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DIREITO DE PREFERÊNCIA
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PRAZO DE RECURSO
PROCESSO URGENTE
DEPÓSITO DO PREÇO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
I - Numa ação em que é formulado mais do que um pedido e em que apenas um deles assume caráter urgente, se a mesma foi tramitada desde o seu início como um processo dito normal (por oposição a urgente), é legítima a confiança da parte no sentido de que o Tribunal entendeu que o processo não era urgente; II - Sendo o Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho (diploma que define o regime jurídico do arrendamento rural na Região Autónoma dos Açores) omisso quanto ao exercício judicial do direito de preferência previsto no seu art.º 27º, é aplicável ao exercício desse direito, por força do seu art.º 32º e do art.º 1091º do CC, o disposto no art.º 1410º, n.º 1, do CC, com as devidas adaptações; III - O art.º 1410º, n.º 1, do CC, na parte em que exige que o depósito do preço devido seja efetuado nos 15 dias seguintes à propositura da ação, não é inconstitucional.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
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I. Relatório:
AA (…), residente (…), veio intentar a presente ação declarativa de processo comum contra BB (…), residente (…), CC (…), residente (…), DD (…) e mulher, EE (…), residentes (…) e Caixa (…), Cooperativa de Responsabilidade Limitada, com sede (…), pedindo:
a) que se declare e reconheça o Autor como dono e legítimo proprietário do prédio identificado nos artigos 1º a 4º da petição;
b) que se declare e reconheça o Autor como arrendatário do prédio identificado nos artigos 5º a 7º da petição;
c) que se condenem os Réus a reconhecer que o Autor gozava, e goza, do direito de preferência na aquisição do prédio rústico (…), uma vez que o mesmo confina com o prédio do Autor indicado em 1º a 4º da petição, devendo, em consequência, os 3ºs Réus ser substituídos pelo Autor na posição de adquirente na escritura de compra e venda identificada na petição, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente os efetuados a favor dos 3ºs Réus e 4ª Ré.
d) Serem os Réus condenados a reconhecer que o Autor gozava, e goza, do direito de preferência na aquisição do prédio rústico (…), uma vez que o Autor é arrendatário do mesmo, devendo, em consequência, os 3ºs Réus ser substituídos pelo Autor na posição de adquirente na escritura de compra e venda identificada na petição, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente os efetuados a favor dos 3ºs Réus e 4ª Ré.
Alega para o efeito ser proprietário do prédio rústico (…).
No ... (…), situa-se um prédio rústico (…). A aquisição desse prédio encontrava-se inscrita a favor da primeira e segunda Rés.
Por escritura pública de 2 de agosto de 2022, os terceiros Réus declararam comprar à primeira e segunda Rés, que declararam vender, pelo preço de 24.000,00 €, o dito prédio rústico.
O prédio do Autor, acima identificado, confronta com esse prédio a sul.
O Autor explora e explorava à data da escritura, diretamente, o seu prédio.
A primeira e segunda Rés não notificaram o Autor para que este pudesse exercer o seu direito legal de preferência na compra daquele prédio, sendo que o Autor só tomou conhecimento da compra e venda celebrada entre os Réus em Novembro de 2022. Concretamente, foi-lhe dito a 23.11.2022 que a escritura de compra e venda foi realizada no Cartório Notarial (…), tendo esta sido disponibilizada no mesmo dia por e-mail à sua mandatária.
Os terceiros Réus, à data da escritura de compra e venda, não eram proprietários de qualquer outro prédio confinante com o que adquiriram.
Além disso, por contrato de arrendamento verbal celebrado em data não concretamente apurada mas anterior a 1960, o pai do Autor arrendou aquele prédio aos proprietários daquela altura. Em 1993, o pai e os anteriores proprietários concordaram que o aqui Autor fosse dali em diante o arrendatário daquele prédio, uma vez que o pai do Autor ia deixar de ter exploração agrícola. A partir dessa data, o Autor liquidou as rendas anuais a FF (…), a AA (…) cerca de dez anos, depois à sua filha, GG (…), cerca de cinco a seis anos, e há mais de quinze anos liquidava a renda a HH (…) que se arrogava responsável pelo recebimento das mesmas.
Mais alega que em consequência da dita escritura de compra e venda os terceiros Réus inscreveram a aquisição do referido prédio a seu favor.
Por outro lado, por via da indicada escritura de compra e venda os terceiros Réus declararam ter recebido da quarta Ré, comprometendo-se a restituir, a quantia de 155.000,00 €, para aquisição desse e outros terrenos. Os terceiros Réus, como garantia do reembolso dessa quantia, declaram constituir hipoteca a favor da quarta Ré sobre o referido prédio. Assim, a quarta Ré inscreveu a seu favor a referida hipoteca.
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A petição inicial deu entrada um juízo no dia 02.02.2023.
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Citados, todos os Réus contestaram.
Na respetiva contestação, a primeira, segunda e terceiros Réus invocaram a exceção de caducidade do direito de ação, referindo para o efeito que o Autor, nos 15 dias seguintes à propositura da ação, não depositou o valor respeitante ao preço do negócio celebrado entre os Réus.
