I - Verifica-se falta de fundamentação da decisão judicial nos termos do art. 615.º, n.º1, al.b), do CPC quando falta em absoluto a motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permita a percepção das respectivas razões de facto e de direito.
II - «Situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva».
III - Não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento.
IV - «O interesse superior da criança corresponderá ao seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.»
IV - O interesse superior da criança, à luz do qual se deve procurar identificar o seu projecto de vida, é o critério que deve presidir a qualquer decisão, sem olhar ao que os pais ou terceiros possam sofrer com isso, mas também procurando salvaguardar o quanto possível, o que, sendo interesse destes, é também o da criança.
Tribunal a quo – Juízo de Família e Menores ... – ...
Recorrente – AA
Recorrido – BB
Recorrido – Ministério Público
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
O Ministério Público, no interesse da criança CC, nascido a ../../2015, por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais com o n.º…, requereu em 1.2.2023 a abertura de processo de promoção e proteção com os seguintes fundamentos:
- os pais da criança vivem separados e a Regulação das responsabilidades parentais foi decidida pelo Tribunal da Relação do Porto, fixando-se a sua residência alternada: de segunda a quinta-feira com a mãe, na avenida ..., ... ...; de sexta-feira a domingo com o pai, na avenida ..., ... ...;
- O processo de promoção e protecção com o número nacional ...22, originou em sinalização anónima comunicada à Comissão de protecção de crianças e jovens de ..., no dia 09-03-2022;
- vindo a ser instaurado PPP por deliberação de 14-03-2022, os progenitores consentiram na intervenção da Comissão de protecção de crianças e jovens, a 11-07-2022;
- após diligências[1] deliberou a “Comissão” a aplicação de medida “Apoio Junto dos Pais”, por um período de 12 meses, tendo os pais concordado com a aplicação da medida;
- por dissenso dos progenitores, marcada conflitualidade, inviabilizou qualquer acordo entre ambos, não tendo conseguindo a “Comissão”, sequer, a assinatura conjunta do acordo que foi proposto a ambos os progenitores a que, inicialmente, pareciam querer aderir.
Alegando a retirada, por parte dos progenitores do CC, da necessária autorização legitimadora da intervenção da Comissão, conclui:
«Em face de tudo o que se deixou exposto, impõe-se a conclusão de que o jovem CC está em situação de perigo, sendo de ponderar medida de protecção, conforme fundamentos de facto aludidos que preenchem a previsão do art.º 3, n.º 1 e n.º 2, alíneas c) e f), da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo»
e
«No quadro de facto ora existente, é de prever a aplicação de medida de apoio junto dos pais (de ambos ou apenas junto de um deles), medida prevista no art.º 35, n.º 1, alínea a) e art.º 39 da Lei n.º 147/99, de 01-09, com um acompanhamento da respectiva execução pelos competentes serviços da Segurança social, sem prejuízo de outras que se venham a relevar mais adequadas com a instrução dos autos.»
Pedindo
«a) a abertura do competente processo judicial de promoção e protecção, por forma a promover os direitos e garantir o desejado bem-estar e desenvolvimento integral do menor identificado, nos termos das disposições conjugadas já enunciadas;
b) que se ordene a prática dos actos a que alude o art.º 106 e 107 da referida Lei, desde já se requerendo que seja ordenando a realização de relatório a que alude o art.º 108;
c) se ordene a presença e audição da técnica que vier a realizar o relatório a solicitar à EMAT e da Dr.ª DD do Centro Hospitalar ....»
Declarada aberta a fase da instrução do PPP no dia 2.2.23, instruído o mesmo, declarado o encerramento da instrução no dia 7.9.2023, foi de imediato determinada a realização de conferência, com vista a obtenção de acordo de promoção e proteção – artigos 110º, n.º 1, b) e 112º da LPP-, o que ocorreu nesse mesmo dia.
Nessa conferência foi conseguido o seguinte:
ACORDO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
1 – Ambos os progenitores assegurarão todos os cuidados aos filhos, nomeadamente ao nível de habitação, higiene, alimentação, saúde e educação, quando se encontrem aos seus cuidados;
2 - Ambos os progenitores obrigam-se a diligenciar pelo agendamento de consulta de avaliação junto da Dr.ª EE, pedopsiquiatra, médica que ambos aceitam que passe a acompanhar o CC na valência de pedopsiquiatria;
3 - Os progenitores obrigam-se a acatar todas as orientações médicas decorrentes do diagnóstico de avaliação que vier a ser feito pela Dr.ª EE, quer no que diz respeito à toma da medicação, caso venha a ser indicada, quer no que diz respeito às terapias que a criança deverá frequentar, quer no que diz respeito à necessidade de adoção de medidas em contexto escolar que se revelarem as mais adequadas para a situação clinica do CC;
4 - O CC será sujeito a avaliação multidisciplinar no INML com vista a determinar o diagnóstico da sua situação clínica, seja no que diz respeito ao grau do espetro do autismo de que padece, seja no que diz respeito às suas capacidades cognitivas;
5 - Os progenitores obrigam-se a realizar perícias médico legal de foro psicológico e de avaliação de capacidades e competências parentais no INML, como eventual suporte no delineamento da futura intervenção;
6 - A medida é aplicada pelo prazo de um ano, será revista em seis meses ou sempre que a situação o justificar, sendo o acompanhamento a cargo da Dr.ª FF, técnica do ISS.
E mediante prévia concordância do MP, foi proferida a seguinte decisão:
«Nos presentes autos de promoção e proteção relativos aos menores CC e GG, nascidos em ../../2015 e ../../2012, filhos de AA e de BB, nos termos dos arts. 35.º, n.º 1, al. a), 2 e 3, 36.º, 62.º, 112.º e 113.º, da Lei 147/99, de 01 de setembro, homologo, por sentença, o acordo supra referido e junto em anexo, que julgo válido, quer pelo seu objeto, quer pelas pessoas que nele intervieram, quer por acautelar devidamente os interesses das crianças.
Em consequência, decide-se aplicar a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a qual vigorará pelo período de um ano, será revista em seis meses ou sempre que a situação o justificar (art. 62º da LPCJP).
Sem custas por não ter existido, até ao momento, qualquer intervenção tributável no processo, fixando-se o valor da ação em 30.000,01 €.
Registe e notifique.
Comunique à Segurança Social.»
O ISS apresentou em 2.4.24 relatório social de acompanhamento da execução[2], e, na sequência de promoção do MP[3], decidiu-se em 29.4.24[4]:
«(….)
Da matéria supra enunciada resulta que a situação de facto que motivou a aplicação da medida, apesar de alguma evolução, mantém fatores de perigo.
Na verdade, e pese embora o acompanhamento médico esteja agora centrado na pedopsiquiatra a que alude o acordo de promoção e proteção – Dra EE – o certo é que nem todas as orientações desta foram seguidas pelos progenitores, uma vez que a progenitora se opôs à implementação do PEI, oposição que ainda mantém.
Por outro lado, o Tribunal receia que, com eventual cessação da medida, regressem os desentendimentos quanto ao acompanhamento médico e toma da medicação, uma vez que a relação entre os progenitores se mantém de grande conflito e de perspetivas muito diversas no que respeita ao acompanhamento médico e terapêutico do CC, razão pela qual importa sedimentar a evolução sofrida.
Face a todo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 62º/3/c) da LPP, decide-se manter a medida aplicada até ao seu termo. (….)»
No dia 3.5.24, o Ministério Público, produziu o seguinte requerimento:
«1. No passado 30-04-2024, a Polícia de Segurança Pública ... comunicou ao Ministério Público o auto de notícia com o NUIPC ..., relativos a factos do dia 29-04-2024, na Escola 2..., frequentada pelo jovem CC, envolvendo, principalmente, a sua progenitora;
2. Pelo relevo dos mesmos, nomeadamente para instrução das decisões a tomar no PPP e no incidente de alteração da RERP, o Ministério Público comunica tal NUIPC aos autos;
(…)»[5]
Foi agendada conferência onde foram ouvidos, no dia 13.6.24, os progenitores, a TSS gestora do processo (FF), a coordenadora e a professora da escola frequentada pelo CC (HH), tendo a pedopsiquiatra que acompanha o mesmo, Drª EE, sido ouvida no dia 18.6.24.
Na sequência dessa instrução foi proferido parecer pelo MP:
«A regulação do exercício das responsabilidades parentais (RERP) da criança CC (nascido a ../../2015), foi decretada no apenso “D”, por sentença de 13-11-2020, alterada pelo Tribunal da Relação do Porto por Acórdão de 26-01-2021.
O CC (e a irmã GG, nascida a ../../2012) ficou a residir alternada e semanalmente com cada um dos progenitores sendo 4 dias com a mãe, dadas as necessidades de acompanhamento do menor CC, e 3 dias com o pai nos seguintes termos:
- passam com a mãe a segunda, a terça, a quarta e a quinta-feira;
- passam com o pai a sexta, o sábado e o domingo.
Para tal, o Tribunal da Relação do Porto considerou especialmente o facto de a progenitora, professora, ter deixado de dar aulas para poder acompanhar o menor CC (com muitas necessidades especiais de acompanhamento), tendo assim especial disponibilidade para acompanhar o CC.
A referida disponibilidade da progenitora mantém-se até à data.
No apenso “E”, iniciado a 25-05-2020, discutiu-se a escolha da escola a frequentar pelo CC, defendendo então pai a frequência “Escola 1...”.
Por acordo, homologado a 14-04-2021, os progenitores decidiram que o CC frequentaria a “Escola 2...”, Agrupamento de escolas ... ou a “Escola 3...” (mesmo agrupamento) caso não existisse vaga na primeira referida.
As manifestações de desacordo quanto à educação e tratamentos do CC são evidentes e duram desde que os autos pendem em juízo.
Versam, nomeadamente, sobre a escola a frequentar, sobre as terapias a seguir, sob a medição a administrar.
Essas divergências, promovidas pelos pais, têm vários resultados indesejáveis.
O CC vem sendo exposto a tal conflito, com resultados que impactam na sua estabilidade.
Quanto à assistência na saúde e medicação.
No aqui promovido, suportamo-nos, essencialmente, no depoimento da Dr.ª EE, que acompanha o CC há alguns anos, com acordo de intervenção dos pais.
Apresenta discurso claro, esclarecido e actual quanto à condição do CC.
No que toca à condição clínica do CC, no essencial a promoção vai sustentada nesse depoimento.
Volvidos mais de três anos sobre a RERP, o Tribunal não pode embarcar numa constante alteração do que será o futuro do CC no que toca ao seu acompanhamento clínico e soluções terapêuticas.
Percebendo-se que ambos os pais estão fortemente investidos no bem-estar do CC (disso não temos dúvidas), é de reconhecer que trilham caminhos diferentes.
Neste campo, o Tribunal deve suportar-se num critério técnico, em particular no critério da Dr.ª EE, promovendo a estabilidade do CC.
De outro modo, é de prever que o pai ou mãe, descontentes com uma concreta solução irão procurar outro “conselho”, pedir um outro exame, tudo com o intuito de querendo acudir ao CC, também querer fazer valer o seu bom critério em detrimento do outro progenitor.
Não se trata de favorecer a posição de um dos progenitores em detrimento do outro, mas de, em face do que vai sendo colhido, escolher o que na perspectiva do Tribunal melhor se adequada aos interesses do CC.
O Tribunal deve decidir à luz do que os pais querem, levado em conta que querem soluções diferentes e por vezes contraditórias, temperando essa vontade com o critério clínico.
Percebendo-se que, em certa medida, os pais conseguem conformar-se com os conselhos da Dr.ª EE e tendo esta mostrado franca disponibilidade para continua a ajudar o CC e a ajudar/aconselhar os próprios pais, é de apontar soluções segundo o critério da Dr.ª EE.
É a Dr.ª EE que deverá prescrever os fármacos e os termos da sua administração.
É a Dr. EE quem deve explicar aos pais que doses devem administrar e que flutuação na sua toma é admissível, pois é conhecida a tendência do progenitor em administrar a medicação o menos possível e nas menores dosagens (devendo ficar cientes que o CC tem de tomar medicação) e da progenitora para lhe administrar vários fármacos e em doses mais elevadas, nomeadamente a conselho de vários clínicos a quem vai recorrendo (o que é desaconselhável por vários critérios referidos pela Dr. EE)
São também de evitar, porque desaconselháveis e sem fruto no interesse do CC, as deslocações às urgências que a progenitora vem promovendo, que, como vimos, não só se revelam desnecessárias pois não se justificam e não se revelam no interesse do CC, promovendo a sua agitação e desregulação.
Tais conduções à urgência, revelam-se também em certa medida “desaconselháveis”, pois também conduzem, como se viu nos autos, à alteração de prescrições e de dosagens por outros médicos menos conhecedores da condição clínica do CC, por vezes com reservas da própria Dr.ª EE.
Este cenário, por vezes confuso (até que se esclareça o que é de tomar e em que dosagem), leva a que o CC tome vários medicamentos (os princípios activos, com vários nomes comerciais), com várias dosagens, sendo uns aconselhados pela Dr.ª EE e outros aconselhados por outros médicos em urgência (sendo que um dos medicamentos aconselhado em urgência é desaconselhado pela Dr.ª EE para uso em casa, pois tem critério de uso muito reservado, que a Sr.ª Dr.ª, de forma clara, referiu desconhecer que a progenitora o tivesse em casa, sendo de clarificar em que circunstâncias pode ser usado.
A medicação é absolutamente necessária e é de tomar.
Admitem-se pequenas flutuações.
É de prever que com a idade o CC tenha de reforçar a medicação.
Para resolver este diferendo que se alimenta há anos, cremos que o Tribunal deve ponderar se é de manter o CC em alternância, se é de a fazer cessar, colocando-o a residir com um deles, para que um dos progenitores tome o exclusivo domínio quanto aos fármacos a administrar ou a não administrar.
Admitimos, com boa margem, que o Tribunal poder fazer cessar a alternância, caso em que o CC deveria fica a residir com o pai, com convívios a definir junto da mãe.
E se o fizer, de forma fundada como sempre nos vem habituando, admitimos, também que o Ministério Público se conforme com tal solução, pese embora, como em seguida se verá, o sentido da nossa promoção seja no sentido de manter a alternância.
A residência junto de um dos pais – tal qual cada um defende – é, pois, desde já uma possível solução, sendo sempre uma hipótese de futuro caso os problemas subsistam a curto e médio prazo.
Estando os autos sob o jugo deste PPP, em qualquer altura o Tribunal pode rever o sentido da sua decisão, adequando-a ao novo contexto.
Resulta evidente, que quer o CC esteja em residência alternada – como está – ou a residir junto de um dos progenitores, ambos têm que se concertar em como agir quanto as necessidades clínicas e farmacológicas do CC.
Mesmo a residir junto de um do progenitor (caso em que, num regime mais normativo, o CC visitaria o outro progenitor ao fim de semana de 15 em 15 dias, com contactos a meio da semana), o CC não pode tomar uma medicação base durante uma semana ou duas, para depois ser contrariada por um dos progenitores no tempo que lhe cabe de convívio com o filho.
Admitimos, por isso, que fazer cessar a alternância pode contribuir para a solução de vida do CC, minimizando os efeitos do conflito.
Repetimos, sabe-se que, para a sua condição, o CC deve tomar medicação e impõe-se o faça apenas conforme critério da Dr. EE, ficando vedado aos pais a administração de outra.
Assim, no que à medicação respeita, caso entenda ser de manter a alternância, o Tribunal poderá impor cláusulas que imponha aos pais:
- seguir em exclusivo a prescrição pela Dr.ª EE;
- que seguiam as orientações da Dr.ª EE quanto que à medicação regular que podem administrar (medicamento), em que doses, em que horários;
- que seguiam as orientações da Dr.ª EE quanto à medicação que é de tomar em “s.o.s.”;
- que seguiam as orientações da Dr.ª EE quanto às “flutuações” admissíveis nas dosagens, solicitando-se à Dr.ª EE que oportunamente informe os autos (por exemplo, em 30 dias), qual o concreto plano de terapêutica farmacológica e se os pais foram informados em conformidade.
Mante-se também o desacordo quanto à escola a frequência.
O CC vem frequentando a “Escola 2...”, Agrupamento de escolas ....
Resulta evidente que o CC necessita de um apoio focado nas suas necessidades, que vai além daquele que o ensino regular lhe pode dar.
Resulta evidente, por esta altura, que o CC deve beneficiar de Programa Educativo Individual (PEI), que vem seguindo, inicialmente de forma informal e, actualmente, de forma institucional.
Considerando o que se ouviu da Dr. EE, da professora HH (coordenadora da escola) e da professora II (professora do CC), também resulta que o CC beneficiaria de frequência de estabelecimento de ensino com Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA).
Por fim, com especial relevo, resulta claro que o comportamento da progenitora junto da “Escola 2...”, vem gerando um clima de conflito e de instabilidade.
Em especial, recordamos o episódio ocorrido no dia 29-04-2024, documentado nos autos e validado em diligência, que compromete decisivamente e irreversivelmente a frequência do CC na “Escola 2...”, onde está comprometido o relacionamento entre a progenitora e a escola.
