tá vazio?
…
Mmo. Juiz 00:19:19
Disse-me que fez obras neste imóvel
BB 00:19:21 sim, sim
Mmo. Juiz 00:19:22
Que obras? Quando? E porquê?
BB | 00:19:22
Parece que foi há dois anos, não tenho ideia bem a certeza mas foi há dois anos
Mmo. Juiz 00:19:31 O que é que fez?
BB 00:19:32
Estava tudo, pus cozinha, pus chão pintei tudo e não se podia estar lá dentro casa de banho e dormitórios estava tudo
Mmo. Juiz 00:19:53
Disse à D. CC que fez estas obras?
BB 00:19:56
Não, não disse”
Declarações da requerente
“CC 00:51:00
Não faço ideia de quanto é que os rendeiros pagavam. Não faço ideia se havia, como se diz, condomínios para pagar. Não faço ideia de quem é que recebia rendas. Não sei absolutamente de nada.
Mandatária da RECORRENTE 00:52:28
Disse também ao senhor Mmo. Juiz que alguém lhe tinha dito que o arrendamento tinha terminado. Quem é que lhe disse?
CC
A senhora do lado, a própria rendeira, que eu também... A própria rendeira. A própria...
Mandatária da RECORRENTE
A senhora que estava lá a morar.
CC
Estava a arrendar. Eu peço desculpa às vezes.
Mandatária da RECORRENTE Sem problema. Percebemos.
CC
E ela até me confiou que foi uma altura bem delicada. Tinha falecido a mãe há duas semanas, tinha duas crianças, que não tinha dinheiro para ir atender uma coisa similar ao que estava. [00:53:03]”
Depoimento da testemunha HH
“Mandatária da RECORRENTE
00:13:36
Alguma vez presenciou a senhora BB a comunicar à sua esposa valores relacionados com a herança, tais como rendas, do apartamento de ...?
HH
Não. Eu, por acaso, antes de emigrar, era contabilista e eu nunca ouvi dizer nada. Ela não queria falar absolutamente de nada sobre heranças ou sobre valores existentes.
HH 00:14:11
Enquanto o senhor AA foi vivo, era só ele que tratava. Ela não tinha conhecimento nenhum, não porque era por desconfiar dela, eu penso, mas era porque ela não tinha capacidade, porque ele tinha negócios no Canadá, mas quem tratava de todos os casos era ele. Isso eu tenho a certeza, porque eu fui muitas vezes com ele, ele tratava, íamos ao banco e ele ia lá ao banco falar. Nunca, nunca, nunca a dona BB esteve envolvida em nada do controle dos bens do casal. [00:14:48]
----
Mandatária da RECORRENTE
00:16:55
Mas nunca tiveram nenhum contacto, neste caso o senhor, que é o senhor que eu estou a interrogar, alguma vez teve um contacto direto com essa agência para perceber se existiam arrendamentos, valores a serem recebidos mensalmente?
HH
Não, nunca nos foi dito nada. Como eu digo, depois da morte do senhor AA, a CC... deslocou-se com a dona BB, essa agência, mas não lhe foi dado conhecimento de nada. A senhora EE, a dona da agência, é que disse a partir deste momento é 50-50, olha que não é a renda, mas não foi isso que foi feito.
Mandatária da RECORRENTE Então o que é que foi feito?
HH
Nada. No meu conhecimento zero [00:16:42]”
Apreciando, diremos que a matéria vertida nestas als. B) e C) dos factos não provados corresponde ao alegado no art.º 22 do requerimento inicial deste incidente, sendo que o verbo “omitir” pressupõe uma conduta ativa no sentido de esconder de terceiros uma determinada realidade.
Acresce que a própria requerente declarou, nos arts. 19 e 20 do requerimento inicial, que sabia que o imóvel de ... estava arrendado, e que foi o seu falecido Pai quem lho disse.
Portanto, não vemos como possa considerar-se assente que a requerida ocultou da requerente a existência do contrato de arrendamento em questão.
Não obstante, é manifesto que nas declarações que prestou, a requerida reconheceu que nunca informou a requerida acerca dos valores recebidos a título de renda mensal respeitante ao imóvel de ..., tendo igualmente admitido que não informou a requerente da cessação do mesmo contrato de arrendamento.
Tais declarações devem qualificar-se como confissão, na medida em que constituem a admissão de factos desfavoráveis ao declarante (art.º 352ºº do CC), mas não têm não força probatória plena, visto que não constam de assentada (vd. ata com a refª 435075967, de 30-04-2024 e art.º 358º do CC e 763º do CPC), razão pela qual tal meio de prova está sujeito à livre apreciação do Tribunal (arts. 358º, nº 4, 1ª parte e 361º do CC).
Estando estas declarações sujeitas à livre apreciação do Tribunal, não se descortinam razões para duvidar da genuinidade e autenticidade do depoimento da requerida quanto a estes factos, até por se tratar de factos desfavoráveis à depoente.
Assim sendo, decide-se aditar dois novos pontos ao elenco de factos provados, com o seguinte teor:
2.a. A requerida não informou a requerente acerca do valor da renda mensal relativa ao imóvel mencionado em 2.
4.a. A requerida não comunicou à requerente. a desocupação do imóvel de ... mencionada em 4).
Consequentemente, decide-se igualmente:
a. Eliminar a al. B) dos factos não provados;
b. Alterar a redação da al. C) dos factos, suprimindo desta o inciso “ou a resolução dos contratos de arrendamento”.
3.2.1.2.3. Al G) dos factos não provados
A al. G) dos factos não provados tem a seguinte redação:
G. A Requerida deixa sistematicamente a porta traseira do imóvel de xxx aberta quando se ausenta de casa.
A convicção do Tribunal a quo relativamente a este ponto de facto foi motivada nos seguintes termos:
“Os factos descritos em F) a J) resultam não provados por absoluta inexistência de prova que demonstre o alegado pela Requerente, tratando-se de factualidade expressamente contrariada pela Requerida, que nega a veracidade de tais alegações, não podendo o tribunal concluir de forma diferente sem que tenha elementos concretos dos quais possa extrair tal conclusão.”
A apelante discorda deste entendimento, considerando que os factos vertidos neste pondo devem considerar-se provados.
Para tanto invoca as declarações da requerente e o depoimento da testemunha HH, transcrevendo os seguintes excertos:
Depoimento da requerente
(00:57:35 – 00:58:23)
“00:57:35
Mandatária da RECORRENTE
A senhora CC sabe se a senhora BB deixa habitualmente a porta de casa de xxx aberta?
CC
Pelo menos duas vezes. Uma das vezes saímos de manhã, chegámos por volta da uma e meia da tarde. A porta de baixo da cave estava completamente aberta. Completamente. Não encontrei a BB em lado nenhum. Fechei-a. A segunda vez foi já talvez em setembro à noite. Cheguei bastante tarde até porque estivemos fora o fim de semana e a porta estava completamente aberta outra vez. A da cave. Isto já à noite.
Mandatária da RECORRENTE
Estava o imóvel, portanto, sem segurança.
CC
Completamente aberta portanto sem segurança”
Testemunha HH (00:08:48 – 00:09:34)
“Mandatária da RECORRENTE
00:08:48
Eu estava a perguntar se alguma vez chegou a casa, essa casa de xxx, e deparou-se com a porta aberta, e vieram a perceber que a dona BB tinha deixado a porta completamente destrancada, que fazia com que a casa ficasse...
