DECISÃO ARBITRAL
RECORRIBILIDADE
CONVENÇÃO EXPRESSA
REGULAMENTO DE ARBITRAGEM
Sumário

I - Nos termos do nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária a adesão escrita ao regulamento do centro de arbitragem é suficiente para configurar a exigência de adesão expressa.
II - A adesão a essa possibilidade de recursos implica que todas as regras processuais, nomeadamente a do trânsito das decisões interlocutórias e interposição sejam aplicáveis.
III - Serão, pois intempestivas a invocação de questões que formaram caso julgado formal no processo.
IV - A questão de se determinar se uma cláusula contratual é ou aplicável e qual o seu sentido constitui uma questão jurídica que não pode ser solucionada na matéria de facto.
V - Em caso de renovação do contrato de seguro em principio serão válidas as condições constantes da comunicação efectuada e aceite pelo segurado.
VI - Todavia se a apólice de seguro menciona que é necessária uma ata adicional e se a alteração é relevante e saliente então, sem esta, continua a ser vinculante para as partes a versão inicial desse acordo.
VII - Se, afinal a razão do não financiamento do procedimento médico se deve a uma opção da seguradora que decidiu não financiar esse tipo de procedimentos fora ou dentro da rede estamos perante uma exclusão contratual.
VIII - Mas essa exclusão não é válida porque não consta do teor do acordo nem foi objecto de qualquer informação.
IX - E, o único critério que a poderia legitimar nos termos literais da apólice seriam as boas práticas clínicas”, o que nem sequer foi alegado.

Texto Integral

Processo: 363/24.2YRPRT

Sumário:

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Questão prévia

Estes autos foram objecto de recurso ao abrigo do art. 29º, nº 2 do regulamento interno do CIMPAS que dispõe: “2. Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”.

Mas a regra geral entre nós é que as decisões arbitrais sejam irrecorríveis, permitindo o nº4 do art. 39º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº63/2011, de 14 de dezembro, em vigor desde 15 de março de 2012, que a sentença arbitral “só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.

Foi decidido pelo Ac da RP de 10.7.24, nº 344/23.3YRPRT (Mendes Coelho) que “Exige-se, por via daquele preceito, uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes na convenção de arbitragem quanto à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, “não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento”.

In casu, porém, existe uma adesão escrita e concreta das partes ao referido regulamento de arbitragem (fls. 62) que, como vimos, permite concretamente a instauração deste recurso.

Neste caso, ambas as partes concordam na aceitação desse regulamento, pelo que ocorreu uma adesão concreta, escrita e directa da aplicação dessa norma constante do mesmo.[1]

Admite-se, por isso, o recurso.


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1. Relatório

O Sr. AA intentou reclamação em processo arbitral contra A..., S.A., pedindo a condenação desta a entregar-lhe a quantia de 36.770,24 euros por te sido realizada uma intervenção cirúrgica que esta se nega a pagar com o fundamento de ter sido realizada fora da rede.

A reclamada contestou mantendo a sua posição anterior.

Foi saneado o processo.

Procedeu-se a julgamento com inquirição de duas testemunhas.

Foi junta, de novo a apólice, desta vez datada de 2011.

Foi proferida decisão arbitral que julgou a reclamação procedente.

Inconformada veio a reclamante interpor recurso o qual foi admitido (desp de fls. 86) como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões cujo restante teor se dá por reproduzido.

1. Vem o presente recurso interposto da sentença arbitral proferida no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou totalmente procedente a reclamação apresentada pelo Reclamante e, em consequência, condenou a Reclamada, ora Recorrente, no pagamento ao Reclamante do valor global de € 36.770,24, referente ao valor do procedimento médico a que o Reclamante foi sujeito, com a qual a Reclamada, ora Recorrente, salvo o devido respeito, não se poderá conformar.

2. De facto, não pode a ora Recorrente concordar com a apreciação da prova carreada para os presentes autos realizada pelo Tribunal Arbitral, pelo que o presente recurso visa a revogação da sentença, com base na errónea apreciação dos factos,

3. Do mesmo modo, a Recorrente não se conforma com a incorreta aplicação pelo Tribunal das normas processuais contidas nos artigos 574.º n.º 2, 260.º, 265.º n.º 2 e 423.º n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil e 12.º n.º 2 do Regulamento do CIMPAS.

4. Sendo certo que a sentença incorre em errada interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 27.º n.ºs 1 e 3, 32.º n.º 2, 34.º n.ºs 1 e 2 e 35.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, ponto 8 da cobertura especial de doenças graves e cláusulas 7.ª n.º 1 e 11.ª n.º 1 das Condições Gerais da apólice do seguro.

5. Assim, as presentes alegações de recurso terão por objeto quer a alteração da matéria de facto, por via dos elementos constantes nos autos, quer a alteração da matéria de direito, pretendendo a ora Recorrente, mais concretamente: i. Invocar a nulidade da sentença por nulidade do despacho que admitiu a junção do documento em sede de Audiência de Julgamento, realizada no dia 10/05/2024, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC em conjugação com o disposto nos artigos 574.º n.º 2, 260.º, 265.º n.º 2 e 423.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPC e 12.º n.º 2 do Regulamento do CIMPAS. ii. Impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos previstos no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, adiante especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como os concretos meios probatórios, constantes no processo, que impõem decisão diversa da recorrida; indicando-se ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. iii. Pugnar pela alteração do teor da sentença proferida com base na factualidade dada como provada nos presentes autos e na interpretação e aplicação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso em concreto.

6. Ora, dos articulados e documentos constantes dos autos, é forçoso concluir que estava assente, porque admitido por acordo, o facto de que a condição especial de doenças graves, a ter cobertura, seria apenas Dentro da Rede.