Admite a Dr.ª EE, que o CC, tendo presenciado o contexto de facto desse dia 29-04-2024, tenha criado resistência à frequência dessa escola.
Sendo ou não de manter a residência do CC com ambos os progenitores na alternância estabelecida (nos moldes e com os critérios definidos pelo Tribunal da Relação do Porto), é de procurar solução alternativa à escola actual.
À luz do que se ouviu da Dr. EE, da professora HH e da professora II e do que é a vontade do progenitor, somos de parecer que o CC pode/deve mudar de escola e que nesse critério de escolha, deve prevalecer a vontade do progenitor, podendo este escolher a escola, nomeadamente a “Escola 1...” que tem Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA).
Quanto à residência alternada propriamente dita.
No actual contexto, mostra-se necessário que o Tribunal pondere a possibilidade de manter a alternância ou a necessidade de a fazer cessar (tudo no interesse do CC).
Confrontamo-nos também nós com esse dilema: o de manter a residência alternada nos termos definidos ou a de a fazer cessar (caso em que o CC passaria a residir habitualmente com um dos pais).
Mais uma vez, os progenitores estão em desacordo, defendendo ambos que a residência deve ser apenas fixada junto de um dos progenitores, num regime de convívios de 15 em 15 dias (ainda que com um contacto a meio da semana).
Convidados pelo Tribunal a ponderar alteração do regime em vigor, convertendo-o numa alternância dita “normativa” (uma semana com cada dum dos progenitores), os pais não se colocaram de acordo.
Também nesta parte os progenitores continuam a alimentar o conflito.
Sabemos que é de evitar alternância nos casos de forte conflituosidade entre progenitores, quanto esta (conflituosidade) se projete nos interesses concretos dos filhos.
Dispensamo-nos da valiosa, mas fastidiosa apreciação da jurisprudência e da doutrina (que é bem conhecida do Tribunal, a quem a promoção vai dirigida).
O termo da residência alternada, podendo em certa medida ser uma mais valia para o CC (porque veria parcialmente estabilizada a vida), tem outras implicações que aconselham cautelas:
- o CC (a completar os 9 anos em breve) tem uma irmã, a GG (a completar os 12 anos em breve);
- a GG quer continuar a viver em alternância com ambos os pais e quer continuar a viver com o irmão;
- tudo leva a crer que a presença da GG na vida quotidiana do CC é uma mais valia para ambos, nomeadamente por critério clinico (aqui na perspectiva do CC);
- as razões que levam a ponderar o termo da alternância são sobretudo válidas para o CC (pois o conflito vai estabelecido nas opções quanto à sua vida, tratamento e futuro), não sendo tão evidentes para a GG (ou, pelo menos, do ponto de vista do interesse da GG).
Logo, entende o Ministério Público que existindo prova suficiente para colocar termo à residência alternada, caso em que – adiantamos desde já – o CC deveria passar a residir habitualmente junto do pai.
É o progenitor quem se apresenta ao Tribunal como a melhor opção de vida actual ao CC, apresentando-se com a sua vida estável, com vontade e disponibilidade para cuidar do CC, com apoio domiciliário (funcionária doméstica), com juízo de capacidade para acudir às “desregulações” do CC, com boa capacidade de interação com os elementos da escola e com a Dr.ª EE.
Por parte da progenitora foram reveladas evidentes fragilidades no relacionamento com a escola, algum desnorte ou incapacidade de conseguir explicar a dinâmica das medicações, a opção por conduções do CC às urgências sem aparente critério válido, sendo ainda anotado o conselho para apoio em psiquiatria, que a progenitora descarta de forma clara.
Sendo evidente que a progenitora é pessoa com potencial de competência emocional (o carinho, o interesse e o amor que demostra pelo filho) e com boas capacidades intelectuais, apresenta-se fragilizada, talvez cansada, muito provavelmente decorrente do conflito entre os pais e do desgaste resultante da própria condição do seu filho.
Foi também aflorada a possibilidade de a progenitora viver num “estado de negação” quanto à irreversibilidade de grande parte das limitações do CC, o que não vem contribuindo para que se foque nas soluções.
No que respeita a progenitora, estas condicionantes parecem ser de circunstância e reversíveis.
Por tudo isto – admitindo que tudo sirva a um ou a outro sentido na decisão a proferir pelo Tribunal – existem elementos, cremos, que aconselham a que se tente ainda solver a vida do CC em contexto de alternância, enquanto tal se revele viável num juízo objectivo de prognose.
Não se pacificando a relação entre os pais, será de ponderar outra solução, a que num novo momento se perspective do interesse do CC, seja residir habitualmente junto do pai ou da mãe.
Para esse objectivo – o da pacificação – deve contribuir, decisivamente, a postura dos pais, sendo de sugerir que o Tribunal aconselhe a progenitora a obter apoio em sede de psicologia (que vem obtendo) e em sede de psiquiatria (que já obteve e que por ora recusa).
Em conclusão promovemos como plano a definir pelo Tribunal no âmbito do presente PPP, a fixação de regime (cláusula), nos seguintes termos:
- o CC continuará a residir em alternância nos termos definidos na decisão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021.
- os progenitores manterão acompanhamento do CC pela Dr.ª EE;
- os progenitores seguirão o plano de apoio – nomeadamente na vertente da farmacologia e terapias – estabelecidos pela Dr.ª EE;
- os progenitores cumprirão a administração da medicação ao CC nos termos definidos pela Dr.ª EE;
- os progenitores reunirão com a Dr.ª EE, que lhes explicará quais os medicamentos que o CC pode/deve tomar (princípio activo e marca comercial), frequência e dosagens e quais as alterações pontuais que podem efetuar nas dosagens caso estejam com ou com outo progenitor;
- a deslocação do CC à urgência hospitalar motivada por “desregulação”, só deve ser efetuada/promovida pelo progenitor, pelo que, perspectivando-se tal necessidade pela progenitora e podendo esta obter o apoio do progenitor, deve dar prevalência ao contacto com o progenitor (por telefone ou meio célere), que avaliará dessa necessidade de condução à urgência;
- caso a progenitora entenda ser de seguir o seu critério e conduzir o CC à “urgência” deve contactar imediatamente o progenitor, informando-o da deslocação e do local para onde foi deslocado, considerando-se substituída no acompanhamento do CC à urgência logo que o progenitor se apresente na urgência, passando o progenitor nesse momento a decidir quanto aos termos subsequentes no que toca ao apoio do CC;
- os progenitores abster-se-ão de alterar a terapêutica ou a medicação do CC, sem expressa autorização, conselho ou validação documentada da Dr.ª EE, a efetuar de forma clara e expressa por e.mail ou mensagem;
- cabe ao progenitor escolher a escola de frequência do CC, conquanto esta reúna vertente de Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA), cabendo as conduções e as recolhas ao progenitor com quem estiver a residir;
- os progenitores manterão o CC nas actividades que já frequenta, nomeadamente a natação e os “póneis”, devendo aconselhar-se com a Dr. EE quanto a eventual cessação, substituição ou promoção de novas actividades, por conselho expresso e documentado da referida médica.»
Na sequência do antecedente e pormenorizado parecer foi proferida a seguinte decisão datada de 1.7.24[7]:
«Face aos factos supra elencados, importa aferir se se justifica a revisão da medida aplicada antes do seu termo.
Importa clarificar que não se trata de tomar posição quanto a uma alteração da regulação das responsabilidades parentais – essa tem a sua sede própria no apenso O – mas sim de aferir se a medida de promoção e proteção carece de ser revista, sem prejuízo de o Tribunal poder considerar que, no âmbito da medida e da sua vigência, por natureza temporária, a residência do CC deve ser fixada junto de um dos progenitores.
Assim, da factualidade provada resulta que a progenitora, cujo afeto pelo filho não se põe em causa, tem vindo a assumir atitudes passíveis de pôr em causa o seu bem-estar, como a toma de medicação superior à desejável, em SOS, a insistência em levar o CC para locais que, à partida, poderão levar a uma maior agitação do mesmo (o shopping, por exemplo), a ida frequente ao serviço de urgência, a oposição à implementação de um PEI, mais adequado às suas caraterísticas, a criação de situações de grande tensão em contexto escolar, desrespeitando professores, na presença da criança, o falar mal do pai ou relatar os conflitos com o mesmo na presença da criança, o não levar a criança pontualmente à escola, fazendo com que perca o apoio do ensino especial.
Tal deve-se, a nosso ver, à ansiedade e sintomas subdepressivos de que padece, bem como à recusa em aceitar as caraterísticas do CC, numa espécie de negação, criando expectativas quanto às suas competências que não se mostram realistas; revela ainda comportamento desadequado quando as suas posições não prevalecem.
O progenitor mostra-se mais conformado quanto às reais competências da criança, mostrando-se mais apto a encontrar estratégias para o acalmar e evitando situações geradoras de ansiedade para o filho.
No entanto, é manifesto que o CC precisa de ambos os progenitores presentes na sua vida, não podendo olvidar-se que apresenta ansiedade grave perante a alteração de rotinas, podendo assim ser afetado por uma alteração substancial na sua vida como seria a de passar a residir apenas com o progenitor (uma vez que, face ao que se expôs supra, residir apenas com a progenitora não seria uma opção, nesta fase, a considerar pelo Tribunal.
Numa última tentativa de “poupar” o CC a tal mudança, entende o Tribunal manter a sua residência tal como está definida, fixando um conjunto de medidas a cumprir pelos progenitores, dirigidas, no essencial, a dotar a progenitora de estratégias que lhe permitam lidar com o CC de forma mais saudável e assertiva e a evitar todas as situações que sejam passíveis de causar ansiedade e episódios de desregulação ao CC.
Para tanto, e enquanto vigorar a medida, o acompanhamento médico e escolar do CC caberá essencialmente ao pai, que reúne, nesta fase, melhores condições para o efeito.
No que respeita às idas à urgência, afigura-se-nos que qualquer solução que passe por impor o diálogo entre os progenitores só agravará a situação, por ser previsível o conflito e os efeitos negativos do mesmo no comportamento do CC.
Assim sendo, prorroga-se desde já a medida de apoio junto dos progenitores por mais 6 meses, com as seguintes obrigações a cargo dos progenitores:
- os progenitores assegurarão os cuidados ao filho ao nível da habitação, higiene, alimentação, saúde e educação, quando este se encontrar aos seus cuidados;
- os progenitores manterão o acompanhamento da criança pela Dra EE em pedopsiquiatria, assim como em todas as especialidades indicadas ou a indicar por esta, devendo a criança ser acompanhada a estas consultas de especialidade preferencialmente pelo pai (e só na impossibilidade de este o fazer, pela mãe);
- os progenitores acatarão todas as orientações médicas da Dra EE no tocante à toma de medicação, terapias que deverá frequentar e adoção de medidas em contexto escolar;
- o CC manterá as atividades/apoios de que beneficia atualmente, como a terapia da fala, terapia ocupacional, apoio do ensino especial, natação e hipoterapia, sendo eventuais mudanças no local onde são prestadas decididas pelo pai;
- o CC será matriculado em escola com centro de apoio à aprendizagem, cabendo a escolha da escola ao pai, que será o encarregado de educação;
- os progenitores deverão abster-se de aludir negativamente ao outro na presença do CC;
- a progenitora deverá abster-se de assumir comportamentos desadequados na presença da criança, nomeadamente em contexto escolar;
- a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis;
- a progenitora deverá agendar sessões com a Dra EE, a fim de ser elucidada acerca das necessidades do CC, nomeadamente no que à toma de medicação diz respeito, às situações de emergência que legitimam o recurso a medicação em SOS e às situações que legitimam a ida ao serviço de urgência;
- a progenitora deverá fazer comparecer o CC na escola de forma pontual;
- a progenitora deverá abster-se de levar o CC a qualquer local que lhe possa causar mais agitação;
- a progenitora deverá iniciar acompanhamento em psiquiatria.
Notifique, sendo a TSS gestora do processo para, até 30/09, juntar aos autos relatório de acompanhamento da medida, com enfoque no cumprimento/ou incumprimento das ações nela previstas e relato sobre o modo como se iniciou o ano escolar, a fim de o Tribunal ponderar da eventual revisão da medida antes do seu termo.»
No dia 26.9.24 foi apresentado pelo ISS relatório social de acompanhamento da execução da medida, concluindo-se a final:
«Face ao exposto, consideramos que o CC se mantém em situação de perigo, nos termos a que alude o artigo 3, n.º1 e 2. Alíneas c) e f), da Lei 147/99 de 1 de setembro, pelo que, salvo opinião contrária de V.Exa. somos de parecer que o mesmo beneficiará com a prorrogação da medida de apoio junto dos pais, a executar junto de ambos, para o que propomos, ainda, as seguintes ações, para além das que já constam do acordo anterior:
Manter o acompanhamento das consultas de especialidade de pedopsiquiatria, de pediatria do desenvolvimento e outras a agendar no Hospital 1..., bem como o cumprimento das terapias prescritas, farmacológicas e/ou outras que vierem a ser identificadas como necessárias, no âmbito deste acompanhamento, sendo que o acompanhamento médico privado deve manter-se junto da actual médica, Drª EE, quem tem acompanhado de forma regular a criança nos últimos anos, sendo conhecedora da actual situação familiar e de vida da criança.
Que o tribunal diligencia junto da DGEST pela abertura de vaga extra, na Escola 1..., para integração do CC, atendendo a que esta escola dispõe de CA e possui uma vasta experiência no acolhimento e encaminhamento de crianças com necessidades educativas especiais, podendo constituir-se como uma alternativa mais especializada e capacitada para acompanhar, nesta fase, o desenvolvimento da criança.
Mais propomos à consideração do douto Tribunal que, em audiência judicial, se discuta e se pondere quanto à redefinição dos tempos em que o CC permanece aos cuidados de cada um dos progenitores, para melhor avaliar a condição e comportamento da criança.»
Na sequência de promoção do MP de 30.9.24 e de 17.10.24[8], e após prévio relatório do ISS de 16.10.24[9], foi realizada no dia 30.10.24 conferência, nela se ouvindo os progenitores da criança, Dra. FF – Técnica da EMAT e Dra. JJ – pedopsiquiatra.
Aberta vista ao M.P., no dia 31.10.24 apresentou o seguinte parecer:
«O Regime da Regulação das responsabilidades parentais (RERP) em vigor quanto à residência é o que vigora por força do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021, que conta do apenso “D”:
“a. Segunda, Terça, Quarta e Quinta feiras passam com a mãe; b. Sexta, Sábado e Domingo com o pai”.
Quanto à medida em vigor nestes autos de Promoção e Protecção é a que foi definida por acordo de 07-09-2023, de apoio junto dos pais.
Adiantando o promovido a final, cremos que o regime de residência não pode subsistir sendo de ponderar alterar nestes autos e, proximamente, nos de alteração da RERP, com eventuais implicações (nos autos da RERP) ao nível dos convívios, da prestação alimentar e do regime da irmã GG, que será de ouvir em juízo.
Os autos revelam, de forma particularmente evidente, quer pelas peças processuais, quer pelas repetidas diligências, que os pais mantêm forte conflito no que aos interesses do CC respeita e cujos termos aqui nos dispensamos de desenvolver.
Tal conflito mantem-se há vários anos, sem perspectivas de boa resolução.
O conflito elevado, reiterado e sem perspectivas de boa resolução, é critério particularmente relevante à decisão quanto à reversão da residência alternada.
Com os autos bem demonstram num passado mais recente, a principal divergência, está relacionada quanto ao acompanhamento e tratamento do CC.
Paulatinamente, o Tribunal foi tentando encontrar respostas que, em conformidade com o que se julga ser a melhor opção para o interesse do CC, diluíssem tal conflito, permitindo ao CC ver centrado um plano de acompanhamento, tratamentos, medicação e outras repostas, nomeadamente ao nível da escola e de estratégias que os pais deveriam seguir quanto à gestão da sua incapacidade e, em especial dos seus episódios de desregulação.
Embora já no parecesse-se evidente que nesse percurso o progenitor se foi aprestando como melhor solução, também resulta, num passado mais recente, que o progenitor se tem conformando com as decisões do Tribunal e que a progenitora as vem contestando ou incumprindo em quase toda a linha.
Disso é exemplo a resposta que a progenitora deu aos comandos que o tribunal inseriu no despacho de 01-07-2024.
Como se infere dessa decisão, para além do mais, fez-se constar que:
- o acompanhamento da criança deveria ser feito pela Dr.ª EE e que os pais deveriam acatar todas as orientações dessa médica no tocante à toma de medicação, terapias que deveria frequentar e adoção de medidas em contexto escolar;
- o comando, à progenitora, no sentido de agendar sessões com a Dr.ª EE, a fim de ser elucidada acerca das necessidades do CC;
- o comando no sentido e que a progenitora deveria abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis;
- o deferimento de competências ao progenitor quanto à escolha da escola, passando a assumir a condição de encarregado de educação;
- a imposição, à progenitora, de fazer comparecer o CC na escola de forma pontual;
- a condição de a progenitora iniciar acompanhamento em psiquiatria.