HH
Não foi só uma vez, foi várias vezes que isso aconteceu. Mas parece que era uma coisa normal que ela deixava a porta aberta. Ela deixava a chave da parte de fora e deixava a porta aberta. Até que eu lhe disse uma vez “Oh Dona BB não deixe a chave da parte de fora”. Comprei-lhe daquelas coisas para meter as chaves para andar no pescoço para não... Ao menos para poder fechar a porta. Mas nem isso ela usou.”
Apreciando, diremos que pelas razões já expostas, não consideramos o depoimento de qualquer das partes suficiente para formar convicção segura quanto à verificação de factos controvertidos que não encontre eco noutros meios de prova, aqui se excluindo expressamente o depoimento da testemunha HH, quando corrobora posições manifestadas pela requerente, por serem casados e o cônjuge da requerente comungar do interesse desta no desfecho do presente incidente, não mostrando distanciamento relativamente ao conflito dos autos.
Assim, sendo, considerando que os factos em apreço foram negados pela requerida e não foram invocados outros meios de prova para além das declarações da requerente e do depoimento seu marido, conclui-se pela improcedência da impugnação quanto a este ponto de facto.
3.2.1.2.4. Als. K), M), e N) dos factos não provados
As als. K), M), e N) dos factos não provados têm a seguinte redação:
K) A Requerida não cuida da manutenção do imóvel de xxx e insiste em destruir ou desfazer todas as conservações realizadas pelas Requerente.
M) A Requerida nunca investiu na conservação e reparação do imóvel de xxx, sendo que os móveis da cozinha estão em péssimo estado, prevendo-se que possam cair, desintegrar-se e magoar alguém.
N) O interior do imóvel tem humidade entranhada, sendo urgente tratá-la e eliminá-la.
O Tribunal a quo justificou a sua convicção relativamente a estes pontos de facto nos seguintes termos:
“No que tange à factualidade descrita em E) e K), o tribunal deu como não provado o alegado pela Requerente, porquanto se relevou que a Requerida demonstrou, na sua tomada de declarações, inequívoco interesse pelo imóvel de xxx e pela sua conservação. Nesse conspecto, explicou a Requerida que, exatamente por se preocupar com o estado do imóvel e do terreno, pretendia que o vizinho DD permanecesse com acesso ao terreno para preservação do mesmo nos períodos em que se encontra ausente no Canadá, o que não se mostrou possível porquanto a Requerente decidiu vedar o terreno.
Ademais, segundo as regras da experiência e da razoabilidade, não se mostra verosímil que a Requerida demonstrasse interesse em conservar a casa de ..., realizando obras no mesmo, e em simultâneo descurasse o imóvel de xxx.
(…)
Quanto aos factos M) e N), embora a Requerida reconheça que os móveis da casa de xxx são antigos, necessitando de reparação ou substituição, não se provou que os mesmos estejam a cair ou em péssimo estado, até pelo confronto com as imagens constantes dos autos de fls. 109 a 112v., bem como não se provou que as humidades verificadas no referido imóvel tornem urgente a sua eliminação imediata.”
A apelante considera que a matéria vertida na al. K) deve considerar-se parcialmente provada (a saber, que “A Requerida não cuida da manutenção do imóvel de xxx”), e que os factos vertidos nas als. M) e N) devem considerar-se integralmente provados15.
Para tanto invocou as declarações que prestou e o depoimento da testemunha HH bem como as declarações de parte da apelada, tendo transcrito os seguintes trechos:
Testemunha CC
(00:16:05 – 00:17:21; e 00:26:21 – 00:27:52)
“00:16:05
Mmo. Juiz
E a senhora [CC], quando cá está, zela pela conservação …?
CC
Doutor Juiz, há dois anos, talvez há três, pusemos persianas nas janelas traseiras da casa, não fizemos na frente porque tinha grades e era difícil de montar as persianas naquela zona, fizemos uma vedação a toda a volta da propriedade, mandámos limpar o terreno todo, chamámos uma companhia, porque as ervas eram enormes no verão, riscos de incêndio, e eu não gosto de ver as coisas assim. Dentro da casa, muito pouco, porque está a ser muito difícil. A BB não quer que eu mexa em nada, o ano passado foi um problema muito grande, porque eu estou a fazer coisas para o meu benefício, não entendo porque é que há de ser o meu benefício, se as duas somos donas da propriedade.
CC
Disse à BB que ia mandar fazer as persianas, nunca houve oposição. Disse que ia mandar fazer uma vedação, nunca houve oposição. [00:17:21]
----
CC
00:26:21
Para ser sincera, eu vim agora porque, pronto, quis estar presente em tribunal, mas a casa está muito degradada. Humidade por tudo quanto é lado, os armários da cozinha completamente a cair. Aliás, no verão passado tive a sorte de ter uma pessoa lá em casa que me ajudou porque um dos armários quase que me caía em cima dos pés. Eu não sei por onde começar. As torneiras da casa de banho, uma já não existe. Umas podem se fechar, outras não se podem. É completamente... E eu queria arranjar. Mas a BB diz, “não, aqui ninguém faz nada e aqui ninguém faz nada.” E eu já estou cansada de guerras. Já não quero guerrear mais. E então, deixei. Pronto, tudo bem. Fica assim. Vai caindo aos poucos.
Mmo. Juiz
Então, e que intervenções fez assim?
CC Desculpe?
Mmo. Juiz
Que intervenções fez assim?
CC
As persianas, as vedações. Mudei uma peça no chuveiro da casa de banho de lá de cima. Pouco mais, porque não posso fazer. Eu queria arranjar o chão, porque está em alcatifa lá em cima, em cima de cimento, que aquilo é... É bolor por todo o lado. Eu queria arrancar e ela diz-me que não.”
Testemunha HH
(00:03:07 – 00:03:59; e 00:19:00 – 00:20:54);
“00:03:07
Mandatária da RECORRENTE
Olha, queria lhe perguntar sobre um imóvel que pertence à herança, que é a casa de xxx. Queria lhe perguntar se, do conhecimento que tem, se o imóvel está bem conservado, se tem conhecimento se a sua esposa ou a senhora BB têm feito obras no imóvel, se são necessárias as obras, se não são necessárias, se o senhor conhece o próprio imóvel ou não.
HH
Conheço o imóvel, porque moro lá quando venho para Portugal, e então está um estado mesmo desagradável. As paredes a cair, buracos nas paredes, ainda agora vimos água no corredor, e propusemos, nós vamos fazer aqui umas obras. E a senhora Dona BB, a última vez que falámos com ela, disse, aqui ninguém mexe nada. [00:03:59]
(…)
HH 00:19:00
Como eu disse atrás, a pessoa responsável pelo casal era o senhor AA. A senhora Dona BB era só a esposa. Tudo o que fosse para fazer em casa, no banco, fora do banco, dos investimentos, era tudo, tudo senhor, a Dona BB, possivelmente agora teve que fazer. Mas, na minha opinião, não sou doutor, mas não tem capacidade para fazer isso. Nós, quando vamos fazer alguma coisa, temos que ter a certeza que pela lei podemos fazer. Se nós não tivermos a cumprir com a lei, temos problemas.
