DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
CAUSA DE PEDIR
TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO
FACTOS ESSENCIAIS
Sumário

I - O convite ao aperfeiçoamento dos articulados deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um ato vinculado a ser praticado pelo juiz.
Porém, por força do princípio do dispositivo, [que impõe ao Autor a alegação dos factos essenciais, art.º 5º nº 1 e art.º 552º nº 1 al. d) CPC], está vedado ao Tribunal socorrer-se do convite ao aperfeiçoamento quanto a esses factos. O Tribunal só está legitimado a convidar ao aperfeiçoamento no tocante aos factos instrumentais e aos factos complementadores ou concretizadores.
II - Nas ações declarativas de condenação, a nossa lei consagra a teoria da substanciação [cf. art.º 552º nº 1 al. d) e 581º nº 4 do CPC], isto é, impõe-se a alegação dos factos que integram a causa de pedir e fundamentam o pedido.
III - No direito português, e em regra, as obrigações são sempre causais, significando isso que a causa ou fundamento do negócio subjacente à emissão dum cheque é essencial para o respetivo regime.
IV - Se na PI o Autor se limita a acionar a Ré pelo simples facto de ela ter subscrito e emitido os cheques, sem indicar a causa, ou relação fundamental, o Tribunal só pode contar com a relação cartular invocada.
V - Além de constituir um título de crédito/meio de pagamento, o cheque pode ser também perspetivado como a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, o dito quirógrafo, subsumível ao art.º 458º do CC. Nesse caso é necessário alegar a causa da emissão do cheque, a relação fundamental.
VI - A alegação dos factos que integram a causa da emissão do cheque é um ónus do credor/Autor. Resulta claramente do art.º 458º nº 1 que o credor não fica desonerado de alegar a relação fundamental. O que o preceito diz é que o credor fica desonerado de a provar. Trata-se, pois, e simplesmente, de uma presunção legal.

Texto Integral

Apelação nº 2817/23.9T8AVR-A.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado

1. AA intentou ação declarativa de condenação contra BB, CC e DD, pedindo a sua condenação a:
● ser o Réu BB condenado no pedido, no capital de € 35000 e juros vencidos e vincendos, contados desde a data da constituição em mora, datada de 31.03.2021, até ao momento do cabal, integral e efetivo pagamento, sendo a quantia de € 20 000 à taxa convencionada de 7% e, ainda, os remanescentes € 15 000 à taxa legal supletiva em vigor, tudo e sempre acrescido de todos os custos e custas judiciais e encargos tidos e a suportar,
● ser a ré CC solidariamente condenada no valor parcial do pedido, no capital de € 21000, bem como em juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva civil de 4% ao ano, sempre contados desde a data da constituição em mora datada e até ao momento do cabal, integral e efetivo pagamento, acrescido de todos os custos e custas judiciais e encargos tidos e a suportar,
● ser a ré DD solidariamente condenada no valor parcial do pedido, no capital de € 3000, bem como em juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva civil de 4% ao ano, contados desde a data da constituição em mora e até ao momento do cabal, integral e efetivo pagamento, acrescido de todos os custos e custas judiciais e encargos tidos e a suportar.

Como causa de pedir, invocou um empréstimo efetuado ao 1º Réu no valor de € 35.000,00; como garantia de pagamento, o 1º Réu entregou ao Autor 3 cheques titulados pela 2ª Ré (no valor de € 7.000,00 cada) e um outro pela 3ª Ré (no valor de € 3.000,00). O empréstimo não foi pago e os cheques foram devolvidos por falta de provisão.

Em contestação, a 2ª Ré invocou não ter sido ela quem preencheu ou assinou os cheques, que lhe foram furtados, a prescrição/caducidade (falta de relação subjacente à relação cartular); para além disso, impugnou a factualidade alegada.

O Autor ainda respondeu às exceções.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se conheceu parcialmente do mérito da causa, nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a exceção perentória de caducidade e integralmente procedente a invocada prescrição do direito do autor AA a exigir da ré CC o pagamento das quantias inscritas nos cheques identificados de a) a f), da presente decisão e, em conformidade, absolve-se esta última dos pedidos deduzidos.

2. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Autor, formulando as seguintes conclusões:

1. O recorrente interpõe o presente Recurso do D. Despacho Saneador que, sem pôr termo ao processo, decidiu absolver a ré CC do pedido, porquanto:

2. quanto à caducidade decretada pelo D. Tribunal e referente ao cheque n.º ..., que tem data de emissão de 15-02-2022 e foi apresentado a pagamento em 14-09-2022, a figura da caducidade não se aplicaria, porquanto e em causa está o cheque enquanto declaração unilateral da devedora, enquanto mero quirógrafo ou prova documental e não uma sua utilização cartular stricto sensu, mormente enquanto título executivo.