De então para cá, resulta que:
- a progenitora rejeita o acompanhamento da criança pela Dr.ª EE e rejeita a marcação de sessões com a Dr.ª EE, a fim de ser elucidada acerca das necessidades do CC, referindo ao tribunal, na recente diligência de 30-10-2024, que não já confia na referida médica, que não concorda com a intervenção da Dr.ª EE e que não marcará ou comparecerá a quaisquer sessões com a Dr.ª EE;
- por força deste resistência, a Dr.ª EE afastou-se do acompanhamento do CC, tal qual comunicou e justificou por e.mail chegado a 15-10-2024;
- a circunstância de a progenitora, não só se tem recusado a colaborar com a Dr. EE nos termos impostos, mas de ter iniciado novo processo de consultas com outro médico, que identificou, em ... (procurou aconselhamento com o Dr. KK, que aconselhou o acompanhamento da Dra. LL e do Dr. MM), com vista a validar outras soluções em favor do CC (diríamos, as suas soluções);
- a circunstância de o CC já ter sido, entretanto, conduzido novamente à urgência, por vontade da mãe, para mais a estabelecimento que não o Hospital 1... onde vinha sendo acompanhando;
- a circunstância de o CC, aos cuidados da mãe, ter faltado à escola, sem que fiquem totalmente claros os fundamentos dessas faltas;
- a circunstância de a progenitora ainda não ter iniciado acompanhamento em psiquiatria, o que justificou, adiantando, contudo, que está agendado, mas que dele não carece….
Mais resulta da diligência de 30-10-2024, em especial da audição da Dr.ª JJ, que:
- o Hospital 1... é entidade capacitada a acompanhar a condição de saúde do CC (não seria de esperar de outro modo), quer pela sua pessoa, quer pelo concurso da Dr.ª EE que aí também trabalha, que já vinha acompanhando o CC no “privado”;
- que a Dr.ª JJ já conhece o processo clínico do CC e já vinha conferenciando com a Dr.ª EE;
- as opções da Dr.ª EE, de quem tem conhecimento, são válidas do ponto de vista clínico;
- os comportamentos do pai no que toca à restrições físicas do CC – o caso que vem sendo mencionado de o progenitor dar nós nas mangas das camisolas do CC, restringindo os seus movimentos, para que este não se auto agrida e que a mãe qualificou como de “maus tratos” – são opções válidas e com suporte técnico e científico, ficando claro – reafirmamos – do informado pela Dr.ª JJ que não estamos perante um qualquer quadro de “maus tratos”;
- a forte conflituosidade entre os pais não permite um tratamento sereno e adequado à condição do CC, pois por força das diversas opções, as soluções a que ambos os progenitores chegam são conflituantes;
- que face ao conflito, o progenitor é a pessoa que, actualmente, melhor está capacitada para acudir ao acompanhamento clínico do CC;
- para afeitos clínicos, não é aconselhável que o CC se mantenha, simultaneamente, aos cuidados do pai e da mãe no actual regime de residência que referiu saber existir e que acima mencionamos, transcrito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Anotando-se, ainda, que a progenitora, mesmo alertada na referida diligência de 30-10-2024, que a opção pela restrição dos movimentos de auto agressão do CC é solução válida, desde logo disse que não as aceitaria.
Cremos que o Tribunal tentou, quase até à exaustão, encontrar um caminho, que já se antevia penoso e moroso – como tem sido – que sem alterar o regime da residência do jovem CC, se conformasse com o interesse do CC, mantendo a residência alternada nos termos vigentes.
Manifestamente, cremos que tal não é mais possível.
Cremos ser de reconhecer, que manutenção dos termos da residência é contrária aos interesses do CC.
Os factos que se foram devolvendo desde 2021 permitem concluir que a situação se foi alterado, que o conflito se foi agudizando e que as opções tendentes a manter o regime em vigor se revelam de quase impossível execução e conforme o interesse do CC.
O CC não pode viver em constante sobressalto, vinculado ao conflito dos pais, em constantes alterações de plano de assistência médica e de medicação, a ser conduzido a vários médicos consoante vontade da mãe, a vários estabelecimentos de saúde e em relevantes alterações de medicação e da sua dosagem.
O CC tem de ser protegido das constantes peripécias que vão surgindo aquando da sua condução e recolha à escola e das divergências que a mãe se encarrega de manter com o percurso formativo do CC, com forte animosidade das responsáveis na escola.
Anote-se, a este propósito, o episódio já conhecido nos autos, ocorrido no dia 29-04-2024, na Escola 2... frequentada pelo jovem CC, envolvendo, principalmente, a sua progenitora e relatado pela Polícia de Segurança Pública ... no NUIPC ... (documento junto a 03-05-2024), depois validados em juízo conforme declarações insertas em Acta de 13-06-2024, pelas Coordenadora da escola HH e pela Professora II.
Mais ainda, tal qual ficou claro na recente diligência de 30-10-2024, a progenitora optou, entretanto, por impedir que o progenitor esteja com o seu filho CC, o que se regista desde 13-10-2024.
Desde há mais de um mês, num processo de manifesto desenvolvimento de um quadro de alienação parental, a progenitora vinha impedindo o CC de estar com o pai, quadro de facto que na perspectiva da progenitora não tinha fim à vista, pois, note-se, a mãe nada informou quando seria de o CC regressar aos cuidados do pai, tendo o Tribunal que ordenar, com efeitos imediatos, o regresso do CC aos cuidados do pai.
Escuda-se na defesa do filho face aos tais maus tratos do pai…
Por ela (progenitora), estamos em crer que o CC nunca mais regressaria aos cuidados do pai…
A conclusão do que antecede, resulta do simples facto de saber que o progenitor pode optar validamente pela restrição dos movimentos de auto agressão do CC, que a progenitora disse não aceitar…
Cumpre notar o evidente: o quadro de facto desde a decisão do Tribunal da Relação do Porto alterou-se significativamente.
O conflito entre os pais exacerbou-se com os resultados conhecidos nos autos e com reflexos no CC.
O quadro clinico do CC foi-se agravando. Independentemente dos factos que levaram ao agravamento do quadro clínico do CC – seja o conflito dos pais, as constantes alterações de terapêutica, a degradação ou evolução da patologia que o afecta – o CC sente-se hoje mais reactivo fisicamente contra a sua própria pessoa.
O CC “desregula” com mais facilidade.
O CC carece de uma atenção especial que não carecia há cerca de 4 anos.
O CC carece de um apoio estruturado, sobretudo com estabilidade, ao nível do acompanhamento clínico e da mediação, que os pais, em conjunto, não lhe conseguem dar.
Por todo o exposto, cremos que é de alterar os termos da convivência do CC com os seus pais.
A residência alternada não é de manter.
Os autos foram demostrando, por várias vias, suportada em critérios técnicos (que a progenitora prefere ignorar!), que o progenitor se mostra, a nosso ver, mais capaz de se conformar com os comandos da médica que vinha acompanhando o CC – a Dr.ª EE – e que é o progenitor mais capaz de seguir os conselhos clínicos da Dr.ª JJ que passará, necessariamente, a centralizar o acompanhamento do CC no Hospital 1....
As necessidades do CC rondam hoje, sobretudo, em volta de um plano que o acuda na sua patologia, que é irreversível e na escolha do progenitor mais capaz a implementar tal plano!!!
É de ponderar quem melhor pode acudir ao CC por força das suas limitações…
Neste quadro de facto, os termos da residência que vinham sendo fixados não podem subsistir, pois contrariam a aludida finalidade.
A residência deve ser fixada junto do pai, com as demais consequências legais.
No contexto deste PPP cumpre apenas decidir quanto ao CC – e não quanto à GG.
Caso o Tribunal aceite os argumentos do Ministério Público no sentido de que o CC deve passar a residir com o pai, com convívios à progenitora, deve também sopesar que as demais questões quer quanto à estrutura dos demais convívios (férias e pausas escolares), a prestação alimentar e divisão de despesas do CC, quer quanto às implicações do que aqui vier a ser decido quanto à GG, o que deve com brevidade ser ponderado no apenso de Alteração da RERP.
A nosso ver, será sempre de acautelar que durante os períodos de frequência escolar, o CC está sob orientação do pai, que o deve ir levar e buscar, todos os dias.»
Conclui-se a final:
«Tudo visto e ponderado, sem prejuízo do mais que o Tribunal entender ser conveniente salientar e inserir como comando orientação da medida a aplicar, promovemos que o Tribunal deve decida:
- alterar a residência do CC para junto do pai;
- manter a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais em favor do CC, a executar junto dos pais;
- que o CC possa estar com a mãe quinzenalmente (sem prejuízo de se definir, desde já, que serão dos fins de semana a favor da mãe e um a favor do pai), de sexta-feira, ao final das actividades escolares até ao final da tarde de domingo, entregando o CC em casa do pai até às 19H00, sem prejuízo de, a breve trecho, se equacionar que tais convívios devam ser mais regulares, logo que se conclua pela estabilidade das circunstâncias de vida do CC;
- que os progenitores deverão abster-se de aludir negativamente ao outro na presença do CC;
- que os progenitores assegurarão os cuidados ao filho ao nível da habitação, higiene, alimentação, saúde e educação, quando este se encontrar aos seus cuidados, com a limitações e orientações infra;
- que o pai passe a decidir quanto às questões de vida corrente do CC, sejam as de saúde, sejam as de educação, reafirmando-se que continua instituído como encarregado de educação do CC e que pode implementar a frequência escolar na Escola 1... já decidida;
- que o CC manterá as atividades/apoios de que beneficia atualmente, como a terapia da fala, terapia ocupacional, apoio do ensino especial, natação e hipoterapia, sendo eventuais mudanças no local onde são prestadas decididas pelo pai, sem prejuízo de alteração validada expressamente pela Dr.ª JJ;
- que o acompanhamento do CC a nível clínico se fará exclusivamente no Hospital 1..., pela Dr.ª JJ;
- que os progenitores assegurarão o plano terapêutico e o plano de medição que foi sugerido pela Dr.ª JJ;
- a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência, que deverá ser assegurado pelo pai do CC;
- que, com consentimento expresso – documentado – da Dr.ª JJ, o progenitor pode continuar a manter acompanhamento no sector “privado” com a Dr.ª EE, caso esta aceite esse acompanhamento, a admitir enquanto a Dr.ª EE se mantiver em serviço do Hospital 1..., o que permitirá fácil articulação com a Dr.ª JJ e permitirá, se tal se justificar, um acompanhamento mais próximo que o sistema nacional de saúde não possa pontualmente assegurar, podendo tal acompanhamento no privado pela Dr.ª EE ser efetuado apenas com o apoio, concurso e participação do pai, sem prejuízo de a progenitora ser informada pelo pai e junto do Hospital 1... pelo percurso de acompanhamento clínico do seu filho, quanto a tratamentos, medicação, actividades e outros do referido foro;
- que aos pais está vedado a condução do CC a qualquer outro clínico, seja de que especialidade for, sem prévia referência expressa – documentada – da Dr.ª JJ;
- que salvo caso de força maior ou de impossibilidade, em caso de urgência, o CC só pode ser assistindo nas urgências do Hospital 1..., onde tem processo clínico activo e onde a sua situação clínica já é conhecida, evitando-se assim, alteração de terapêuticas e, sobretudo, de medicação;
- a progenitora deverá abster-se de assumir comportamentos desadequados na presença da criança, em qualquer contexto, nomeadamente, social ou escolar;
- a progenitora deverá abster-se de levar o CC a qualquer local que lhe possa causar agitação;
- a progenitora deverá iniciar, querendo, acompanhamento em psiquiatria.»
No dia 4.11.24 foi proferida a decisão posta em crise, decidindo a final:
«Face a todo o exposto, decido prorrogar a medida de apoio junto dos progenitores por mais 6 meses, com as seguintes obrigações a cargo dos progenitores:
- a criança residirá com o progenitor, convivendo com a mãe quinzenalmente, entre sexta-feira ao final da tarde (sendo recolhida pela mãe em casa do pai) e domingo às 19h00 (sendo recolhida pelo pai em casa da mãe);
- os progenitores assegurarão os cuidados ao filho ao nível da habitação, higiene, alimentação, saúde e educação, quando este se encontrar aos seus cuidados;
- os progenitores manterão o acompanhamento pedopsiquiátrico da criança pela Dra JJ, no Hospital 1..., assim como em todas as especialidades indicadas ou a indicar por esta, devendo a criança ser acompanhada a estas consultas de especialidade pelo pai;
- os progenitores acatarão todas as orientações médicas da Dra JJ no tocante à toma de medicação, terapias que deverá frequentar e adoção de medidas em contexto escolar;
- a condução do CC a consultas fora do Hospital 1... depende de indicação escrita da Dra JJ, sem prejuízo da possibilidade de acompanhamento, no privado, pela Dra EE, caso pai o entenda necessário;
- o CC manterá as atividades/apoios de que beneficia atualmente, como a terapia da fala, terapia ocupacional, apoio do ensino especial, natação e hipoterapia, sendo eventuais mudanças no local onde são prestadas decididas pelo pai;
- o CC frequentará a Escola 1..., sendo o pai o encarregado de educação;
- o pai deverá informar a mãe, por escrito, do resultado de todas as consultas médicas a que compareça e da adaptação escolar do CC, esta de forma quinzenal;
- os progenitores deverão abster-se de aludir negativamente ao outro na presença do CC;
- a progenitora deverá abster-se de assumir comportamentos desadequados na presença da criança, nomeadamente em contexto escolar;
- a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis e, nesse caso, deverá dirigir-se ao Hospital 1...;
- a progenitora deverá abster-se de levar o CC a qualquer local que lhe possa causar mais agitação.
Notifique, sendo a TSS gestora do processo para, até 15/04720259, juntar aos autos relatório de acompanhamento da medida.
Requerimento da progenitora de substituição da técnica da EMAT, Dra FF:
A definição do técnico gestor do processo cabe ao ISS, não ao Tribunal.
Por outro lado, não vislumbramos qualquer fundamento para reportar a esta entidade quaisquer factos que aconselhem a substituição da Exma Técnica.
Assim sendo, nada a determinar.».
Desta decisão foi interposto recurso por AA, apresentando as seguintes conclusões:
A. DA NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA
1- A decisão proferida é nula porque carece de fundamentação, violando assim o artigo 615º do CPC.
2- Na verdade, o Tribunal a quo fixou 20 factos para poder sustentar a decisão proferida, mas não fundamentou a convicção que esteve na base na tarefa de fixação desses pontos mediante provas concretas e especificas do processo e mais sem fazer qualquer avaliação crítica sobre cada uma das provas produzidas.
3- Bastou-se para tal com a utilização de uma fórmula redonda e genérica segundo a qual esses pontos foram fixados com base nos relatórios sociais juntos e declarações prestadas na diligência de 30 de julho, o que é manifestamente insuficiente e como parâmetro de fundamentação para as decisões em geral quanto mais para uma que é tomada com critérios de oportunidade e conveniência onde a discricionariedade prevalece.
4- A decisão que aplica estas medidas de proteção é também nula por não ter fundamentado a conveniência e oportunidade subjacentes às mesmas, tendo-as apenas aplicado sem demonstrar porque é que estas correspondem ao superior interesse do CC.
5- Basicamente a decisão recorrida enferma do que se pode designar como desvio de poder, pois, manifestamente, tem como causa e como finalidade a punição da Recorrente por ter esta, alegadamente, incumprido os comandos do Tribunal.
6- Esta circunstância invalida a decisão sindicada, pois a intervenção do Tribunal não pode ter este fito, mas apenas o de proteger a criança em perigo e, perscrutando toda a decisão, não é possível entender - porque tal análise não foi de todo feita – porque é que o CC fica melhor sem ver a mãe durante 15 dias e sem residir com ela, porque é que a mãe não pode dar um SOS, porque é que a mãe nem sequer pode ir com o CC ao médico por esta escolhido e porque é que nem sequer pode receber diretamente informação clínica e escolar do seu filho e só a pode ter mediante informação passada pelo pai do CC.
7- Na verdade, a escolha destas medidas pelo Tribunal só teve uma causa: foram promovidas pelo Senhor Procurador na sua promoção, tendo-se o Tribunal colada acriticamente às mesmas, sendo que estas não têm também qualquer fundamentação que possa decorrer das provas produzidas no processo.
8- Além do mais, o Tribunal não ordenou, como podia e devia ter ordenado com base nos seis profundos e extenso inquisitório, a produção de prova que lhe permitisse perceber qual seria o impacto destas medidas na vida do CC, sendo que a violação do dever do dever de investigar livremente os factos e de coligir provas que lhe permitissem medir as consequências da sua decisão (artigo 986º, nº 2 do CPC) gera nulidade por ser omissão determinante no sentido e conteúdo da decisão recorrida. (artigo 105º, nº 1 do CPC)
9- Saber porque foram estas medidas e não outras as tomadas é tarefa que não pode ser desenvolvida a partir da decisão recorrida, porque, pura e simplesmente, o Tribunal a quo não demonstrou ter feito qualquer ponderação que pudesse fundamentar efetivamente as mesmas.
10- Aliás, o Tribunal sabe perfeitamente que a sua ponderação colide com os interesses do CC, (como se pode deduzir da expressão não se justificava uma alteração de residência, considerando que o CC necessita de rotinas … ) mas mesmo assim, tendo caído na tentação de disciplinar a mãe do CC pelo seu alegado comportamento passado como modo de disciplinar o seu comportamento futuro neste processo bem como nos apensos de alteração suspenso.