7. Assim, os temas de prova centrais a fixar no presente processo era a questão de saber (1) o que se entende por “dentro da rede” e, bem assim, (2) se o ato médico em causa estaria ou não dentro da rede A..., temas sobre os quais foi produzida prova documental, na fase de articulados, e testemunhal, em sede de audiência de julgamento.

8. Sucede que, já no final da audiência de julgamento, o Reclamante, ora Recorrido, requereu a junção aos autos de uma proposta de seguro de 2011 (a qual é evidente que sofreu alterações) de onde se depreende que a condição especial de doenças graves teria cobertura de 100% Fora de Rede, por forma a pôr em causa, de forma inovadora, que a condição especial de doenças graves estivesse coberta apenas Dentro da Rede.

9. Questão esta que não estava em causa nos presentes autos! Motivo pelo qual a junção do referido documento não teria qualquer efeito útil para a boa decisão da causa.

10. Com a apresentação da Reclamação, o Reclamante devia ter apresentado todos os documentos que julgasse pertinentes para a apreciação da causa, sendo certo que o mesmo teria o documento em sua posse à data em que foi apresentada a Reclamação, conforme previsto nos artigos 12.º n.º 3 do artigo 12.º do Regulamento do CIMPAS e 423.º n.ºs 1,2 e 3 do CPC.

11. Sendo certo que a junção do referido documento não era legalmente admissível.

12. Não obstante, a junção do documento foi, desde logo, admitida pelo Sr. Dr. Juiz Árbitro, com fundamento na pertinência do mesmo para a “descoberta da verdade material”, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para que a Reclamada se pronunciasse sobre o mesmo, conforme Ata da Audiência de Julgamento de 10/05/2024.

13. Ora, a junção do referido documento no final da audiência de julgamento teve um efeito surpresa na relação material controvertida, porquanto o seu conteúdo determinaria uma alteração drástica do objeto do processo.

14. Assim, com a junção do referido documento no final da audiência de julgamento foi desrespeitado o princípio do contraditório, nos termos dos artigos 12.º n.º 3 do Regulamento do CIMPAS e artigos 3.º n.º 3 e 4.º do Código de Processo Civil,

15. E, bem assim, foi desrespeitado o Princípio da Estabilidade da Instância, ao abrigo do disposto nos artigos 260.º e 265.º n.º 1 do CPC.

16. Assim, nenhuma conclusão se poderia retirar do documento junto pelo Reclamante após a fase de articulados, sendo certo que alteração da causa de pedir, em virtude da junção do referido documento não era legalmente admissível.

17. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

18. O despacho de admissão do documento junto aos autos em sede de audiência de julgamento, veio a ter influência no exame e na decisão da causa, pois o Tribunal teve em consideração o referido documento para a fundamentação de facto da sentença, pelo que o mesmo é nulo.

19. Acresce que, ao proferir a sentença com base no documento cuja junção foi indevidamente admitida, o Tribunal pronunciou-se sobre um facto não alegado, nomeadamente, “que a condição de doenças graves tinha cobertura a 100% fora de rede”,

20. Assim, o Tribunal pronunciou-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, e, bem assim, sobre um objeto processual diferente daquele que vinha sendo alegado.

21. Nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

22. E, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quanto “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

23. Assim, a sentença proferida é nula, nos termos das als. d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pelo que desde já se requere que seja declarada a sua nulidade, revogando-se a sentença proferida.

24. No que à matéria factual constante da sentença diz respeito, a ora Recorrente considera incorretamente julgados o ponto 3 dos factos provados e os pontos a), b) e c) dos factos não provados, na medida em que, dos elementos probatórios constantes dos presentes autos, não é possível, salvo o devido respeito, concluir pelo entendimento seguido pelo Tribunal a quo.

25. Na verdade, tendo em conta a forma como a ação foi proposta, cujo objeto foi fixado com a apresentação da reclamação inicial pelo Reclamante, ora Recorrido e, posteriormente, com a apresentação da contestação pela Reclamada, ora Recorrente, o Tribunal jamais poderia ter dado como provado o ponto 3 dos factos considerados como provados, nos termos do qual “Do seguro subscrito pelo Reclamante, consta o “Resumo das opções, coberturas e capitais subscritos pelo Reclamante onde, de entre as coberturas, consta a de “Doenças Graves”, com um capital seguro de 1.000.000,00€, com uma comparticipação “Fora da Rede” de 100%”.

26. Isto porque, iniciada a Audiência de Julgamento, encontrava-se admitido por acordo o facto de que a cobertura de doenças graves apenas teria aplicação “Dentro da Rede”.

27. E, bem assim, provado pela apólice de seguro junta aos autos tanto, pelo Reclamante como pela Reclamada.

28. Sendo que a força probatória da apólice junta apenas poderia ser ilidida mediante a arguição e prova da falsidade ideológica ou da falsidade material deste último documento, o que não aconteceu. Antes pelo contrário, foi junto pelo Reclamante com a reclamação, um documento denominado “Apólice”, o qual configura a apólice de seguro contratada, exatamente igual à que foi junta pela Reclamada.

29. Assim, com base no documento referente à proposta de seguro do ano de 2011, junto em sede de Audiência de Julgamento, o Tribunal deu como provado um facto (não alegado!) de que a cobertura de doenças graves teria aplicação Fora da Rede, totalmente em contradição com o documento da apólice de seguro anteriormente junto por ambas as partes.

30. Face ao exposto, na dúvida sobre as condições da apólice, sempre deveria o Tribunal a quo ter considerado como provados os factos descritos nos documentos juntos por Reclamante e Reclamada.

31. Assim, o Tribunal não poderia ter considerado como provado o ponto 3 dos factos dados como provados, sendo certo que, não tendo sido alegado, não era se quer um facto a considerar como relevante para a decisão da causa!

32. Por oposição e, em decorrência do supra exposto, devia o Tribunal ter dado como PROVADO o facto, considerado como não provado sob o ponto a) “No que respeita à cobertura de;Doenças Graves”, foi convencionado o capital seguro máximo de €1.000.000,00, cujas despesas não tinham qualquer comparticipação fora da rede (0%)”.