E uma delas é, fez, diz, o que nós não vimos, fez obras no apartamento de xxx [...] e nós não sabemos não. No inventário foi pedido que mostrasse o recibo da mão de obra, nunca apresentou, e se calhar possivelmente nunca irá apresentar. Disse que irá mostrar, a mostrar quando? Para mim, a dona BB não tem capacidade. Se tivesse capacidade... teria feito obras como fez obras em ..., também tinha feito obras em xxx, porque há a fotografia das condições degradantes que está a ficar. Nós quisemos fazer obras, quisemos limpar os terrenos, e a senhora sempre se opôs. “Aqui não mexe ninguém, aqui ninguém faz nada. Se isto é para cair, deixa cair.” Eu acho que não está certo. [00:20:54]”
Declarações da requerida
(00:49:28 – 00:50:59; e 00:51:48 – 00:52:16)
“00: 49:28
Mmo. Juiz |
Olhe, os móveis da cozinha estão em bom estado?
BB | 00:49:33
Não, não, quer ser arranjado, é isso sim.
Mmo. Juiz
Tem de ser mudado?
BB
Não se deixa, pode-se viver lá, mas quero os móveis, é.
Mmo. Juiz | 00:49:44 Não percebi.
BB | 00:49:46
Podemos estar lá, mas se a pessoa quiser arranjar, é para ficar bonita. Eu estou lá, eu estou lá, eu estou vivendo lá.
Mmo. Juiz |00: 49:53
Estão em mau estado, não é?
BB | 00:49:55
Não está muito mau estado, não.
Mmo. Juiz |00: 49:58|
Os móveis da cozinha estão em mau estado?
BB
Não.
Mmo. Juiz
Mas a senhora disse que tinham de ser mudados.
BB 00:50:04
Um dia quer ser mudado, mas eu só vou mudar quando houver as partilhas.
Mmo. Juiz | 00:50:41 Oiça, mas porque é que não falam?
BB 00:50:42 Não dá, não dá.
Mmo. Juiz
Prefere vir do Canada para o tribunal da ---
BB Mas tem que ser.
Mmo. Juiz: tem de ser? eu já expliquei o que é que tem que ser.
BB
Sim sim sim eu compreendo eu compreendo
Mmo. Juiz:
Passa pela boa vontade de ambas as partes. [00:50:59]
Mmo. Juiz| 00:51:48
O imóvel de xxx tem humidade?
BB
Ah pois tem. Tem humidade.
Mmo. Juiz:
E é humidade de maneira que ninguém, que não dê para habitar lá?
BB | 00:52:00
Para mim eu habito lá. Tenho desumidificador, a coisa para tirar a humidade, não? E a casa está fechada. Se estivesse aberta, era diferente, não?
Mmo. Juiz | 00:52:11
E é urgente a reparação? É urgente?
BB
Não. [00:52:16]”
Apreciando, diremos que dos três trechos supratranscritos resulta que quer a requerente e o seu marido, quer a requerida reconhecem e afirmam que o interior do imóvel de xxx tem humidade, embora não se possa considerar que a requerida tenha reconhecido que se trata de humidade entranhada ou que seja urgente removê-la.
No mais, concordamos inteiramente com o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, o qual encontra eco na prova produzida, considerando igualmente o que já referimos no ponto anterior, e tendo presente que não foi efetuada qualquer perícia que permitisse aferir de eventuais danos sentidos no imóvel em apreço e ou dos móveis existentes na cozinha do mesmo ou comprovasse a necessidade de reparação de um e outros.
Termos em que se determina:
a. Aditar ao elenco de factos provados um novo ponto 10A com o seguinte teor: “O interior do imóvel de xxx tem humidade”;
b. Alterar a redação da al. N) dos factos não provados, passando a mesma a ter a seguinte redação: “A humidade referida em 10A está entranhada, sendo urgente tratá-la e eliminá-la.”
3.2.1.2.5. Als. O) e P) dos factos não provados
As als. O) e P) do elenco de factos não provados têm o seguinte teor:
O. a requerida consciente e propositadamente não se encontra a liquidar as prestações à AUGI.
P. A gestão do passivo da herança não é feita adequadamente e são geradas novas despesas sem fundamento.
A apelante considera que estes pontos de facto devem considerar-se provados.16
Apreciando, diremos que os factos vertidos na al. O) não podem considerar-se provados, porquanto são incompatíveis com os vertidos nos pontos 19) e 20) dos factos provados, que a apelante não impugnou, e que têm o seguinte teor:
19. Em 2017 o inventariado celebrou um acordo de pagamento em prestações obrigando-se para com a Comissão da AUGI ao pagamento de quantias mensais de 200,00€.
20. à data da propositura do incidente, Estavam por liquidar 8376,60€ valor este que é do conhecimento da requerida e da requerente, estando ambas a liquidar na proporção de 50% as prestações mensais de 200,00€.
Assim sendo, e quanto a esta al. O) improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Relativamente à al. P), a mesma não contém qualquer facto.
Com efeito, Rosenberg17 definiu factos jurídicos como os acontecimentos (e circunstâncias) concretos, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico.
Para Alberto dos Reis18, “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior” e “é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”. Ou seja, estaremos no âmbito da matéria de direito “sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal” ao passo que “há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factos cuja existência ou não existência não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica”.
E acrescenta: “Reduzido o problema à sua simplicidade, a fórmula é esta: a) é questão de facto determinar o que aconteceu; b) é questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei de processo”.
Assim, o mesmo Mestre conclui que juridicamente relevantes são os factos que constituem «ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos humanos (…) vistos à luz das normas e critérios do direito».
Ora, afirmar que a gestão do passivo é inadequada é manifestamente um juízo conclusivo, que se extrai dos concretos atos de gestão que eventualmente justifiquem tal entendimento, por contraposição ao que se entender constituírem as regras a que deve obedecer uma boa gestão. Por outro lado afirmar que são geradas novas despesas sem fundamento constitui uma conclusão que se alcança a partir da determinação das concretas despesas que estejam em causa e das circunstâncias que demonstrem a sua falta de fundamento.
Assim sendo, a alínea P) dos factos não provados deve ser pura e simplesmente suprimida o que se determina.
3.2.1.2.6. Al. Q) dos factos não provados
A al. Q) dos factos não provados tem a seguinte redação:
Q) A Requerida faz uma administração imprudente da herança, atuando em proveito próprio com desvios de saldos bancários e gestão danosa dos imóveis.
O Tribunal a quo justificou a sua convicção relativamente a este a al. nos termos já expostos a propósito da al. O).
A apelante discorda da decisão probatória relativamente a esta alínea, considerando que “O facto não provado Q deve considerar-se parcialmente provado, sendo este uma conclusão das premissas anteriores, analisadas à luz da prova testemunhal e documental produzida nos autos. A RECORRIDA faz uma administração imprudente da herança, atuando com gestão danosa dos imóveis, o que se verifica quando não diligencia pela conservação dos imóveis, quando não liquida na integra as dívidas da herança, quando obsta ao diálogo com a RECORRENTE, quando não informa os saldos bancários existentes, quando deturpa a realidade sobre o acesso de contas bancárias, quando não tem discernimento sobre o modo adequado de gerir contas e saldos bancários, quando não sabe o nome da pessoa que encarregou de gerir parte dos imóveis da herança, quando obsta à utilização dos imóveis por parte da herdeira, quando não presta contas sobre a administração que faz ou não faz, quando não tem competências para gerir contas bancárias e não pede ajuda para tal, quando tenta distorcer a realidade ocultando informação importante da herdeira.”19
Analisando, diremos que a al. Q) não contém nenhum facto, mas sim um juízo conclusivo, como aliás a apelante expressamente reconhece, referindo que os factos que sustenta tal juízo conclusivo são os vertidos nas alíneas que a antecedem.