11- Sendo nula deve ser tal nulidade declarada e devolvida a mesma à 1ª instância para ser proferida uma outra que seja devidamente fundamentada em todos os aspetos aqui apontados.
1– A medida de alterar a residência do CC para a casa do progenitor e de apenas permitir que o CC esteja com a mãe de 15 em 15 dias por meras 48 horas, desproporcional em sentido lato, ou seja, desnecessária, desadequada e desproporcional em sentido estrito, violando, até, o núcleo do direito fundamental o CC de se relacionar com a sua família, que este, apesar de sofrer do espectro do autismo também tem.
2 - É desnecessária, porque o suposto perigo de ir a consultas, ir às urgências, medicar em SOS já resultaria das restantes medidas aplicadas.
3- É desadequada porque, pelo menos em teoria, aos fins de semana aquele fim de semana não fica esconjurado dos perigos a que o Tribunal dá - ainda que erradamente - relevância.
4- É desproporcional porque a redução dos contactos com a Recorrente do CC - que sempre a teve como única figura de referência e que na separação sempre viveu com ambos os pais - é uma machadada final que o Tribunal a quo desfere no relacionamento entre mãe e filho e que não coloca na devida proporção o interesse que se pretende proteger e os outros interesses do CC
5- É, ainda, desproporcional porque as restantes em teoria seriam suficientes, por si, para levar a cabo a proteção a que o Tribunal a quo se propôs e a mesma viola o primado da continuidade de relações psicológicas profunda, do respeito do direito da criança à preservação de relações afetivas estruturadas de grande significado e, ainda, o da continuidade de vinculação securizante e prevalência da família. (artigo 4º, g) da LPP ).
6- Com esta decisão essas relações afetivas do CC com a sua mãe e a irmã estão em risco de perder-se e isso prejudicar claramente o CC e o seu desenvolvimento e estabilidade emocionais – isto é coloca-o em perigo - pois, ao contrário do que sucede com outros menores, não é possível explicar a este a decisão do Tribunal e o motivo de a mãe não pode estar nunca ou quase nunca presente.
7- O CC tem direito a manter e incrementar as relações psicológicas profundas que tinha com a irmã com a qual apenas estará 3 dias de quinze em quinze dias, desfasados dos dias que está com a mãe e nunca ao fim de semana; tem ainda direito a manter estruturadas as relações afetivas de grande significado, sendo de grande significado as relações afetivas que o mesmo tem com a sua mãe Recorrente e com a sua irmã.
8- Reduzir o CC a ter contacto com o pai 15 dias seguidos sem qualquer contacto intermédio com a progenitora apenas interpolado com meras 48 horas a com Recorrente é, não só privar o mesmo de uma relação psicológica profunda de grande significado com esta, como é seu direito, mas deixá-lo entregue apenas ao pai que despreza segundo decorre da análise do INML (junta) os sentimentos e sublinha o lado funcional, portanto, com o qual só muito dificilmente poderá este estabelecer uma conexão de qualquer género quanto mais psicológica e sentimental com o CC.
9- A decisão recorrida destrói a possibilidade de preservação de relações afetivas estruturadas de grande significado e, ainda, o da continuidade de vinculação securizante e prevalência da família, pois contribui claramente para que o CC fique só consigo mesmo, tudo o que é completamente oposto ao que as suas possibilidades de desenvolvimento emocional e intelectual exigem.
10- A decisão promove o isolamento completo do CC, ou seja, de um autista e isso é, por si, um fator de perigo na sua estabilidade psicológica e emocional da qual dependeria algum avanço intelectual, pelo que não é uma medida de proteção, mas de desproteção que tem, por isso, de ser revogada, mantendo-se a alternância antes existentes entre a Recorrente e o pai do CC.
11- As medidas identificadas em b), c), d) e e) do texto das alegações (assistência médica informação médica e escolar e administração medicamentos) são absolutamente desproporcionais em sentido lato, sendo desnecessárias, desadequadas e desproporcionais em sentido estrito.
12- Não há motivo algum para que a comunicação medica ou escolar seja indireta, portanto, não há necessidade para a aplicação desta medida e esta, do mesmo modo, não é adequada porque só uma comunicação direta com a médica ou professor em causa pode restabelecer os níveis de confiança da Recorrente, e ainda permitir que esta interaja corretamente com o CC a bem do ser desenvolvimento emocional e ainda possível desenvolvimento intelectual.
13- Esta medida tende a pôr em causa a intervenção precoce em perigos de que o CC possa estar sujeito e como é sabido o princípio em sede da proteção é o da intervenção ser precoce.
14- Por causa da violação do primado da criança da intervenção precoce e da manifesta desproporcionalidade em sentido lato desta medida deve a mesma ser revogada e substituída por outra que permita que a mãe, querendo, esteja presente na consulta ou terapias do filho ou que pelo menos a informação das mesmas lhe seja diretamente prestada por médico ou por quem as administra em relatório quinzenal e não através do pai.
15- A medida de proteção traduzida em que condução do CC a consultas fora do Hospital 1... depende de indicação escrita da Dra JJ sem prejuízo da possibilidade de acompanhamento, no privado, pela Dra EE, caso o pai o entenda necessário e em que a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis, e neste caso, deverá levar ao Hospital 1..., são do mesmo modo desadequadas e podem, mais uma vez, ser suscetíveis de colocar em perigo o CC.
16- A centralização das escolhas terapêuticas e das terapias do CC apenas numa equipe médica e educacional que tem a mesma orientação não permite a criação da dúvida sistemática e privilegia a sacralização de planos terapêuticos sem a permissão do distanciamento necessário das mesmas que pode impedir de ver a floresta em vez de continuar a ver apenas a árvore.
17- A opção de mera contenção perante o risco de automutilação não é válida, porque apenas impede o mesmo de se morder e de se magoar, mas não lhe há de permitir nunca passar do estádio em que está para outro que lhe permita evolução intelectual por pequena que seja.
18- Insistir, por isso, na medida de proteção de que o CC não pode ser medicado em SOS e tem de ser sempre levado e atendido em hospital onde esteja por perto a médica que o tem seguido não é proteger o CC é criar a volta dele um conjunto de muros de pedra destinados apenas e tão só à sua contenção e a não permitir qualquer evolução no mesmo.
19- Dito de outra forma, tomar a opção de privar o CC de alguma intervenção terapêutica mais adaptada para evitar aqueles episódios onde quer que estes ocorram e preferir a contenção física do mesmo é negligente, não só porque é altamente atentatória da sua dignidade enquanto pessoa, mas, sobretudo, porque a opção pela contenção, podendo ser equivalente para evitar automutilações, não é equivalente de todo para permitir a este atingir a estabilidade emocional que lhe possa permitir focar-se em algo, concentrar-se e evoluir dentro do que lhe for possível.
20- As medidas aqui em causa violam, claramente, os princípios basilares vertidos no artigo 4º al. a), c), d), e,) g) e h) da Lei de Promoção e Proteção, e, por isso, devem sem mais ser revogadas.
Pede
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DO DIREITO E CERTAMENTE COMO V/ EXAS DETERMINARÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECLARANDO-SE NULA A DECISÃO RECORRIDA, POR FORÇA DA VIOLAÇÃO DO ESTIPULADO NA ALÍNEA B) DO Nº 1 DO ARTº 615º DO C.P.C.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVE SER O DESPACHO RECORRIDO REVOGADO, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ACAUTELANDO O SUPERIOR INTERESSE DO MENOR CC, DETERMINE QUE O MESMO CONVIVA COM O PAI E COM A MÃE EM IGUALDADE DE CIRCUNSTÂNCIAS, NOS MOLDES ANTERIORMENTE INSTITUÍDOS, COM RESIDÊNCIA ALTERNADA, BEM COMO REVOGAR A DECISÃO PROFERIDA QUE IMPEDE ESTA DE TER ACESSO DIRETO ÀS INFORMAÇÕES ESCOLARES E DE SAÚDE DO SEU FILHO MENOR, E À LIVRE ESCOLHA DO HOSPITAL QUE EM CASO DE EMERGÊNCIA, PRESTARÁ CUIDADOS DE SAÚDE AO MENOR.
BB apresentou contra-alegações, concluindo:
DA NULIDADE DA DECISAO PROFERIDA
1- a Decisão recorrida esta bem fundamentada
2- Os 20 pontos fixados pelo tribunal na sua maioria foram violados ou não cumpridos pela recorrente;
3- Tais violações foram constatadas pelos relatórios sociais de acompanhamento;
4- Pelas declarações da médica que acompanha o CC
5- E pelas próprias declarações da recorrente prestadas em audiência que de forma prepotente contrariaram essas obrigações;
6- Tal despacho que fixou os 20 pontos não foi objeto de recurso;
7- Tendo o CC a guarda atribuída aos progenitores, a violação das obrigações impostas pelo tribunal mesmo que provisoriamente condicionam a sua vida;
8- Logo se a progenitora não as cumpre, não esta a proteger o CC;
9- O pai cumpriu todas as suas obrigações;
10- O Ministério Publico representa os menores, e incapazes, logo atua com vista a objetivamente os proteger de acordo com o que entende ser o mais adequado para o mesmo;
11- As únicas medidas propostas pela recorrente consistiam na alteração de equipa medica de acompanhamento do CC;
12- Sem qualquer critério científico que o justificasse;
13- Mas apenas pela conveniência pela recorrente que dessa forma pressionava pessoalmente os médicos no sentido de ser prescrita e ministrada medicação e químicos agressivos sem qualquer resultado prático;
14- O CC não é uma cobaia nem pode estar sujeito a experimentações.
15- A fundamentação do tribunal a quo residiu na análise efetuadas pela equipa medica que o acompanha;
16- Assim como no suporte nos relatórios sociais que traduziram incapacidade emocional da recorrente em aceitar a condição de vida do CC, assim como a sua natureza conflituosa para com as instituições que apoiam o CC, incluindo médicos professores e o próprio tribunal;
17- Tais constatações factuais motivaram e fundamentaram a convicção do tribunal a quo de que a recorrente não tem as condições básicas para perceber e lidar cm a condição de vida do CC
18- E num desses 20 pontos foi incluído que a recorrente agendasse consulta de psicologia;
19- A sentença assim não esta ferida de qualquer vicio ou nulidade;
DOS ERROS DE JULGAMENTO E ALEGADA VIOLAÇAO DA LEI DE PROTEÇAO DOS MENORES;
1-A medida de alteração da residência é proporcional e necessária para garantir a estabilidade do CC;
2-E foi aplicada provisoriamente por 6 meses;
3-O tribunal a quo visou proteger o CC da instabilidade da recorrente, a qual reflete perigo para a vida do CC, quer aos fins de semana quer durante a semana;
4-Nomeadamente na condução e regresso da escola dado nessas ocasiões o CC fruto da dificuldade em adaptação a ruídos e alterações de rotinas e dificuldade da recorrente em lidar com tais situações potencia a sua desregulação
5-E sem mais repetidamente acionar o INEM ou conduzir o CC a serviços de urgência sem causa que o justifique;
6-A proporcionalidade reside na convicção do tribunal a quo de que as medidas são provisorias;
7-Em face dos comportamentos da recorrente não inspiram confiança;
8-E estão indiretamente relacionadas com a alteração das responsabilidades parentais em curso as quais se encontram suspensas durante 6 meses;
9-Nessa alteração das responsabilidades parentais foi solicitada a guarda/residência dos dois menores CC e GG em casa do pai e o fim de semana de 15 em 15 dias com a recorrente, admitindo-se que a título provisório a GG possa residir uma semana completa em casa da mãe e outra em casa do pai;
10-Ficando apenas 5 dias sem ver o CC de 15 em 15 dias;
11-O CC continua a conviver com a irmã e com a recorrente embora provisoriamente por um menor período de tempo em especial no que às obrigações concerne;
12- Evitando atrasos repetidos na chegada à escola;
13-Consultas médicas excessivas e sem critério clínico que o justifique;
14-E ainda a permissão de implementação de PEI para potenciar a evolução cognitiva que a recorrente sempre se opôs sem fundamento que o justifique;
15-Mas apenas porque não aceita a condição de vida do CC e culpa o pai de todos os males de que o CC padece;
16-Não existe qualquer isolamento do CC, mas sim apenas e temporariamente uma maior convivência com o pai;
17-Que reúne todas as condições psicológicas e emocionais reveladoras de estabilidade e bom senso na condução da vida do CC;
18-Incluindo tal a condução do mesmo a escola, terapias e atividades recomendadas;
19-Com tais medidas o CC não está em perigo;
20-Quando muito a recorrente sente que a sua obstinação pela medicação agressiva, consultas medicas desnecessárias e frequência de escola adequada pelo CC fica limitada na sua extensão e como tal sente que fica inibida e limitada em fazer o que bem quer e quando o quer;
21-Esse é o perigo para o CC que o tribunal a quo pretendeu acautelar.
22-A comunicação da escola justificasse ser efetuada de forma indireta em virtude dos vários episódios de agressividade da recorrente para com as professoras e médicos;
23-Que levaram mesmo que a Drª EE solicitasse escusa no acompanhamento do CC dado ter sido acusada de incompetente pela recorrida;
24-O mesmo sucedendo com o Hospital 1...;
25-Tendo inclusivamente a recorrente ameaçado efetuar participações disciplinares contra os professores da Escola 2... que o CC frequentava.
26- A orientação clinica pela Drª JJ é coerente, a mesma dedica-se em exclusividade ao serviço publico defende a estabilidade e continuidade do acompanhamento hospitalar sem interferências de terceiros;
27-O que olhe permite controlar a medicação e evolução da mesma em função da necessidade e adequação à evolução do CC;
28-É falso que só o pai possa ter contato com o médico que acompanha o CC, pois a recorrente pode sempre obter informações junto da medica, reunir-se com ela para esclarecer qualquer assunto;
29-Uma das obrigações impostas foi a da recorrente agendasse reuniões com a Drª EE, o que a mãe recusou perentoriamente;
30-O pai informa a mãe por email de qual o resultado da consulta em que acompanhe o CC;
31-Não existindo qualquer perigo nessa medida para o CC, que não seja evitar a instabilidade da recorrente no tratamento dessas questões.
32-Quanto mais estável estiver o CC, mais equilibrado e calmo se mantiver menor será o risco de desregulação e consequente auto mutilação;
33-Pelo que em virtude das caraterísticas psicológicas do pai, sensatez compreensão e respeito pelas recomendações médicas;
34-E ainda implementação sob recomendação médica de medias alternativas de proteção como sejam os nos na camisola que a recorrente vulgarmente considerou como maus tratos justificam ser o pai o responsável pela condução da vida do CC;
35-O CC pode ser medicado em caso de SOS, o que não pode e ser medicado de forma agressiva em qualquer situação em que não esteja calmo;
36-O que era pratica corrente pela recorrida que de forma reiterada ministrava medicação psicotrópica ao CC nele provocando um estado de sonolência;
37-Que em casa do pai não necessita ser ministrada em virtude da estabilidade e tranquilidade desse ambiente;
38-Sonolência essa que acalma o CC e o coloca a dormir, se sequer se alimentar devidamente, e que satisfaz a recorrente pois permite que esta não tenha que lidar com o que não sabe e não quer saber, como seja compreender e conviver com a real condição de vida do CC;
39- Colocando aí sim em perigo a saúde do CC ministrando sistematicamente medicação agressiva com o fito dela própria e no seu interesse pessoal não precisar de se preocupar com o CC, porquanto o mesmo esta a dormir;
40-A recorrente incumpriu por 2 vezes seguidas a obrigação de entregar o CC em casa do pai;
41-O pai sempre cumpriu com a sua obrigação de entregar o CC á recorrente;
42- Não existe qualquer violação dos artigos 4º a(c) d) e(h) da Lei de promoção e proteção;
43- ATUALMENTE com a mudança de escola adaptou-se maravilhosamente, cumpre horários sorri na escola e nela entra e sai calmo;
44- Deixou de ter auto agressões e apenas toma 0,75 de manha e 0,5 ao final do dia de respiridona recomendada pela Drª EE.
O M.P. respondeu, concluindo:
Face ao histórico dos autos de RERP, ao histórico do PPP e dos demais apensos, à decisão sob recurso e aos seus fundamentos, bem se percebe que a decisão esta fundamentada, é adequada e é conforme a Lei, devendo ser mantida.
No dia 13.1.25 foi por nós proferido o seguinte despacho:
«São as seguintes as conclusões (1º grupo) apresentadas pela apelante:
DA NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA
1. A decisão proferida é nula porque carece de fundamentação, violando assim o artigo 615º do CPC.
2. Na verdade, o Tribunal a quo fixou 20 factos para poder sustentar a decisão proferida, mas não fundamentou a convicção que esteve na base na tarefa de fixação desses pontos mediante provas concretas e especificas do processo e mais sem fazer qualquer avaliação crítica sobre cada uma das provas produzidas.
3. Bastou-se para tal com a utilização de uma fórmula redonda e genérica segundo a qual esses pontos foram fixados com base nos relatórios sociais juntos e declarações prestadas na diligência de 30 de julho, o que é manifestamente insuficiente e como parâmetro de fundamentação para as Decisões em geral quanto mais para uma que é tomada com critérios de oportunidade e conveniência onde a discricionariedade prevalece.