33. Uma vez que se trata de facto admitido por acordo e, bem assim, provado pela apólice de seguros junta aos autos tanto pelo Reclamante como pela Reclamada.

34. Deverão igualmente ser considerados como PROVADOS os factos (considerados como não provados) sob os pontos b) e c) designadamente, passando a constar da decisão que resultou da prova produzida que: b) O ato médico em causa não se encontrava contratado, e c) O contrato de seguro dos presentes autos não prevê qualquer cobertura para reembolso de despesas realizadas fora da Rede.

35. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, realizada no dia 10/05/2024, mais concretamente, do depoimento da testemunha BB, cirurgião geral e diretor clínico da A..., é forçoso concluir pela prova do facto constante do ponto b) dos factos dados como não provados, isto é, que o ato médico em causa não se encontrava contratado.

36. Mais precisamente, o depoimento recolhido entre o minuto 00:28:22 e o minuto 00:30:20, e, bem assim, entre o minuto 00:41:34 e o minuto 00:42:28, do ficheiro único da gravação da audiência de julgamento, impunha que fosse considerado como PROVADO o facto b) dos factos considerados como não provados.

37. Senão vejamos, ao minuto 00:28:22 a Testemunha refere que “este é um procedimento que nós não temos contratado, que a A... não tem tratado na sua rede de prestadores, é um procedimento que nós nunca financiamos (…). 00:28:41 – Mandatária da Reclamada – Mas porque é que a A... não tem este procedimento na rede? 00:28:45 – Testemunha – Olhe, porque ainda não foi contratado. Quer dizer, como sabe, a base contratual da A... com os seus prestadores é a tabela da Ordem, essa é a base contratual. Mas há muitos procedimentos que não se realizavam quando da última revisão da tabela e, portanto, não constam da tabela. E nós para isso temos duas hipóteses: uma é arranjar na tabela existente uma analogia razoável, e pagar o novo procedimento com a codificação antiga, ou então, contratar especificamente esse novo procedimento, que temos feito para várias situações (…) Agora, para isso, é preciso que se chegue a acordo entre o financiador, neste caso a A..., e o prestador, ou seja, a instituição que realiza o procedimento. E há vários procedimentos, enfim, as coisas estão sempre a evoluir e estão sempre a aparecer, há vários procedimentos que não estão contratados, ou seja, sobre os quais não existe acordo, entre o prestador e o financiador. Nesse caso o que nos fazemos é: não financiamos porque não existe nenhuma base contratual para isso, mas reembolsamos o doente, nas condições previstas na sua apólice. O que acontece neste caso em particular, é que a apólice do doente não tinha cobertura de reembolso, e, portanto também, não teve direito a reembolso”.

38. Referindo ainda a dita testemunha, entre o minuto 00:41:34 e o minuto 00:42:28 que “O que nós consideramos dentro da rede é aquilo sobre o que existe acordo com uma outra instituição. Não está tudo acordado em todas as instituições do país. Umas têm contrato para uma coisa, outras tem contrato para outra, mas enfim… Aquilo sobre que existe contrato com uma instituição é considerado dentro da rede, aquilo para o que não existe contrato, é fora de rede. Nuns casos não existe contrato aqui, mas pode ter no hospital ao lado, e portanto se o doente fizer no hospital que tem contrato, é financiado, se fizer no hospital que não tem é fora de rede. Noutros casos, como é o caso do TAVI, mais recentes, não esta contratado em lado nenhum, por isso é sempre fora de rede”.

39. Ou seja, do depoimento da referida testemunha, resulta, de forma evidente, o que a ora Recorrente considera dentro e fora de rede, e também que, no caso concreto de um procedimento TAVI, não havia qualquer contrato entre a Recorrente e os prestadores, in casu, a Casa de Saúde ..., uma vez que se trata de um procedimento recente e não realizado de forma frequente.

40. Pelo exposto, devia o Tribunal ter considerado como PROVADO o facto constante do ponto b) nos termos do qual “O ato médico em causa não se encontrava contratado”.

41. Do mesmo modo, devia o Tribunal ter considerado como PROVADO o facto constante do ponto c) dos factos dados como não provados, isto é, que o contrato de seguro dos presentes autos não prevê qualquer cobertura para reembolso de despesas realizadas fora da Rede.

42. Nem se compreende como pode o Tribunal a quo julgar como não provado tal facto, quando tal situação resulta, de forma evidente, do contrato celebrado.

43. Resulta do ponto 8 da cobertura de doenças graves, constante das condições gerais do contrato de seguro celebrado que “As Comparticipações, Reembolsos, Capitais Seguros, Franquias, Copagamentos e Períodos de Carência encontram-se previstos nas Condições Particulares”.

44. Sucede que, das condições particulares, juntas aos autos, não resulta qualquer critério para reembolso,

45. De facto, tal foi evidenciado também pela testemunha Dr. BB, entre o minuto 00:30:12 e o minuto 00:30:18, em que refere “O que acontece neste caso em particular, é que a apólice do doente não tinha cobertura de reembolso, e, portanto também, não teve direito a reembolso”.

46. Nesta medida, teria o Tribunal a quo de considerar como provado o facto de que o contrato de seguro dos presentes autos não prevê qualquer cobertura para reembolso de despesas realizadas Fora da Rede, por referência ao contrato celebrado e, bem assim, em decorrência do depoimento da referida testemunha.

47. Tudo visto, no entendimento da ora Recorrente, a sentença proferida não formulou o devido juízo de valor quanto aos pontos a), b) e c) dos factos NÃO PROVADOS, pelo que terão os mesmos de ser alterados para o elenco de factos dados como PROVADOS.