3. A ação não se demonstra prescrita ou alvo de caducidade, nem deve a segunda ré ser absolvida do pedido.

4. O autor enformou a petição como se tratando de uma ação comum e assim em processo de natureza declarativo, razão pela qual os cheques em causa servem como documentos declarativos, ou meros quirógrafos ou até, como inclusivamente resultou aflorado em sede de D. Despacho Saneador ora em crise, como confissão e reconhecimento de dívida ou prova documental e inerente força

5. - mesmo que a caducidade do cheque n.º ... se tivesse verificado, tal implicaria tão-só a perda do direito à ação executiva, mas não quanto ao emprego de tal cheque em ação declarativa, bem como conduziria, antes ou ao invés de um Despacho Saneador, o D. Tribunal a quo devia ter proferido um D. Despacho de convite ao aperfeiçoamento, em omissão de ato que processual e juridicamente impediu o autor de alegar factos, mormente da relação material subjacente;

6. - mesmo que a entender-se pela caducidade de tal exercício cartular, executivo ou cambiário, sempre existe a natureza documental ou vertente declarativa, senão mesmo confessória pelo menos de declaração de vontade, em reconhecimento ou declaração de dívida, ou pelo menos a sua prova ou elemento de prova quanto à inerente declaração e obrigação cambiária.

7. Quanto à prescrição, à imagem do alegado quanto à exceção de caducidade, de iure e facto e em iguais moldes processuais, inexiste prescrição da ação, porquanto a mesma, não sendo (igualmente) confundível com a prescrição cambiária ou até executiva, não se verifica nos autos

8. - a par a circunstância de os cheques servirem, sempre ou pelo menos residualmente, como declaração e/ou como prova ou princípio de prova, assim como comprovação de obrigação pecuniária, mesmo que esfumada a vertente cambiária e/ou executiva, como ainda enquanto demonstração ou princípio ou sinal da existência de tal dívida ou obrigação pecuniária,

9. - por força do regime do Código de Processo Civil, impera o poder-dever de gestão processual, razão pela qual inexiste o contraditório por motu próprio, existindo assim a obrigação de se aguardar pelo melhor e sábio exercício da gestão processual, pelo que ao autor não foi processualmente permitida a reação factual àquilo que surge arrazoado em sede de contestação.

10. Quanto à repartição e distribuição do ónus de prova, discorda o recorrente da interpretação, valoração e aplicação, realizada a quo e quanto ao art.º 458.º do Código Civil (CC), pois em contrário o reconhecimento de dívida e promessa de cumprimento que decorrem da emissão de um cheque bancário, com a presunção de existência de uma relação fundamental, fonte constitutiva de uma obrigação, assim constituindo uma declaração de vontade urbi et orbi ou um negócio jurídico com eficácia constitutiva ou, pelo menos, declarativa, com a inerente presunção de causalidade.

11. Um cheque bancário constitui uma declaração unilateral onde não se indica a relação fundamental, incumbindo ao emissário do cheque a prova do seu contrário, i.e. cabendo a este o ónus de prova por uma eventual inexistência de relação fundamental subjacente.

12. Pugna-se pelo erro na aplicação do direito a quo, porquanto e por força do ali invocado art.º 458.º do CC, que assim se entende ter sido interpretado e aplicado mal tal regime, em erro de direito,

13. mais vigorando ainda, quanto à declaração ínsita no(s) cheque(s), o disposto nos art.º 352.º, 358.º n.º 2 e 376.º, todos do CC, assim igualmente violados a quo,

14. pelo que errou o Tribunal a quo quando violou o disposto nos art.º 342.º, n.º1, do CC, bem como o disposto no art.º 5.º, n.º 1, e 414.º, ambos do CPC, i.e., violou as regras respeitantes ao ónus de prova, sua repartição e valoração

15. - só assim se entenderia o teor da D. contestação, onde foi procurado reverter a presunção mediante a arguição da falsidade de assinatura,

16. - sendo que o autor ficou sem possibilidade de processualmente responder, face ao atual e regente regime do CPC, em violação do princípio do contraditório, ex vi art.º 3.º n.º 3 do CPC;

17. na ausência de Despacho pré-saneador, de convite ao aperfeiçoamento, atento ainda a que tal deficiência fundamentou o Despacho Saneador que absolveu a ré do pedido,

18. verificando-se assim a omissão de tal ato, de cumprimento do dever funcional de gestão processual, assim configurando uma nulidade, que diretamente influi na D. Sentença a final.

19. Errou o Tribunal a quo quando violou o disposto nos art.º 342.º, n.º1, do CC, bem como o disposto no art.º 5.º, n.º 1, e 414.º, ambos do CPC, i.e., violou as regras respeitantes ao ónus de prova, sua repartição e valoração.

20. O D. Tribunal a quo violou o disposto no art.º 195.º, n.º 1, do CPC, face à omissão indevida do convite do aperfeiçoamento, instrumento jurídico para casos em que os factos alegados pelo autor sejam insuficientes ou não se apresentem suficientemente concretizados, com a inerente violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, o que afeta a Sentença final.

