RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
INICIATIVA DO JUIZ
EQUIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO SURPRESA
Sumário

I – Dado estarmos perante uma decisão meramente provisória, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, passível de alteração a todo o tempo, a qual não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa, a mesma basta-se com uma fundamentação mínima de facto e de direito, pelo que a fundamentação sucinta não importa nulidade nos termos do artº 615º, nº 1, b), do CPC.
II – Dado estarmos no âmbito de um processo de regulação das responsabilidades parentais, não padece de nulidade a decisão que o Tribunal recorrido prolata, ex officio, alterando uma medida definitiva para fixar uma medida provisória, ainda que não pedida pelas partes.

Texto Integral

Processo Nº 627/18.4T8SJM-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e ....

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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Luísa Gomes Loureiro
2ª Adjunta: - Juíza Desembargadora Ana Vieira


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Sumário:
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I – RELATÓRIO


Nos presentes autos de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, entrados em Juízo em 28.05.2024, em que é Requerente AA e Requerida BB, aquele peticionou:
“a) a alteração da regulação do exercício das responsabilidades relativo aos menores, passando os mesmos a residir alternadamente com ambos os progenitores, nos termos melhor concretizados no acordo constante do ponto 48º supra;
b) atenta a pendência em juízo de um processo de alteração por um período superior a dois anos e atendendo a que no âmbito de perícias levadas a cabo nesse processo o regime vigente não está a salvaguardar devidamente o equilíbrio emocional dos menores, CC e DD, seja atribuído caráter de urgência aos presentes autos, na medida em que a demora inerente à sua normal tramitação contende com o superior interesse das crianças;
c) com vista à necessidade de celeridade processual e por entender ser de todo o modo relevante para a boa decisão da causa, requer que, na conferência de pais a agendar oportunamente, estejam presentes os menores CC e DD com vista a nela serem ouvidos quanto à alteração ora pretendida.”
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Em 01.07.2024 a Requerida apresentou alegações pugnando pelo indeferimento da alteração requerida pelo Requerente.
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Designada data para Conferência de pais, foi proferido despacho em acta a 26.11.2024 o seguinte:
“Na certeza de que a seu tempo ir-se-á confirmar junto do jovem a vontade do mesmo em permanecer residente com o pai ou, eventualmente, em residência alternada, considerando os elementos disponíveis, designadamente que o jovem CC decidiu passar a viver com o pai já desde 05/10/2024 e uma vez que a situação se mantém, indiciadora de que, considerando o tempo decorrido, poderá não ser uma estadia transitória ou passageira em casa do pai apontando até no sentido de o jovem querer ali instalar a sua "base", decide-se então alterar provisoriamente a regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais respeitantes ao filho CC nos seguintes termos, o que ora se faz ao abrigo do disposto no art.º 28º, nº 2 do RGPTC.
I - Fixação da Residência e Exercício das Responsabilidades Parentais
O filho CC fica à guarda e cuidados do requerente pai, com o qual ficará a residir, competindo o exercício da Responsabilidades Parentais nas questões de particular importância para a vida do filho a ambos os progenitores, sendo que quanto aos atos da vida corrente tal exercício competirá ao progenitor que em cada momento tiver o filho consigo.
II - Visitas
Considerando a idade do filho, jovem adolescente de 15 anos de idade, a mãe poderá livremente ter convívios com o filho e contactar com ele, a combinar diretamente com o filho.
III - Alimentos
Até mais ver cada um dos pais sustenta o filho que tem agora aos seus cuidados, mantendo-se a cláusula de comparticipação de despesas nos precisos termos que está agora em vigor.
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Trata-se, portanto, repito, de decisão provisória para valer até mais e melhor ver, ante os elementos que se vai recolher ao longo do processo, designadamente na fase de audição técnica especializada para a qual os pais vão ser agora remetidos, e bem ainda junto da CPCJ ....