Quanto ao mais, impugnaram, na sua maior parte, os factos alegados pelo Autor.
Também a quarta Ré, na sua contestação, invocou a exceção da caducidade do direito de ação, o que fez com o mesmo fundamento dos demais Réus.
Impugnou igualmente, na sua maioria, os factos alegados pelo Autor.
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Em 28.06.2023 foi proferido despacho do qual, na parte que aqui nos interessa, consta: “(…) Considerando a exceção de caducidade invocada pelos Réus por falta de depósito por parte do Autor do preço devido (preço da compra e venda do prédio rústico identificado na petição inicial e estipulado na escritura em causa), previsto no n.º 1 do artigo 1410.º do Código Civil, e ponderando o tribunal decidir a questão, ao abrigo da gestão e adequação processual, nos termos do disposto nos art.ºs 3.º, n.ºs 3 e 4 e 6.º do Código de Processo Civil, notifique o Autor para, no prazo de 10 dias, querendo, exercer contraditório à exceção perentória aduzida pelos Réus. Notifique.”
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Em 14.07.2023 o Autor juntou um requerimento, do qual, na parte que aqui nos interessa, consta: “(…) 7. No que concerne à caducidade, o Autor uma vez mais refere que até à presente data ainda não foi notificado da apresentação de qualquer contestação das partes; 8. Nem mesmo com este despacho foi dado conhecimento ao Autor das contestações apresentadas pelas outras partes; 9. Assim sendo, requer que seja concedido novo prazo para pronúncia acompanhado das contestações; 10. Até porque, quando é submetida uma contestação na plataforma citius não é possível notificar eletronicamente os mandatários; 11. Ou seja, esta notificação é realizada pela secretaria judicial (e não pelos mandatários envolvidos como ocorre com outras peças processuais) e no presente caso ainda não foi efetuado; 12. Devendo esta falta ser conhecida pelo Tribunal e ser pelo mesmo suprida; 13. Sempre se diga que o depósito autónomo da quantia de 24.000,00€ foi prestado através de DUC emitido para o efeito que ora aqui se junta. 14. Pelo exposto, não deverá a exceção invocada ser procedente porquanto o valor devido encontra-se depositado nos cofres do Estado.”
Com esse requerimento, o Autor juntou aos autos documento comprovativo de ter realizado um depósito autónomo no valor de 24.000,00 € no dia 08.05.2023.
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Em 03.10.2023, foi proferido despacho, do qual, na parte que aqui nos interessa, consta: “(…) Volvendo à falta de notificação da contestação, verifica-se que, efetivamente, não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 575.º do Código de Processo Civil. Vejamos. No que aqui interessa, preceitua o artigo 195.º do Código de Processo Civil: 1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2. Quando um ato tenha de ser anulado, anulam –se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. 3. Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo – nosso sublinhado. No caso vertente, o Autor tomou conhecimento das contestações apresentadas e, tanto é assim que, veio exercer contraditório relativamente à exceção de caducidade do direito de preferência, invocando justo impedimento e liquidando multa, à cautela. Logo, o princípio do contraditório foi plenamente assegurado, tomando conhecimento o Autor das exceções deduzidas, ao ponto de ora vir depositar €24.000,00 (preço da compra e venda em questão). Por fim, saliente-se que, não há lugar a réplica nos presentes autos porquanto não foi deduzida reconvenção. Em súmula, afigura-se-nos que, a irregularidade em causa não influi no exame ou decisão da causa, tanto mais que, foi respeitado o principio do contraditório na sua plenitude, devendo improceder a irregularidade invocada. Pelo que, face ao exposto, julgo improcedente a irregularidade de falta de notificação da contestação ao Autor. Notifique. (…). Uma vez que, as posições de ambas as partes estão devidamente expressas nos articulados, atentas as regras de repartição do ónus de alegação e da prova, a prova carreada para os autos e o objeto do litígio, pondera o Tribunal proferir Saneador – Sentença, ao abrigo e nos termos do art.º 591.º, n.º 1, alínea d), e art.º 595.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil. Assim sendo, e antes de mais, nos termos e para os efeitos do art.º 3.º, n.º 3, do C.P.C. notifique as partes para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciarem.”
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Na sequência desse despacho apenas o Autor se pronunciou, defendendo, no que se refere à exceção de caducidade do direito de ação, em súmula, que o depósito efetuado em fase de articulados cumpre os pressupostos da letra da lei, referindo-se ao artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil.
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Em 28.11.2023 o Tribunal a quo proferiu saneador-sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz: “(…) III- DECISÃO Face ao exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a exceção perentória de caducidade do/s direito/s de preferência do Autor procedente, e, em consequência absolvo os Réus dos pedidos. Mais decido condenar o Autor nas custas da presente ação. * Fixa-se à presente causa o valor de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros) - (artigos 301.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1 e 2 do mesmo Código). Notifique. Registe.”
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Não se conformando com essa decisão, o Autor dela veio interpor recurso.