4. A decisão que aplica estas medidas de proteção é também nula por não ter fundamentado a conveniência e oportunidade subjacentes às mesmas, tendo-as apenas aplicado sem demonstrar porque é que estas correspondem ao superior interesse do CC.
5. Basicamente a decisão recorrida enferma do que se pode designar como desvio de poder, pois, manifestamente, tem como causa e como finalidade a punição da Recorrente por ter esta, alegadamente, incumprido os comandos do Tribunal.
6. Esta circunstância invalida a decisão sindicada, pois a intervenção do Tribunal nãopodeter este fito,mas apenasodeprotegera criança emperigo e, perscrutando toda a decisão, não é possível entender - porque tal análise não foi de todo feita – porque é que o CC fica melhor sem ver a mãe durante 15 dias e sem residir com ela, porque é que a mãe não pode dar um SOS, porque é que a mãe nem sequer pode ir com o CC ao médico por esta escolhido e porque é que nem sequer pode receber diretamente informação clínica e escolar do seu filho e só a pode ter mediante informação passada pelo pai do CC.
7. Na verdade, a escolha destas medidas pelo Tribunal só teve uma causa: foram promovidas pelo Senhor Procurador na sua promoção, tendo-se o Tribunal colada acriticamente às mesmas, sendo que estas não têm também qualquer fundamentação que possa decorrer das provas produzidas no processo.
8. Além do mais, o Tribunal não ordenou, como podia e devia ter ordenado com base nos seis profundos e extenso inquisitório, a produção de prova que lhe permitisse perceber qualseria o impacto destasmedidasna vida do CC, sendo que a violação do dever do dever de investigar livremente os factos e de coligir provas que lhe permitissem medir as consequências da sua decisão (artigo 986º, nº 2 do CPC) gera nulidade por ser omissão determinante no sentido e conteúdo da decisão recorrida. (artigo 105º, nº 1 do CPC)
9. Saber porque foram estas medidas e não outras as tomadas é tarefa que não pode ser desenvolvida a partir da decisão recorrida, porque, pura e simplesmente, o Tribunal a quo não demonstrou ter feito qualquer ponderação que pudesse fundamentar efetivamente as mesmas.
10. Aliás, o Tribunal sabe perfeitamente que a sua ponderação colide com os interesses do CC, (como se pode deduzir da expressão não se justificava uma alteração de residência, considerando que o CC necessita de rotinas … ) mas mesmo assim, tendo caído na tentação de disciplinar a mãe do CC pelo seu alegado comportamento passado como modo de disciplinar o seu comportamento futuro neste processo bem como nos apensos de alteração suspenso.
11. Sendo nula deve ser tal nulidade declarada e devolvida a mesma à 1ª instância para ser proferida uma outra que seja devidamente fundamentada em todos os aspetos aqui apontados.
Da motivação, e destas conclusões, resulta a arguição da nulidade a que alude o art.615.º nº1, al.b) do CPC e face a imputada mera referência na decisão aos relatórios sociais juntos e declarações prestadas na diligência de 30 de julho.
Admitido o recurso pelo Tribunal a quo, não resulta que se tenha previamente dado cumprimento ao disposto no artº617 nº1 do CPC em relação à nulidade dirigida a decisão.
Em face do referido, ao abrigo do artigo 617.º, nº5 do CPC, determina-se a baixa dos autos à 1º instância para que se dê cumprimento ao disposto no nº1 do citado preceito, ficando ao alto critério do tribunal a quo equacionar da justeza da imputada nulidade e, reconhecendo-a, a necessidade de a suprir (…).»
Baixado o processo à 1ª instância foi proferida a seguinte decisão pelo Sr. Juiz:
«A recorrente invocou a nulidade da decisão de 04/11/2024, que reviu a medida aplicada à criança CC, alegando, em síntese, que:
- o Tribunal não fundamentou a decisão que esteve na base da fixação da matéria de facto mediante provas concretas e específicas e não fez qualquer avaliação crítica das provas produzidas;
- a decisão é também nula por não ter fundamentado a conveniência e oportunidade subjacente à medida aplicada, sem demonstrar porque é que esta corresponde ao superior interesse do CC.
*
Dispõe o artigo 615º/1/b) do C.P.C., aplicável aos despachos por remissão do artigo 613º/3, que se verifica nulidade quando o despacho não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No tocante à falta de demonstração de que a decisão corresponde ao superior interesse do CC, entendemos que resulta da mesma o porquê de corresponder ao seu superior interesse, nomeadamente a necessidade de manter o acompanhamento clínico nos moldes em que estava a ser feito, obstar a sucessivas idas a médicos diversos, adotar estratégias para acalmar os comportamentos do CC e acautelar a adaptação a novo contexto escolar, concluindo-se que o progenitor se mostra mais capaz para o efeito.
Não se verifica, assim, a nulidade nesta parte invocada.
No mais, conforme vem sendo entendimento unânime da jurisprudência, a decisão acerca da fundamentação de facto é nula em caso de total falta de fundamentação, e ainda quando a fundamentação de facto é insuficiente, na medida em que não permite ao destinatário a perceção da decisão que levou à prova ou falta de prova dos factos enunciados na mesma.
No caso concreto, o Tribunal fundamentou a decisão “nos elementos carreados para os autos pelos progenitores após a prolação do despacho de 01/07/2024, relatórios sociais juntos e declarações prestadas na diligência de 30/10/2024”.
Não podemos deixar de reconhecer que tal fundamentação genérica não contém a análise crítica dos meios de prova, mostrando-se, assim, insuficiente, o que conduz à sua nulidade, que se passará a suprir.
A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados, baseou-se:
- nos relatórios médicos subscritos pelos Srs Drs KK e LL, juntos pela progenitora com o requerimento de 01/07/2024, dos quais resulta que os mesmos foram consultados pela progenitora nas datas indicadas;
- no resumo de informação clínica emitido pelo Hospital 2... em 02/07/2024, do qual resulta que o CC aí foi levado pela mãe na data indicada, bem como a medicação prescrita;
- no relatório social de 26/09/2024, elaborado pela Sra Dra FF, técnica do ISS que tem vindo a acompanhar o processo, no qual descreve o modo como decorreu o período posterior a 01/07/2024, tendo para o efeito articulado com os progenitores, a professora do CC, a anterior pedopsiquiatra do CC, Dra EE, e a atual, Dra JJ;
- no e-mail remetido aos autos pela Sra Dra EE, em 14/10/2024;
- no relatório social de 16/10/2024, elaborado pela Sra Dra FF, técnica do ISS que tem vindo a acompanhar o processo, no qual descreve o agravamento dos comportamentos do CC, tendo para o efeito articulado com os progenitores, a escola do CC e a anterior pedopsiquiatra do CC, Dra EE;
- nas declarações prestadas pela progenitora na diligência de 30/10/2024, onde admitiu que não agendou sessões com a Dra EE, não iniciou acompanhamento psiquiátrico e procurou o aconselhamento de outros médicos, confirmando ainda que não entregava o filho ao pai desde 13/10/2024;
- nas declarações prestadas pelo progenitor na mesma diligência, tendo descrito o acompanhamento médico em curso, a possibilidade de recurso à Dra EE, a inscrição escolar (aceitação na Escola 1...) e a falta de entrega da criança desde 13/10; esclareceu ainda a questão inerente aos “nós” na roupa, tendo deposto de forma que se nos afigurou credível;
- nas declarações prestadas e opinião emitida acerca das competências de cada um dos progenitores pela Sra Dra JJ na diligência de 30/10/2024, as quais nos mereceram total credibilidade, por ter deposto de forma serena e segura, não evidenciando qualquer animosidade em relação a qualquer dos progenitores.
Notifique, sendo a recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 617º/3 do C.P.C.»
O recurso foi bem admitido como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
II.
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na linha do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela recorrente progenitora, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir acerca do seguinte:
- nulidade da decisão posta em crise;
- legalidade da decisão recorrida, decisão de revisão da medida de apoio junto dos pais, determinando a residência da criança junto do pai, passando a conviver com a mãe quinzenalmente entre sexta-feira ao final da tarde (sendo recolhida pela mãe em casa do pai) e domingo às 19h00 (sendo recolhida pelo pai em casa da mãe), e no que demais aí se decidiu na parte que impede a progenitora de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e a livre escolha do hospital em caso de emergência.
III.
III.1
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade para renovar a citada medida de apoio junto dos pais, mas determinando que a residência da criança será na casa do pai e com convívio quinzenal com a mãe, igualmente impedindo a progenitora de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e a livre escolha do hospital em caso de emergência:
1. antes da prolação do despacho de 01/07/2024, a progenitora consultou o Dr KK (em 20/06/2024) e a Dra LL (em 26/06/2024), pugnando pelo acompanhamento do CC por estes clínicos;
2. em 02/07/2024 a progenitora levou a criança ao Hospital 2..., a fim de ser consultada pelo Dr MM, onde lhe foi prescrito retomar tratamento com valproato de sódio, por a mãe referir uma melhoria importante no padrão do sono quando tal medicamento lhe foi ministrado em 2021;
3. durante as férias escolares, e face aos comportamentos auto lesivos do filho, o progenitor optou por lhe vestir camisolas de manga comprida, dando um nó nas pontas, o que fazia com que parasse os comportamentos auto lesivos;
4. por vezes, era o próprio CC quem se aproximava do pai com os braços estendidos, a fim de serem dados esses nós, os quais eram retirados quando a criança se acalmava;
5. o progenitor partilhou essa opção com a Dra EE, que lhe explicou que os movimentos auto lesivos estão por vezes associados a questões sensoriais, que as crianças não conseguem controlar, mas que quando externamente contidos podem se sentir mais confortáveis;
6. considerou essa alternativa mais saudável do que a administração de medicação;
7. em consulta de pediatria do desenvolvimento realizada no Hospital 1... em agosto de 2024, tal solução foi igualmente validada pelo médico respetivo, Dr NN;
8. a Dra JJ, pedopsiquiatra que acompanha atualmente o CC no Hospital 1... (por encaminhamento da Dra EE), considera igualmente legítima tal estratégia, por os comportamentos das crianças com autismo serem por vezes graves, e não responderem a fármacos, sendo por vezes necessário o uso de barreiras físicas;
9. no dia 13/10/2024, após a progenitora ir buscar o CC a casa do progenitor, o CC mordeu as crostas que tinha nas mãos, tendo tido que receber tratamento hospitalar;
10. após essa data, a progenitora recusou entregar a criança ao progenitor, nos dias definidos na regulação das responsabilidades parentais, alegando estar a proteger o filho porque o pai o amarrava;
11. o CC iniciou o ano letivo na escola que frequentava no ano letivo anterior, estando já em curso a sua transferência para a Escola 1..., na qual já foi aceite, escola com experiência no tratamento das crianças com autismo;
12. em 14/10/2024 a Dra EE manifestou a sua indisponibilidade para manter o acompanhamento ao CC, face às sucessivas desconfianças da mãe relativamente à sua terapêutica;
13. a Dra EE manifesta-se disponível para continuar a acompanhar o CC se a interação for feita com o pai;
14. para reavaliação do CC é fundamental apurar quais os fatores que desencadeiam comportamentos auto lesivos, sendo que a presença em sítios estranhos, com ruído, as idas à urgência e as tarefas escolares estão incluídas nesses fatores;
15. o progenitor mostra-se mais capaz de seguir o acompanhamento médico prescrito ao CC;
16. o pai tem mais facilidade em lidar com os comportamentos do CC, tendo a mãe mais dificuldade na leitura dos comportamentos do filho;
17. a progenitora não agendou sessões com a Dra EE, conforme determinado no despacho de 01/07/2024, por não ter confiança no seu trabalho, considerando que a mesma não é imparcial;
18. não iniciou acompanhamento psiquiátrico;
19. o CC mantém episódios de desregulação, com comportamentos auto lesivos;
20. o conflito entre os pais é um fator prejudicial.
Releva para a decisão toda a matéria de facto fundamento das decisões anteriores, transitadas, e atrás enunciadas, ou seja, decisões de 29.4.24 e 1.7.24, matéria essa que, brevitatis causa, e porque a alinharemos na decisão que se seguirá, aqui se considera reproduzida.
Enuncia-se, no entanto, a situação clínica da criança pela importância da sua especial consideração:
- o CC padece de evidentes limitações do foro intelectual e/ou cognitivo;
- o CC apresenta síndrome de tumores hamatomatosos associados ao PTEN (PHTS), em cujo contexto e do ponto de vista neurodesenvolvimental, apresenta os seguintes distúrbios: perturbação de desenvolvimento intelectual; perturbação do espectro do autismo; perturbação do processamento sensorial; perturbação da comunicação; perturbação da linguagem; perturbação dos sons da fala.
III.2
A.
Da nulidade da decisão.
Entende a recorrente que a decisão é nula por falta de fundamentação, porque, fixando 20 factos para sustentar a decisão proferida, não a motivou mediante provas concretas e especificas do processo, assim também sem fazer qualquer avaliação crítica sobre cada uma das provas produzidas, bastando-se com a utilização de uma fórmula redonda e genérica materializada na remissão para os relatórios sociais e declarações prestadas.
Entende também que é nula porque aplica medidas de promoção e protecção sem ter fundamentado a conveniência e oportunidade subjacente às mesmas, tendo-as apenas aplicado sem demonstrar porque é que estas correspondem ao superior interesse do CC.
Igualmente entende-a nula por o tribunal a quo se ter demitido exercer os seus poderes de investigação, invocando tão só o disposto no art.986.º2 do CPC.
Conforme resulta do processo, o tribunal a quo admitiu que a sua decisão transportava uma fundamentação genérica, não contendo a análise crítica dos meios de prova, assim se mostrando insuficiente.
Na sequência dessa constatação completou a fundamentação em crise nos termos atrás mencionados, desta sorte passando esse complemento a fazer parte da decisão recorrida conforme decorre do art.617.º, n.º2, do CPC.
Ainda assim, entende a recorrente que a decisão está patologicamente ferida de nulidade por falta de fundamentação.
Repare-se que a fundamentação do porque se decidiu como se decidiu, diz tão só respeito aos factos que se elencaram como premissa menor do silogismo que se desenvolveu logo de seguida e que culminaria pela fixação da residência da criança com o pai (e no que demais se decidiu na parte que impede a progenitora de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e à livre escolha do hospital em caso de emergência), numa perspectiva, que é a que se desenvolve no âmbito dos processos de protecção, ou seja, de salvaguarda da criança de um qualquer perigo em que possa estar (ou na iminência de estar).
Não está, pois, em causa a residência da criança em termos mais, digamos, permanentes (sabemos que nos processos desta natureza, as decisões nunca são definitivas).
Essa questão, como se diz na decisão, ocorrerá no processo de alteração da regulação das relações parentais (onde a decisão também nunca será susceptível de ser classificada como definitiva).
Diz-se na decisão: «Antes de mais, importa clarificar que não cumpre, nesta sede, alterar a regulação das responsabilidades parentais referentes ao CC, nomeadamente no que toca à sua residência, o que terá a sua sede própria no processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais pendente; o que importa, em sede de promoção e proteção, é a aplicação de medida que salvaguarde o CC do perigo em que se possa encontrar, sem prejuízo de, temporariamente, poder ser definida a sua residência junto de um dos progenitores.»
Pois, bem, a factualidade em causa tem que ver com o registo comportamental da progenitora no respeito do que foi decidido pelo tribunal a quo, sempre, pois, claro, perspectivado tal comportamento na medida que não sirva o interesse da criança. Não há, pois, subjacente à decisão, na nossa óptica, qualquer reacção contra qualquer dos pais[10].
Importa ater que estamos perante uma decisão de revisão de medida de promoção e protecção do CC – artº62 da LPCJP-, o que impõe que o seu enquadramento pressupõe a revisitação do que de factual se assentou em decisões anteriores e por forma a enquadrar.
Não pode, pois, deixar de considerar-se tudo quanto foi consolidado no processo pelas decisões anteriores, a factualidade que por elas foi selecionada – decisões de 29.4.24 e de 1.7.24.
Mas vejamos a invocada nulidade, ou seja, a prevista no art. 615.º1, al.b) do CPC, deixando para final a nulidade que se invoca em virtude de alegada violação do art.986.º nº1 do CPC.
O vício de fundamentação que se apela – alínea b), do citado nº. 1 do art. 615º do CPC -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.
Todavia, na nossa óptica, de resto nem sendo maioritária, segundo cremos, não é só a absoluta falta de fundamentação da sentença que gera a nulidade. A fundamentação gravemente deficiente também gera a sua nulidade.
Refere Rui Pinto «[a] falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação de modo a garantir sempre um mínimo de impugnação de tipo de reclamatório, para as sentenças que não admitam recurso ordinário. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que subscrevemos na integra a conclusão do ac. RG 18-1-2018/Proc. 75/16.0T8VRL.G1 (ANTÓNIO BARROCA PENHA), na esteira do ac. RC 17-4-2012/Proc. 1483/09.9TBTMR.C1 (CARLOS GIL) de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1 (SÉRGIO POÇAS))»[11]
Admite, no entanto, que esta jurisprudência é minoritária.