48. Nestes termos desde já se requer a revogação da sentença proferida, devendo ser proferida nova sentença de onde conste do elenco de factos dados como provados os factos a), b) e c) do elenco de factos dados como não provados, nos seguintes termos: a) No que respeita à cobertura de "Doenças Graves”, foi convencionado o capital seguro máximo de €1.000.000,00, cujas despesas não tinham qualquer comparticipação fora da rede (0%). b) O ato médico em causa não se encontrava contratado. e) O contrato de seguro dos presentes autos não prevê qualquer cobertura para reembolso de despesas realizadas fora da Rede”.

49. Porquanto, conforme supra se expôs, resultava dos autos prova testemunhal (entre o minuto 00:28:22 e o minuto 00:30:20; entre o minuto 00:41:34 e o minuto 00:42:28 e, por fim, entre o minuto 00:30:12 e o minuto 00:30:18 do ficheiro único de gravação da audiência de julgamento) e prova documental (a própria apólice contratada) – que impunha decisão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal Recorrido e, nessa medida, no entender da recorrente deve a prova ser reapreciada e a sentença proferida ser alterada.

50. Salvo melhor entendimento, a sentença proferida, pelos motivos já expostos, para além de ter cometido erros notórios na apreciação da prova, fez uma incorreta interpretação dos preceitos a aplicar ao caso em concreto.

51. Isto porque, ainda que tenha sido admitida a junção aos autos da proposta de seguro, por um lado, não podia o Tribunal alargar a matéria factual alegada pelo Reclamante, substituindo-se ao mesmo, conforme supra exposto; por outro lado, não poderia o Tribunal ter concluído que o contrato entrou em vigor com os termos constantes da proposta.

52. O Tribunal fundamenta que “não existe nos autos, nem foi alegado pelas partes que alguma vez tenha havido qualquer acta adicional ao contrato subscrito de onde constasse a alteração de qualquer cláusula contratual”,

53. No entanto, tendo sido juntas aos autos apólices das quais constam “as novas condições particulares do seguro de saúde” e estando as mesmas expressamente aceites pelas partes, não competia ao Tribunal substituir-se ao Reclamante e sustentar as condições contratuais exclusivamente na proposta de seguro do ano de 2011.

54. Conforme supra exposto, ao considerar provado o facto de que a condição de doenças graves tinha cobertura de 100% Fora da Rede, o Tribunal a quo fez tábua rasa do facto de estar admitido por acordo e provado pelas apólices juntas aos autos, o facto de que a referida cobertura apenas tinha cobertura Dentro de Rede.

55. Sendo certo que o Reclamante aceitou expressamente a apólice, tal como foi junta aos autos por ambas as partes, a qual não impugnou, nem no momento em que foi recebida, nem nos presentes autos.

56. E igualmente certo que o Reclamante sabia o teor da apólice contratada, e por esse motivo aceitou o pagamento do procedimento médico em causa, por sua conta e risco.

57. Assim, o Tribunal a quo simplesmente decidiu substituir-se ao Reclamante e dar como provado um facto não alegado, fazendo constar da sentença, ex novo, um facto que não fora alegado pelas partes.

58. Ou seja, não caberia às partes alegar tal facto, porquanto ambas alegaram e apresentaram prova documental de que a apólice em vigor cobria apenas doenças graves Dentro da Rede, tudo isto ao abrigo do disposto nos artigos 32.º n.º 2 e 34.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril e, bem assim, do artigo 574.º n.º 2 do CPC.

59. Nestes termos, o Tribunal fez uma incorreta aplicação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril e artigos 574.º n.º 2, 260.º, 265.º n.º 2 do CPC, uma vez que devia ter considerada em vigor a apólice junta aos autos por ambas as partes.

60. De resto, o Tribunal determina ainda que “a Casa de Saúde ... está incluída na rede de prestadores A.... Mas, ainda que o não estivesse (para a cirurgia realizada), nos termos da Cláusula 11º nº1 das Condições Gerais do Seguro, “O Segurador obriga-se, nos termos e com os limites fixados nas Condições Gerais, especiais e Particulares, ao reembolso das despesas realizadas pela Pessoa Segura junto dos prestadores de serviços clínicos não integrados na Rede A..., sujeito aos parâmetros de valoração dos actos médicos de acordo com a tabela de valores relativos estabelecidos pela Ordem dos Médicos”. Ora, acontece que no caso concreto, o Reclamante beneficia de uma condição, que lhe é aplicável, e que lhe dá uma cobertura de 100% de comparticipação, fora da rede, até um capital seguro de 1.000.000,00€”.

61. Ora, conforme supra exposto, resulta do ponto 8 da cobertura de doenças graves, constante das condições gerais do contrato de seguro celebrado que “As Comparticipações, Reembolsos, Capitais Seguros, Franquias, Copagamentos e Períodos de Carência encontram-se previstos nas Condições Particulares”.

62. Sucede que, das condições particulares juntas aos autos, não resulta qualquer critério para reembolso!

63. Assim, o Tribunal fez ainda uma incorreta aplicação da cláusula 11.º n.º 1 das Condições Gerais do Seguro.

64. Sem prescindir do supra exposto, diga-se que o Tribunal a quo apenas poderia condenar a companhia com fundamento nas coberturas do contrato,

65. Sendo que o presente procedimento não tem cobertura na condição especial de doenças graves, uma vez que a mesma foi pensada para doenças no estrangeiro, tal como decorre das condições gerais e, bem assim, foi alegado pela Reclamada em requerimento junto aos autos.

66. Assim, surge a simples questão: com base em que cobertura o Tribunal a quo decidiu condenar a Companhia de Seguros ora Recorrente? Apenas com base nas declarações do Reclamante?

67. Vejamos, nos termos do n.º 1 da clausula 7.ª das condições gerais da apólice de seguro contratada “Salvo quando o contrário resulte das Condições Especiais ou Particulares, o presente contrato tem o seu âmbito territorial limitado ao território nacional”.