Suspendo a conferência e remeto os pais para audição técnica especializada, por 2 (dois) meses.
Notifique, e referindo as moradas dos progenitores, com cópia do requerimento inicial, alegações e da presente ata solicite ao ISS ... a realização da audição técnica especializada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 23º do R.G.P.T.C e comunique com cópia da presente ata à CPCJ ... solicitando que nos informe se por ali já foi efetuada a avaliação diagnóstica das necessidades de intervenção e ou celebrado por computador acordo de promoção e proteção e, na positiva, o envio de cópia do mesmo, ou do relatório da dita avaliação.”.
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Não se conformando com esta decisão veio a Requerida BB recorrer, deduzindo as seguintes
CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido em acta do dia 26/11/2024, na parte em que, ao abrigo do preceituado no artigo 28º nº 2 do RGPTC, decidiu alterar provisoriamente a regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitante ao filho menor CC, passando o mesmo a residir com o pai, à guarda e cuidados que quem passou a estar;
2) De tal despacho consta o seguinte que, com a devida vénia se passa a transcrever:
"Na certeza de que a seu tempo ir-se-á confirmar junto do jovem a vontade do mesmo em permanecer residente com o pai ou, eventualmente, em residência alternada, considerando os elementos disponíveis, designadamente que o jovem CC decidiu passar a viver com o pai já desde 05/10/2024 e uma vez que a situação se mantém, indiciadora de que, considerando o tempo decorrido, poderá não ser uma estadia transitória ou passageira em casa do pai apontando até no sentido de o jovem querer ali instalar a sua "base", decide-se então alterar provisoriamente a regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais respeitantes ao filho CC nos seguintes termos, o que ora se faz ao abrigo do disposto no art. 28º, nº 2, do RGPTC."
3) Conforme decorre da respectiva acta acima mencionada, tal despacho surge na sequência da falta de acordo dos progenitores, e na sequência de ter sido pelos pais confirmado que o filho CC desde o dia 05 de outubro que permanece com o pai sendo que vem tendo contactos frequentes com a mãe de modo livre, afirmando o pai que o filho não pretende voltar a residir com a mãe, sendo que a mãe reclama a residência do filho junto de si, afirmando que o filho está coagido pelo pai, informando ambos os pais que pende na CPCJ ... processo de promoção e proteção envolvendo ambos os filhos. A mãe não aceita qualquer alteração ao regime acordado, ainda que para valer provisoriamente. "
4) Contudo, ressalvado o devido respeito, sobretudo pelo Ilustre Magistrado que proferiu tal despacho, não pode a ora recorrente conformar-se com o teor do mesmo, já que este, como infra se demonstrará é susceptível de ser legitimamente colocado em crise, padecendo de notória falta de fundamentação (legal e factual), diminuindo os direitos de defesa da recorrente e, consequentemente, de protecção do seu filho menor e do seu superior interesse, e bem assim, omitiu diligências probatórias essenciais e requeridas nos autos.
Senão vejamos:
5) Os presentes autos tiveram origem no requerimento apresentado pelo requerente pai, mediante o qual este peticiona a alteração da regulação do exercício das responsabilidades relativo aos menores, passando os mesmos a residir alternadamente com ambos os progenitores, nos termos melhor concretizados no acordo constante do ponto 482 supra, e indica os meios de prova que considerou convenientes.
6) De acordo com o regime em vigor e cuja alteração se pretende, os menores estavam confiados à guarda e cuidados da mãe, com quem residirão habitualmente e a cargo de quem ficará o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente daqueles;
7) Àquela pretensão assim formulada pelo requerente pai, a aqui recorrente opôs-se, pugnando pela manutenção do regime em vigor e indicando, também ela, os meios de prova que então julgou como convenientes.
8) Chegados à conferência de pais, foi proferido o despacho recorrido que não apreciou minimamente a necessidade/oportunidade da fixação de tal regime provisório e o porquê do conteúdo do mesmo;
9) Muito mais quando a pretensão formulada inicialmente pelo requerente pai é no sentido de o regime de regulação das responsabilidades parentais ser alterado para um regime de residência alternada.