Reproduzem-se de seguida as respetivas conclusões recursivas:
“III- CONCLUSÕES: 1. A sentença que ora aqui se recorre refere que “ao exercício do direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes de área inferir à unidade de cultura por força do artigo 1380.º n.º 4 do Código Civil, é aplicável o prazo para o depósito do preço fixado no artigo 1410.º n.º 1, do mesmo Código”. 2. O Autor com a propositura da presente ação pretender ver reconhecido o direito de preferência de que se arroga titular na venda do prédio objeto da compra e venda realizada com dois fundamentos: • Confinância entre o prédio vendido e o prédio de que é proprietário; • Qualidade de arrendatário (arrendamento rural na Região Autónoma dos Açores que atualmente é regulado pelo Decreto Legislativo Regional 29/2008/A, de 24 de julho. 3. Diz-nos o artigo 1380.º n.º 1 e 4 do Código Civil que: 1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante. 4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações. 4. Este artigo remete-nos para o artigo 1410.º do Código Civil que regula a ação de preferência dos comproprietários, conforme referido na própria sentença. Contudo estes dois artigos não regulam o exercício de preferência do arrendatário de prédio rústico. 5. Ou seja, nem no artigo 1380.º nem no artigo 1410.º é prevista a hipótese do exercício de preferência ser exercido pelo arrendatário, não devendo por isso ser de aplicar tal normativo legal no caso concreto. 6. Ainda que por mera hipótese se admitisse que o depósito haveria de ser prestado quando o Autor fundamenta a sua pretensão na confinância e que por isso deveria ser conhecida a caducidade da ação quanto a este pedido, sempre deveria a ação correr os seus termos quanto aos restantes pedidos, nomeadamente quanto à pretensão de exercer o seu direito de preferência por ser arrendatário. 7. Por sua vez quanto ao direito de preferência do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho nada é referido quanto à aplicação do artigo 1410.º do Código Civil. Aliás, o artigo 27.º sob a epígrafe “preferência” apenas refere o seguinte: 1 - No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários assiste o direito de preferirem na transmissão. 2 - O direito de preferência do arrendatário cede perante o exercício desse direito por co-herdeiro, comproprietário ou por proprietário de prédio confinante, nos termos do artigo 1380.º do Código Civil. 8. Aliás, até mesmo o arrendamento de prédios urbanos remete para a aplicação do artigo 1410.º no seu artigo 1091.º n.º 4, mas tal correlação nunca é feita quanto ao arrendamento de prédios rústicos. 9. Ou seja, se o legislador não fez esta remissão no âmbito dos arrendamentos de prédios rústicos foi porque não quis prever a aplicabilidade do artigo 1410.º nas ações de preferência baseadas em arrendamento rural. 10. Até porque, o direito de preferência do arrendatário rural prevalece sobre os direitos de preferência concedidos pela lei geral e por isso faz sentido que o regime aplicável até seja diferente e mais favorável. 11. Além disso alega a sentença recorrida dois Acórdãos, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23/09/2021 (que se julga ser o respeitante ao processo n.º 20/20.9T8PTM.E1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/04/2020 (que julga se do processo n.º 129/19.1T8FAF-C.G1) mas estes não são semelhantes ao caso concreto tratado nos presentes autos. 12. Isto porque, aqueles Acórdãos tratam de situações em que os Autores eram apenas proprietários de terreno(s) confinante(s), e por isso naqueles Acórdãos foi aplicado o regime instituído no artigo 1380.º do Código Civil e no artigo 1410.º por sua vez. 13. Sucede que, no caso do A., aqui Recorrente, este não agiu apenas como confinante mas também como arrendatário de prédio rústico, aplicando-se por isso o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A. 14. Pelo exposto, e porque o Autor fundamenta a sua pretensão no facto de ser arrendatário do prédio rústico objeto de venda deveria o Tribunal a quo considerar que não havia a obrigatoriedade de prestar o depósito 15 dias após a propositura da ação, até porque não há nenhum normativo legal que o impunha. 15. Pelo exposto, andou o mal o Tribunal a quo quando absolveu os réus dos pedidos, quando o regime da caducidade só se poderia ter aplicado a um dos pedidos (fundamentado na confinância). 16. Mesmo que assim não se entenda sempre importa referir que no que concerne ao depósito do valor da venda, a verdade é que o mesmo foi efetuado e foi junto ao processo o seu comprovativo (ainda antes da notificação de qualquer contestação), conforme referido na douta Sentença. 17. É verdade que o Autor se pronunciou quanto à exceção da caducidade invocada nas contestações, mas só se pronunciou porque este Tribunal o notificou para o efeito e nesse caso teve o Autor que consultar as contestações apresentadas no Citius para que se pudesse pronunciar, conforme havia sido notificado. 18. Além disso, o prazo estabelecido no artigo 1410.º n.º 1 do Código Civil não prevê a possibilidade em que os Autores têm que recorrer a financiamento bancário (ou outros empréstimos pessoais), chegando mesmo este artigo a limitar os preferentes a exercer o seu direito no prazo reduzido concedido. 19. A leitura por si só do artigo 1410.º n.º 1 do CC não se coaduna com o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva) e com o artigo 62.º da Constituição (direito de propriedade privada), sendo de alegar desde já a inconstitucionalidade. 20. Aliás, o Autor poderia ter de se socorrer de empréstimos tal como os Réus o fizeram, e por se tratar de uma mera hipótese de aquisição de um prédio a verdade é que a obtenção de empréstimo não é tão simples (pois trata-se de uma possibilidade e não de uma certeza/garantia para a instituição bancária). 21. Sempre se diga que há que interpretar aquele normativo do artigo 1410.º n.