68. No entanto, para efeitos da condição especial de doenças graves, considera-se “Âmbito Territorial: cuidados de saúde prestados fora de Portugal”.

(…)

77. Nestes termos, por tudo quanto se deixou exposto, urge concluir que o Tribunal a quo violou os artigos 574.º n.º 2, 260.º, 265.º n.º 2 e 423.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPC, 12.º n.º 2 do Regulamento do CIMPAS, artigos 27.º n.ºs 1 e 3, 32.º n.º 2, 34.º n.ºs 1 e 2 e 35.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, ponto 8 da cobertura especial de doenças graves e cláusulas 7.ª n.º 1 e 11.ª n.º 1 das Condições Gerais da apólice de seguro.


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2.2. O Apelado contra-alegou, conforme consta de fls. 260 e seguintes e cujo teor integral se dá por reproduzido, concluindo que “a decisão recorrida mostra-se irrepreensível”.

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3. Questões a decidir

1. Apreciar se necessário a legalidade da junção do documento e das nulidades processuais.

2. Aferir se a decisão arbitral é nula.

3. Depois, caso necessário, apreciar o recurso sobre a matéria de facto

4. Por fim, determinar a validade da solução jurídica encontrada.


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1. Da junção do documento

Pretende a apelante que “com a junção do referido documento no final da audiência de julgamento foi desrespeitado o princípio do contraditório, nos termos dos artigos 12.º n.º 3 do Regulamento do CIMPAS e artigos 3.º n.º 3 e 4.º do Código de Processo Civil.

Desde logo é manifesto que essa questão é intempestiva e que o despacho que determinou a junção transitou em julgado.

Basta dizer que o mesmo foi proferido em 10.5.24, foi concedido à apelante o prazo de dez dias para se pronunciar (no qual nada disse sobre a “ilegalidade da junção”), a sentença foi notificada em 18.7.24 e só, nas alegações juntas em 23.09.24 a questão foi suscitada. O despacho em causa constituiu a admissão de um meio de prova. Logo, deveria ter sido interposto recurso de apelação autónoma (art. 644º, nº2, al. d), do CPC), pelo que a questão transitou e formou caso julgado no processo (art. 621º, do CPC).

Sempre se dirá que consta da acta de fls. 176 a concessão do prazo de 10 dias para a reclamada se pronunciar.

O principio do contraditório visa facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre todas as questões factuais e jurídicas relevantes.

Ora, in casu foi precisamente isso que aconteceu, pelo que é manifesto que esse principio não foi violado, tanto mais que esse documento foi criado pela apelante e foi determinado a junção do mesmo (completo) também no prazo de dez dias. Sendo, por último, que a parte pronunciou-se sobre estas questões conforme consta de fls. 179.

Improcede, pois, a questão suscitada já que tendo as partes aderido à recorribilidade das decisões, aderiram à regulação global do CPC para o momento de interposição e subida dos recursos e formação de caso julgado formal no processo.

2. Pretende depois que foi desrespeitado o Princípio da Estabilidade da Instância, ao abrigo do disposto nos artigos 260.º e 265.º n.º 1 do CPC.

A junção foi efectuada em 10.5.24. A apelante pronunciou-se sobre a mesma em 15.5.24 (fls. 179), sem que nada tenha sido invocado.

Logo, a arguição dessa nulidade processual apenas em sede de recurso constituiu uma questão nova intempestivamente arguida (art.199º, do CPC).

Acresce que é permitido ao tribunal nos termos do art. 5º, do CPC usar outros factos para além dos constantes nos articulados.

Essa norma dispõe que: “ Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.

Aliás é a própria apelante que pretende agora usar uma diferente justificação para o não pagamento da quantia do acto médico (já não por ser fora da rede mas sim por nunca ser autorizado esse procedimento), sem que note-se isso seja para si qualquer nulidade.

Improcede, pois, a questão.


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3. Da nulidade da sentença

Pretende a apelante que, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e quando se condene em objecto diverso do pedido”.

Salvo o devido respeito a nulidade arguida é manifestamente improcedente.

Bastará dizer que a condenação corresponde precisamente ao pedido formulado (restituição de uma quantia monetária); os fundamentos usados baseiam-se na mesma causa de pedir formulada pela parte (contrato de seguro e realização de um determinado procedimento cirúrgico).

Logo, não se vislumbra como, poderá a parte entender que usando as condições particulares e gerais da “sua” apólice de seguro pode o tribunal ter cometido essas nulidades.

Improcede, pois essa questão.


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4. Do Recurso sobre a matéria de facto

In casu estamos perante a estranha situação de estarem juntos aos autos duas redacções distintas do mesmo seguro. Uma (fls. 40) datada de 19.10.21 na qual o procedimento cirúrgico cujo pagamento é peticionado não possui qualquer comparticipação “fora da rede”. E outra datada de 12.12.11 (junta várias vezes nomeadamente a fls. 200), na qual não existe qualquer limitação à sua realização nas mesmas circunstâncias.

Sobre esta questão, que é central e decisiva, para a solução dos presentes autos, o Ex.mo Sr. Arbitro fez constar dos factos provados que:

1. Em 05/12/2011, o Reclamante, contratou um “Plano de Saúde A...” mediado pela sucursal da Maia do Banco 1..., o qual foi inserido no Aplicativo de Aceitação de Seguros de Saúde, naquela mesma data, o qual está titulado pela apólice nº ... (…)

3- Do seguro subscrito pelo Reclamante, consta o “Resumo das opções, coberturas e capitais seguros” subscritos pelo Reclamante onde, de entre as coberturas, consta a de “Doenças Graves”, com um capital seguro de 1.000.000,00€, com uma comparticipação “Fora da Rede” de 100%.