Como atrás já se referiu, o tribunal a quo completou a sua decisão nos termos do art.617.º, nº2, do CPC, e com essa completação, afastou de todo qualquer possibilidade de se considerar a mesma nula, suprindo a efectiva patologia de que padecia, de resto, muito louvadamente reconhecida: «Não podemos deixar de reconhecer que tal fundamentação genérica não contém a análise crítica dos meios de prova, mostrando-se, assim, insuficiente, o que conduz à sua nulidade, que se passará a suprir.»
Dessa completação resulta qual o percurso feito para relevar os factos que relevou, de resto um conjunto de factos reduzido para enquadrar a revisão que se impunha e por todo o acervo factual relevado pelas antecedentes decisões continuar presente, aquele que não contenda com os factos que ora se selecionaram.
Falamos, pois, da motivação que considerou selecionar certos factos.
Neste aspecto não se perscruta qualquer nulidade.
Já quanto à fundamentação jurídica, que a recorrente também entende patologicamente ferida, dizer que o que ocorre é a discordância quanto ao acerto substantivo da mesma.
«Situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva. Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. 2685/15.4T8MTS.P1 (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO)). Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento.»[12]
Não está, neste caso, em causa a regularidade formal do ato decisório.
Neste caso, a questão não terá sido bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida.
O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia.
Basta ler o recurso para perceber que o fundo da questão tem que ver como acerto substantivo da decisão, entendendo-se que a mesma viola vários princípios e normas.
Não se perscruta, também aqui, qualquer nulidade.
Sobeja uma última invocada nulidade, a que se prende, na óptica da recorrente, ao dado alegado do tribunal ter omitido produção de prova que lhe permitisse perceber qual seria o impacto das medidas na vida do CC.
Invoca o art.986.º, n.º2, do CPC.
Impõe-se relevar a natureza do processo em causa, igualmente que todo ele está já prenhe de informação, nomeadamente trazido pelo ISS, e constante de decisões anteriores.
Não se olvida que aquele preceito «preconiza a flexibilidade da tramitação processual, sendo lícito ao juiz realizar atos ou formalidades não especificamente previstos e omitir aqueles que se revelam destituídos de interesse para exame ou decisão da causa (RP 2.2.15, 955/12, WWW.colectaneadejurisprudencia.com), assim como pode prescindir de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (RP 14.6.10m 148/09)(…)»[13]
Também não se deve olvidar que essa actuação do juiz o é numa vertente discricionária ainda que fundamentada na avaliação do que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão.
«A liberdade e iniciativa probatória do juiz tem, como limite, o objectivo prosseguido pelo processo especial em causa, bem como a adequação da medida a adotar à finalidade pretendida»[14].
Fica assim aberta a via de rejeição de muito que se considere impertinente, espúrio, por não trazer nada de substantivo à decisão que se imponha.
Dizer também que a prevalência do inquisitório que emerge do citado preceito «não deve ser lida como uma dispensa do ónus da alegação da matéria de facto por parte dos intervenientes (porquanto persiste um princípio de autorresponsabilidade mitigada) e não os exime de fundamentar os pedidos formuladas.»[15]
Não se alcança alegada a necessidade de qualquer medida ou diligência antes da decisão posta em crise.
O Tribunal ancorou-se num acervo de elementos de natureza probatória, que enuncia na fundamentação complementar, tendo por arrimo também todo o demais acervo factual «historicamente» adquirido, e fê-lo sem quaisquer outras diligências porque entendeu que estava em condições de decidir.
Não se constata qualquer omissão.
Improcede a invocada nulidade.
B.
Da legalidade da decisão recorrida, decisão de revisão da medida de apoio junto dos pais, determinando a residência da criança junto do pai, passando a conviver com a mãe quinzenalmente entre sexta-feira ao final da tarde (sendo recolhida pela mãe em casa do pai) e domingo às 19h00 (sendo recolhida pelo pai em casa da mãe), e no que demais aí se decidiu na parte que impede a progenitora de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e a livre escolha do hospital em caso de emergência.
É o seguinte o dispositivo da decisão posta em crise:
«Face a todo o exposto, decido prorrogar a medida de apoio junto dos progenitores por mais 6 meses, com as seguintes obrigações a cargo dos progenitores:
- a criança residirá com o progenitor, convivendo com a mãe quinzenalmente, entre sexta-feira ao final da tarde (sendo recolhida pela mãe em casa do pai) e domingo às 19h00 (sendo recolhida pelo pai em casa da mãe);
- os progenitores assegurarão os cuidados ao filho ao nível da habitação, higiene, alimentação, saúde e educação, quando este se encontrar aos seus cuidados;
- os progenitores manterão o acompanhamento pedopsiquiátrico da criança pela Dra JJ, no Hospital 1..., assim como em todas as especialidades indicadas ou a indicar por esta, devendo a criança ser acompanhada a estas consultas de especialidade pelo pai;
- os progenitores acatarão todas as orientações médicas da Dra JJ no tocante à toma de medicação, terapias que deverá frequentar e adoção de medidas em contexto escolar;
- a condução do CC a consultas fora do Hospital 1... depende de indicação escrita da Dra JJ, sem prejuízo da possibilidade de acompanhamento, no privado, pela Dra EE, caso pai o entenda necessário;
- o CC manterá as atividades/apoios de que beneficia atualmente, como a terapia da fala, terapia ocupacional, apoio do ensino especial, natação e hipoterapia, sendo eventuais mudanças no local onde são prestadas decididas pelo pai;
- o CC frequentará a Escola 1..., sendo o pai o encarregado de educação;
- o pai deverá informar a mãe, por escrito, do resultado de todas as consultas médicas a que compareça e da adaptação escolar do CC, esta de forma quinzenal;
- os progenitores deverão abster-se de aludir negativamente ao outro na presença do CC;
- a progenitora deverá abster-se de assumir comportamentos desadequados na presença da criança, nomeadamente em contexto escolar;
- a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis e, nesse caso, deverá dirigir-se ao Hospital 1...;
- a progenitora deverá abster-se de levar o CC a qualquer local que lhe possa causar mais agitação.
Entende a recorrente que o regime de alternância da residência do CC em vigor até à decisão poste em crise deve ser retomado[16].
A ideia força dessa pretensão ancora-a a recorrente, naturalmente, no interesse superior do CC de manter um contacto mais intenso consigo e com a irmã que com ela vive.
É de facto uma verdade: a relação gratificante, de qualidade e significativa com a família nuclear é essencial a uma boa conformação psicológica e ética da criança, ao seu saudável e harmónico desenvolvimento, enformando o seu interesse superior – al.a) e g)do art.4 da LPCJP.
Temos por inquestionado que o ideal no caso vertente não é possível: a permanência da criança junto de ambos pais.
O quase ideal, vivendo alternadamente como o pai e mãe, por separados, num contexto de harmonia que se reflicta no bem estar e equilíbrio do CC, num quadro de esforços concertados em vista à salvaguarda da saúde da criança, com uma patologia diagnosticada dramática (autismo), e ao seu harmonioso e saudável desenvolvimento, vista a patente conflitualidade entre os pais do CC e o reflexo que disso deriva para este (veja-se a matéria de facto da decisão de 1.7.24), também não é possível.
Sabemos da importância das compensações maternas para um são desenvolvimento da criança. A vinculação afectiva à mãe é um factor essencial do desenvolvimento psíquico e afectivo da criança, visto que as redobradas necessidades de ternura e de carinhosa assistência que ocorrem nesse nível etário são substanciais, podendo não ser supridas em completude pela afeição e interesse do pai.
Todavia nem sempre essa ligação é compatível com o interesse superior da criança.
««Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, “[t]odas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” É este também o primeiro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo consagrado no art. 4.º da LPCJP.
O interesse superior da criança, constituindo um conceito indeterminado, tem vindo a ser definido como o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e «(…) só adquire eficácia prática quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças, cabendo, portanto, em cada caso concreto concretizar o conteúdo do interesse daquela criança cujo destino está em jogo. (…)» – cfr. Ac. TRL de 12-03-2019, proc. 1/16.7T1VFC.L1-7.
Para a satisfação deste princípio orientador da intervenção, e conforme é referido no Ac. do TRL de 03-12-2020, proc. 3214/15.5T8BRR-K.L1-2, «(…) mostra-se necessária uma adequada aferição da existência de situação de risco ou de perigo para uma criança, mais imprescindível é ainda que ocorra uma devida intervenção protetiva e debeladora desse risco ou perigo.»»[17]/[18]
O interesse superior da criança, à luz do qual se deve procurar identificar o seu projecto de vida, é o critério que deve presidir a qualquer decisão, sem olhar ao que os pais ou terceiros possam sofrer com isso, mas também procurando salvaguardar o quanto possível, o que, sendo interesse destes, é também o da criança.
Dispõe o art.º 62, n.º 4, da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo que “[n]os casos previstos no número anterior, a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem”.
E a conformação desse projecto de vida da criança, como bem nota o MP, exige, a convocatória de tudo que já foi decido para perceber o que se decide. Deve ser lida «à luz de tudo o que se passou nos últimos 22 longos meses».
E o alinhamento que faz no seu requerimento de resposta ao recurso, depurado das conclusões e vaguidades que contempla, é substantivamente útil, tanto mais quando se revela rigoroso face ao historial da situação, de resto significativamente resultante das decisões que atrás se transcreveram, alinhamento esse para o qual se remete assim se evitando a sua extensa reprodução neste.
Do conteúdo do rol de processos que, com os autos de promoção do CC, compõem vários apensos, retira-se uma enorme e exponencial conflitualidade entre os progenitores e com reflexo na estabilidade e saúde da criança, conflitualidade essa também relacionada com a abordagem médica e medicamentosa devida ao CC, igualmente quanto à gestão da «sua escola».
Veja-se o conteúdo factual assente e pressupostos das decisões de:
29.4.24
«1. o CC mantém, juntamento com a irmã, residência alternada com o pai e a mãe;
2. frequenta com assiduidade o 3º ano da Escola 2...;
3. ao longo do 1º período escolar, a equipa técnico-pedagógica da escola ajustou as medidas educativas, com o objetivo de promover a participação e melhoria das aprendizagens do CC;
4. tais medidas não foram suficientes, uma vez que o aluno evidencia limitações significativas, nomeadamente no que diz respeito à comunicação e compreensão oral;
5. a equipa reiterou a necessidade de as medidas educativas se readaptarem a um planeamento individual (PEI), com implementação de rotinas de aprendizagem essencialmente práticas e simples, com vista a potenciar a autonomia, o desenvolvimento pessoal e relacionamento interpessoal do CC;
6. a mãe recusou sempre o PEI, o qual acabou por ser implantado, com o parecer favorável da Dra EE, pedopsiquiatra que acompanha o CC e cujas orientações os progenitores se comprometeram a acatar em sede de acordo de promoção e proteção;
7. a equipa pedagógica da escola implementou o registo de um “diário de bordo”, onde diariamente inscrevem atividades, conquistas e comportamento do aluno, remetendo-o semanalmente para conhecimento dos pais;
8. o CC tem evidenciado progressos positivos no que se refere ao desfralde;
9. a mãe mantém postura de oposição à implementação do PEI;
10. desde que toma medicação de forma mais permanente, o CC mostra maior regulação do seu comportamento;
11. em novembro de 2023 o CC retomou a natação adaptada, a qual tinha interrompido em maio de 2023, por revelar elevados níveis de desregulação e ansiedade que comprometiam o normal desenrolar das atividades propostas;
12. neste contexto, tem-se mostrado mais calmo, realizando os exercícios que lhe são propostos;
13. nas férias escolares da Páscoa, a mãe inscreveu o CC num campo de férias destinado a alunos com necessidades educativas especiais;
14. o CC mantém terapia ocupacional na área da equitação terapêutica;
15. o CC mantém acompanhamento com o médico de família e com a pedopsiquiatra Dra EE;
16. no âmbito das consultas, os progenitores mantinham situações de desacordo/conflito na presença do filho, tendo sido alertados pela pedopsiquiatra para os efeitos negativos de tal conduta no CC;
17. foi prescrita medicação ao CC, a qual é ministrada por ambos os progenitores, referindo a mãe que a dosagem prescrita é insuficiente;
18. desde o início de março, o CC manifesta comportamento reiterado de autoagressão com mais intensidade do que o habitual, podendo o mesmo estar relacionado com problemas dentários, sendo já acompanhado nesta área;
19. na consulta de pedopsiquiatria de março a medicação foi alterada no que respeita ao período da tarde, sendo cumprida pelos progenitores;
20. os progenitores mantêm uma relação muito conflituosa.»
e de 1.7.24
1. o CC apresenta perturbação do espectro do autismo de nível 3, sem linguagem verbal e com incapacidade intelectual indeterminada, provavelmente moderada a grave;
2. necessita de apoio substancial para realizar tarefas diárias;
3. a comunicação é extremamente limitada, podendo ser inexistente;
4. apresenta comportamentos repetitivos e restritivos;
5. tem dificuldades significativas ao nível do desenvolvimento cognitivo, o que afeta significativamente a capacidade de aprender novas competências, de resolver problemas e de compreender conceitos mais complexos;
6. é frequente o CC ter crises em que se auto-agride, nomeadamente arrancando cabelos e batendo na cabeça;
7. os seus problemas de comportamento (agressividade) e a evolução desfavorável dos mesmos estão relacionados com a perturbação do espectro do autismo;
8. as autoagressões vão-se intensificando com a idade, porque também tem mais força, e é previsível que piorem durante a puberdade, face a estímulos sexuais com os quais não saberá lidar;
9. as crianças com as caraterísticas do CC são muito sensíveis ao meio e ao estado emocional das pessoas e qualquer perturbação a este nível pode desencadear uma desregulação do seu comportamento;
10. o CC mostra-se agitado na presença, em simultâneo, de ambos os progenitores, o que levou a que a pedopsiquiatra passasse a ver a criança apenas na presença de um deles;
11. mostra-se igualmente agitado quando a mãe fala do pai;
12. uma escola com centro de apoio à aprendizagem (CAA) tem mais recursos para uma criança como o CC, por comparação com a escola que atualmente frequenta;
13. os estímulos negativos que o CC associa a um local não são por este esquecidos, criando anticorpos em relação a esse local;
14. as idas aos serviços de urgência implicam maior perturbação na criança, bastando entrar na urgência para ficar mais agitada;
15. uma alteração na vida do CC, como passar a viver com um só dos progenitores, é passível de afetar o mesmo, por implicar uma alteração na sua rotina;
16. o CC apresenta ansiedade grave perante a alteração de rotinas;
17. o conflito entre os pais será sempre um fator de perturbação do CC;
18. na escola que frequenta, o CC beneficia de um projetivo educativo individual (PEI), centrado na parte da comunicação, autonomia e aquisição de conhecimentos mais básicos, como por exemplo aprender as cores;
19. na escola, beneficia de terapia da fala, terapia ocupacional e apoio da professora do ensino especial;
20. fora da escola frequenta a natação e a hipoterapia;
21. a progenitora apresenta sintomas subdepressivos e um funcionamento ansioso;
22. demonstra vínculo e afeto positivo à criança, embora se denote uma atitude hipervigilante e fusional, percecionada como sobreinvestida quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança;
23. mostra-se mais frágil e ansiosa que o pai;
24. tende a ministrar mais medicação ao CC, em SOS, do que a que seria desejável, chegando a utilizar tal medicação com caráter preventivo para, por exemplo, o CC estar presente na comunhão da irmã ou ir com a mãe ao shopping;
25. na sequência de episódios de maior desregulação do CC, levou-o ao serviço de urgência em 29/04/2024, 02/05/2024, 03/05/2024 e 10/06/2024;
26. nesses episódios, a medicação é normalmente aumentada, mantendo a mãe a mesma mesmo após indicação em contrário da Dra EE;
27. opôs-se à implementação do PEI, por ter esperança que a criança possa acompanhar outro tipo de aprendizagem e receando que, a não ser assim, o CC seja esquecido, comportamento que se traduz numa espécie de negação das caraterísticas do filho;
28. numa consulta realizada com a pedopsiquiatra Dra EE, falou mal do pai na presença do CC, o que levou a que o CC se mostrasse mais agitado;
29. transmite os conflitos com o pai à Exma TSS gestora do processo, na presença do CC, o que leva a que este fique mais agitado;
30. no dia 29/04/2024, junto ao portão da escola do CC, avistou a professora do CC, II, e dificultou-lhe a entrada, proferindo as seguintes palavras: “Anda filho, não chores que quem vai chorar são estas putas, elas vão ver”, referindo-se às professoras da escola;
31. posteriormente, o CC ficou bastante agitado e nervoso, agredindo professores e funcionários, tentando mordê-los, arrancando os próprios cabelos e batendo com as mães e cabeça nas paredes;
32. contactada telefonicamente a mãe para vir buscar a criança, a mesma respondeu que, “visto a escola ter o PEI, não ia buscá-lo, e para as professoras se desenrascarem ou darem um benuron à criança”;
33. questionada se o pai poderia vir buscar o filho, respondeu negativamente;
34. de seguida foi contactado o pai que, posto a par da situação, foi buscar o filho à escola;
35. às 11h15 a mãe compareceu na escola e, ao ser informada que a criança já tinha saído com o pai, afirmou “são uns incompetentes e irresponsáveis que não querem saber do sofrimento desta mãe e do filho”, ao mesmo tempo que colocou o dedo em riste, afirmando “que iam morrer todas, que o advogado que foi contra ela está a morrer tísico e que vai acontecer o mesmo com elas”;
36. quando a professora II saiu para almoçar a progenitora estava dentro de um carro e, quando a viu, perseguiu-a;
37. por volta das 12h50, a progenitora voltou à escola para deixar o filho, depois de o ir buscar a casa do pai, tendo entrado na escola sem autorização;
38. chamou uma ambulância e, quando esta chegou, a criança estava tranquila a almoçar, mas foi conduzida ao Hospital 1..., por vontade da mãe;
39. a mãe imputa os comportamentos do CC ao pai, por não lhe dar medicação, e à escola, por o ter integrado no PEI;
40. desde o 1º ano do CC que a mãe insultou por diversas vezes a sua professora, recorrendo a escola à presença de terceira pessoa, para além da professora, dentro da sala de aula quando a mãe aí se dirige;
41. no início do ano letivo inviabilizou a realização de uma reunião com os encarregados de educação porque desrespeitou a professora, chamando-lhe mentirosa;
42. quando está com a mãe (de segunda a quinta-feira), é frequente o CC chegar atrasado à escola (pelas 10h00, 11h00 e 11h30, sendo o horário de início das aulas às 9h00);
43. por vezes o CC não beneficia dos recursos presentes na escola (como a professora do ensino especial) por chegar atrasado;
44. a mãe deixa o CC dormir alegando que “não o vai impedir de descansar para ele ir para a escola agredir-se”;
45. o progenitor demonstra vínculo e afeto positivo à criança, denotando uma atitude predominantemente pragmática que pode ser percecionada como conformista quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança;
46. cumpre com a medicação prescrita pela Dra EE, nunca tendo recorrido a medicação em SOS;
47. nunca levou o filho ao serviço de urgência;
48. no dia 29/04/2024, quando foi buscar o filho à escola, conseguiu acalmá-lo;
49. para acalmar o CC utiliza estratégias sobre as quais já falou com a Dra EE, como dar-lhe banho, dar-lhe um benuron ou um café;
50. evita levar o CC para situações em que sabe que este pode ficar desregulado, como restaurantes e hotéis;
51. a medicação prescrita em SOS tende a deixar de fazer efeito se dada com frequência;
52. os progenitores estão de acordo em integrar o CC numa escola com centro de apoio à aprendizagem (CAA), preferindo o pai a Escola 1... (pública) e a mãe o Colégio ...;
53. a Dra EE encaminhou o CC para o sistema público de saúde, onde continuará a ser por si seguido em pedopsiquiatria, tendo igualmente sido encaminhado para consultas de hematologia oncológica, pediatria do desenvolvimento e neurologia, sem prejuízo de continuar a ser por si igualmente acompanhado no privado.