21. Face ao exposto, mesmo a vingar a apreciação judicial a quo quanto à matéria excecional da caducidade e prescrição, ainda assim urgia in casu o despacho pré-saneador a que alude o art.º 590.º, n.º 2 al. b), 3 e 4, do CPC, em conjugação sistemática com o que decorre do art.º 6.º do mesmo Código.

22. Tal configura uma nulidade por força do disposto no art.º 195.º, n.º 1, do CPC, porquanto a omissão em apreço influi de forma inelutável sobre aquela que será a D. Sentença final, dado que a mesma, na sequência do D. Despacho Saneador ora em crise, jamais condenaria uma das rés no pagamento da obrigação pecuniária em apreço nos autos,

23. pois o D. Despacho Saneador julgou improcedente o pedido formulado contra a ré, que assim foi absolvida do pedido, por entender que o autor não alegou factos relativos à relação jurídica subjacente à emissão dos cheques juntos aos autos,

24. pelo que, na ausência de um D. Despacho pré-saneador de aperfeiçoamento, perante tal invocada deficiência do articulado - a qual, como se constata pela fundamentação para a absolvição em Despacho Saneador -, tal influiu no exame e decisão da causa, em omissão de um ato devido e, por conseguinte, nulidade que comprometeu o conhecimento, instrução, discussão e julgamento da causa.

25. Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente apelação ser julgada procedente e, por ser assim, revogado o D. Despacho Saneador que, sem pôr termo ao processo, decidiu absolver a ré CC do pedido, e, por conseguinte, ser determinado a prolação de Despacho pré saneador que convida o autor ao aperfeiçoamento do articulado de petição inicial, prosseguindo os autos os demais trâmites e termos a final, ou, subsidiariamente, caso assim não seja concedido,

26. seja o D. Despacho Saneador revogado, alterado ou substituído por outro que: inclua como objeto do litígio “c) se a ré CC deve ser condenada a pagar ao autor a quantia de 21.000,00 €, em virtude de ter emitido e entregado ao primeiro réu os cheques n.º ..., ... e ..., do “Banco 1...”, acrescida de juros e dos custos suportados com a devolução destes” e que inclua como tema de prova acrescido “2. A emissão dos cheques n.º ..., ... e ..., do “Banco 1...”, pela segunda ré e circunstâncias em que os mesmos foram entregue ao autor – artigos 13.º e 15.º, segunda parte, da petição inicial;”

27. Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Venerandas Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e, por conseguinte, ser revogada a Sentença recorrida,

28. tudo e sempre com os demais termos legais a final, pelo que, por tudo roga a Vossas Venerandas Excelências Justiça!

3. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência da apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4. OS FACTOS

Foram os seguintes os factos considerados no saneador-sentença:

a) o autor detém o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições:
● - “Banco 1...”;
● - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome;
● - a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros);
● - a data de 11-03-2022;
● - “à ordem de AA”;

b) No verso do cheque referido em a) consta: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 21 FEV 2022, Banco 1..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”.

c) O autor detém o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições:
● - “Banco 1...”;
● - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome;
● - a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros);
● - a data de 10-04-2022;
● - “à ordem de AA”;

d) No verso do cheque referido em c) consta: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 01 ABR 2022, Banco 1..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”.

e) O autor detém o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições:
● - “Banco 1...”;
● - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome;
● - a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros);
● - a data de 15-02-2022;
● - “à ordem de AA”;

f) No verso do cheque referido em e) consta: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 14 SET 2022, Banco 1..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”.

g) A presente ação foi instaurada em 06-08-2023.

h) A ré CC foi citada para a presente ação em 01-09-2023.

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, são as seguintes as questões a decidir:
● Nulidade por omissão do contraditório e de convite ao aperfeiçoamento em despacho pré-saneador
● Erro nas regras de distribuição do ónus da prova
● Erro de julgamento quanto à prescrição/caducidade

5.1. Nulidade por omissão do contraditório e de convite ao aperfeiçoamento em despacho pré-saneador

§ 1º - Com interesse para esta questão, interessa ainda o seguinte ritual processual que foi seguido e que se colhe do compulsar dos mesmos:

— Apenas a 2ª Ré CC contestou.

— Volvido o prazo das contestações, a Mmª Juíza proferiu despacho “ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação formal”, ordenando a notificação do Autor para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Ré.