º 1 com a intenção do legislador ao criar a mesma, e a verdade é que a letra da lei só assim está construída porque o depósito do preço visa garantir o vendedor contra o perigo de, finda a ação, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar, perdendo aquele também o contrato com o primeiro comprador. 22. Diz-nos a doutrina, mais precisamente, Antunes Varela sobre a finalidade prosseguida pela lei ao impor este ónus ao preferente, que a razão de ser desta exigência se explica pela “ideia de garantir, na medida do possível, a utilidade real da ação de preferência, pondo o alienante a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente (por este se desinteressar entretanto da sua realização ou por não ter os meios necessários para a aquisição) [...]. É uma segurança para o alienante e não deixa de constituir também uma garantia para o próprio preferente, forçado a apresentar desde logo os meios necessários para a aquisição que pretende realizar”. 23. Por isto, o depósito da mencionada contraprestação (ainda que tardia) é bastante para remover esse perigo e para este normativo assumir o seu papel neste processo. 24. Ou seja, o depósito ainda em fase de articulados cumpre os pressupostos da letra da lei, pois ainda haveria a audiência prévia, audiência de discussão e julgamento e posteriormente Sentença. 25. Deveria por isso o Tribunal a quo ter prosseguidos com os termos do processo, nomeadamente marcação de diligência (audiência prévia ou audiência de discussão e julgamento), uma vez que o depósito foi prestado nos autos antes de finda a ação. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por Douto Acórdão que ordene a prossecução dos presentes autos pelo Tribunal de primeira instância.”
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Os primeira, segunda e terceiros Réus apresentaram contra-alegações, cujas conclusões se reproduzem: “CONCLUSÕES 1. Olvidou o Autor o disposto no artigo 32.º do DLR n.º 29/A/2008, de 24 de Julho com a epígrafe direito subsidiário. 2. De acordo com o referido artigo, nos casos omissos, em tudo o que não contrarie os princípios do diploma, aplicam-se as regras gerais dos contratos e as especiais da locação, em conformidade com as disposições do Código Civil. 3. A acção de preferência prevista no artigo 1410.º do Código Civil, a propósito dos comproprietários, é extensível aos demais direitos de preferência reais como sejam os previstos nos artigos 421.º, n.º 2, 1091.º, n.º 4, que prevê o direito de preferência do arrendatário, e 1535.º, n.º 2, do Código Civil). 4. Ainda que o Regime Jurídico do Arrendamento Rural da Região Autónoma dos Açores não tenha norma remissiva para o artigo 1410.º do Código Civil, por força do referido artigo 32.º aplica-se as regras gerais dos contratos e as especiais da locação, em conformidade com as disposições do Código Civil. 5. Em todo o caso, é de aplicar-se por analogia o artigo 1410.º do Código Civil, nas acções de preferência em que se invoca a qualidade de arrendatário, porquanto, os pressupostos subjacentes à norma, aplicam-se, mutatis mutandis, nas situações em que se verifica o exercício do direito de preferência na invocada qualidade de arrendatário. 6. Acresce que, o depósito do preço pelo Autor nos presentes autos foi feito muito para além do prazo legal, previsto no artigo 1410.º do Cód. Civil em consequência, também pelo exercício do direito de preferência na invocada qualidade de proprietário de prédio confinante caducou o direito do Autor. 7. A douta sentença recorrida não merece nenhuma censura. 8. Pelo que deve improceder o recurso interposto pelo Autor da douta decisão recorrida, por ser de JUSTIÇA!”
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O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo.
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Pela ora Relatora foi proferido o seguinte despacho:
“De acordo com o art.º 30º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A de 24 de julho (Regime Jurídico do Arrendamento Rural na Região Autónoma dos Açores), “Os processos judiciais decorrentes do exercício do direito de preferência têm carácter de urgência (…).” Através da presente ação o Autor pretende fazer valer o direito de preferência de que se arroga titular na compra do prédio que as primeira e segunda Rés venderam aos terceiros Réus, alicerçando esse direito, designadamente, na sua alegada qualidade de arrendatário rural desse prédio, em conformidade com o disposto art.º 27º, n.º 1, do citado Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho. Neste contexto, importa concluir pela natureza urgente do presente processo. É certo que o Autor alicerça o seu direito de preferência também na circunstância de o seu prédio e o prédio em cuja compra pretende preferir serem confinantes entre si, autonomizando os dois pedidos em função dos respetivos fundamentos. No entanto, apesar de autónomos os dois pedidos são cumulativos e não subsidiários, sendo indiferente para esse efeito a ordem pela qual foram formulados. E, assim sendo, o prazo de que o Autor dispunha para interpor recurso da sentença proferida nos autos era de 15 dias, tal como prevê o art.º 638º, n.º 1, do CPC. Verificando-se que da sentença em causa foi remetida notificação ao Autor em 30.11.2023, considera-se essa notificação efetuada em 04.12.2023 (cfr. art.º 248º do CPC). O prazo para interposição de recurso que assim começou a correr no dia 05.12.2024 completou-se no dia 19.12.2024, sendo que o ato ainda poderia ser praticado, mediante o pagamento da respetiva multa, nos 3 dias úteis posteriores ao termo desse prazo, ou seja, até ao dia 22.12.2023 (cfr. art.º 139º, n.º 5, do CPC). No entanto, o Autor apenas no dia 18.01.2024 deu entrada do respetivo recurso. Saliente-se que a natureza urgente da ação de preferência alicerçada na qualidade de arrendatário rural resulta da lei e não de declaração do juiz nesse sentido, sendo como tal indiferente se até ao momento o processo não foi tramitado como tal. Atento o exposto, por extemporâneo, não se admite o presente recurso.”