10) Concretamente, a decisão recorrida não apresenta qualquer justificação e/ou razão de ser para ter sido proferida nos moldes em que o foi, designadamente para ter procedido à fixação de um regime de guarda que nem sequer estava peticionado, e bem assim, para ter dado prevalência ao que em sede de conferencia de pais terá sido dito pelo pai (no sentido de que o menor CC não pretende voltar a residir com a mãe), quando a mãe nessa sede reclamou a residência desse mesmo filho junto da própria, afirmando que o pai está coagido pelo pai.
11) Pelo que, sendo disputado/controvertida a vontade do menor (que tem presentemente 15 anos de idade), ressalvado o devido respeito, impunha-se a necessidade de produção de prova e/ou a inquirição do próprio menor.
12) Contudo, o Mmo. Juíz a quo optou por não o fazer, proferindo sem mais o douto despacho recorrido.
13) Cremos, uma vez mais ressalvado o devido respeito, que o douto despacho recorrido enuncia, ele próprio, uma limitação base, qual seja a de que a seu tempo ir-se-á confirmar a vontade do jovem de permanecer residente com o pai ou, eventualmente, em residência alternada".
14) Isto porque, se assim era (no sentido de ter dúvidas relativamente à vontade do menor), ter-se-ia que ouvir previamente o menor (que tem idade e discernimento suficiente para o efeito) a fim de perceber a sua real e efectiva vontade (designadamente, no sentido de se perceber se se encontra a residir em casa do pai desde 05/10/2024 de livre e espontânea vontade, ou se o faz coagido pelo pai como alega a requerida mãe e/ou se essa residência é meramente transitória), e de permitir que seja analisada a sua conformidade com os seus próprios interesses, com vista ao seu desenvolvimento são, integral, físico, intelectual e moral.
15) Como também tinham que ser os elementos da discordância entre os progenitores claramente expostos e enunciados, em ordem a que a decisão provisória tomada se afigurasse como ponderada relativamente ao que estava em causa;
16) Também não foi proferido qualquer despacho relativamente aos meios de prova apresentados por ambos os progenitores, nem sobre os mesmos houve qualquer pronúncia.
17) Em suma, o despacho recorrido não contém a necessária fundamentação, quer factual, quer jurídica, justificativa da decisão provisória nele versada.
18) Na verdade, da leitura do despacho recorrido não resulta que se tenha efectuado qualquer apreciação jurídica da necessidade de fixação do regime provisório em causa, decorrente de factos que concretamente tenha apurado com a necessária e exigível segurança, rigor, limitando-se a determinar a residência do menor CC com base em meras especulações (posto que considerou que o facto de o menor se manter em casa do pai desde 05/10/2014 até 26/11/2024 poderá não ser uma estadia transitória ou passageira em casa dopai) sem qualquer especifica, expressa e fundada razão justificativa, desconhecendo-se as premissas em que se baseou para fixar provisoriamente tal regime.
19) No essencial, desconhece-se o percurso lógico que foi feito pelo Mmo. Juiz a quo no sentido de determinar a alteração provisória do regime de regulação das responsabilidades parentais nos moldes em que o fez, omitindo a factualidade apurada em que se baseia, sendo que a referencia genérica e meramente especulativa nele constante não pode entender-se como satisfazendo o mínimo de fundamentação.
20) Dito de outra forma: A decisão do MMo. Juiz surge, assim, meramente como um resultado, como a conclusão de um raciocínio.
21) Em face do vindo de expender, verifica-se a nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão — cfr. dito art. 615º, nº 1, al. b) do C. P. CiviI, nulidade essa que assim expressamente se invoca com as legais consequências.
22) Importa ter presente, também, que o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova.
23) Consabidamente, a instrução do processo tem por objecto factos controvertidos — através dela procede-se com vista à demonstração desses factos ou, pelo contrário, com vista a impedir essa demonstração (depende da perspectiva da parte), isto é, a actividade instrutória destina-se «à produção das provas destinadas à formação da convicção do tribunal quanto aos factos alegados que interessam à decisão e hajam sido impugnados».
24) O que tudo serve para dizer que, não pode deixar de se reconhecer que, já para não falar nos demais meios de prova indicados, pelo menos a audição do menor, se afiguraria sempre necessária, dada a sua relevância material e necessidade para completa elucidação do Tribunal.