Não tendo qualquer conteúdo factual, deve ser pura e simplesmente suprimida.
Termos em que se decide suprimir esta alínea Q).
3.2.1.2.7. Al. S) dos factos não provados
A al. S) dos factos não provados contém a seguinte redação:
“A Requerida tem falta de idoneidade física para gerir a herança”.
Muito embora esta alínea não tenha sido objeto de impugnação, o certo é que a mesma não contém qualquer conteúdo fático, mas um juízo conclusivo.
Com efeito, afirmar que determinada pessoa carece de idoneidade física para exercer determinada atividade é uma conclusão que se extrai a partir de factos concretos que permita aferir:
• qual a concreta deficiência, doença, ou outra debilidade de que determinada pessoa padece;
• quais as concretas funções psíquicas ou motoras que tal(is) patologias afetam;
• de que modo e com que intensidade atingem o/a cabeça-de-casal
• quais os concretos atos e atividades que o exercício do cargo de cabeça-de-casal pressupõe (em especial em função dos bens que integram o acervo a partilhar).
Como já referimos, dispõe o art.º 662.º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
Em comentário a esta disposição legal ensinam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA20:
“1. A decisão sobre matéria de facto pode ser impugnada pelo recorrente quando os elementos fornecidos pelo processo possam determinar uma decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, como sucede quando não tenha sido respeitado documento confissão ou acordo das partes com força probatória plena (…). Outrossim quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (…), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (..).
2. Em qualquer destas situações a Relação, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e naturalmente dentro dos limites objetivo e subjetivo do recurso, deve agir oficiosamente, mediante aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da 1ª instância (arts. 607º, º 4, e 663º, nº 2). A oficiosidade desta atuação é decorrência da regra geral sobre a aplicação do direito (in casu, das normas de direito probatório material), na medida em que possam interferir no resultado do recurso que foi interposto e, é claro, respeitando o seu objeto global, que, no essencial, é delimitado pelo recorrente, nos termos do art.º 635º, e respeitando também o eventual caso julgado parcelar que porventura se tenha formado sobre alguma questão ou segmento decisório.”
Como bem explicam os citados autores, nos casos mencionados a alteração da decisão sobre matéria de facto pode ter lugar por iniciativa do Tribunal da Relação e ainda que nenhuma das partes o requeira, isto é, pode ter lugar oficiosamente. E o uso da forma verbal deve não deixa margem para dúvidas: não se trata de uma mera faculdade, mas de um dever imposto à Relação.
Nas palavras de ABRANTES GERALDES21, uma tal intervenção da Relação justifica-se nomeadamente “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art.º 358.º do CC e arts. 484.º, n.º 1, e 463.º do CPC) ou quando tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art.º 574º.º, n.º 2, do CPC) (…)”.
Neste sentido cfr. tb. ac. STJ 17-10-2019 (Bernardo Domingos), p. 3901/15.8T8AVR.P1.S1.
Um tal poder de alteração oficiosa da decisão sobre matéria de facto abrange igualmente situações em que esta decisão contenha proposições sem qualquer conteúdo factual.
Assim sendo, determina-se a eliminação da al. R) dos factos provados.
3.2.1.2.8. Recapitulação
Do supra exposto resulta, assim, a necessidade de alterar a decisão probatória, razão se afigura útil, em jeito de recapitulação, enunciar os factos que devem considerar-se factos provados e não provados.
3.2.1.2.8.1. Factos provados
1. A Requerida participou o óbito na Autoridade Tributária dois anos após a morte, em 13-04-2022 .
2. À data da morte do inventariado, o imóvel de ... estava cedido para utilização de terceiro mediante o pagamento de uma quantia mensal (denominado “contrato de arrendamento”).
2.a. A requerida não informou a requerente acerca do valor da renda mensal relativa ao imóvel mencionado em 2.
3. As aludidas contrapartidas mensais eram recebidas por EE, que estava incumbida para o efeito pelo inventariado e pela Requerida, sendo que era esta quem depositava os valores mensais recebidos após liquidadas as despesas.
4. O referido imóvel foi desocupado em Maio de 2022, tendo sido posteriormente realizadas obras pela Requerida, em virtude do mau estado em que o mesmo se encontrava. 2.a.
4.a. A requerida não comunicou à requerente a desocupação do imóvel de ... mencionada em 4).
5. A Requerida não solicitou autorização da Requerente para iniciar as obras no imóvel de ....
6. A Requerida não prestou informação sobre a decisão de fazer obras no imóvel de ....
7. A Requerente decidiu fazer uma vedação delimitando o quintal pertencente ao imóvel de xxx do imóvel contiguo pertencente ao vizinho DD.
8. Enquanto o inventariado era vivo, o aludido vizinho ficava responsável pela preservação, cultivo e limpeza do quintal em causa.
9. A Requerida cortou parte da vedação que a Requerente tinha instalado para vedar o quintal do imóvel de xxx.
10. A Requerida construiu um degrau entre os muros que delimitam o espaço envolvente entre o imóvel de xxx e o imóvel contíguo pertencente ao vizinho DD, por forma a facilitar o acesso entre ambos os terrenos.
10A. O interior do imóvel de xxx tem humidade.
11. Após o falecimento do inventariado, a Requerida convidou a Requerente e ambas deslocaram-se ao Banco Millennium onde estavam depositados saldos bancários inerentes às contas de depósitos à ordem nº ...85 no valor de € 4.225,17 e depósito a prazo nº ...11 no valor de € 80.000,00, ambas com dois titulares, sendo um deles o inventariado e o outro a Requerida.
12. Nessa altura, Requerente e Requerida tiveram ambas conhecimento dos saldos bancários existentes.
13. Nessa altura, a Requerida efetuou uma transferência de 70.000,00€ das supra indicadas contas à ordem e a prazo para o Banco CTT onde foi aberta a conta à ordem n.º nº ...56 em seu nome.
14. Ainda nessa altura, a Requerida entregou à Requerente um cheque no montante de 5.000,00€.
15. A mencionada conta aberta no Banco CTT foi utilizada para depositar os valores das contrapartidas mensais recebidas pela utilização do imóvel de ..., efetuados pelo casal FF e EE, e para debitar os valores resultantes das despesas da herança.
16. O imóvel de xxx está inserido em área urbana de génese ilegal (AUGI).
17. A assembleia de proprietários da AUGI 15 de Vila Ribeiro determinou que os custos de reconversão dos lotes que foram sendo calculados ao longo dos anos desde 2003, por estimativa, com base na permilagem de cada lote, fossem pagos por cada proprietário.
18. Assim, para o lote deste imóvel foi estabelecido o pagamento de 500€ para o ano de 2003, 750€ para os anos de 2005 a 2007, todavia, o inventariado deixou de liquidar estes montantes em 2006, tendo sido coercivamente obrigado ao pagamento de 17.176,60€.
19. Em 2017, o inventariado celebrou um acordo de pagamento em prestações, obrigando-se para com a comissão da AUGI ao pagamento de quantias mensais de 200,00€.
20. À data da propositura do incidente, estavam por liquidar 8.376,60€, valor este que é do conhecimento da Requerida e da Requerente, estando ambas a liquidar na proporção de 50% as prestações mensais de 200,00€.