Consta-se, pois, de tudo quanto de factual se descreveu e assente se encontra, que a progenitora, na angustia da procura da melhor via de salvaguardar a saúde e educação do seu filho, tem ignorado quem está tecnicamente adstrito a orientar isso mesmo, ou seja, quem da «arte» domina e em quem está adjudicada essa tarefa.
Será o amor, a angústia e o desespero, ante a dramática situação do menino CC, a impulsionar a progenitora por soluções que os técnicos não ratificaram.
Será, de facto, cremos.
Veja-se o que s assentou na decisão de 1.7.24:
22. demonstra vínculo e afeto positivo à criança
Mas também se apurou matéria que não abona a favor do regime de alternância da residência da criança como se mantinha:
21. a progenitora apresenta sintomas subdepressivos e um funcionamento ansioso
22. (…) embora se denote uma atitude hipervigilante e fusional, percecionada como sobreinvestida quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança.
23. mostra-se mais frágil e ansiosa que o pai (…) .
… e demais matéria alinhada sob os pontos 24 e ss e donde resulta uma marcada desconsideração em relação às orientações definidas e os técnicos que as procuram implementar, tudo impondo, em homenagem ao superior interesse do CC, que se decida pela permanência substancialmente mais significativa com o pai e por evidenciar este maior equilíbrio, cuidado e senso de responsabilidade:
45. o progenitor demonstra vínculo e afeto positivo à criança, denotando uma atitude predominantemente pragmática que pode ser percecionada como conformista quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança;
46. cumpre com a medicação prescrita pela Dra EE, nunca tendo recorrido a medicação em SOS;
47. nunca levou o filho ao serviço de urgência;
48. no dia 29/04/2024, quando foi buscar o filho à escola, conseguiu acalmá-lo;
49. para acalmar o CC utiliza estratégias sobre as quais já falou com a Dra EE, como dar-lhe banho, dar-lhe um benuron ou um café;
50. evita levar o CC para situações em que sabe que este pode ficar desregulado, como restaurantes e hotéis.
E relativamente à matéria de facto suporte da decisão em crise, em rigor, com excepção de um ou outro aspecto que, não obstante, não se impugnou, apresentando-se elementos de prova consistentes que a infirmasse, é ela efectivamente suporte adequado, na relação com o demais assente nas decisões anteriores, a decidir-se como se decidiu.
Dela se retira, se o que das outras já não bastasse, que, não obstante a genuína intenção da mãe da criança em salvaguardar a sua saúde e educação, continua a não respeitar o que definido se encontrava.
Insubsistente, pois, a pretendida desconsideração pela decisão recorrida do superior interesse da criança.
Entendemos a mesma como necessária e proporcional, intervindo o quanto o impõe a situação em face dos dados apurados na vida do CC e da sua família.[19]
É, pois, de se manter a decisão e na esperança que, em reflexão, na próxima revisão e ante um registo concordante da progenitora com as orientações impostas, se alargue o período de permanência da criança consigo e sua irmã.
E mantém-se a decisão na sua integralidade, portanto também no que demais se queria alterado: revogação do decidido na parte que impede a progenitora de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e a livre escolha do hospital em caso de emergência.
E a razão de fundo já foi evidenciada: a falta de cumprimento das orientações definidas.
Improcede, pois, o recurso.
Atenta a improcedência do recurso, a responsabilidade pelas custas cabe à apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV.
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Custas a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
Notifique.
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Porto, 20/03/2025
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
Ana Vieira
José Manuel Correia
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[1] Tendo o Centro Hospitalar ... (através da Dr.DD) informado que o CC apresenta síndroma de tumores hamatomatosos associados ao PTEN (PHTS), em cujo contexto e do ponto de vista neurodesenvolvimental, apresentando os seguintes distúrbios: - perturbação de desenvolvimento intelectual; - perturbação do espectro do autismo; - perturbação do processamento sensorial; - perturbação da comunicação; - perturbação da linguagem; e - perturbação dos sons da fala:
Recomendou a A Dr.ª DD que o menor CC beneficiasse das seguintes terapias: - terapia da fala; - terapia ocupacional com integração sensorial (duas vezes por semana); - psicologia, semanal. Alertou ainda a referida médica, para a importância de um acordo entre os progenitores, relativamente às estratégias adotadas e, em função das orientações clínicas, mais informando que os distúrbios do menor têm carácter permanente, embora o seu impacto possa ser minorado perante o fornecimento continuado das intervenções terapêuticas e académicas adequadas.
Quanto ao percurso escolar, informou a escola à “Comissão” que: - o tempo de permanência nas atividades é reduzido (entre dois a três minutos); - o menor CC apresenta, cumulativamente, alguma relutância na realização das tarefas simples e do quotidiano que não sejam do seu agrado; - exige uma atenção diferenciada para controlo de alguns episódios de desregulação comportamental.
[2] Que aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos, nele se concluindo (em face do conflito e forte antagonismo parental no que se refere às questões de saúde e educação da criança, com potencial de desorganização e desequilíbrio emocional do CC) pela necessidade de prorrogação da medida de apoio junto dos pais, a executar junto de ambos, propondo-se manter a assiduidade da criança às consultas de especialidade de pedopsiquiatria e às de pediatria do desenvolvimento, caso venham a ser indicadas no decurso do acompanhamento médico, bem como o cumprimento das terapêuticas prescritas, farmacológicas e/ou outras que vieram a ser identificadas como necessárias no acompanhamento; Encaminhamento e cumprimento, por parte dos progenitores, para sessões de mediação familiar no GEAV da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade ..., para apoio na obtenção de consensos.
[3] «Os autos respeitam à criança CC.
Conforme Acta de 07-09-2023, foi subscrito APP, com medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a qual vigorará pelo período de um ano, a rever em seis meses ou sempre que a situação o justifique.
Decorridos 6 meses vem junto Relatório da EMAT com vista a revisão dos pressupostos.
Percorrendo os termos do acordo verificamos que estão em suficiente cumprimento.
Por sugestão da escola foi implementado PEI (Plano Educativo Individual), com acordo do progenitor, da EMAEI (Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva) do Agrupamento de Escolas e da pedopsiquiatra, Dr.ª EE, ao qual se opõe a progenitora.
O CC tem beneficiado do acompanhamento da pedopsiquiatra, Dr.ª EE, que em novembro de 2023 lhe prescreveu tratamento farmacológico, que os progenitores cumprem.
Ainda assim, subsistem algumas divergências quanto a questões médicas e de como abordar potenciais problemas do foro comportamental do CC.
Resulta claro que o conflito parental prejudica a criança, conforme Relatório, apoiado nos contributos da pedopsiquiatra Dr.ª EE, da Professora titular II, da Professora de Inglês OO, da Professora de Ensino Especial PP e da coordenadora e membro da EMAEI Professora QQ.
Avaliados os factores de protecção e de risco, a EMAT conclui que os autos devem prosseguir, sobretudo quanto à GG.
Face ao que resulta dos autos (deste e dos demais e apensos em tramitação), somos de parecer que a medida, em revisão, deve ser mantida até ao termo do prazo previsto, naturalmente quanto a ambas as crianças (nestes autos quanto ao CC e no apenso “Y” quanto à irmã GG), devendo ser subordinado às seguintes orientações:
a) manter a assiduidade às consultas de especialidade de pedopsiquiatria e às de pediatria do desenvolvimento, caso venham a ser indicadas no decurso do atual acompanhamento médico, bem como o cumprimento das terapêuticas prescritas, farmacológicas e/ou outras que vierem a ser identificadas como necessárias no âmbito do acompanhamento;
b) encaminhamento e cumprimento, por parte dos progenitores, para sessões de mediação familiar no GEAV da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade ..., para apoio na obtenção de consensos.
Quanto às questões médicas, parece-nos que já estão contempladas nos pontos n.º 2 e 3, do Acordo subscrito a 07-09-2023, bastando que se reafirme nesse sentido.
Quanto à mediação familiar, dependerá do acordo de ambos os pais, pelo que, se promove que sejam notificados para expressamente se pronunciarem quanto ao seu acordo em frequentar a mediação no GEAV da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade ..., após o que, existindo concordância dos progenitores, poderá o Tribunal decidir e orientar nesse sentido.»
[4] Assentando a seguinte matéria de facto:
«1. o CC mantém, juntamento com a irmã, residência alternada com o pai e a mãe;
2. frequenta com assiduidade o 3º ano da Escola 2...;
3. ao longo do 1º período escolar, a equipa técnico-pedagógica da escola ajustou as medidas educativas, com o objetivo de promover a participação e melhoria das aprendizagens do CC;
4. tais medidas não foram suficientes, uma vez que o aluno evidencia limitações significativas, nomeadamente no que diz respeito à comunicação e compreensão oral;
5. a equipa reiterou a necessidade de as medidas educativas se readaptarem a um planeamento individual (PEI), com implementação de rotinas de aprendizagem essencialmente práticas e simples, com vista a potenciar a autonomia, o desenvolvimento pessoal e relacionamento interpessoal do CC;
6. a mãe recusou sempre o PEI, o qual acabou por ser implantado, com o parecer favorável da Dra EE, pedopsiquiatra que acompanha o CC e cujas orientações os progenitores se comprometeram a acatar em sede de acordo de promoção e proteção;
7. a equipa pedagógica da escola implementou o registo de um “diário de bordo”, onde diariamente inscrevem atividades, conquistas e comportamento do aluno, remetendo-o semanalmente para conhecimento dos pais;
8. o CC tem evidenciado progressos positivos no que se refere ao desfralde;
9. a mãe mantém postura de oposição à implementação do PEI;
10. desde que toma medicação de forma mais permanente, o CC mostra maior regulação do seu comportamento;
11. em novembro de 2023 o CC retomou a natação adaptada, a qual tinha interrompido em maio de 2023, por revelar elevados níveis de desregulação e ansiedade que comprometiam o normal desenrolar das atividades propostas;
12. neste contexto, tem-se mostrado mais calmo, realizando os exercícios que lhe são propostos;
13. nas férias escolares da Páscoa, a mãe inscreveu o CC num campo de férias destinado a alunos com necessidades educativas especiais;
14. o CC mantém terapia ocupacional na área da equitação terapêutica;
15. o CC mantém acompanhamento com o médico de família e com a pedopsiquiatra Dra EE;
16. no âmbito das consultas, os progenitores mantinham situações de desacordo/conflito na presença do filho, tendo sido alertados pela pedopsiquiatra para os efeitos negativos de tal conduta no CC;
17. foi prescrita medicação ao CC, a qual é ministrada por ambos os progenitores, referindo a mãe que a dosagem prescrita é insuficiente;
18. desde o início de março, o CC manifesta comportamento reiterado de autoagressão com mais intensidade do que o habitual, podendo o mesmo estar relacionado com problemas dentários, sendo já acompanhado nesta área;
19. na consulta de pedopsiquiatria de março a medicação foi alterada no que respeita ao período da tarde, sendo cumprida pelos progenitores;
20. os progenitores mantêm uma relação muito conflituosa.»
[5] Dá-se por reproduzido o auto de notícia referido, e no qual se denuncia uma situação de exponencial exaltação da progenitora da criança, no contexto escolar da mesma.
[6] «Atendendo ao registo crescendo de episódios/ocorrências, nos últimos dias, envolvendo os progenitores e a escola, com repercurssões siginificativas na estabilidade e situação de saúde e de vida do CC, com o processo nº 20288/19.2T8PRT-M, vimos por este meio solicitar a V. Exa. a realização urgente de uma audiência judicial, por forma a melhor se redefinir um projeto de vida para a criança, no sentido de se acautelar o seu equilíbrio e bem-estar físico e emocional.»