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Não se conformando com esse despacho, o Autor apresentou reclamação para a conferência, formulando as seguintes conclusões:
“A) O Recorrente não se acomoda com a decisão singular proferida pela Exma. Senhora Relatora e, por isso, impugna a mesma nos termos do artigo 652.º, n.º 3, requerendo a submissão da matéria à conferência para que sobre a matéria recaia um acórdão; B) O caráter urgente dos presentes autos ao abrigo do artigo 30.º da LARA, com o devido respeito, não tem cabimento legal, desde logo, porque estamos perante uma ação de preferência, declarativa de condenação, cujo fundamento em primeira linha é o exercício do direito de preferência pela confinância e, daí, a aplicação dos prazos gerais. C) O presente processo foi intentado pelo ora Recorrente, como ação de processo comum – ação de preferência, tendo por base em primeira linha o seu direito de preferência enquanto proprietário de terreno confinante nos termos do artigo 1380.º Código Civil, e em segunda linha porque era arrendatário do terreno em questão de acordo com o artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional 29/2008/A, de 24 de julho (preferência esta que cede perante o direito de preferência por proprietário de prédio confinante nos termos do número 2 do artigo 27.º do mesmo Decreto), e por isso deveria ter sido considerado como pedido subsidiário, por assim resultar da lei. D) Pelo exposto, é do entendimento do Recorrente bem como do Tribunal de Primeira Instância que o processo em causa está sujeito aos prazos gerais, sendo um processo comum. Aliás, o processo foi sempre tramitado como de um processo comum se tratasse. E) Veja-se que nestes autos já foi apresentado um recurso, anteriormente a este, mais concretamente a 06/09/2023 do despacho da não homologação da desistência de instância (ref. Citius 5332632), despacho este que foi preferido a 29/06/2023. Aquele recurso foi admitido pelo Tribunal de primeira instância a 03/10/2023, bem como pelo Tribunal da Relação de Lisboa e foi apreciado pela mesma secção cível (2.ª secção) tendo o Acórdão sido notificado a 26/10/2023 às partes. Ou seja, aquele primeiro recurso foi analisado por este Tribunal da Relação de Lisboa e por esta mesma secção ficou sujeito aos prazos gerais, e inclusive o prazo esteve suspenso em férias judiciais. F) Por isso, é com surpresa que o Recorrente recebe o despacho de extemporaneidade quando este é o segundo recurso que apresenta no âmbito dos presentes autos e que é distribuído a este Tribunal Superior, e à mesma secção, pois o mesmo vai contra as expectativas jurídicas que o Recorrente tinha firmado no processo e contra os atos anteriormente praticados. G) O processo desde o seu início foi tratado sempre como não urgente, como se de uma ação normal se tratasse, quer em termos de tramitação dos atos, quer na contagem dos prazos, sem que em momento algum fosse pelo tribunal a quo ou por este Tribunal atribuída a natureza de processo urgente. Aliás, aquando da citação dos Réus (ref. Citius 54649473, 54649474, 54649520, 54649524, 54649526) constam das mesmas as advertências que os prazos se suspendem em férias. H) Todos estes factos criaram no Recorrente, a convicção de que o prazo de que dispunha não corria em férias, e era de trinta dias, convicção essa legítima e merecedora, por isso, da tutela do direito, pois o Recorrente confiou nas decisões dos tribunais de primeira e de segunda instância de admissão e conhecimento do anterior recurso, bem como das notificações efetuadas pela Secretaria ao longo do processo e de todos os trâmites do mesmo. I) O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência no sentido da proteção da confiança da parte que atua segundo a atuação do Tribunal, tomando um ato como não sujeito ao regime dos processos urgentes porque o Tribunal assim o determinou, e admitindo a prática de um ato que, se o processo fosse urgente e os respetivos prazos corressem em férias judiciais, seria extemporâneo, mais concretamente no processo n.º 07B4716, datado de 31.03.2009, bem como a jurisprudência em geral veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao Proc. n° 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1, 6ª secção, datado de 09-07-2014 e o Acórdão do STJ proferido a 17 de maio de 2016, no processo 1185/13.1T2AVR.P1.S1. J) A convicção do Recorrente é fundada, legítima e merece a tutela do direito, pois estamos perante uma situação de confiança justificada, assente na boa fé e gerada pela aparência, que, como tal, deve ser protegida pelo Tribunal. Assim, face a todo o exposto, o Tribunal incorreu na violação dos princípios legais e constitucionais da certeza, segurança jurídica, tutela da confiança, boa-fé, proporcionalidade, acesso ao direito, a uma tutela efectiva e a um processo equitativo, ao proferir a decisão de não admissão do recurso, com fundamento exclusivo no carácter urgente dos autos, quando, como já se disse supra, a ação foi tramitada sempre como processo não urgente, e tendo o Recorrente a legítima expectativa de que assim fosse tratado igualmente, ainda para mais nesta fase crucial de recurso da decisão final. K) Aliás, estaríamos a sobrepor o princípio da preclusão aos princípios da cooperação