25) No caso em apreço, não obstante a "simplificação instrutória" a que alude o art. 4º do RGPTC, o tribunal recorrido proferiu a decisão recorrida sem prévia e explicitamente ter deferido ou indeferido os meios de prova requeridos, designadamente pela aqui Recorrente, sendo que por essa via incorreu em triplo vício:
i) não produziu uma decisão que necessariamente deveria ter proferido no sentido de os admitir ou não, omitindo assim uma formalidade prescrita por lei;
ii) violou o princípio do contraditório ao não ter proporcionado ao apelante a possibilidade de discutir efetivamente a produção ou não dos meios de prova por si arrolados;
iii) violou o direito da recorrente a um processo equitativo pois que lhe vedou, sem contraditório e sem fundamentação, a produção de prova que tinha requerido e na qual tinha interesse.
26) Tratando-se de omissão de formalidade imposta por lei e reportando-se a mesma à ausência de produção de meios de prova requeridos por uma das partes no processo, não pode deixar de concluir-se no sentido de que o tribunal recorrido incorreu em nulidade secundária relevante por poder influir na decisão da causa (cf. art. 195º, nº 1, do C.P. Civil), esta que assim também expressamente se invoca, com as legais consequências.
Conclui, pela revogação da decisão recorrida.
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O Requerente/recorrido apresentou contra-alegações, apresentando as seguintes Conclusões:
I – A decisão provisória proferida nos autos assenta no facto de, à data da conferência de pais, o menor CC se encontrar há cerca de dois meses a residir na companhia da mãe.
II – Consta dos autos uma comunicação remetida pelo menor CC à CPCJ ... nos termos da qual dá conta de uma situação de agressão física por parte da mãe, ora Recorrente, que motivou a sua decisão de sair de casa daquela e permanecer junto do pai, ora Requerente.
III – Dado o lapso de tempo decorrido desde a data em que o CC passou a residir junto do pai, impunha-se, como bem entendeu, o Tribunal a quo fixar um regime provisório que traduzisse tal situação que na prática estava já implementada.
IV – Não se verifica in casu uma ausência absoluta de fundamentação e só a falta absoluta de motivação, a ausência total de fundamentos de facto e de direito é que conduziria à nulidade da decisão.
V – Em sede de decisões provisórias é admissível a existência de uma fundamentação escassa, deficiente ou mesmo medíocre, conforme acolhido na jurisprudência supra citada.
VI – A decisão provisória é passível de ser alterada a todo o tempo, logo que as circunstâncias do caso concreto o determinem.
VII – A audição do menor CC seria redundante face ao teor da comunicação remetida pelo mesmo à CPCJ e ante o facto de o mesmo estar a residir desde 05-10-2024 na companhia do pai.
VII – Nenhum outro elemento de prova requerido pela Recorrente ou pelo Requerente era essencial para a tomada de uma decisão provisória, pelo que inexiste a nulidade secundária invocada pela Recorrente.
VIII – Perante o teor da comunicação que o menor CC dirigiu à CPCJ constante dos autos, se o Tribunal a quo mantivesse a residência do menor CC junto da Recorrente estaria a permitir que a mesma continuasse a reiterar comportamentos idênticos aos ali relatados, colocando em causa, não apenas a integridade física, como sobretudo, a estabilidade emocional do menor CC.
IX – A decisão provisória proferida pelo Tribunal a quo salvaguarda o superior interesse do menor CC, acautelando que o regime agora em vigor é consentâneo com a vontade do mesmo manifestada no facto de permanecer a residir junto do pai.
Conclui pela improcedência do recurso.
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O M. Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida em separado.
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No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recur-so.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, importa apreciar e decidir:
- Nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão — cfr. art. 615º, nº 1, al. b) do C. P. CiviI, nulidade essa que assim expressamente se invoca com as legais consequências.
- Não pronúncia do Tribunal sobre os meios de prova requeridos pela Apelante, o que consubstancia nulidade secundária relevante por poder influir na decisão da causa (cf. art. 195º, nº 1, do C.P. Civil).
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS

É o que consta do relatório
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2. OS FACTOS E O DIREITO

2.1. – Saber se há nulidade do despacho recorrido, que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão — cfr. art. 615º, nº 1, al. b) do C. P. CiviI.
Conhecendo.
Dispõe o artº 33.º, nº 1, (direito subsidiário) Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro - RGPTC que nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 607º, nº 3 e 4, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar ou motivos da sua decisão, vide A. Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág 243.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
O juiz deve justificar os motivos da sua decisão (quer quanto aos factos provados quer quanto aos não provados) individualizando os meios de prova atinentes e esclarecendo os motivos de dar mais credibilidade a uma dada testemunha ou valorar ou não um dado documento ou outro meio de prova (depoimento de parte, declarações de parte, prova pericial).

No que ao caso sub judicio afigura-se não se verificar a arguida nulidade.
Com efeito, a decisão recorrida possui um mínimo de fundamentação de facto – ainda que não mediante a enumeração de factos provados – e jurídica para a decisão tomada, considerando a natureza provisória da decisão e o disposto na lei quanto à necessidade de decisão provisória sobre o pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
A propósito dispõe o art. 38.º do RGPTC «Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para (…)»), aplicável ao incidente de alteração da regulação por força da remissão efetuada pelo n.º 5 do art. 42.º do RGPTC («(…) o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º.»).
A fundamentação de facto da alteração provisória que consta da decisão recorrida é a seguinte: «(…) o jovem CC decidiu passar a viver com o pai já desde 05/10/2024 (…) situação [que] se mantém»
A motivação desta factualidade:
«(…) considerando os elementos disponíveis, [no processo](…)»: resulta dos autos a aludida factualidade – basta ver as declarações dos progenitores constantes da acta da própria conferência de pais: «(…) pelos pais foi confirmado que o filho CC desde o dia 05 de outubro que permanece com o pai sendo que vem tendo contactos frequentes com a mãe de modo livre (…)».
A fundamentação da alteração provisória também consta da decisão recorrida, baseada em critério de conveniência e oportunidade:
A apurada factualidade é «(…) indiciadora de que, considerando o tempo decorrido, poderá não ser uma estadia transitória ou passageira em casa do pai apontando até no sentido de o jovem querer ali instalar a sua "base", (…)».
Não sendo um exemplo de boa fundamentação, há uma fundamentação mínima que não se coaduna com a nulidade por falta de fundamentação.
É incontroverso, na nossa doutrina – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 687 – e também na jurisprudência - ver por exemplo Acs. do STJ de 03-03-2021, proc. 844/18.7T8NV.E1.S1 e de 18-02-2021, proc. 1695/17.1T8PDL-A.L2.S1; Ac. do TRC de 13-12-2022, proc. 98/17.2T8SRT.C1, todos acessíveis na base de dados de jurisprudência do IGFEJ –, que só a falta absoluta de fundamentação – e não apenas a fundamentação deficiente, incompleta ou não convincente – gera a nulidade da sentença.
No caso, a parca fundamentação é suficiente para a mesma ser compreensível e compreendida (não se exigindo aqui uma descrição separada da factualidade provada e da subsunção jurídica - como exigido no processo civil).
Acresce que o tribunal, na conferência marcada para tentar obter acordo, que se frustrou, vê-se perante uma situação de facto consistente na circunstância do filho do dissolvido casal, agora e na data da decisão com 15 anos de idade (consta do processo de divórcio a cópia do cartão de cidadão do referido filho CC – nascido a ../../2009), se ter mudado para a casa do pai, por conflitos com a mãe, estando junto ao processo (com o e-mail de 09-10-2024, ref. 16741279) e-mail enviado em 07-10-2024 pelo filho CC para a CPCJ ... a comunicar o que se passou com a mãe que deu azo à sua ida para a casa do pai e a pedir aconselhamento à técnica da CPCJ.