Pelo contrário, pretende a reclamante que passe a constar nessa matéria que: “No que respeita à cobertura de “Doenças Graves”, foi convencionado o capital seguro máximo de €1.000.000,00, cujas despesas não tinham qualquer comparticipação fora da rede (0%).

Teremos de notar que a técnica usada pelo Sr. Árbitro é tudo menos adequada. O mesmo resolveu a principal questão jurídica da sua decisão através da opção por comprovar apenas o teor de um dos contratos.

Nessa medida teremos de relembrar que a eliminação do artigo 646.º, nº 4 do anterior CPC que determinava “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito” (…), não significa que seja agora permitido resolver questões jurídicas através de opções factuais.[2]

É certo que esta norma não transitou para o atual diploma, mas esse principio geral mantém-se e deveria ter sido cumprido. Por isso, o tribunal deve evitar factos conclusivos (é o caso evidente do facto não provado b)) e que contenham já decisões sobre questões jurídicas essenciais à causa.

Na respectiva fundamentação o tribunal arbitral justificou apenas que “Os factos 1 a 3 estão provados por documentos (proposta de seguro subscrita pelo Reclamante junta aos autos em audiência de julgamento, complementada pela cópia da sua inserção no Aplicativo de Aceitação de Seguros de Saúde, junta pela Reclamada).

Mas, bem pelo contrário a versão dessa mesma apólice está aceite pelas partes, foi junta pelo apelado/reclamante e por isso também deveria estar demonstrada por documento.

Teria sim depois, em sede jurídica, de ser analisado qual a versão desse acordo valida e eficaz entre as partes. Por causa disso, aliás, é que na fundamentação jurídica se tentou justificar de forma leve, esparsa e superficial a opção por uma das versões do contrato.[3]

É, portanto, manifesto que nesta parte o recurso sobre a matéria de facto terá de proceder, pois, que é evidente que existem duas versões das condições do contrato ambas, aliás, emitidas pela apelante e juntas processualmente pelo apelado.


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Em segundo lugar pretende a apelante nas inúmeras páginas do seu recurso que o facto provado b) deve ser considerado provado.

Na realidade essa testemunha afirmou essa realidade a qual, como veremos, até é desfavorável à apelante. A mesma será, pois, comprovada de acordo com o que a testemunha expressamente afirmou não com a linguagem conclusiva e jurídica alegada pela parte.

A questão do facto C) está já contida na questão apreciada anteriormente.

Procede, pois, o recurso da matéria de facto nos termos expostos.


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5. Fundamentação de facto

1- Em 05/12/2011, o Reclamante, contratou um “Plano de Saúde A...” mediado pela sucursal da Maia do Banco 1..., o qual foi inserido no Aplicativo de Aceitação de Seguros de Saúde, naquela mesma data, o qual está titulado pela apólice nº ...

2- Como Segurados, figuravam o Reclamante, AA e CC.

3- Da versão de seguro subscrito pelo Reclamante, datada de 1.12.2011 e comdata de vencimento em 1.12.2012, junta a fls. 200 e cujo restante teor se dá por reproduzido consta o “Resumo das opções, coberturas e capitais seguros” subscritos pelo Reclamante onde, de entre as coberturas, consta a de “Doenças Graves”, com um capital seguro de 1.000.000,00€, com uma comparticipação “Fora da Rede” de 100%.

3A- Esse seguro, titulado pela mesma apólice consta de fls. 10 e segs., cujo restante teor se dá por reproduzido, datado de 19.10.21 com data efeito de 1.12.2021, consta o “Resumo das opções, coberturas e capitais seguros” subscritos pelo Reclamante onde, de entre as coberturas, consta a de “Doenças Graves”, com um capital seguro de 1.000.000,00€, com uma comparticipação “Fora da Rede” de 0%. (zero).[4]

4- Em 10/02/2022, o Reclamante recorreu a consulta de cardiologia com o Prof. Dr. DD, por, em exame de avaliação sequencial, lhe ter sido detectada “estenose aórtica severa”, tendo concluído pela eventual necessidade de um procedimento “TAVI”, encaminhando para o Dr. EE e propondo a realização do procedimento ainda no mês de Fevereiro de 2022”.

5- Em 11/03/2022, o Dr. EE, na Casa de Saúde ..., emitiu relatório clínico no sentido de ser realizado ao Reclamante um procedimento “TAVI” (Implante de válvula aórtica por via percutânea), tendo-o junto ao “Impresso de Informação Clínica” para “Procedimentos médico-cirúrgicos” em uso na Reclamada, com cirurgia programada para 22/03/2022, e que fez seguir através da Casa de Saúde ... para a Reclamada.

6- Em 21/03/2022, às 11:10 horas (véspera da cirurgia), a Reclamada, através de e-mail, comunicou ao Reclamante que “o seu Seguro de Saúde, não tem cobertura para reembolso fora da rede, e não existe acordo para a Cirurgia que vai realizar”.

7- O Reclamante foi submetido à cirurgia de Implante de válvula aórtica por via

percutânea (TAVI), na Casa de Saúde ..., tendo efectuado o pagamento da quantia total de 36.770,24 (referente às facturas ... e ...), àquela Casa de Saúde.

8- Apesar das reclamações do Reclamante, a Reclamada manteve a posição de considerar que a cirurgia a que aquele foi submetido, não estava autorizada e que não tinha cobertura de reembolso fora da rede.

9- A equipa médica da Casa de Saúde ... está verticalizada pela A...,

pelo que na esmagadora maioria dos casos, os médicos estão abrangidos pela Instituição com quem a A... tem convenção.

10[5]. O procedimento médico referido 4) nunca é contratado pela apelante seja dentro da rede ou fora desta é um procedimento que esta nunca financia.


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6. Motivação Jurídica

Estamos inequivocamente perante um contrato de seguro o qual foi celebrado em 2011 e tem por objecto o financiamento total ou parcial de despesas médicas no âmbito (ou fora) de uma rede de prestação de serviços médicos

É, pois, aplicável a regulamentação contida no regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL 72/2008.