[7] E depois de se assentar os seguintes factos:
«Nesta sede, importa ter presente que:
1. o CC apresenta perturbação do espectro do autismo de nível 3, sem linguagem verbal e com incapacidade intelectual indeterminada, provavelmente moderada a grave;
2. necessita de apoio substancial para realizar tarefas diárias;
3. a comunicação é extremamente limitada, podendo ser inexistente;
4. apresenta comportamentos repetitivos e restritivos;
5. tem dificuldades significativas ao nível do desenvolvimento cognitivo, o que afeta significativamente a capacidade de aprender novas competências, de resolver problemas e de compreender conceitos mais complexos;
6. é frequente o CC ter crises em que se auto-agride, nomeadamente arrancando cabelos e batendo na cabeça;
7. os seus problemas de comportamento (agressividade) e a evolução desfavorável dos mesmos estão relacionados com a perturbação do espectro do autismo;
8. as autoagressões vão-se intensificando com a idade, porque também tem mais força, e é previsível que piorem durante a puberdade, face a estímulos sexuais com os quais não saberá lidar;
9. as crianças com as caraterísticas do CC são muito sensíveis ao meio e ao estado emocional das pessoas e qualquer perturbação a este nível pode desencadear uma desregulação do seu comportamento;
10. o CC mostra-se agitado na presença, em simultâneo, de ambos os progenitores, o que levou a que a pedopsiquiatra passasse a ver a criança apenas na presença de um deles;
11. mostra-se igualmente agitado quando a mãe fala do pai;
12. uma escola com centro de apoio à aprendizagem (CAA) tem mais recursos para uma criança como o CC, por comparação com a escola que atualmente frequenta;
13. os estímulos negativos que o CC associa a um local não são por este esquecidos, criando anticorpos em relação a esse local;
14. as idas ao serviços de urgência implicam maior perturbação na criança, bastando entrar na urgência para ficar mais agitada;
15. uma alteração na vida do CC, como passar a viver com um só dos progenitores, é passível de afetar o mesmo, por implicar uma alteração na sua rotina;
16. o CC apresenta ansiedade grave perante a alteração de rotinas;
17. o conflito entre os pais será sempre um fator de perturbação do CC;
18. na escola que frequenta, o CC beneficia de um projetivo educativo individual (PEI), centrado na parte da comunicação, autonomia e aquisição de conhecimentos mais básicos, como por exemplo aprender as cores;
19. na escola, beneficia de terapia da fala, terapia ocupacional e apoio da professora do ensino especial;
20. fora da escola frequenta a natação e a hipoterapia;
21. a progenitora apresenta sintomas subdepressivos e um funcionamento ansioso;
22. demonstra vínculo e afeto positivo à criança, embora se denote uma atitude hipervigilante e fusional, percecionada como sobreinvestida quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança;
23. mostra-se mais frágil e ansiosa que o pai;
24. tende a ministrar mais medicação ao CC, em SOS, do que a que seria desejável, chegando a utilizar tal medicação com caráter preventivo para, por exemplo, o CC estar presente na comunhão da irmã ou ir com a mãe ao shopping;
25. na sequência de episódios de maior desregulação do CC, levou-o ao serviço de urgência em 29/04/2024, 02/05/2024, 03/05/2024 e 10/06/2024;
26. nesses episódios, a medicação é normalmente aumentada, mantendo a mãe a mesma mesmo após indicação em contrário da Dra EE;
27. opôs-se à implementação do PEI, por ter esperança que a criança possa acompanhar outro tipo de aprendizagem e receando que, a não ser assim, o CC seja esquecido, comportamento que se traduz numa espécie de negação das caraterísticas do filho;
28. numa consulta realizada com a pedopsiquiatra Dra EE, falou mal do pai na presença do CC, o que levou a que o CC se mostrasse mais agitado;
29. transmite os conflitos com o pai à Exma TSS gestora do processo, na presença do CC, o que leva a que este fique mais agitado;
30. no dia 29/04/2024, junto ao portão da escola do CC, avistou a professora do CC, II, e dificultou-lhe a entrada, proferindo as seguintes palavras: “Anda filho, não chores que quem vai chorar são estas putas, elas vão ver”, referindo-se às professoras da escola;
31. posteriormente, o CC ficou bastante agitado e nervoso, agredindo professores e funcionários, tentando mordê-los, arrancando os próprios cabelos e batendo com as mães e cabeça nas paredes;
32. contactada telefonicamente a mãe para vir buscar a criança, a mesma respondeu que, “visto a escola ter o PEI, não ia buscá-lo, e para as professoras se desenrascarem ou darem um benuron à criança”;
33. questionada se o pai poderia vir buscar o filho, respondeu negativamente;
34. de seguida foi contactado o pai que, posto a par da situação, foi buscar o filho à escola;
35. às 11h15 a mãe compareceu na escola e, ao ser informada que a criança já tinha saído com o pai, afirmou “são uns incompetentes e irresponsáveis que não querem saber do sofrimento desta mãe e do filho”, ao mesmo tempo que colocou o dedo em riste, afirmando “que iam morrer todas, que o advogado que foi contra ela está a morrer tísico e que vai acontecer o mesmo com elas”;
36. quando a professora II saiu para almoçar a progenitora estava dentro de um carro e, quando a viu, perseguiu-a;
37. por volta das 12h50, a progenitora voltou à escola para deixar o filho, depois de o ir buscar a casa do pai, tendo entrado na escola sem autorização;
38. chamou uma ambulância e, quando esta chegou, a criança estava tranquila a almoçar, mas foi conduzida ao Hospital 1..., por vontade da mãe;
39. a mãe imputa os comportamentos do CC ao pai, por não lhe dar medicação, e à escola, por o ter integrado no PEI;
40. desde o 1º ano do CC que a mãe insultou por diversas vezes a sua professora, recorrendo a escola à presença de terceira pessoa, para além da professora, dentro da sala de aula quando a mãe aí se dirige;
41. no início do ano letivo inviabilizou a realização de uma reunião com os encarregados de educação porque desrespeitou a professora, chamando-lhe mentirosa;
42. quando está com a mãe (de segunda a quinta-feira), é frequente o CC chegar atrasado à escola (pelas 10h00, 11h00 e 11h30, sendo o horário de início das aulas às 9h00);
43. por vezes o CC não beneficia dos recursos presentes na escola (como a professora do ensino especial) por chegar atrasado;
44. a mãe deixa o CC dormir alegando que “não o vai impedir de descansar para ele ir para a escola agredir-se”;
45. o progenitor demonstra vínculo e afeto positivo à criança, denotando uma atitude predominantemente pragmática que pode ser percecionada como conformista quanto às aquisições desenvolvimentais e competências da criança;
46. cumpre com a medicação prescrita pela Dra EE, nunca tendo recorrido a medicação em SOS;
47. nunca levou o filho ao serviço de urgência;
48. no dia 29/04/2024, quando foi buscar o filho à escola, conseguiu acalmá-lo;
49. para acalmar o CC utiliza estratégias sobre as quais já falou com a Dra EE, como dar-lhe banho, dar-lhe um benuron ou um café;
50. evita levar o CC para situações em que sabe que este pode ficar desregulado, como restaurantes e hotéis;
51. a medicação prescrita em SOS tende a deixar de fazer efeito se dada com frequência;
52. os progenitores estão de acordo em integrar o CC numa escola com centro de apoio à aprendizagem (CAA), preferindo o pai a Escola 1... (pública) e a mãe o Colégio ...;
53. a Dra EE encaminhou o CC para o sistema público de saúde, onde continuará a ser por si seguido em pedopsiquiatria, tendo igualmente sido encaminhado para consultas de hematologia oncológica, pediatria do desenvolvimento e neurologia, sem prejuízo de continuar a ser por si igualmente acompanhado no privado.
[8]
(…)
3. Conferência urgente.
A decisão de 01-07-2024 é clara quanto a vários pontos, enunciando-se aqui os mais relevantes à apreciação da actual situação do CC:
a) os progenitores manterão o acompanhamento da criança pela Dr.ª EE em pedopsiquiatria, assim como em todas as especialidades indicadas ou a indicar por esta, devendo a criança ser acompanhada a estas consultas de especialidade preferencialmente pelo pai (e só na impossibilidade de este o fazer, pela mãe);
b) os progenitores acatarão todas as orientações médicas da Dr.ª EE no tocante à toma de medicação, terapias que deverá frequentar e adoção de medidas em contexto escolar;
c) o CC será matriculado em escola com centro de apoio à aprendizagem, cabendo a escolha da escola ao pai, que será o encarregado de educação;
d) a progenitora deverá abster-se de ministrar medicação em SOS e levar a criança ao serviço de urgência antes de esgotar todos os recursos possíveis;
e) a progenitora deverá agendar sessões com a Dr.ª EE, a fim de ser elucidada acerca das necessidades do CC, nomeadamente no que à toma de medicação diz respeito, às situações de emergência que legitimam o recurso a medicação em SOS e às situações que legitimam a ida ao serviço de urgência;
f) a progenitora deverá fazer comparecer o CC na escola de forma pontual;
g) a progenitora deverá abster-se de levar o CC a qualquer local que lhe possa causar mais agitação;
h) a progenitora deverá iniciar acompanhamento em psiquiatria.
A decisão é de revisão dos termos do PPP, válida por 6 meses, tendo transitado.
A recente evolução dos autos permite concluir que os termos dessa decisão estão a ser, em parte, incumpridos pela progenitora.
O CC não vai à escola, por decisão da progenitora, quando se decidiu que era o pai que comandava quanto a tal.
O CC continua a ser conduzido à urgência pela mão da progenitora e a procurar outros clínicos que não o de referência – a Dr.ª EE.
Não há notícia que a progenitora tenha iniciado tratamento em psiquiatria.
O contexto de conflito agrava-se progressivamente.
A Dr.ª EE pede ser dispensada da colaboração com o Tribunal – verdadeiramente não era uma colaboração, mas uma indicação como médica de referência do CC.
Admitindo que está colocado em causa a intervenção da Dr.ª EE, cremos ser dever do Tribunal encontrar nova solução de referência, junto do SNS, identificando-se clínico que assuma em exclusivo a condução do processo clínico do CC.
Esgotada a possibilidade de intervenção da Dr.ª EE, cremos ser de ponderar que tal acompanhamento se venha a fazer pela Dr.ª JJ, no Hospital 1..., onde o CC também vinha sendo acompanhado, sendo de notar – como muito relevante – que a Dr.ª EE e Dr.ª JJ já vinham articulando o tratamento de que o CC deve beneficiar.
Admitimos como muito provável que a Dr.ª JJ esteja informada dos termos do processo clínico do CC, mas não o podemos assumir por certo.
Promovemos que à conferência a designar venha a ser chamada a Dr.ª JJ, informando-se a mesma que, querendo e vendo como necessária a consulta dos autos – pois em parte está documentado com referências várias ao acompanhamento da Dr.ª EE, declarações da Dr.ª EE, relatórios, referências de presença noutros estabelecimento de saúde estranhos ao Hospital 1..., evolução do processo, etc…. – pode consultá-lo neste Tribunal.
A sugerida conferência urgente está justificada.
Promovemos a marcação de conferência, com presença, para além dos demais, da referida Sr.ª Dr.ª JJ acautelando-se que está documentada, informando-se que o pedido de presença tem em vista definir, doravante, novo clínico e estabelecimento hospitalar de referência ao tratamento devido ao CC.»
[9] Pelo seu relevo factual segue igualmente todo o seu conteúdo:
«O CC na companhia da sua irmã, GG, mantém alternância na residência com os pais, estando 4 dias com a mãe (de segunda a quinta-feira) e três dias com o pai (de sexta a domingo inclusive).
O CC mantém agravamento dos seus comportamentos disruptivos, com desregulação e autoagressão, tendo a mãe recorrido ao Serviço de Urgência do CMIN, no dia 10/10/2024, segundo a mesma encaminhada pelo médico de família, face a lesões físicas nas mãos e abdómen, autoinfligidas pela criança, consequentes da sua desregulação.
Segundo informação veiculada pela coordenadora do NHCJR do CMIN, pedopsiquiatra Dr.ª RR, a mãe referiu no serviço de urgência que a medicação prescrita para situações de S.O.S. não tem surtido efeito no comportamento do filho, pelo que foi-lhe administrada Olanzapina, reajustada a medicação diária prescrita, com aumento da dose de Risperidona, para 1mg, mantendo a dose da tarde em 0,75mg, com prescrição de Atarax, em S.O.S., foi ainda solicitada ao Hospital 1..., remarcação de consulta.
Na perspetiva manifestada pela Dr.ª RR, situações de saúde como a do CC “quanto mais agitação em volta da criança, mais se agrava, sendo essencial manter a criança em ambiente tranquilo” (sic).
O CC, no dia 13 de outubro, domingo, às 19H42, deu novamente entrada no Serviço de Urgência do Hospital 1..., acompanhado pela mãe e pela irmã, novamente por comportamentos de auto e hétero agressividade, sendo que, segundo registo de Alta Médica, a “mãe fez medicação olanzapina sem noção de melhoria” (cit).
Ainda, segundo o Relatório de Alta, o CC “esteve com o pai durante o dia, terá feito a medicação habitual hoje segundo a irmã” (cit).
O CC foi novamente medicado e solicitada consulta de crise à Diretora de Serviço de Pedopsiquiatria, Dr.ª JJ, que deu por sugestão que os pais contactassem a sua médica Pedopsiquiatra assistente, sendo que é seguido em consulta privada.
No dia 14 de outubro, em período anterior à alta, ainda em contexto de Serviço de Urgência, foi realizada entrevista psicossocial à mãe, pela Dr.ª SS, do Serviço Social daquela entidade hospitalar. Segundo a assistente social, em email remetido aos serviços, a mãe referiu que o filho “se encontra em risco quando está com o pai (Não cumpre medicação/Prende as mãos do filho no interior dos punhos das camisas (mostra vídeo)” (cit), que o Tribunal de Família e Menores tem conhecimento, mas não alterou a regulação das Responsabilidades Parentais” (cit), pretendendo “a alteração as RP, ficando com o CC aos seus cuidados, permanentemente” (cit).
Ainda segundo a informação veiculada, a “Mãe questiona, constantemente, as decisões e intervenções de todos os profissionais envolvidos no processo, até ao momento” (cit).
No mesmo dia, após terem explicado à mãe que, “clinicamente, neste momento, segundo informações médicas, o menino não carece de cuidados do SU” (cit), foi dada alta ao CC por Pedopsiquiatria, em contexto de SU e pedida Consulta de Pedopsiquiatria de Crise.
No mesmo dia, 14 de outubro, os serviços rececionaram um email da médica assistente Pedopsiquiatra, Dr.ª EE, a informar que, em articulação com a Dr.ª JJ, a seu pedido, a mesma concordou em manter o acompanhamento do CC no Hospital 1..., em sua substituição. Referiu que, tendo em conta as sucessivas atitudes de desconfiança da mãe quanto à sua orientação terapêutica, com frequente incompatibilização, considera não dispor de condições para manter o acompanhamento ao CC.
Acrescentou, no entanto que, durante todo o processo procurou manter a sua “imparcialidade no interesse supremo da criança, esclarecendo os pais sobre a necessidade de medicação (ao que ambos concordaram) mas alertando quanto à necessidade de esta ser dada de forma criteriosa e apenas aumentando as doses de acordo com a evolução e comportamento do menino ,sem exagerar nas tomas de fármacos de SOS, nem levar a criança ao SU desnecessariamente (onde se agitava mais)” (cit).
Em contacto telefónico, posterior, com a mãe, a mesma responsabilizou a médica assistente, Dr.ª EE, a técnica da EMAT e o tribunal pela atual situação do filho, referindo que a técnica da EMAT, ao longo do acompanhamento, tem prejudicado a criança e não a tem protegido por se acreditar no pai da criança, que considera ser “mentiroso” (sic) e “obsessivo contra a administração de medicação” (sic), sendo que consequentemente “quem sofre é o filho” (sic). Mais referiu que há três meses que o pai amarra o filho, três dias por semana, em casa, praticando um "crime” (sic) contra o filho, pelo que se encontrava, no momento, na CPCJ ..., conjuntamente com a sua filha, GG. Segundo a mãe, a filha terá contado às técnicas da CPCJ, que o pai amarra o irmão, que se sente revoltada com a prática do pai, sendo que as técnicas a terão orientado para apresentar queixa na PSP, por se tratar da prática do que consideram crime. Ainda segundo a mãe, consequente do pai ter libertado o filho das amarras para entrega à mãe, no domingo à tarde, o filho teve um surto de revolta e agrediu-se de tal forma violenta que esta se viu forçada a recorrer à urgência hospitalar. Informou, ainda, a técnica da EMAT que o seu advogado elaborou requerimento ao tribunal a pedir a suspensão das visitas do CC ao pai, sendo que a mesma perspetiva não entregar o filho na próxima quinta-feira ao pai, conforme o acordado no âmbito das RP, em proteção do filho.
Em contacto, posterior, com o pai, o mesmo negou ter amarrado o filho, referindo que o CC de sexta-feira a domingo foi lentamente melhorando o seu estado comportamental e as feridas trazidas de casa da mãe, na quinta-feira, foram lentamente ganhado crostas, melhorando o seu aspeto. Que antes do CC seguir para casa da mãe, pelas 17H30, lhe terá administrado a medicação diária, apresentando-se a criança estável. Que a mãe recolheu o CC e a irmã, em sua casa, pelas 17H50. Segundo o pai, o CC denota momentos de desregulação e autoagressividade, que se têm agravado, mas, na sua perspetiva, “com bom-senso, sensibilidade e mantendo um ambiente equilibrado e de tranquilidade à sua volta, o CC denota uma maior estabilização e melhoria do seu comportamento” (sic). Ainda na perspetiva do pai, a “desorientação da mãe está a prejudicar o CC, pelo que a solução não é mais medicação” (sic).
Parecer técnico
Face ao exposto, solicitamos a V. Exa. a realização urgente de uma audiência judicial, no sentido de uma redefinição do projeto de vida do CC, tendo em conta os seguintes fatores:
Agravamento da situação de vida e de saúde do CC, com perigo quanto à sua integridade física e estabilidade emocional e comportamental;
Renúncia informada quanto ao acompanhamento médico do CC, por parte da médica assistente designada pelo tribunal e acordada pelos pais;
Agravamento do conflito parental, sendo que a mãe manifesta recusa em cumprir com a entregado CC ao pai, no dia acordado para a visita, referindo proteção ao filho.
(…)»
[10] Sabemos que a motivação de querer fazer bem, assim se actuando, muitas vezes, sempre por via da complexidade das coisas, do contexto psicológico que se vive, não corresponde àquilo que é perspectivado e propugnado por quem vê as coisas de forma «desligada» e numa abordagem profissional e técnica.
[11] Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Julgar Online, maio de 2020, p.17.
[12] A. e op. cit., p.18.
[13] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, CPC anotado, V.II, p.459 e 460.
[14] AA, op. e loc. cit.
[15] AA, op. e lo. cit., p.459/460.
[16] Pretende-se também que se revogue o decidido na parte que a impede de ter acesso directo às informações escolares e de saúde da criança e a livre escolha do hospital em caso de emergência.
[17] Processo – Apelação n.º 2856/20.1T8AVR-B.P1, Ana Loureiro, da qual fomos adjunto.
[18] Epifânio, Rui M. L. / Farinha, António H.L. - Organização Tutelar de Menores, contributo para uma visão interdisciplinar do direito e menores e de família - 2º reimpressão, p. 327: “em caso de ruptura de vida dos progenitores, (....)”, o interesse do menor encontra-se “em estreita conexão com a garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores e que possibilitem o estabelecimento de relações afectivas contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não seja confiado.
[19] Note-se que o princípio do respeito da responsabilidade parental não é absoluto: tutela-se o mesmo no interesse superior da criança até onde for possível – Paulo Guerra, LPCJP anotada, 6º Ed., anotação ao art.4.º