Face ao exposto, a regulação provisória, atendendo à idade da criança – rectius, do jovem – é a que se mostra mais adequada (em moldes provisórios) atenta a alteração das circunstâncias de facto existentes.
Face à exigência legal decorrente do disposto no art. 38.º do RGPTC – se as partes não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, pelo que se afigura perfeitamente ajustada e razoável a alteração provisória efectuada para vigorar enquanto se praticam os restantes atos instrutórios tendentes à decisão final.
Não podemos esquecer que estamos aqui perante um processo de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC), regido por critérios de conveniência e oportunidade e pela livre investigação e recolha de informações pelo juiz (arts. 986.º e 988.º do Cód. Proc. Civil), vigorando o princípio da simplificação instrutória e oralidade (art. 4.º, n.º 1, al. a), do RGPTC), e que está em causa uma decisão tomada nos termos previstos e exigidos no art. 38.º, que determina que, não chegando os progenitores a acordo que seja homologado, «o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos (...)»
Ou seja, estando nós no âmbito de um processo de jurisdição voluntária o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes. A sua actividade inquisitória prevalece sobre a actividade dispositiva das partes.
E o critério de julgamento nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue “mais conveniente e oportuna” (art. 987º do CPC). Tem assim a liberdade de poder decidir de acordo com a equidade, procurando a solução que melhor serve os interesses em causa.
Acresce que a decisão dos autos é provisória, estatuindo-se, nos termos do art. 28.º:
1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
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Relativamente às restantes nulidades:
Não há nenhuma nulidade secundária de não audição das partes nem de não produção dos meios de prova indicados pela apelante – tais meios de prova são indicados e relevantes para a decisão do incidente de alteração, mas não têm que ser produzidos para efeitos da decisão provisória: vê o Ac. do TRC de 04-06-2024, proc. 791/23.0T8CVL-D.C1 – « IV – A decisão provisória sobre a regulação das responsabilidades parentais dos menores é prévia à produção da prova indicada pelos progenitores, conforme decorre expressamente do artº 38 e do artº 28, nº3 do RGPTC, do qual resulta que o Juiz procede “às averiguações sumárias que tiver por convenientes.”.»
Ainda quanto a ‘nulidades secundárias’, se a parte entendia que se verificavam, deveriam ter sido arguidas no acto – a decisão é proferida em acta (arts. 195.º e 199.º do CPC).
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Quanto à referência à decisão além/diferente do pedido.
No caso sub judicio encontramo-nos processo no âmbito do RGPTC, o qual tem especificidades decorrentes da própria lei, estando expressamente prevista a necessidade de estabelecimento pelo juiz de uma decisão provisória 'sobre o pedido' (art. 38.º do RGPTC) – no caso, o pedido é a alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo que o juiz não está limitado, sequer na decisão final, ao concreto regime peticionado no requerimento de alteração. Tal, de resto, é absolutamente consentâneo com o disposto no art. 987.º do Cód. Proc. Civil.
Além disso, não existe decisão surpresa – o que existe é o exercício do legalmente determinado no art. 38.º do RGPTC quanto à determinação do juiz proferir uma decisão provisória face à falta de acordo na conferência.
Em suma, é de improceder o recurso, mantendo-se a decisão recorrida

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V. Decisão
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção, acordam em negar provimento ao recurso.
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Custas pela apelante artº 527º do CPC.






Porto, 20 de Março de 2025.
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Álvaro Monteiro
Ana Luísa Gomes Loureiro
Ana Vieira