Dogmaticamente este contrato de seguro é qualificado como aquele “pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador de seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro)”[6].

O contrato de seguro configura-se assim como um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso (por implicar vantagens para ambas as partes), e de execução continuada.

Pretende o tribunal arbitral (e por maioria de razão o apelado) que é aplicável ao caso dos autos a versão inicial desse acordo, nos termos do qual as despesas resultantes de doença grave fora da rede eram indemnizadas na totalidade (100%).

Todavia essa cláusula foi “substituída” aquando da renovação efectuada em 2021 nos termos da qual o reclamante foi notificado pela seguradora por carta de 10.10.21 (fls. 10), foi informado que a renovação acontece em 1.12.2021, foi-lhe enviado um resumo do seguro de saúde e no teor do mesmo consta a limitação à cobertura doenças graves (0%) fora da rede.

Teremos de notar que o respectivo prémio foi efectuado (pagamento mensal) e que a operação ocorreu em Abril de 2022 na vigência desse mesmo acordo.

Como é evidente não podem vigorar entre as mesmas partes, dois contratos idênticos, visando cobrir o mesmo risco, com diferentes clausulados.

Importa, pois, determinar se a versão do contrato de 2011 foi ou não substituída, por acordo das partes com o envio, e pagamento do prémio.

O art. 27º do RCS dispõe que: “O contrato de seguro individual em que o tomador do seguro seja uma pessoa singular tem-se por concluído nos termos propostos em caso de silêncio do segurador durante 14 dias contados da recepção de proposta do tomador do seguro feita em impresso do próprio segurador, devidamente preenchido, acompanhado dos documentos que o segurador tenha indicado como necessários e entregado ou recebido no local indicado pelo segurador”.

Mas o certo é que nas condições da apólice conta a seguinte menção (fls. 88):

ata adicional é documento que titula uma alteração da apólice.

Daí decorre, pois, que foi a seguradora quem estabeleceu que seria necessário produzir atas adicionais em caso de alteração das condições iniciais da apólice.

Nos termos do art. 32º, do RCS basta a forma escrita para a declaração negocial.

Sendo que “O contrato celebrado nos termos dos números anteriores rege-se pelas condições contratuais e pela tarifa do segurador em vigor na data da celebração”. (aqrt. 27º, nº3 do RJCS).

E, nos termos do art. 41º, do mesmo diploma “Considera-se como único contrato aquele que seja objecto de prorrogação”.

Daí resulta, portanto que apesar do envio dessa proposta de renovação em 2021 o certo é que a seguradora não elaborou e enviou qualquer acta adicional que menciona-se a alteração dessa cobertura (doença grave fora da rede), sendo certo que esta poderia ser uma condição decisiva para que o apelado decide-se renovar o contrato de seguro.[7]

Note-se que esta questão não é nova e foi solucionada precisamente nestes termos pela nossa jurisprudência.

Assim o Ac da RC de 8.6.22, nº 1020/18.4T8LMG.C1 (Paula Maria Roberto) decidiu que: “Se a ré seguradora não provou ter entregue ao tomador as condições do “seguro novo” e atas adicionais, deve entender-se que o prazo de 30 dias a que alude o art. 35.º do RJCS não se iniciou, caso em que o tomador do seguro pode invocar desconformidades entre o acordado e o conteúdo da apólice, as quais, uma vez verificadas, implicam a não consolidação do texto da apólice, com as condições ali expressas”.

E, na doutrina, Engrácia Antnes [8]é claro: “ ao invés do que sucedia no direito pretérito, a apólice de seguro deixou de constituir uma formalidade “ad substantiam” para passar a cobrar relevo exclusivamente em dois planos. Por um lado, no plano da prova do contrato (formalidade “ad probationem”), beneficiando da força probatória própria dos documentos escritos particulares (arts. 362.° e segs. do Código Civil). Por outro, no plano da oponibilidade dos efeitos contratuais, já que, antes da emissão e entrega tempestiva da apólice, o segurador apenas pode opor ao tomador cláusulas que constem de outro documento escrito assinado, além de este passar a dispor de um direito à resolução contratual com efeitos retroativos (art. 34.°, n.ºs 4 e 6 da LCS); e, após a sua entrega, apenas são oponíveis entre as partes as cláusulas que constem da apólice, ressalvada a invocação de desconformidades contratuais resultantes de erro negociais (no caso do segurador: cf. art. 34.°, n.° 3 da LCS) ou de documento escrito (no caso do tomador do seguro: cf. art. 35.° da LCS).”

Deste modo, o contrato de seguro que vigora entre as partes, nos termos da norma referida, é o que resulta das condições gerais e particulares da apólice original, sendo que a última versão do mesmo apenas seria vinculante para o segurado tivesse ocorrido a sua alteração nos termos do acordo (acta adicional).

Não sendo demonstrada esta então teremos de concluir que a matéria será regulada com os termos da respectiva apólice inicial que “contem todo o conteúdo acordado entre as partes” (art.37).


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2. Da relevância da exclusão do método de tratamento adoptado

Pretende agora a apelante que o procedimento médico adoptado nunca é por si comparticipado seja na rede ou fora desta.

Estamos, pois perante uma exclusão do risco/método de tratamento assumido através da consagração de uma exclusão.

Teremos, porém, de notar que essa exclusão não consta das declaradas (art. 13 da apólice).

E, nos termos do art. 18º, al c) do RCS cabe à seguradora informar “Das exclusões e limitações de cobertura”. Resulta daí que essa exclusão não é aplicável ao presente contrato porque não consta das exclusões comunicadas e aceites pelos seus outorgantes.

E, caso tivesse sido incluída sem qualquer informação faria incorrer a seguradora nas consequências previstas no art. 23º, do RCS.