21. Requerente e Requerida vivem habitualmente no estrangeiro.
3.2.1.2.8.2. Factos não provados
A. Os únicos dois atos que a Requerida praticou enquanto cabeça-de-casal foram os seguintes: entregou um cheque de 5.000,00€ à Requerente no dia 24/05/2019 e criou uma conta bancária em dela Requerida, no Banco CTT onde deveriam ser recebidas as contrapartidas mensais de um dos imóveis da herança.
B. A Requerida omite a existência de “contrato(s) de arrendamento” em vigor antes do óbito do inventariado.
C. A Requerida omite do inventário o recheio do imóvel de ....
D. A Requerida nunca se preocupou em saber o estado de conservação do imóvel de xxx desde o primeiro dia em que foi investida no cargo de Cabeça de Casal.
E. A Requerida cancelou o seguro multirriscos do imóvel de xxx.
F. A Requerida deixa sistematicamente a porta traseira do imóvel de xxx aberta quando se ausenta de casa.
G. A Requerida terminou com o fornecimento de eletricidade do imóvel de xxx.
H. A Requerente prontificou-se a solicitar a reparação da vedação após esta ter sido cortada pela Requerida e, nesse seguimento, estando na presença de três trabalhadores, a Requerida proferiu em voz alta que não iria “fazer absolutamente nada naquela casa, pelo contrário a casa podia cair porque ela nada faria”.
I. Ao constatar que a reparação da vedação havia sido efetuada, a Requerida teve um impulso de raiva e um surto psicótico gritando com os trabalhadores, batendo por diversas vezes de forma violenta na sua cabeça, batendo nos móveis da casa e injuriando a Requerente.
J. A Requerida não cuida da manutenção do imóvel de xxx e insiste em destruir ou desfazer todas as conservações realizadas pelas Requerente.
K. A Requerida está no imóvel de xxx desde Novembro de 2022 e não limpou o terreno.
L. A Requerida nunca investiu na conservação e reparação do imóvel de xxx, sendo que os móveis da cozinha estão em péssimo estado, prevendo-se que possam cair, desintegrar-se e magoar alguém.
M. A humidade referida em 10A está entranhada, sendo urgente tratá-la e eliminá-la.
N. A Requerida consciente e propositadamente não se encontra a liquidar as prestações à AUGI.
3.2.2. Da remoção do cargo de cabeça de casal 3.2.2.1. Considerações gerais
Aqui chegados, cumpre aferir se no caso em apreço se se verificam os pressupostos de que depende a remoção da requerida do cargo de cabeça de casal. Antes, porém, justifica-se um breve excurso teórico acerca dos requisitos desta figura.
Dispõe o art.º 2079º do CC que “a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal.”
Como claramente decorre deste preceito, o núcleo essencial das funções de cabeça de casal consiste na administração dos bens da herança. Essa administração abrange os bens próprios do falecido e, sendo este casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal – art.º 2087º do CC. Assim se explica por que razão falecendo o de cuius no estado de casado, o cargo de cabeça-de-casal se defere ao cônjuge sobrevivo – art.º 2080º, nº 1, al. a) do CC.
Ao cabeça-de-casal compete igualmente comunicar o óbito do falecido à Autoridade Tributária, nomeadamente para efeitos de Imposto de Selo (art.º 26º do Código do Imposto do Selo22), bem como, sendo caso disso intentar processo de inventário (art.º 1097º do CPC); cobrar dívidas da herança (art.º 2089º do CC), vender frutos da herança para satisfazer encargos da mesma (art.º 2090º), e pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar (art.º 2088º).
Não obstante, o cabeça de casal pode ser removido do cargo quando careça de condições para o exercer.
Assim, estabelece o art.º 2086º, nº 1 do CC que “O cabeça-de-casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem:
a) Se dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes;
b) Se não administrar o património hereditário com prudência e zelo;
c) Se não cumpriu no inventário os deveres que a lei lhe impuser;
d) Se revelar incompetência para o exercício do cargo.”
Sobre este incidente, seguindo o entendimento anteriormente manifestado por JOÃO LOPES CARDOSO23 refere AUGUSTO LOPES CARDOSO24:
“As funções do cabeça-de-casal, porque são vastas e complexas, hão-de ser desempenhadas com seriedade, bom senso e diligência. Só desta forma o inventário poderá tocar seu termo com segurança e brevidade e oferecer garantia segura de que as partilhas são rigorosas e têm base séria.
A complexidade de tais funções exige competência para o desempenho do cargo e, porque do seu bom exercício depende a finalidade a que visa o processo de inventário, compreende-se que a lei estabeleça cominação para as faltas cometidas pelo cabeça-de-casal, por culpa sua, quer provenientes de incúria ou negligência, quer voluntariamente praticadas.
Há, por assim dizer, como que um feixe de direitos e deveres por parte do cabeça-de-casal, cuja postergação importa falta grave para a qual a remoção actua como castigo bastante. Assim afasta-se o cabeça-de-casal do seu cargo para que não cause mais danos e da cessação das suas atribuições resulta a privação dos inerentes direitos ou regalias libertando igualmente os respectivos encargos”.
Como se depreende da leitura do preceito supratranscrito, ali se consagram quatro fundamentos distintos de remoção do cargo de cabeça-de-casal.
O primeiro fundamento [al. a)] consiste na ocultação dolosa de bens pertencentes à herança, ou de doações feitas pelo autor da herança (vd. art.º 2096º, nº 1 do CC), ou ainda na denúncia também dolosa de doações ou encargos inexistentes. Trata-se, por isso, de situações da máxima gravidade, pressupondo, todas elas uma atuação dolosa, aqui se compreendendo o dolo intencional (intenção e vontade de praticar o comportamento, ciente das consequências do mesmo), necessário (consciência do resultado como consequência necessária da conduta, embora sem intenção direta de atingir o mesmo), ou eventual (representação da possibilidade de ocorrência do resultado como consequência da conduta, conformando-se com tal eventualidade).
O segundo fundamento de remoção [al. b)], a mesma reporta-se a situações em que, não estando em causa a aptidão do cabeça de casal para o exercício do cargo, ocorre o cumprimento defeituoso dos deveres de administração dos bens da herança, sendo que a referência aos conceitos de zelo e diligência denunciam que aqui se integram quer as condutas dolosas, quer as meramente negligentes. Não obstante, como já referimos, as condutas negligentes apenas constituirão fundamento para a remoção do cabeça de casal se atingirem uma gravidade significativa.
Na concretização deste fundamento diz AUGUSTO LOPES CARDOSO25 que “na apreciação da «prudência e zelo» para o arbítrio decisório como aliás não podia deixar de ser: é manifesto que o que para uns constitui boa administração para outros deixará de a ser, que tudo depende não só do seu objetivismo de quem julga, senão da própria natureza e constituição dos bens que se compreendem no acervo da herança em administração.”
O terceiro fundamento de remoção reporta-se à inobservância dos deveres inerentes ao cargo, no âmbito do processo de inventário [al. c)]. Pressupõe, por isso ações ou omissões, dolosas ou (gravemente) negligentes praticadas na pendência de processo judicial ou procedimento notarial de inventário.
Finalmente, o quarto fundamento [al. d)] consiste na “incompetência para o exercício do cargo”, a qual tem sido pacificamente qualificada conceito indeterminado, a preencher de acordo com as circunstâncias de cada caso.
Interpretando esta norma dizem PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA26 que o conceito de incompetência pressupõe que a pessoa nomeada revele, no desempenho do cargo, inaptidão para o mesmo, ou seja, demonstre não possuir as qualidades necessárias para o preenchimento da função que lhe foi confiada.