— O Autor acatou o convite, sustentando a improcedência das exceções, nos seguintes termos:

2.º quanto à primeira excepção (1 a 10), a mesma carece de fundamento e vai impugnado por não corresponder à verdade, dado que os cheques, meios legais de pagamento e circulação monetária, são da ré e portam a respectiva assinatura, como a mesma não poderá deixar de saber, menos ainda quanto a uma hipotética subtracção dos mesmos, pois estes jamais foram declarados como estando extraviados - e, faz-se notar, os mesmos foram devolvidos pela câmara de compensação por falta de provisão;

3.º quanto à segunda excepção (11 a 31), que conflitua com a primeira, novamente a mesma carece de fundamento e vai impugnado, porquanto a legislação ali invocada não opera in casu e a presente acção segue a via comum e declarativa, mantendo-se assim a natureza legal do cheque enquanto meio de mobilização de fundos monetários, sendo que a mesma estaria já postergada pelo demais alegado, fosse a excepção anterior (1 a 10) ou a impugnação seguinte (32 ss.).

— Logo de seguida foi proferido o despacho saneador recorrido.

§ 2º - Sobre a omissão do contraditório resulta claramente que tal não se verifica.

O princípio do contraditório (art.º 3º nº 3 do CPC), traduz-se em (i) facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre todas as questões, de direito ou de facto, que em cada momento se mostram em discussão nos autos, de forma que cada uma possa contra-argumentar aos fundamentos invocados pela contraparte e, bem assim, (ii) quando o juiz, de sua iniciativa, pondere decidir com base “em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”, a dita decisão-surpresa. [1]

Como se vê do atrás exposto, o Autor foi notificado para, querendo se pronunciar sobre as exceções arguidas pela Ré. E, aceitando o convite, pronunciou-se expressamente como bem entendeu, optando por uma mera impugnação da factualidade integradora das exceções.

Donde, não se poder considerar violado o princípio do contraditório. Na sua resposta, o Autor poderia ter optado por outra “reacção factual àquilo que surge arrazoado em sede de contestação”, para usar as suas próprias palavras.

§ 3º - Sobre a omissão de convite ao aperfeiçoamento em despacho pré saneador

Nesta sede, reage o Apelante dizendo que a Mmª Juíza, antes de proferir decisão, devia ter procedido ao convite ao aperfeiçoamento, formalidade que lhe é imposta pelo art.º 6º e 590º do CPC.

Ora, a preterição de um ato ou formalidade imposta por lei só integra nulidade “quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”: art.º 195º nº 1 do CPC.

Por outro lado, não sendo de conhecimento oficioso, as nulidades secundárias têm de ser suscitadas pelo interessado, no prazo de 10 dias a contar da sua prática ou do seu conhecimento, sob pena de se considerarem sanadas: art.º 197º nº 1 e 199º nº 1 do CPC.

O Apelante suscitou a questão pela 1ª vez em sede de recurso, pelo que poderia questionar-se se é este o momento próprio para reagir contra a nulidade. [2]

Entendemos que sim.

Na verdade, como refere Anselmo de Castro, «Tradicionalmente, entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por n nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional.» [3]

É a hipótese dos autos, em que o Recorrente só tem dados para poder reagir contra a omissão de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial ao ser confrontada com o conhecimento dessa exceção.

Considerando atempada a arguição, vejamos do mérito da questão, ou seja, se no caso se impunha um convite ao aperfeiçoamento, como pretende o Recorrente.

O convite ao aperfeiçoamento tem larga tradição entre nós; bastar-nos-á recuar ao CPC, na redação anterior ao Decreto Lei nº 329-A/95, de 12.12, em que o despacho liminar ainda constituía a regra (cf. art.º 474º), e nele se cometia ao juiz a possibilidade de convidar o Autor a completar ou corrigir a petição, designadamente quanto à deficiente alegação dos factos.

Com a reforma operada por esse Decreto Lei nº 329-A/95, eliminou-se o despacho liminar como regra, passando a ser efetuado em termos bem contados do seu art.º 234º e 234º-A.

Manteve-se, no entanto, o convite ao aperfeiçoamento, que passou a ser exercido após os articulados de ambas as partes, a coberto do princípio da cooperação (art.º 264º) e no âmbito do despacho de pré-saneamento [art.º 508º nº 1 al. b) e nº 3 CPC], relativamente a todos os articulados e não apenas quanto à petição inicial.

Na versão atual do CPC manteve-se o princípio da cooperação (art.º 7º) e, no domínio da gestão inicial do processo, passou a dispor o art.º 590º nº 2 al. b) e nº 4 quanto ao convite ao aperfeiçoamento.

E, onde antes se dizia “pode o juiz”, determina-se agora que “incumbe ao juiz”, numa clara assunção de que o convite ao aperfeiçoamento deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um ato vinculado a ser praticado.

Assim, se ao juiz se afigurar que a petição ou a contestação padecem de insuficiência/imprecisão na alegação da matéria de facto, tem de convidar as partes ao seu aperfeiçoamento, sob pena de incorrer em nulidade pela inobservância de um ato prescrito na lei, que se repercutirá no exame e decisão da causa, como é caraterística das insuficiências da matéria de facto (art.º 195º nº 1 CPC).

«Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspetos merecedores de correção. Não se trata, como é óbvio, de salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou da ininteligibilidade da causa de pedir (art.º 186º), mas apenas de corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem, contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão (…).»

«A formulação conferida ao nº 4 do art.º 590º pôs termo à discussão que vinha existindo, por referência ao art.º 580º nº 3 do CPC de 1961, acerca da natureza do despacho destinado ao aperfeiçoamento dos articulados, ficando agora (mais) claro o seu caráter vinculado, arredando a possibilidade de o juiz optar entre proferir ou não tal despacho.» [4]

Porém, como referem ainda os Autores referidos, «Neste âmbito, importa atentar que o convite ao aperfeiçoamento dos articulados supõe que estes contenham um limite fático mínimo, aquém do qual não é possível diligenciar no sentido desse aperfeiçoamento. Com efeito, e quanto ao autor, é imprescindível que o seu articulado revele (individualize) a causa de pedir em que se baseia a respetiva pretensão (…).

Se faltar a causa de pedir, a petição será inepta, o mesmo sucedendo se tal causa de pedir for ininteligível 8art.º 186º nº 2 al. a)), gerando uma exceção dilatória e a consequente absolvição do réu da instância (art.º 186º nº 1, 577º al. b) e 278º nº 1 al. b)). Num caso e noutro, não será possível colmatar o vício do convite (…)» [5]

§ 4º - Como sabemos, no direito português, e em regra, as obrigações são sempre causais [6], significando isso que a causa ou fundamento do negócio subjacente é essencial para o respetivo regime. Já nos negócios abstratos (como é o caso dos títulos de crédito, caraterizados pela sua autonomia, abstração e literalidade), a causa é irrelevante e, como tal, não necessita de ser alegada já que, por norma, nas ações executivas basta a apresentação do título.

Porém, nas ações declarativas de condenação, como é o caso aqui, a nossa lei consagra a teoria da substanciação [cf. art.º 552º nº 1 al. d) e 581º nº 4 do CPC], isto é, impõe-se a alegação dos factos que integram a causa de pedir e fundamentam o pedido, formando-se caso julgado sobre a situação da vida assim delimitada.

A causa de pedir consiste, portanto, no ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o Autor se propõe fazer valer ou no «(…) núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido (…).». [7]

Ora, dado que a previsão legal de direito material, a estatuição normativa, é formulada abstratamente, torna-se necessário alegar os factos concretos, as ocorrências da vida que, no caso, integram o núcleo essencial da previsão da norma e permitem identificar o referido “facto jurídico”.

Ou seja, é preciso não confundir a identidade de factos naturalísticos ou materiais com identidade de factos jurídicos.

§ 4º - Visto isto, vejamos os contornos dos articulados para apurar se se justificava, ou não, o convite ao aperfeiçoamento.

Em resumo, o Autor alegou ser amigo do 1º Réu e ter-lhe emprestado € 35.000,00; como se tratava de quantia substancial, o 1º Réu prestou-se a dar garantias e a assinar os documentos pretendidos pelo Autor. [8] Nessa perspetiva, o Autor emprestou-lhe a quantia pretendida e o Réu entregou-lhe um documento denominado “confissão de dívida” e ainda 4 cheques [9].

O 1º Réu ainda não devolveu o dinheiro, pese embora as diversas interpelações que lhe fez. O Autor apresentou os cheques a pagamento e os mesmos foram devolvidos por falta de provisão. No que toca às 2ª e 3ª Rés, considerou-as em “cumulação subjetiva” e em “co-responsabilidade” pelo facto de terem assinado os cheques. [10]

Em contestação, a 2ª Ré invocou a falsificação dos cheques (que lhe foram subtraídos e forjada a sua assinatura), a prescrição (por apresentação para além dos 8 dias) e a caducidade do direito de ação (por ultrapassados os 6 meses consignados na Lei Uniforme relativa aos Cheques, LUC). Por fim, alegou nem sequer conhecer o Autor e não ter com ele qualquer negócio que fundamentasse tal dívida.

E, como já atrás vimos, notificado para se pronunciar sobre as exceções da contestação, o Autor limitou-se a uma mera impugnação.

Ora, olhada a PI, resulta claro que o Autor não alegou qualquer relação jurídica com a 2ª Ré, subjacente à emissão dos cheques (a denominada relação fundamental). O Autor limitou-se a acionar a Ré pelo simples facto de ela ter subscrito e emitido os cheques. Segundo o próprio Autor foi o 1º Réu quem lhe entregou os cheques, como forma de garantia do pagamento da dívida. Dívida que era do 1º Réu e não das 2ª e 3ª Rés.

A existir uma qualquer relação jurídica (entre o Autor e a 2ª Ré) subjacente à emissão dos cheques, ela teria de ser alegada pelo Autor.