eda boa fé processual, bem como ao princípio da proteção da confiança o qual tem vindo a assumir, na jurisprudência constitucional portuguesa, um conteúdo normativo preciso, que faz depender a tutela da confiança legítima dos cidadãos da verificação de alguns requisitos, como sejam, no concreto caso, o órgão judicial tenha encetado comportamentos capazes de gerar no recorrente expectativas de continuidade, sendo tais expectativas mais do que legítimas e justificadas (o que foi caso o caso, não só porque a primeira instância admitiu o presente recurso, como a primeira e segunda instância admitiriam o recurso interposto a 06/09/2023 e conheceram do seu mérito, quando o Recorrente teve em conta a suspensão das férias judiciais), a propósito do princípio da proteção da confiança, veja-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional 128/2009 de 12 de Março de 2009 (Relatora Maria Lúcia Amaral); 413/2014 de 30 de Maio de 2014 (Relator Carlos Fernando Cadilha); 408/2015 de 23 de Setembro (Relatora Maria de Fátima Matamouros), in www.dgsi.pt. L) Acresce que, nos termos do nº 2 do artigo 20º da CRP e do artigo 2º do CPC a todos os cidadãos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, tendo ainda nos termos do nº 3 do artigo 20º do mesmo diploma todos os cidadãos direito a um processo equitativo. M) Ora, a não admissão do recurso pelo Recorrente com fundamento em que o processo se tratava de um processo urgente, constitui, como decorre da motivação supra, uma clara, grave e inadmissível violação do direito não só de acesso aos tribunais, mas ainda da igualdade processual das partes, firmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. E de igual modo se estaria a violar o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na medida em que estabelece que todas as pessoas têm direito, numa situação de plena igualdade, a que a sua causa seja objeto de um exame equitativo por parte de um órgão judicial, independente e imparcial, o que sairia frustrado se não se concedesse, em termos de paridade com o anteriormente acontecido em primeira e segunda instância, que a interposição de recurso foi apresentada no tempo. N) Constituindo assim a não apreciação do recurso não só uma grave inconstitucionalidade por violação de direitos elementares do Recorrente, bem como a violação do n.º1 do artigo 638.º, do n.º 1 do artigo 644.º, do número 1 e 3 do artigo 629.º, 212.º todos do Código de Processo Civil, e a denegação da justiça. O) Sempre se diga que não ocorreu boa-fé processual, por parte dos Recorridos, pois os mesmos nunca invocaram a urgência do processo, nem mesmo quando o Autor recorreu do despacho de não aceitação de desistência da instância a 29/06/2023, sendo que o Recorrente na sua contagem de prazos teve em conta a suspensão do prazo nas férias judiciais de verão, surpreendendo o A. apenas com o recurso da decisão final. P) Por último, alega-se ainda uma nulidade do processo, na medida em que a não qualificação expressa pelo tribunal de primeira instância como processo urgente constitui uma irregularidade que veio a influir no exame e decisão da causa, como decorre do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, que será sanável pela admissão da apelação ao abrigo da exceção do n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Civil, uma vez que, a não apresentação de recurso no prazo de 15 dias, não se deveu a qualquer culpa grave ou dolo do Recorrente, mas sim ao facto do tribunal de primeira instância não ter em momento algum determinado que o processo seguisse tramitação urgente e do tribunal da segunda instância já ter conhecido do mérito de outro recurso, apresentando segundo os prazos gerais. Q) Ou sempre se diga ainda, que esta situação processual (que, repetimos, foi criada pela primeira instância e mantida pela segunda instância) cabe na situação de justo impedimento, a que alude o artigo 146.º, nº1, uma vez que se tratou de facto obstaculizador da prática de acto imputável apenas ao Tribunal e não ao Recorrente, a tal não obstando a «(…)possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.(…)», o que acontece no caso sub judicio, cfr Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol I/257. R) Além disso, as secretarias dos Tribunais devem assegurar o expediente, autuação e regular tramitação dos processos (artigo 157º n.º 1), com o zelo com que o faria um bonus pater familias. E, nos termos do n.º 6 do artigo 157.º do CPC, tais erros ou omissões não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Por isso, não pode o aqui Recorrente ser prejudicado quando todos os atos da Secretaria (nomeadamente as citações), o Tribunal de Primeira Instância e o Tribunal de Segunda Instância praticaram sempre os atos como processo comum. S) Pelo exposto, a decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa violou, não interpretou corretamente ou descurou, nos termos acima especificados, as seguintes normas: artigos 2.º, 4.º, 138.º n.º 1, 146.º n.º 2, 157.º, n.º 6, 195.º, 212.º, 629.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; e artigos 13.º, 18.º.º n.º 2, 20.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa. T) Concluindo, e uma vez que se deve aplicar os prazos gerais, o prazo foi cumprido pelo Recorrente.”