Por seu turno, observa AUGUSTO LOPES CARDOSO27:
“I. Tanto o Cód. Proc. Civil de 1876, como os que se lhe seguiram (1939 e 1961) foram omissos quanto à questão de saber se a incompetência para o exercício do cargo podia ser causa de remoção.
Assim também o Anteprojecto do Direito das Sucessões e o próprio Projecto provisório do Cód. Civ. vigente. É no Projecto definitivo que tal fundamento surge pela primeira vez e daí a sua inserção no actual art.º 2086.°-l-d)do Código Civil.
II. Compreende-se e aceita-se o dispositivo legal.
Compreende-se, porque não é de presumir no que exerce o cabeçalato um conjunto de conhecimentos que lhe permitam abarcar toda e qualquer administração, ainda menos quando esta haja de exercer-se em unidades fabris ou comerciais, ou grandes explorações agrícolas que exigem habilidade e idoneidade profissional.
Aceita-se porque desde sempre foi preferível prevenir do que remediar.
Este fundamento não se confunde com o respeitante à administração do património hereditário com imprudência ou falta de zelo [o da alínea b) já estudado). Na alínea b), prevê-se o caso de, sendo embora competente profissional ou funcionalmente, o cabeça-de-casal se meta em aventuras perigosas ou se desleixe no cumprimento dos deveres que lhe incumbem; na alínea d), atinge-se o caso de inexistirem no cabeça-de-casal qualidades bastantes para a administração ou para esse cumprimento.
Ponto comum a ambos os fundamentos é o que implica o próprio exercício do cabeçalato, pois é através deste exercício que há-de revelar-se a incompetência causal da remoção.
Não basta, pois, que de antemão se saiba que lhe falece competência; é mister que dê provas da incompetência através de um exercício, mais ou menos prolongado, das respectivas funções.
Na averiguação dessa «competência», mais uma vez uma cláusula geral, também há grande margem para arbítrio decisório, por isso que a lei a não define. Será legítimo, por analogia, tomar como bons os critérios que ficaram expostos quanto à administração imprudente ou não zelosa, sem prescindir da natureza dos bens, sua grandeza e dificuldades de gerência.”
Mas acrescentava JOÃO LOPES CARDOSO, em referência aparentemente não sufragada pelo sue sucessor:
“Atente-se, porém, em que se não está perante uma norma taxativa (o artigo 2086° do Código Civil), como facilmente resulta dos seus dizeres e da própria interpretação jurisprudencial. Mas daqui não se concluirá que deva generalizar-se o seu conteúdo e por forma a dar-lhe interpretação extensiva. São graves as consequências da remoção, e a situação em que moralmente se coloca aquele que prevaricou e foi removido é de molde a impressionar o julgador e diminuir, consequentemente, o prestígio e bom nome do que até então desempenhava o respectivo cargo.
Por isso mesmo a pena só terá aplicação quando a falta cometida revista gravidade e raras vezes resultará em consequência da involuntária omissão ou demora no cumprimento dos deveres. A lei exemplifica os casos em que a pena de remoção pode ser imposta e na apreciação deles e na interpretação dos fundamentos legais, ainda fica margem para um grande arbítrio do julgador.
O prejuízo causado à herança ou a potencialidade desse prejuízo são factores primaciais a atender na aplicação da referida pena”
Este enquadramento da figura da remoção do cargo de cabeça de casal tem sido acolhido pacificamente na jurisprudência dos Tribunais superiores – vd., entre outros os acs.:
• RL 10-12-2009 (Rosário Gonçalves), p. 1775/05.6YXLSB-E.L1-1;
• RL 23-03-2014 (Luís Espírito Santo), p. 1318/11.2YXLSB-B.L1-7;
• RL 23-03-2017 (Mª Manuela Gomes), p. 745/13.5TJLSB-A.L1;
• RC 12-04-2018 (Luís Cravo), p. 62/18.4YRCBR.C1;
• RG 05-03-2020 (Jorge Teixeira), p. 524/11.4TBAMR-F.G1;
• RP 07-10-2021 (Filipe Caroço), 1450/12.5TJPRT-J.P1;
• RP 01-06-2023 (Carlos Portela), p. 828/20.5T8LOU-A.P1;
• RP 16-01-2024 (Lucinda Cabral), p. 1183/12.2TYVNG-J.P1;
• STJ 03-02-1999 (Abílio Vasconcelos), p. 97B903;
No plano processual, estatui no art.º 1103º, nº 2 do CPC que a substituição escusa e a remoção do cabeça de casal constituem incidentes do processo de inventário aos quais se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância.
No âmbito deste incidente relevam, por isso, as ações e omissões do cabeça-de-casal ocorridas antes da sua propositura, sendo certo que a aferição dos requisitos de que depende a remoção deverá obviamente assentar na análise de comportamentos concretos do cabeça-de-casal, razão pela qual a mera alegação genérica das circunstâncias previstas no art.º 2086º, nº 1 do CC ou a mera afirmação de juízos conclusivos é absolutamente inidónea para tal efeito – Neste sentido cfr. LOPES CARDOSO28, e. ac. RP 19-05-2022 (Carlos Portela), p. 91/20.8T8VFR-A.P1. 3.2.2.2. O caso dos autos
Aqui chegados, cumpre então reverter ao caso dos autos.
3.2.2.2.1. Al a) do nº 1 do art.º 2086º do CC
No que diz respeito à al. a) do nº 1 do art.º 2086º do CC, consignou o Tribunal a quo:
“não se provou que a Requerida tenha dolosamente sonegado a existência de quaisquer bens componentes da herança do inventariado, não se encontrando, como tal, preenchida a previsão legal da alínea a).”
Subscrevemos inteiramente este entendimento.
Na verdade, embora reconheçamos que a requerente e ora apelante não invocou expressamente este fundamento, o certo é que alegou que a requerida não lhe deu conhecimento da situação relativa ao arrendamento de um imóvel pertencente à herança do falecido nomeadamente o montante da renda e as quantias recebidas a este título29, e a cessação da vigência do mesmo contrato, o que reiterou em sede de recurso30.
E efetivamente resultou provado que assim sucedeu31.
Neste contexto, afigura-se oportuno esclarecer que esta factualidade não consubstancia ocultação de bens da herança.
Com efeito, o rendimento decorrente do arrendamento em questão integra o acervo patrimonial da herança, mas não é de qualificar como bem da herança, nos termos e para os efeitos previstos nesta disposição. Bem da herança, será o imóvel em questão, de cuja existência a requerente sempre soube32, e bem assim a conta bancária na qual foram depositadas as rendas do mesmo imóvel33. Já as rendas constituem frutos civis da herança (art.º 212º do CC).
Tendo a cabeça-de-casal, no âmbito do presente processo de inventário, relacionado quer o mencionado imóvel, quer a referida conta bancária, não pode considerar-se verificado este fundamento de remoção do referido cargo.
3.2.2.2.2. Al b) do nº 1 do art.º 2086º do CC
No tocante à al. b) do nº 1 do art.º 2086º do CC, entendeu o Tribunal a quo que “também não se demonstrou que a Requerida desempenhe as funções de cabeça de casal com falta de zelo ou prudência. Com efeito, a Requerida demonstrou interesse no património hereditário ao efetuar obras necessárias no imóvel de ..., atendendo ao mau estado em que foi deixado pela anterior inquilina; demonstrou zelo ao retomar o pagamento da dívida à AUGI em conjugação com a Requerente; e demonstrou prudência ao não precipitar a realização de obras de conservação (que não se provaram essenciais nem urgentes) no imóvel de xxx, antes de realizadas as partilhas e ao manter aproximadamente no mesmo patamar os saldos bancários existentes à data da morte do inventariado.”