Essa relação jurídica fundamental (mútuo? compra e venda?, por exemplo) constituiria o núcleo dos factos essenciais.

É sabido que, por força do princípio do dispositivo, o ónus de alegação dos factos essenciais impende sobre o Autor [art.º 5º nº 1 e art.º 552º nº 1 al. d) CPC], estando vedado ao Tribunal socorrer-se do convite ao aperfeiçoamento desses factos.

O Tribunal só está legitimado a convidar ao aperfeiçoamento no tocante aos factos instrumentais e aos factos complementadores ou concretizadores. [11]

«II. O poder de convidar ao aperfeiçoamento dos articulados, para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada, tem de ser entendido em rigorosos limites e isto porque esta invitação apenas pode ter lugar quando existam insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito, mas que permitam que este conhecimento e decisão (com o convite, se aceite) sejam realizados de forma mais eficaz.

III. Com a explicação de serem essenciais os factos que integrarem, naturalisticamente, os institutos jurídicos que servem de base à ação ou à exceção e com a distinção dos que, mesmo sendo complementares (ou concretização dos que as partes alegaram), não constituem os elementos típicos do direito que se pretende fazer valer em juízo, reconhecemos que não pode haver convite a aperfeiçoamento da petição para serem incluídos factos essenciais uma vez que a sua alegação cabe em exclusivo a quem tem o ónus de os introduzir em juízo.» [12]

O Autor limitou-se a acionar a Ré pelo simples facto de ela ter subscrito e emitido os cheques. Segundo o próprio Autor foi o 1º Réu quem lhe entregou os cheques, como forma de garantia do pagamento da dívida. Dívida que era do 1º Réu e não das 2ª e 3ª Rés.

Assim, à míngua de alegação dessa causa, o Tribunal só podia contar com a relação cartular invocada. E para essa, tornava-se inútil qualquer convite ao aperfeiçoamento, na medida em que a PI já continha os factos essenciais à relação cartular.

Concluindo, a existir qualquer outra causa para fundamentar a responsabilização da Ré, ela constituiria um facto essencial, pelo que estava impossibilitado o convite ao aperfeiçoamento.

5.2. Erro nas regras de distribuição do ónus da prova

Como decorre do atrás exposto, perante a alegação da petição inicial, e à impossibilidade de convite ao aperfeiçoamento, ao Tribunal perspetivavam-se duas hipóteses: (i) ou atendia à relação cartular nela exposta; (ii) ou declarava a ineptidão da petição inicial quanto à 2ª e 3ª Rés por falta de causa de pedir [art.º 186º nº 2 al. a) CPC].

O Tribunal optou pela 1ª vertente, e bem, pois é ao Autor que compete delinear os termos do litígio, não podendo o Tribunal presumir outras possíveis causas de pedir, ou causas de pedir inexistentes.

Como se refere na decisão recorrida, «No presente caso, para fundamentar o pedido de condenação da segunda ré, o autor alegou exclusivamente factos relativos à relação cartular, titulada pelos três referidos cheques. O autor não só não alegou qualquer relação jurídica mantida com a segunda ré, que justificasse a emissão e entrega dos aludidos cheques, como decorre do teor da petição inicial que inexiste qualquer relação entre ambos.»

E depois, perspetivando a possibilidade de os cheques constituírem uma confissão e reconhecimento de dívida, considerou-a inviável pois que «sempre se impunha ao autor que alegasse a relação material subjacente àqueles, ficando dispensando, apenas, da prova dos correspondentes factos, ao abrigo do disposto no artigo 458.º do Código Civil.», o que o Autor não fez pois que nada alegou.

E é neste âmbito que o Apelante Autor considera ter havido erro na distribuição das regras do ónus da prova.

São duas as regras básicas em termos de direito probatório material: ao Autor compete a prova dos factos constitutivos do seu direito e ao Réu a dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor: art.º 342º nº 1 e 2 do Código Civil (CC).

Daqui se infere a umbilical relação entre as regras do ónus de alegação/prova e a relação jurídica em litígio, pois só através desta se saberá quais os seus factos constitutivos ou impeditivos/modificativos/extintivos que competem a uns e a outros.

Como já vimos, na perspetiva de uma relação causal (relação subjacente à emissão do cheque), competia ao Autor alegar que relação jurídica foi essa estabelecida com a Ré.

É certo que um cheque constitui um título cambiário, por via do qual o sacador (quem emite o cheque) dá uma ordem ao banco sacado para pagar a uma quantia certa e determinada, a uma pessoa (beneficiário/portador do mesmo): art.º 1º, 3º e 5º da Lei Uniforme relativa aos Cheques (LUC).

No entanto, para além de título de crédito/meio de pagamento, o cheque pode ser também perspetivado como a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, o dito quirógrafo, subsumível ao art.º 458º do CC.