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O Réu DD (…) respondeu.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
A) Questão prévia
- Da tempestividade do recurso;
B) Mérito do recurso
- Da caducidade do direito de preferência.
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III. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
1. A presente ação de preferência deu entrada em juízo no dia 02.02.2023.
2. Por escritura pública lavrada aos 02 de Agosto de 2022, (…), os terceiros Réus declararam comprar à primeira e segunda Rés, que declararam vender, pelo preço de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros) o prédio rústico (…).
3. No dia 14.07.2023 foi junto aos autos pelo Autor DUC, datado de 08.05.2023, pelo valor de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros) por meio do requerimento referência 5279363.
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IV. Questão prévia:
- Da tempestividade do recurso
Defende o Autor, em sede de reclamação para a conferência, que o recurso por si interposto é tempestivo, uma vez que o processo não deverá ser considerado como urgente.
Convoca em defesa da sua posição, entre outros argumentos, os princípios da confiança e da boa-fé, constitucionalmente tutelados, atento o facto de os presentes autos sempre terem sido tramitados como processo não urgente, inclusive num outro recurso anterior, gerando uma expetativa legítima no Autor de que assim sucederia nesta instância recursiva.
Melhor ponderada a situação, não podemos deixar de ser sensíveis a esse argumento.
Desde que a presente ação foi intentada nunca lhe foi conferida, na respetiva tramitação, caráter urgente. Nem pelo Tribunal a quo, nem pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no anterior recurso interposto da sentença proferida em 28.06.2023 e que correu por apenso aos presentes autos (veja-se que no respetivo prazo de interposição não foi contabilizado o período correspondente ás férias judiciais). De facto, a questão apenas é colocada, pela primeira vez, nas contra-alegações do presente recurso.
Por outro lado, a forma, dita normal (por contraposição a urgente), como os presentes autos foram tramitados pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal da Relação no anterior recurso, deve ser compaginada com a particularidade destes autos. É que a presente ação de preferência é intentada com dois fundamentos distintos. Com base na circunstância de o prédio vendido e o prédio de que o Autor se arroga proprietário serem confinantes e, também, com base na invocada qualidade de arrendatário rural do prédio vendido por parte do Autor. E a cada um desses dois fundamentos correspondem dois pedidos diferentes, sendo que apenas em face do segundo desses pedidos se coloca a questão da natureza urgente do presente processo, atento o disposto nos art.ºs 27º, n.º 1 e 30º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A de 24 de julho (Regime Jurídico do Arrendamento Rural na Região Autónoma dos Açores). Em face desses dois pedidos, com naturezas distintas, a tramitação adotada, e que naturalmente terá de ser única para todo o processo, é em abstrato suscetível de criar a convicção de que foi atribuída à ação caráter normal e não urgente.
Neste enquadramento, compreende-se a expetativa e a confiança criadas no Autor pelo próprio Tribunal, no sentido de a tramitação dos presentes autos revestir caráter normal e não urgente, expetativa e confiança essas que, sendo perfeitamente legítimas, devem, à luz dos princípios da boa fé, da cooperação e da segurança jurídica, ser protegidas.
Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ de 09.07.2014, proc. n.º 2577/05.5TBPMS-P.C3.S1 e de 17.05.2016, proc. n.º 1185/13.1T2AVR.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt, ambos citados pelo Autor na sua reclamação.
Assim sendo, considera-se tempestivo o presente recurso.
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V. Mérito do Recurso:
- Da caducidade do direito de preferência.
A sentença recorrida considerou verificada a referida exceção de caducidade, considerando para o efeito que o Autor não procedeu ao depósito do preço da venda nos 15 dias seguintes à propositura da ação, em conformidade com o disposto no art.º 1410, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC).
Refere-se nessa sentença, a tal propósito, que o Autor “Fundamenta a sua pretensão, na confinância entre o prédio vendido e o prédio de que se arroga proprietário, e, bem assim na qualidade de arrendatário. Ora, conforme prescreve o artigo 1380.º, n.º 4 do Código Civil é aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações (prescrevendo a norma especial contida no art.º 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho, que define o Define o regime jurídico do arrendamento rural na Região Autónoma dos Açores, o direito de preferência da qualidade de arrendatário e, consequentemente, sujeito às normas gerais substantivas no que respeita ao exercício do direito).”
Mais à frente refere-se ainda que “(…) ao exercício do direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura, por força do artigo 1380.º, n.º 4, do Código Civil, é aplicável o prazo para o depósito do preço fixado no artigo 1410.º, n.º 1, do mesmo Código, devendo ser depositado o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação (…).”
Vejamos.