Concordamos inteiramente com estas considerações, na medida em que resultou efetivamente provado que após a cessação do contrato de arrendamento relativo ao imóvel de ... e a sua subsequente desocupação a requerida providenciou pela realização de obras no mesmo, em virtude do mau estado em que o mesmo se encontrava34; e que igualmente se demonstrou que em conjunto com a requerente, a requerida retomou o pagamento de uma dívida para com a AUGI do imóvel de xxx35.
É certo que a apelante objetou que este encargo deveria ser liquidado, na sua totalidade, pela apelada, no âmbito das suas funções de cabeça-de-casal36, pressupondo-se que o fez por considerar que os bens da herança, nomeadamente a conta bancária do Banco CTT continha fundos suficientes para suportar tal encargo. Simplesmente, desconhece-se em que circunstâncias entenderam a apelante e a apelada repartir o mencionado encargo, sendo certo que também não se apurou qualquer oposição por parte da apelante no que respeita a tal modo de proceder.
Deve igualmente ponderar-se que a apelante sustentou que a apelada não zela pela conservação do imóvel de xxx, mas tal alegação não resultou provada – als. K) a N) dos factos não provados. Neste particular, salienta-se que embora a apelante tenha impugnado a decisão sobre matéria de facto quanto às mencionadas alíneas K), M), e N), apenas logrou a alteração do decidido quanto à existência de humidade no interior daquele imóvel, não tendo ficado sequer provado que tal humidade esteja entranhada, ou que seja urgente removê-la37. Donde, daquele facto não pode extrair-se qualquer violação dos deveres de zelo e diligência relativamente à administração deste bem da herança.
Ainda com relevância relativamente à aplicabilidade da al. b) supra aludida, cumpre ainda apontar que resultou provado que tendo a apelante feito uma vedação delimitando o quintal pertencente ao imóvel de xxx do imóvel contíguo pertencente a um vizinho, a apelada cortou uma parte dessa vedação e construiu um degrau entre os muros que separam ambos os imóveis, de modo a facilitar o acesso entre ambos os terrenos.38
Cremos, porém, que nenhum destes factos consubstancia violação dos deveres de zelo e diligência a que está obrigado o cabeça-de-casal.
Com efeito, e desde logo, da alegação da requerente e ora apelante depreende-se que aquela vedação foi por si implementada após o decesso do seu falecido Pai, e que tal sucedeu sem prévia concertação com a apelada.
Ora, cabendo o exercício do cargo de cabeça-de-casal à apelada, e incumbido a esta a administração dos bens da herança, não se tratando de uma obra de reparação urgente, destinada a evitar dano iminente, carecia a apelante de fundamento para implementar tal vedação.
De qualquer modo, da factualidade suprarreferida não é possível concluir que o corte de parte da vedação instalada pela apelante se tenha traduzido num efetivo prejuízo para o imóvel em questão.
Argumenta outrossim a apelante que a apelada não a informou sobre o valor da renda do imóvel de ..., e que também não a informou de que o contrato de arrendamento relativo a este imóvel tinha cessado, que não a consultou previamente antes de levar a cabo obras nesse imóvel, factos que resultaram provados39.
Porém, inexiste qualquer disposição legal que imponha ao cabeça de casal o dever de consultar previamente os interessados antes de tomar providências no sentido de administrar os bens da herança, sendo certo que as obrigações de informação inerentes ao cargo se cumprem através da prestação anual de contas, nos termos previstos no art.º 2093º do CC.
Ora, se é verdade que não consta da factualidade que tais contas tenham sido prestadas, também não se demonstrou o inverso, sendo certo que se acha pendente uma ação de prestação de contas, que corre termos por apenso, a qual foi intentada em data posterior à dedução do presente incidente.
Numa outra linha, argumenta a apelante que a apelada não lhe faculta acesso às contas bancárias que integram o acervo patrimonial da herança, o que em seu entender deveria ser feito mediante a colocação do dinheiro ali depositado numa conta em que todos os herdeiros fossem titulares ou “autorizados”40.
Contudo, não explica a apelante qual o fundamento legal de tal afirmação, sendo certo que não descortinamos motivo para considerar que a apelada se achava obrigada a fazê-lo, visto que as obrigações de informação e transparência inerentes ao exercício do cargo se satisfazem mediante a prestação anual de contas (art.º 2093º, nº 1 do CC), acompanhada da documentação de suporte às contas apresentadas.
Conclui-se, assim, que o procedimento seguido pela apelada, no sentido de abrir uma conta bancária em seu nome, para ali depositar valores de contas bancárias anteriormente tituladas pelo falecido, e depositar valores de rendas do imóvel de ... não configura violação dos deveres de zelo e diligência a que está vinculada na qualidade de cabeça-de-casal – Analisando uma situação semelhante, cfr. o já citado RP 01-06-2023 (Carlos Portela), p. 828/20.5T8LOU-A.P1.
Também argumentou a apelante que a apelada mantém uma conta aberta no Millenium BCP em nome do falecido, com um saldo aproximado de € 2.000,00 “que está congelado porque não diligencia pela sua obtenção.”41
Contudo, analisado o elenco de factos provados, verificamos que apenas se apurou a existência de uma conta bancária no Millenium42, mas não que tal conta esteja por qualquer forma bloqueada, e muito menos que a apelada não tenha diligenciado no sentido de obter acesso a tal conta. Aliás, este aspeto não foi sequer alegado no requerimento inicial do presente incidente.
Finalmente, cumpre ponderar que a apelante argumentou que a apelada não respeitou o prazo legal para comunicação do óbito do falecido à administração fiscal.
Reporta-se a apelante ao disposto no art.º 26º, nº 1 do Código do Imposto do Selo43 que “O cabeça-de-casal e o beneficiário de qualquer transmissão gratuita sujeita a imposto são obrigados a participar ao serviço de finanças competente a doação, o falecimento do autor da sucessão, a declaração de morte presumida ou a justificação judicial do óbito, a justificação judicial, notarial ou efectuada nos termos previstos no Código do Registo Predial da aquisição por usucapião ou qualquer outro acto ou contrato que envolva transmissão de bens”, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que “A participação deve ser apresentada até ao final do 3.º mês seguinte ao do nascimento da obrigação tributária, em qualquer serviço de finanças ou noutro local previsto em lei especial.”
No caso vertente, apurou-se que a participação o óbito do falecido à Autoridade Tributária e Aduaneira apenas teve lugar dois anos após o decesso do de cuius, pelo que há que concluir que aquele prazo não foi observado.44
Não obstante, sempre se dirá que se apurou que a apelada reside habitualmente no Canadá, e que da factualidade provada não resulta que da inobservância do prazo em questão tenha resultado qualquer prejuízo para a herança do falecido, ou para a apelante.
Termos em que se conclui que a factualidade provada não permite concluir pela verificação da causa de remoção consagrada na al. b).