Porém, se essa pode ser a situação mais vulgar, tal pode não acontecer. Basta pensar, por exemplo, que a emissão dum cheque pode ter subjacente precisamente a situação oposta, consubstanciar um empréstimo do sacador ao beneficiário.

Para além de as promessas unilaterais só obrigarem nos casos previstos na lei (art.º 457º CC), determina o art.º 458º do CC:

1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.

Sem dúvida que o cheque é um documento e que, por norma, integra uma ordem de pagamento.

Contudo, como se referiu atrás, não é claro, nem sempre acontece, que um cheque integre um “reconhecimento de dívida”. Como se disse, a emissão dum cheque pode significar um empréstimo ao beneficiário.

Daí que seja necessário alegar a causa da emissão do cheque, a relação fundamental.

E essa alegação compete ao credor/Autor, pois que traduz um dos factos constitutivos do seu direito: art.º 342º nº 1 do CC.

Resulta claramente do art.º 458º nº 1 que o credor não fica desonerado de alegar a relação fundamental. O que o preceito diz é que o credor fica desonerado de a provar. Trata-se, pois, e simplesmente, de uma presunção legal.

No mesmo sentido, e apesar de o cheque constituir um título de crédito, refere o art.º 703º nº 1 al. c) do CPC que “À execução podem servir de base: (…) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;”

Portanto, sobre esse ponto, o CPC veio deixar expressamente consignada a admissibilidade de os títulos de crédito cujo direito de ação cambiária se mostre prescrito, poderem ainda constituir título executivo em 2 situações:

● que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento;

ou que sejam alegados no requerimento executivo.

Ou seja, para que uma obrigação cartular extinta por prescrição possa ser executada, agora a título de mero quirógrafo, a lei estabelece uma nova condição de exequibilidade: o exequente deve alegar os factos constitutivos da relação subjacente que deu causa ao título.

E, se assim é numa ação executiva, por maioria de razão o deve ser numa ação declarativa de condenação.

«Há neste caso não só uma inversão do ónus da prova, mas um agravamento desse ónus, na medida em que o aparente devedor não tem apenas que afastar determinada causa, mas convencer o tribunal de que a prestação prometida ou a divida reconhecida não têm nenhuma causa. Por isso se inverte o ónus da prova, mediante uma verdadeira relevatio ab onere probandi. (…) A simples inversão do ónus probandi quanto à causa da relação fundamental estabelecida no artigo 458 é diferente do regime do negócio abstracto, cuja validade não dependa da existência daquela relação.» [13]

«O preceito em causa refere-se à situação em que alguém reconhece uma dívida sem indicar a relação que está na origem da dívida. A presunção que a norma estabelece é a presunção de que a dívida tem uma causa jurídica. O que o credor fica dispensado de provar é a existência de relação fundamental, de causa para a dívida, uma vez que se presume que a dívida tem uma causa, é causal. Mas já não se presume qual seja essa causa em concreto e/ou a respetiva validade, motivo pelo qual, tendo presente o princípio da proibição dos negócios abstratos, se entende que o credor deve indicar a causa, não carecendo é de a provar[14] (sublinhado nosso)

Concluindo, a alegação dos factos que integram a causa da emissão do cheque é um ónus do credor/Autor. Por força da presunção do art.º 458º CC, ele apenas fica dispensado de provar a relação fundamental, caso a mesma seja impugnada.

O que aconteceu no caso foi que o Autor nada alegou sobre qual fosse a relação jurídica estabelecida com a Ré.

A decisão recorrida fez bom entendimento e aplicação das regras de direito probatório material.

5.3. Erro de julgamento quanto à prescrição/caducidade

Também aqui é de concluir não assistir razão ao Apelante.

No que toca à 2ª Ré, que suscitou a prescrição e a caducidade, e tendo o Autor alegado apenas factos relativos a uma relação cartular, a Mmª Juíza só dentro desse âmbito se podia mover.

E basta olhar para os factos provados, para se constatar ter sido ultrapassado o prazo de 8 dias quanto ao cheque n.º ..., vingando assim a prescrição consignada no art.º 29º da LUC.

Depois, segundo o art.º 52º da LUC, qualquer ação do portador contra os endossantes, contra o sacador ou contra os demais co-obrigados prescreve decorridos que sejam seis meses, contados do termo do prazo de apresentação.

Os cheques têm datas de emissão em 11/03/2022, 10/04/2022 e 15/02/2022; apresentados a pagamento, foram devolvidos por falta de provisão respetivamente em 21/02/2022, 01/04/2022 e 14/09/2022.

A presente ação foi instaurada em 06/08/2023, portanto, muito para além dos 6 meses. O prazo de prescrição/caducidade do direito de ação tem por efeito que a Ré pode recusar o pagamento pretendido pelo Autor: art.º 304º nº 1 do CC.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

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III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo do Apelante, face ao decaimento.