Acresce que a seguradora/apelante bem sabe que num caso inteiramente análogo (dizia respeito ao mesmo contrato) o Ac da RL de 5.1119, nº 11619/18.3T8LSB.L1-7 (Diogo Ravara) decidiu: “Se a apólice do contrato de seguro prevê o reembolso de 50% das despesas de saúde em que o segurado incorreu desde que as mesmas se justifiquem de acordo com as boas práticas médicas e dentro dos limites quantitativos estabelecidos na mesma apólice, não pode a seguradora recusar o reembolso de despesas de saúde em que o segurado incorreu, com o fundamento de que aquelas despesas se reportam a atos clínicos que não constam das suas tabelas e não foram objeto de protocolo com qualquer instituição da sua rede de cuidados de saúde, porquanto a apólice não contém nenhuma cláusula que qualifique tal circunstância como causa de exclusão do âmbito de cobertura do seguro”.

Daí resulta, portanto, que se a seguradora não pretende custear o método clinico teria de incluir essa menção de forma expressa nas exclusões e não o fez.

Em segundo lugar viola no mínimo o normal dever de boa fé negar a autorização para o procedimento por ser “fora da rede” e vir depois, já em sede litigiosa afirmar que o fez porque nunca autoriza esse procedimento fora ou dentro da rede.

Ora, lendo a apólice podemos constatar que:

a) o nº 1 da Cláusula 10ª das Condições Gerais do contrato de seguro dos autos que o segurador garante às pessoas seguras o acesso direto aos médicos, hospitais ou unidades de saúde que em cada momento fizerem parte do “sistema integrado de cuidados de saúde”.

b) Nos termos da Cláusula 1ª, nº 6 das Condições Gerais tal sistema compreende “os prestadores em rede convencionada, nomeadamente médicos hospitais, clinicas (…)”.

c) Sendo que (nº 2, da cláusula 10ª) “relativamente a serviços que não estejam contratados com os prestadores de cuidados de saúde da rede” se aplica “o regime de prestações indemnizatórias”.

d) Por fim, a cláusula 20ª, nº 5 regula o modo como o segurado deve proceder para beneficiar da cobertura do seguro no regime das prestações indemnizatórias, estabelecendo que o mesmo deve solicitar à seguradora autorização para a realização dos atos médicos a que necessita de se submeter.

e) O nº 4 da cláusula 10ª, dispõe que o acionamento desta cobertura “depende de autorização expressa dos serviços clínicos do Segurador o qual obedece exclusivamente a critérios de natureza médida de acordo com os princípios da boa prática clinica”[9]

No caso vertente resulta da matéria de facto provada que a ré negou tal autorização. Mas como é obvio, essa recusa não conduz necessariamente à conclusão de que o autor não tem direito ao reembolso reclamado.

Com efeito, só uma recusa justificada pode afastar o direito ao reembolso reclamado, na medida em que a decisão da seguradora não constitui um ato discricionário, mas antes se sujeita a critérios previstos no próprio contrato.

Tais critérios são enunciados de forma muito clara no nº 4 da cláusula 10ª, que estabelece que a apreciação do pedido de autorização para a prática daqueles atos “É objeto de análise de processo clínico (…) e obedece, exclusivamente a critérios de natureza médica, de acordo com princípios da boa prática clínica” (sublinhado nosso).

Ora, não é sequer necessário determinar o que são boas práticas clínicas já que a operação realizada teve (aparentemente) sucesso, e, mais relevante a seguradora não tenta sequer alegar e justificar porque razão esse procedimento foi excluído da própria rede exclusivamente por critérios médicos.

Podemos, portanto, concluir que mesmo que fosse aplicável a exclusão (comparticipação O%) resultante da prestação de serviços médicos fora da rede, com base na nova tese aduzida pela seguradora sempre ocorreria uma nova realidade. Ou seja, a seguradora pretende excluir totalmente a realização de um determinado procedimento médico sem que tenha sequer aduzido qualquer explicação “exclusivamente médica” para o mesmo.

Com este fundamento improcederia, também, a apelação.

6. Deliberação

Pelo exposto, os juízes da 3º secção negam provimento à presente apelação e, por via disso, confirmam a decisão arbitral proferida.

Custas a cargo da apelante porque decaiu inteiramente.


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Porto, 20/3/2025
Paulo Duarte Teixeira
António Paulo Vasconcelos
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
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[1] Nos mesmos termos, a propósito de uma anterior versão desse regulamento Ac da RP de 25.2.14, nº 47/14.0YRPRT (Rui Moreira) onde se salienta que “nesse regulamento está expressamente prevista” a possibilidade de recurso.
[2] Ac da RP de 5.2.24, nº 521/20.9T8ALB.P1 (Manuel Fernandes).
[3] Mais se escreveu, na fundamentação jurídica que “Ora, não existe nos autos, nem foi alegado pelas partes que alguma vez tenha havido qualquer acta adicional ao contrato subscrito de onde constasse a alteração de qualquer cláusula contratual, mormente, a renegociação da cláusula “Doenças Graves” onde tivesse sido ajustado que a cobertura do capital seguro máximo de €1.000.000,00, deixasse de ter qualquer comparticipação fora da rede (0%)”.
[4] Facto aditado por efeito do recurso que implica a eliminação dos factos não provados a) e c).
[5] Facto aditado por efeito do recurso
[6] Engrácia Antunes, Contrato de Seguro na LCS de 2008, ROA, ano 69, n.º 3 e 4 (jul.-dez. 2009), pp. 815-858, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7Be96274ba-f961-4442-a4e4-46fb5338440e%7D.pdf, em especial, p. 819 e 822
[7] Basta dizer nos termos do art. 18º, al c) do RCS cabe à seguradora informar “Das exclusões e limitações de cobertura”.
[8] Ob cit., loc cit.
[9] Nosso sublinhado