3.2.2.2.3. Al c) do nº 1 do art.º 2086º do CC
No que tange à al. c) do nº 1 do art.º 2086º do CC, entendeu o Tribunal a quo que “Também não se provaram quaisquer violações de deveres que a lei imponha ao cabeça de casal (alínea c)). Ademais, conforme resulta de fls. 34, no que se pode aferir nesta sede, a herança nada deve à Fazenda Nacional e a dívida da AUGI está a ser gradualmente liquidada, tendo sido originariamente contraída ainda pelo inventariado.”
Quanto a este ponto, cumpre precisar que a mencionada al. c) se reporta ao exercício das funções de cabeça-de-casal no contexto de um processo de inventário, ou seja, reporta-se aos deveres que se prendem com a tramitação do processo. Daí que tenhamos analisado a questão do pagamento da dívida à AUGI à luz da al. b).
Não obstante, sempre diremos que no caso vertente, de entre os fundamentos invocados pela apelante para sustentar a remoção da apelada do cargo de cabeça de casal que se prendem com os deveres a que está vinculada no âmbito do processo de inventário dizem respeito, por um lado, ao facto de terem decorrido quatro anos desde o óbito do falecido e a data da propositura da ação45, e à forma como foi elaborada a relação de bens.
Quanto à propositura da ação, não cremos que a mesma possa constituir fundamento de remoção do cabeça-de-casal, na medida em que qualquer interessado tem legitimidade para a intentar – art.º 1085º, nº 1, al. a) do CPC.
Relativamente às divergências de entendimento entre ambas, no tocante à relação de bens, as mesmas dirimem-se no âmbito do incidente de reclamação previsto nos arts. 1104º e 1105º do CPC. No âmbito de um tal incidente podem, em abstrato, apurar-se condutas demonstradoras de incumprimento das obrigações inerentes ao desempenho do cargo de cabeça-de-casal no âmbito do processo de inventário. Contudo, no caso vertente não resulta da factualidade provada no âmbito do presente incidente qualquer facto que denuncie a violação de tais específicos deveres, sendo certo que o incidente de reclamação sobre a relação de bens ainda não foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo.
Termos em que se tem por não verificado o fundamento de remoção do cargo de cabeça de casal previsto nesta alínea c).
3.2.2.2.4. Al d) do nº 1 do art.º 2086º do CC
Aqui chegados cumpre apenas verificar se no caso vertente se deve ter por verificado o fundamento consagrado na al. d) do nº 1 do art.º 2086º do CC. Neste particular entendeu o tribunal a quo que ” por reporte à factualidade provada, e ressalvando a dificuldade do exercício das funções de cabeça de casal, ainda para mais residindo a Requerida no estrangeiro e tendo mais de 80 anos, não é possível concluir que a Requerida demonstre um grau de incompetência que obrigue este tribunal a determinar a sua remoção e substituição pela Requerente. Com efeito, e de facto, mais do que a aptidão para o exercício do cargo propriamente dita, está em causa uma relação notoriamente conflituante e litigiosa entre ambas, a qual só poderá ficar definitivamente dirimida após efetuadas as partilhas.”
Quanto a este ponto, não descortinamos nos argumentos invocados pela apelante em sede de recurso nenhum argumento de facto ou de Direito que permita contrariar as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo.
Com efeito, resultou provado que tanto a requerente como a requerida residem habitualmente no estrangeiro46, sendo certo que da factualidade provada não consta qualquer elemento que permita aferir da idade da requerente, nem sequer consta dos autos documento que permita suprir tal omissão. Seja como for, concordamos inteiramente com o Tribunal a quo quando conclui que a análise global dos factos revela que as relações entre a requerente e a requerida são pautadas por elevados níveis de litigiosidade, mas não traduzem a violação grave dos deveres inerentes ao exercício do cargo de cabeça de casal de tal forma que legitimem um juízo global de incompetência para o exercício de tal cargo.
Termos em que concluímos que não se verifica o fundamento previsto na alínea d).
Em consequência, isso igualmente pela total improcedência da presente da apelação.
3.2.3. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já em sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, face à total improcedência da apelação, forçoso é concluir que as custas respeitantes à presente apelação (na modalidade de custas de parte) devem ser suportadas pela apelante.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmar a sentença apelada.
Custas pela apelante.
Lisboa, 11 de março de 2025 47
Diogo Ravara
Ana Mónica Mendonça Pavão
Paulo Ramos de Faria
______________________________________________________
1. Da responsabilidade do relator - art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06, e adiante designado pela sigla “CPC”.
2. Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, nas citações, a grafia do texto original.
3. Todos os acórdãos citados no presente aresto se acham publicados em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. A versão eletrónica deste acórdão contém hiperligações para todos os arestos nele citados.
4. Adiante designado pela sigla “CC”
5. Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
6. Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
7. As conclusões I a IX não têm qualquer relevância, porquanto contêm meras referências genéricas à decisão apelada e à insatisfação da apelante no tocante ao decidido.
8. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166.
9. Conclusão LXII.
10. Arts. 73 a 77 da motivação do recurso.
11. Art.º 18.
12. Arts. 19 a 21, e arts. do requerimento de reclamação contra a relação de bens aí transcritos.
13. Art.º 9 do referido articulado.
14. Conclusões XII e XVII.
15. Cfr. conclusões XXII e XXVI.
16. Vd. conclusão XXXVI
17. “Tratado de Derecho Procesal Civil”, tomo II, tradução espanhola de Angela Romera Vera, 1995.
18. “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 4ª ed., pp. 206-209.
19. Conclusão XXXVII que corresponde aos arts. 46 e 47 da motivação do recurso. 20. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2018, p.796.
21. “Recursos no novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, p. 286
22. Aprovado pelo DL 150/99, de 11-09. A redação do preceito citado atualmente em vigor foi-lhe conferida pela Lei n.º 64-B/2011 – 30-12. Não se coloca, por isso qualquer questão de aplicação da lei no tempo.
23. “Partilhas judiciais”, vol. III, 4ª ed., Almedina, 1991, pp. 11 ss.
24. “Partilhas litigiosas”, vol. II, 7ª ed., Almedina, 2018, pp. 109 ss.
25. Ob. e vol cits., p. 121. Do seu predecessor, vd. p 19.
26. “Código Civil Anotado”, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, p. 146.
27. Ob. e vol. cits., p. 134-135. Do seu antecessor, ob. e vol. cits., p. 26.
28. Ob. e vo. cits., p. 20.
29. Cfr. arts. 19 e 22 do requerimento inicial do presente incidente. 30. Vd. conclusão XII
31. Pontos 2, 2a, 4, e 4ª dos factos provados.
32. Vd. arts. 19 e 20 do requerimento inicial.
33. Pontos 3, 11, e 15 dos factos provados.
34. Ponto 4 dos factos provados.
35. Ponto 20 dos factos provados.
36. Conclusões LXXIX a LXXXI.
37. Vd. ponto 10A dos factos provados, e al. N) dos factos não provados, na redação que lhe foi conferida nos termos consignados no ponto 3.2.1.2.4. supra.
38. Pontos 7 a 9 dos factos provados.
39. Pontos 2a, 4ª, 5, e 6 dos factos provados.
40. Conclusão LXV.
41. Conclusão LXVI.
42. Ponto 11.
43. Aprovado pelo DL 150/99, de 11-09. A redação do preceito citado atualmente em vigor foi-lhe conferida pela Lei n.º 64-B/2011 – 30-12. Não se coloca, por isso qualquer questão de aplicação da lei no tempo.
44. Ponto 1 dos factos provados.
45. Conclusão LVXII.
46. Ponto
47. Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.