Porto, 20 de março de 2025
Isabel Silva
Ana Luísa Loureiro
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
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[1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª edição, 2014, Coimbra Editora, pág. 9.
[2] Como é sabido, “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”.
[3] In “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, 1982, Almedina, pág. 134.
No mesmo sentido, Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, Coimbra Editora, pág. 507/ 508; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, Coimbra Editora, pág. 183; Miguel Teixeira de Sousa, “Omissão do Dever de Cooperação do Tribunal: Que Consequências”, pág. 5/6, disponível no Blog do Instituto Português de Processo Civil, https://697024a0-a-62cb3a1a-s-sites.googlegroups.com/site/ippcivil/recursos-bibliograficos/5-papers/TEIXEIRA%20DE%20SOUSA%2C%20M.%2C%20Omiss%C3%A3o%20do%20dever%20de%20coopera%C3%A7%C3%A3o%20do%20tribunal.pdf?attachauth=ANoY7couhFewepme-3SqrJFPTRpAuHd6GK9VeWMnkWwS7-XWjcNXpRcd_g1pmrCSD6WgNPGoeaCZvLdtmaK1ZyEFuPFXmUAy4xyC89w01Nlr6XADL18iHX0aCb7tfTFAv55LrIbo8ysUHpm9qVjXELYnyGmfryquuSrkGEEvX4cgRmfEE2PdGdNfyrkIe3GZ6u2J1Jg8IIKYJoiP2gHSesHHHwWoIT7rPEUhQhcmdEr5Yb3xQv5xnvHfNULFh6bdIDx4PjYrTMaLAMjRCD5YHT7LO8UKObug240GistVPLuZ8gdwE2Sm0W5KEOZVRjQmrYilzpiH-rajVCRzTlfcbZPMvvcQVU4PMRjc6a3qpimcFve5M-EiQqY%3D&attredirects=0
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 3ª edição, anotações 25 e 41 ao art.º 590º.
[5] Anotações 29 e 30 ao art.º 590º.
[6] Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 413: «os negócios puramente abstractos existem apenas no domínio dos títulos de crédito, no campo do direito comercial».
E, para Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, 5ª edição, pág. 313: «para o direito não é normalmente suficiente que alguém esteja obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa: é também importante considerar e ter presente qual a raiz dessa obrigação, de onde provém. Este interesse não tem uma importância meramente informativa, mas antes legitimadora. Aquele que exige o cumprimento de certa obrigação tem normalmente – fora os casos de abstracção ou presunção de causa – de invocar e demonstrar a causa dessa mesma obrigação».
[7] José Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum, à luz do Código revisto”, Coimbra Editora, 2000, pág. 37.
[8] artigo 7.º da PI: De facto, então aquele (1.º réu) alegou junto do autor, mostrando até documentação alegadamente de índole bancária para o justificar, necessitar urgentemente de tal empréstimo, pois sem o qual não conseguiria desbloquear umas suas verbas elevadas que estavam retidas no estrangeiro, para tanto e então dando ainda todas as garantias, dado se tratar de uma grande quantia, nomeadamente cheques bancários, para além de assinar quaisquer documentos que o autor quisesse, ainda e sempre fruto da relação de amizade de longa data que os unia.
[9] Artigo 13.º da PI: Ainda, o autor ficou na sua posse, por entrega e para documentação do remanescente, sempre por instrucção directa do 1.º réu e para esse tanto pagamento parcial, com quatro cheques bancários que totalizam a quantia de € 24 000 (vinte e quatro mil euros), os quais são titulados por pessoas terceiras, as aqui 2ª e 3ª rés, assim entregues, repita-se, pelo 1.º réu ao aqui autor e para pagamento da dívida, a saber (…).
[10] artigo 22.º da PI: Ainda, dada a participação das duas pessoas emissoras de cheques e correspondente falta de provisão comprovadas, verificando-se assim uma cumulação subjectiva, devem ainda e em solidariedade serem as 2ª e 3.ª rés condenadas a pagar ao autor as importâncias devidas pelo réu, na proporção solidária de, conjuntamente com o réu: (…)
Artigo 23.º da PI: De facto, atendendo a que o 1.º Réu entregou ao autor os cheques titulados e assinados pelas aqui 2ª e 3ª rés, os quais foram devolvidos com o motivo de” falta de provisão”, tal forçosamente significa a co-responsabilidade destas nos respectivos montantes titulados pelos identificados cheques bancários (…).
[11] Segundo Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, edição Lex, pág. 71 a77, «os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte». Quanto aos primeiros, «são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação». Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.»
[12] Acórdão do STJ de 08/02/2024, processo nº 600/14.1 TVPRT.P1.S1. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 30/11/2022, processo nº 360/18.7T8PVZ.P2.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[13] Antunes Varela, “Das obrigações em Geral”, 9ª edição, págs. 454/455.
[14] Acórdão desta Relação do Porto, de 24/11/2022, processo nº 411/21.8T8OVR.P1.