Conforme refere o Autor nas suas conclusões recursivas, e se reconhece na sentença recorrida, através da presente ação o Autor pretende ver reconhecido o direito de preferência de que se arroga titular na venda do prédio em causa nos autos com base em dois fundamentos diferentes:
- alega que o seu terreno e o terreno vendido pelas primeira e segunda Rés aos terceiros Réus são confinantes e de área inferior à unidade de cultura (art.º 1380º, n.º 1, do CC); e,
- alega a sua qualidade de arrendatário do terreno vendido pelas primeira e segunda Rés aos terceiros Réus (art.º 27º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho).
No que se refere ao primeiro desses fundamentos, determina o art.º 1380º, n.º 1, do CC que “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”
O n.º 4 desse normativo estabelece que “É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações.”
Por seu lado, o art.º 1410º do CC, sob a epígrafe “Ação de preferência”, no seu n.º 1 diz-nos que “O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.”
Perante os citados normativos, dúvidas não temos de que, alegando o Autor, como fundamento da presente ação de preferência, que o seu terreno e o terreno vendido pelas primeira e segunda Rés aos terceiros Réus são confinantes e de área inferior à unidade de cultura, teria que proceder ao depósito do preço da venda nos 15 dias seguintes à propositura da ação, em obediência ao disposto no art.º 1410º, n.º 1 do CC, aplicável por força do art.º 1380º, n.º 4, do mesmo diploma, depósito esse que se assume como condição do direito de preferir.
Conforme decorre da factualidade provada, a presente ação de preferência deu entrada em juízo no dia 02.02.2023, sendo que o depósito do preço apenas foi efetuado no dia 08.05.2023, ou seja, muito depois de decorrido o prazo de 15 dias sobre a data em que a ação foi proposta.
Assim sendo, extinguiu-se por caducidade o seu invocado direito de preferência enquanto alicerçado no art.º 1380º, n.º 1, do CC.
Já no que se refere ao segundo fundamento no qual o Autor alicerça a presente ação, importa atentar no teor do art.º 27º, com a epígrafe “Preferência”, do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho, diploma que define o regime jurídico do arrendamento rural na Região Autónoma dos Açores.
De acordo com o n.º 1 desse normativo, “No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respetivos arrendatários assiste o direito de preferirem na transmissão.”
Já o art.º 32º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Direito subsidiário”, estabelece que “Nos casos omissos, em tudo o que não contrarie os princípios deste diploma, aplicam-se as regras gerais dos contratos e as especiais da locação, em conformidade com as disposições do Código Civil.”
Face ao teor desse normativo, sendo o Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A de 24 de julho, omisso quanto ao exercício judicial do direito de preferência previsto no seu art.º 27º, é aqui aplicável o disposto no art.º 1091º do CC que regula o exercício do direito de preferência por parte do arrendatário de prédio urbano.
Ora, nos termos do n.º 5 desse normativo, ao direito de preferência do arrendatário “É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º (…).”
Ou seja, também aqui o exercício do direito de preferir tem como condição o depósito do preço devido, a realizar nos 15 dias seguintes à propositura da ação, nos termos do art.º 1410º, n.º 1, do CC.
Como vimos, esse depósito foi efetuado muito depois de decorrido o prazo de 15 dias sobre a data em que a ação foi proposta, motivo pelo qual se extinguiu igualmente por caducidade o invocado direito de preferência do Autor enquanto alicerçado no art.º 27º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho.
Defende o Recorrente que o art.º 1410º, n.º 1, do CC, é inconstitucional, não se coadunando com os artigos 20º e 62º da Constituição da República Portuguesa, os quais consagram, respetivamente, o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e o direito de propriedade privada. Considera que assim é, na medida em que o citado normativo não prevê a possibilidade de os preferentes terem que recorrer a financiamento bancário (ou outros empréstimos pessoais), o que, estando em causa uma mera possibilidade de aquisição de um prédio, não é simples, limitando-os a exercer o seu direito num prazo reduzido.
Entendemos que não lhe assiste razão.
Na verdade, e tal como o próprio Recorrente reconhece, o depósito exigido pelo art.º 1410º, n.º 1, do CC, é imposto pela necessidade de garantir, na medida do possível, a utilidade real da ação, forçando o preferente a apresentar de imediato os meios necessários à aquisição que se propõe. E não se diga que o prazo de 15 dias para efetuar esse depósito é exíguo, pois como igualmente resulta desse normativo, o Recorrente dispôs, antes desse, de um prazo de seis meses para intentar a ação de preferência, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, o que significa que durante esses seis meses teve a oportunidade de diligenciar pela obtenção dos meios económicos necessários ao exercício judicial do direito de preferência que invoca.
Em face do exposto, entendemos que o art.º 1410º, n.º 1, do CC não enferma da inconstitucionalidade que o Recorrente lhe aponta.
Aqui chegados, em face do que acima ficou exposto, importa concluir pela improcedência do presente recurso.
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VI. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível abaixo identificados em:
- Julgar procedente a reclamação, considerando tempestivo o recurso;
- Julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13/03/2025,
Susana Mesquita Gonçalves
Higina Castelo
Arlindo Crua